I - O despacho do relator que admite o recurso para uniformização de jurisprudência e determina a remessa dos autos à distribuição não vincula o Pleno das Secções Cíveis (art. 692.º, n.º 4, do CPC).
II - A oposição de julgados que fundamenta o recurso para uniformização de jurisprudência é a que se verifica relativamente à “mesma questão fundamental de direito”, que pode ser uma qualquer das diversas questões suscitadas pelo litígio, quer de natureza substantiva, quer de natureza adjectiva, sem ter de ver, necessariamente, com aquilo que pode ser considerado o fulcro ou a questão dominante da discussão aí estabelecida (art. 688.º do CPC).
III - A circunstância de a “fattispecie” focada em cada um dos processos em confronto ser diferente – girando num à volta do direito de regresso da seguradora contra o tomador do seguro e no outro da prescrição da obrigação do devedor – em nada exclui a possibilidade de existência de julgados opostos sobre qualquer outra questão, nomeadamente de natureza processual, que seja comum a ambos e a respeito da qual possa discutir-se se, para este efeito, tal oposição incide sobre a mesma questão fundamental de direito.
IV - Pressupondo a contradição de acórdãos que a oposição resulte de decisões expressas, são irrelevantes para este efeito as decisões meramente implícitas ou pressupostas.
V - Confluindo tanto o acórdão-fundamento como o acórdão recorrido no entendimento de que cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer das questões cujo julgamento a 2.ª instância considerara prejudicado pela solução dada ao litígio, mas em relação às quais, mercê da alteração introduzida pelo STJ, tenha renascido o interesse e a necessidade de julgamento, a divergência estaria, no caso, na circunstância de o acórdão recorrido ter feito depender a apreciação dessas questões do pedido de alargamento do âmbito do recurso nos termos do art. 636.º, n.º 1, do CPC, a formular pelos recorridos, enquanto o acórdão-fundamento ordenou a remessa dos autos à Relação para esse efeito, sem que tal ampliação tivesse sido requerida.
VI - Porém, ignorando-se o pensamento subjacente ao acórdão-fundamento quanto à questão apreciada e decidida no acórdão recorrido, dado que no primeiro não se equacionou e muito menos se emitiu pronúncia sobre essa questão – designadamente se era dispensável o pedido de ampliação ao abrigo do art. 636.º, n.º 1, do CPC – não pode falar-se sequer de decisão implícita e, consequentemente, não pode afirmar-se a existência de contradição de julgados, o que determina a inadmissibilidade do recurso por falta de verificação desse indispensável requisito.
DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I - No Tribunal Judicial da comarca da … correu termos uma ação declarativa com processo comum movida por AA - Comércio de Plantas, Lda., contra BB e CC, em que a autora pediu a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 35.305,82, acrescida de € 5.531,24 de juros de mora já vencidos e dos vincendos até integral pagamento, ou, subsidiariamente, que tais valores lhe fossem restituídos a título de enriquecimento sem causa.
Para tanto, alegou, em síntese, ter prestado aos réus, a seu pedido, diversos serviços de execução de espaços ajardinados.
Os réus contestaram, alegando, em resumo, que os serviços prestados pela autora haviam sido pagos há mais de cinco anos, sendo que este pagamento, aliás, se presume, nos termos dos arts. 312º e 317º, als. b) e c) do Código Civil.
Houve resposta da autora e, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação inteiramente procedente, condenando os réus a pagarem à autora a quantia de € 35.305,82, acrescida de juros de mora já vencidos no valor de € 5.531,24 e dos vincendos, contados desde 5.12.2012 e até integral pagamento.
Os réus apelaram, defendendo, além do mais que aqui não interessa destacar, que o direito invocado pela autora se encontra prescrito nos termos da al. b) do art. 317º do Código Civil e que a decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser alterada, reconhecendo-se que pagaram o montante pedido.
Na Relação do Porto o recurso de apelação foi julgado procedente, tendo os réus sido absolvidos, tanto do pedido principal como do pedido subsidiário.
Tal decisão fundou-se, essencialmente, no reconhecimento da existência de prescrição presuntiva da dívida, nos termos da disposição legal referida em último lugar, mais se dizendo que, por isso, é “(…) inútil qualquer intervenção sobre a matéria de facto e/ou conhecimento da impugnação da decisão sobre a mesma.”
Inconformada com tal decisão, a autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal, onde, em 29.11.2016, foi proferido acórdão que, por considerar inaplicável ao caso o mencionado art. 317º, alínea b) do Código Civil, teve como não verificada a prescrição presuntiva e, por isso, revogou o acórdão da Relação, condenando os réus, aí recorridos, nos termos já julgados em 1ª instância.
Os réus, recorridos, reclamaram para a conferência, arguindo a nulidade deste acórdão por omissão de pronúncia, vício que radicaram na circunstância de, tendo eles suscitado nas alegações do recurso de apelação outras questões para além das que foram conhecidas pelo Tribunal da Relação, o acórdão do STJ não ter ordenado que esses outros fundamentos da apelação – nomeadamente, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto –, cujo conhecimento ficara prejudicado pela decisão decretada no acórdão da Relação em causa, fossem agora conhecidos por esse tribunal, isto ao abrigo do disposto nos arts. 665° e 679° do Código de Processo Civil[1].
Por acórdão de 31.01.2017 esta reclamação foi indeferida, por se haver considerado que, para o conhecimento das questões tidas como prejudicadas no acórdão da Relação, se impunha que os apelados houvessem requerido, na revista, a ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do nº 1 do art. 636º, o que não aconteceu.
Esta tese foi aí exposta nos seguintes termos:
“Versando o acórdão recorrido a decisão de um recurso, essas questões são, em princípio, as que o recorrente tenha suscitado nas conclusões das suas alegações do recurso de apelação, além das questões que oficiosamente a lei determine o seu conhecimento, tal como resulta das disposições combinadas dos arts. 635°, n° 4, 639°, n° 1 e 608°, n° 2, todos do Cód. de Proc. Civil.
E como acima já referimos, as questões que os recorrentes levantaram nas suas conclusões apresentadas no recurso de revista foram apenas aquelas que se referem acima, em que não consta a referida impugnação da decisão da matéria de facto.
Tendo em conta que os reclamantes haviam sido vencedores na decisão da apelação, nos termos do art. 631 °, n° 1, não podiam recorrer da falta de decisão daqueles fundamentos da apelação que haviam ficado prejudicados no seu conhecimento.
Mas os ora reclamantes, como recorridos na revista, poderiam usar o expediente processual previsto no n° 1 do art. 636°, consistente em nas suas contra-alegações, solicitar a ampliação do objeto do recurso de revista, para, no caso de proceder algum dos fundamentos da recorrente na revista, serem apreciados os seus fundamentos da apelação que haviam ficado prejudicados no seu conhecimento.
Nesse caso, dada a natureza desses fundamentos - reapreciação da decisão da matéria de facto - e sobretudo tendo em conta o disposto nos arts. 665°, n° 2 e 679°, devia essa apreciação ser determinada pelo Supremo Tribunal de Justiça para ser efetuada pela Relação em complemento do acórdão que conhecera da apelação.
Como os reclamantes não usaram desse expediente jurídico, o âmbito do recurso de revista limitou-se à referida questão da não verificação da prescrição presuntiva que, uma vez julgada procedente, determinava a condenação dos réus no pedido.
É que os referidos fundamentos da apelação, não apreciados, ficaram sem relevância jurídica, por falta de pedido de ampliação do objeto da revista.
É isto que resulta dos princípios processuais da preclusão e da auto responsabilidade das partes, ínsito nas referidas disposições legais, e nomeadamente do referido n° 1 do art. 636°.
Desta forma e em conclusão, diremos que o âmbito do recurso de revista delimitado pelo teor das conclusões da recorrente e, negativamente, pelas contra-alegações dos recorridos, foi objeto de conhecimento no acórdão recorrido, não havendo questão nele incluída que haja sido omitida naquele.
Desta forma, não foi praticada a arguida nulidade de omissão de pronúncia.”
Inconformados com ambos estes acórdãos – o de 29.11.2016 e o de 31.1.2017 –, os recorridos interpuseram contra eles o presente recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts. 688º e segs., indicando como acórdão fundamento – tirado em sentido oposto ao seguido nos acórdãos recorridos – o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 11/2015, de 2.7.2015, proc. nº 620/12.0T2AND.C1.S1, publicado no Diário da República, I série, nº 183, de 18.9.2015[2].
Nas alegações apresentadas formularam as conclusões que passamos a transcrever:
I. Os doutos Acórdãos proferidos nestes autos, a 29-11-2016 e a 31-01-2017, interpretaram os artigos 679.° e 665.° do CPC no sentido de que para que os ora Recorrentes vissem apreciados os seus fundamentos da apelação que haviam ficado prejudicados no seu conhecimento deveriam, nas suas contra-alegações, no recurso interposto pela Recorrida do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ter solicitado a ampliação do objecto do recurso (ao abrigo do disposto no artigo 636.°, n.° 1 do CPC).
II. Estava aí em causa o pagamento invocado pelos ora Recorrentes e a consequente alteração da matéria de facto a esse propósito, constante do seu recurso de apelação dos Recorrentes para o Tribunal da Relação do Porto, e que este Tribunal não conheceu, uma vez que entendeu verificar-se a prescrição presuntiva da dívida aqui em apreço.
III. Como tal, neste douto aresto, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou o disposto no artigo 679.° e 665.°, n.° 2 no sentido de que quando o acórdão do Tribunal da Relação não tiver conhecido alguma questão, por a considerar prejudicadas pela solução encontrada, sendo esse acórdão revogado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não deve este Supremo Tribunal ex officio remeter os autos à Relação para que essas questões sejam conhecidas.
IV. Antes só deverá determinar essa remessa se a parte Recorrida houver expressamente requerido a ampliação do objecto do recurso para conhecimento dessas concretas questões que não foram conhecidas pelo Tribunal da Relação (por este as considerar prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio) - ao abrigo do artigo 636.°, n.° 1 do CPC.
V. Porquanto considerou que os referidos fundamentos da apelação, não apreciados, ficaram sem relevância jurídica, por falta de pedido de ampliação do objecto da revista.
VI. Já o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 11/2015, de 2-7-2015 (cuja cópia se junta em estrita obediência ao disposto no artigo 690.°, n.° 2 do CPC) decidiu o Supremo Tribunal de Justiça de modo completamente diferente quanto a esta questão - questões não conhecidas no recurso de apelação por o seu conhecimento ter ficado prejudicado pela concreta solução dada ao litígio.
VII. Em aplicação das indicadas normas dos artigos 679.° e 665.° n.° 2 do CPC, neste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, decidiu-se que quando o acórdão da Relação não estiver afectado por uma nulidade, mas dele emergir apenas que não apreciou determinada questão, por considerá-la prejudicada pela solução então encontrada, uma vez revogado o acórdão, em lugar da imediata substituição que anteriormente era viável, impõe-se agora a remessa dos autos à Relação para que nesta sejam apreciadas as questões omitidas.
VIII. Consequentemente, neste douto Acórdão, ao contrário do que sucedeu no douto Acórdão recorrido de 29-11-2016, determinou-se a remessa dos autos à Relação para apreciação das questões que esta não conheceu anteriormente, atenta a solução que deu ao litígio.
IX. É de referir que no douto Acórdão fundamento a parte recorrida não requereu a ampliação do objecto do recurso para que essa questão prejudicial fosse conhecida - tal como decorre fluidamente das respectivas conclusões ínsitas no próprio Acórdão (cfr. fls. 8364 do Diário da República já referido).
X. E de facto não podiam sequer quer os aí Recorridos, quer os ora Recorrentes enquanto Recorridos no recurso de revista, requerer a ampliação do objecto do recurso, porquanto para o fazerem deveriam ter decaído nalguma questão por si invocada, (atenta a redacção do n.° 1 do artigo 636.° do CPC) o que não sucedeu, porquanto se tratam de questões (num e noutro caso) legitimamente não conhecidas por força da solução dada ao litígio pelo Tribunal da Relação - e não de questões julgadas improcedentes pela Relação.
XI. Outrossim, nem se verifica, como é evidente, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
XII. Como tal, não havia (nem num, nem noutro caso) qualquer fundamento para que os Recorridos pudessem sequer pedir a ampliação do objecto do recurso, atenta a redacção do n.° 1 e 2 do artigo 636.° do CPC.
XIII. Não poderia assim nunca ser imposto aos Recorrentes (enquanto Recorridos) o ónus de requer a ampliação do objecto do recurso para que as questões não conhecidas, por prejudicadas pela solução encontrada pelo Tribunal da Relação.
XIV. Verifica-se assim uma flagrante contradição entre o decidido no douto Acórdão Recorrido e no douto Acórdão Uniformizador, indicado como Acórdão fundamento, quanto à interpretação do artigo 679.° e artigo 665°, n.° 2 ambos do CPC, aos recursos de revista.
XV. Uma vez que num momento (os Acórdão recorridos), o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que, ao aplicar o artigo 679.° e 665.°, n.° 2 do CPC só poderia conhecer, ou mandar a Relação conhecer, das questões não conhecidas pela Relação no recurso de apelação (por força da decisão que esta tomou para dirimir o litígio) se a parte recorrida requeresse a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do artigo 636°, n.° 1 do CPC, enquanto no douto Acórdão fundamento (cuja cópia se junta) se aplicou os mesmos artigos 679.° e 665°, n.° 2 de modo a que se determinasse, sem qualquer ampliação do objecto do recurso, a remessa ao Tribunal da Relação para conhecimento por parte deste das questões que haviam ficado prejudicadas no anterior Acórdão que julgou o recurso de apelação.
XVI. Ora, esta divergência de aplicação das indicadas normas é fundamental e importou a prolação de decisões contraditórias pelo Supremo Tribunal de Justiça - em concreto no douto Acórdão recorrido e no douto Acórdão indicado como acórdão fundamento.
XVII. Não há dúvida que o Acórdão Uniformizador de que se junta cópia é anterior ao douto Acórdão recorrido, encontrando-se o mesmo já transitado em julgado - atenta a sua publicação em Diário da República.
XVIII. Em ambos os arestos há uma interpretação e aplicação contraditória, entre si, dos artigos 679.°, 665.°, n.° 2 e 636, n.° 1 do CPC.
XIX. Assim, encontrando-se em completa contradição o douto Acórdão recorrido e o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 11/2015, de 2-7-2015 (publicado no Diário da República, l.a série - N.° 183 - 18 de Setembro de 2015), quanto à interpretação e aplicação do disposto nos artigos 679.°, 665.°, n.° 2 e 636°, n.° 1 do CPC, deve ser este recurso admitido e deve o Pleno das Secções de Jurisprudência proferir Acórdão Uniformizador que determine qual a interpretação que deve ser feita das indicadas normas quando o Supremo Tribunal, em recurso de revista, revogar acórdão do Tribunal da Relação que não tenha conhecido de questões invocadas no recurso de apelação por entender terem ficado prejudicadas pela solução adoptou na sua decisão.
XX. Sempre com o devido respeito, e com a devida vénia, deverá ser fixada jurisprudência que determine que nesses casos, o Supremo Tribunal de Justiça deve determinar a remessa ao Tribunal da Relação para conhecer das questões consideradas por esta prejudicadas, atenta a solução que encontrou, sem que para o efeito seja necessário o requerimento de ampliação do objecto do recurso por parte do aí recorrido.
XXI. Devem assim ser revogados os doutos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça nestes autos, na parte em que condenaram os Recorrentes no pedido, por violação dos artigos 679.°, 665°, n.° 2 e 636°, n.° 1 do CPC, determinando-se a remessa destes autos ao Tribunal da Relação do Porto, para conhecimento das questões que esse Tribunal não conheceu do recurso de apelação interposto pelos aqui Recorrentes - nomeadamente as ínsitas nas suas conclusões XXXI, XXXII, XXXIII e XXXV desse seu recurso.
Houve contra-alegações onde, em síntese nossa, se defendeu o seguinte:
- embora os recorrentes digam que o recurso tem por objeto os acórdãos de 29.11.2016 e de 31.1.2017, a verdade é que o mesmo só versa o segundo destes acórdãos;
- o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe a contradição entre acórdãos do STJ quanto à mesma questão fundamental de direito, que deverá ser a questão que acompanhou o decurso do processo, e não uma questão nova, surgida só na última decisão proferida nos autos;
- a questão fundamental de direito discutida nestes autos respeita à prescrição presuntiva, sendo nova a questão agora suscitada quanto a saber se o STJ deveria, ou não, ter remetido o processo para a Relação a fim de serem conhecidas outras questões;
- o conhecimento, pelo STJ, de questões tidas como prejudicadas no acórdão da Relação pressupunha, no caso dos autos, que os recorridos houvessem pedido a ampliação do objeto do recurso nos termos do nº 1 do art. 636º, o que não fizeram;
- por isso o recurso não deve ser admitido.
O recurso foi admitido por despacho do Exmo. Conselheiro Relator, nele podendo ler-se, além do mais, o seguinte:
“O art. 688°, n° 1 prescreve que as partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Esse recurso tem de ser interposto no prazo de trinta dias, contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido - art. 689°, n° 1.
O requerimento de interposição tem de conter as alegações do recorrente, nas quais se identifiquem os elementos que determinam a contradição alegada e a violação imputada ao acórdão recorrido - art. 690°, n° l.
Com o mesmo requerimento tem de ser junta cópia do acórdão anteriormente proferido pelo STJ, com o qual o presente recurso está em oposição - art. 690°.
Este requerimento deve ser apreciado pelo Relator liminarmente -art.692°,n° l.
Ora passando para a mesma apreciação, vemos que o recurso é tempestivo e é o próprio - cfr. notificação do acórdão recorrido através da carta registada de fis. 387 do processo principal e a data de entrada do requerimento de fls. 2 do presente apenso.
Por outro lado, a admissibilidade deste recurso está ainda dependente da junção de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que conste a oposição de julgados prevista no art. 688°, n° 1, tendo os recorrentes juntado cópia de um acórdão deste Supremo Tribunal em recurso de uniformização de jurisprudência mas em que a questão em oposição com a decidida no acórdão aqui em recurso não foi abrangido pela uniformização.
Esta oposição de julgados pressupõe:
- Existência de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em oposição com o recorrido sobre a mesma questão fundamental de direito, verificando-se aquela oposição quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntica em ambos;
- O acórdão dito em oposição, o denominado acórdão-fundamento ser anterior e haver transitado em julgado;
- A jurisprudência perfilhada no acórdão recorrido não estar de acordo com a jurisprudência uniformizada pelo STJ.
A verificação da oposição de julgados exige, tal como é habitualmente entendido, que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; que as decisões em oposição sejam expressas; que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam em ambas as decisões idênticas. A expressão "soluções opostas" pressupõe que nos dois acórdãos é idêntica a situação de facto, em ambas havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeite às decisões e não aos fundamentos. Só há, assim, oposição de julgados justificativos de recurso, quando os mesmos preceitos forem interpretados e aplicados diversamente, a factos idênticos, de tal modo que não haverá oposição quando as decisões invocadas tenham por base situações de facto diferentes.
Em conclusão citaremos o recente acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 22-03-2013 no proc. 261/09.OTBCHV.P1.S1. de que foi Relator o Conselheiro Abrantes Geraldes:
"A contradição jurisprudencial para efeitos de admissibilidade de recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência há-de verificar-se relativamente a questões de direito que se revelem essenciais para a solução encontrada tanto no acórdão recorrido como no acórdão fundamento.
Não relevam para o efeito meros argumentos de ordem suplementar, com natureza de obiter dictum ".
A questão decidida no acórdão aqui em recurso impugnada pelos recorrentes consiste na interpretação que ali foi feita ao disposto nos arts. 679°, 665°, n° 2 e 636°,n° 1.
A interpretação impugnada consiste no seguinte:
No recurso de apelação interposto pelos réus condenados em Ia instância, foram alegados diversos fundamentos, tendo sido apreciado um - nulidades - que foi julgado improcedente e um segundo - prescrição - que foi julgado procedente, tendo este conhecimento tornado os outros - sobre a impugnação da decisão da matéria de facto - prejudicados que, consequentemente, não chegaram a ser apreciados.
Na revista interposta pela apelada, foi revogada a decisão da Relação de procedência do aludido fundamento da apelação - de verificação da prescrição -, e mantida a condenação da Ia instância, sem dar previamente oportunidade de os demais fundamentos da apelação serem apreciados, por se entender que essa apreciação apenas ocorreria com o alargamento do âmbito da revista, prevista no art. 636°, n° 1, por parte dos recorridos.
Entendem os recorrentes que mesmo sem haver sido requerido o alargamento do âmbito da revista, nos termos do art. 636°, n° 1, devia o Supremo Tribunal, oficiosamente, devolver o processo para que a Relação apreciasse esses outros fundamentos, antes de ser proferida condenação do pedido.
O acórdão fundamento apresentado consiste no acórdão proferido por este Supremo Tribunal em 2 de Julho de 2015, no processo n° 620/12.T2AND.C1.S1.
Neste processo foi proferida uma decisão de uniformização de Jurisprudência sobre o direito de regresso da seguradora que paga uma indemnização a um lesado de um seu segurado, em que este abandonou dolosamente o sinistrado lesado, fixação essa de jurisprudência no sentido de que o mesmo direito não exige um nexo de causalidade entre o abandono do sinistrado e a produção dos danos em causa.
O acórdão da Relação havia confirmado a improcedência do direito de regresso peticionado - por não haver sido apurado o nexo de causalidade entre o abandono do sinistrado e os danos peticionados - e, por isso, não havia apreciado a exceção perentória de prescrição do direito que o réu havia também oferecido em sua defesa na contestação.
No acórdão fundamento apresentado foi revogado o acórdão da Relação que havia julgado improcedente o direito de regresso, por considerar este não dependente do apuramento do nexo de causalidade entre o abandono do sinistrado e os danos.
Apesar de o ali recorrido não haver requerido a ampliação do objeto do recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 636°, o acórdão fundamento, em face da exceção de prescrição do direito de regresso deduzida pelo apelado como meio de defesa na contestação, ainda não haver sido apreciada, julgou que essa exceção perentória que havia ficado prejudicada no seu conhecimento, devia ser apreciada e, para isso, determinou oficiosamente a remessa do processo para esse conhecimento para a Relação, nos termos do art. 665°, n° 2 do CPC.
Desta forma, parece-nos que a mesma questão jurídica foi decidida de forma oposta nos acórdãos recorrido e fundamento, no domínio da mesma legislação.
E essa decisão foi fundamental ou determinante da sorte do litígio em apreço.
Assim, verificam-se os pressupostos de que depende a admissibilidade do presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência previsto no art. 688° e segs.
Tendo este, como dissemos já, sido tempestivamente interposto, tem o efeito devolutivo - art. 693°.
Por isso e nos termos do art. 692°, n° 1, admite-se o mesmo recurso e determina-se que os autos sejam remetidos à distribuição, nos termos do art. 692°, n° 5 do mesmo diploma legal.”
Tal despacho não vincula, porém, este Pleno - nº 4 do art. 692º.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que não se verificam os requisitos necessários para o recurso de uniformização de jurisprudência, que, consequentemente, não deve ser admitido.
Alinhou, em síntese, as seguintes objeções:
- São diversas as questões fundamentais de direito versadas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, consistindo, naquele, em saber se o direito de regresso a que se refere a al. c) do art. 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, abrange apenas os danos acrescidos resultantes desse facto, restringindo-se aos que são consequência do abandono da vítima, ou se, pelo contrário, abrange todos os danos independentemente da existência de qualquer nexo causal entre estes e o abandono, e, neste, em saber se a prescrição presuntiva prevista na al. b) do art. 317º do Código Civil é aplicável a crédito correspondente a preço devido por execução de um contrato de empreitada;
- Aliás, este recurso não respeita ao acórdão que apreciou esta questão essencial de direito, mas a um outro que decidiu apenas sobre uma questão acessória e superveniente só abordada em sede de reclamação para a conferência;
- No acórdão fundamento a pronúncia sobre a questão fundamental foi a decisão de conceder provimento à revista, ao passo que a que foi depois emitida, com base no art. 679º, para justificar a decisão da baixa do processo à Relação, não constituiu a ratio decidendi desse aresto, sendo apenas uma afirmação não fundamental, acessória e incidental;
- Tanto no acórdão fundamento como no acórdão recorrido entendeu-se que a apreciação dos fundamentos da apelação que haviam ficado prejudicados no seu conhecimento devia ser feita na Relação por determinação do Supremo Tribunal de Justiça;
- A razão que no acórdão recorrido se invocou para não reenviar o processo para a Relação – não ter sido pedida a ampliação do objeto do recurso – não foi objeto de qualquer decisão, expressa ou implícita, no acórdão fundamento.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Segundo o preceituado no art. 688º, o recurso para uniformização de jurisprudência tem lugar quando o STJ profira acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, desde que este último tenha transitado em julgado, o que, aliás, se presume.
A oposição de julgados invocada pelos recorrentes pode ser caracterizada pela seguinte forma:
Acórdão fundamento:
- Foi proferido em ação onde uma seguradora pedia, ao abrigo da al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31.12, a condenação do segurado a reembolsá-la do que pagou ao herdeiro de vítima mortal e ao Centro Nacional de Pensões na sequência de um acidente de viação em que o condutor responsável abandonou a vítima no local sem providenciar pelo seu socorro;
- Na contestação apresentada invocou-se, em sede de defesa por exceção, a prescrição do direito de regresso e, em defesa por impugnação, pugnou-se pela inexistência de culpa na produção do acidente e não se aceitou que o abandono do local tivesse contribuído para o decesso da vítima;
- No seguimento da sentença absolutória proferida na 1ª instância – na qual se não apreciou, por ter sido considerada prejudicada, a exceção perentória de prescrição –, a Relação entendeu, ao julgar o recurso de apelação interposto pela seguradora, que o abandono do local por parte do condutor lesante, aliás culpado do acidente, se mostrava absolutamente indiferente para o decesso da vítima, pelo que o recurso foi julgado improcedente;
- Interposto, pela seguradora, recurso de revista excecional ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 672º, e determinado o seu julgamento ampliado nos termos do nº 1 do art. 686º, o Supremo Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e, revogando o acórdão recorrido, uniformizou a jurisprudência no sentido de que o direito de regresso invocado pela seguradora “(…) não está limitado aos danos que tal abandono haja especificamente causado ou agravado, abrangendo toda a indemnização paga ao lesado com fundamento na responsabilidade civil resultante do acidente...”;
- Porém, porque as instâncias não haviam chegado a apreciar a exceção perentória da prescrição do direito de regresso, cujo conhecimento se tornara inútil pelo entendimento seguido, mas renascendo agora o interesse dessa apreciação, e não cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer de tal questão por a Relação a não ter apreciado, nos termos conjugados dos arts. 679º e 665º, foi determinada a remessa dos autos à Relação para esse efeito.
Acórdãos recorridos:
- A 1ª instância julgou procedente a presente ação, condenando os réus no pagamento da dívida peticionada;
- A Relação inverteu este julgamento por ter como verificada a prescrição presuntiva da dívida dos réus, abstendo-se de tomar posição, por desnecessário, sobre a realidade do pagamento que estes haviam alegado.
- O Supremo Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso de revista interposto pela autora, entendeu que a prescrição presuntiva não ocorria e restabeleceu a condenação proferida na 1ª instância;
- Os recorridos deduziram reclamação para a conferência, invocando a existência de omissão de pronúncia por ter sido proferida decisão final de mérito sem se ter providenciado no sentido de a Relação apreciar a impugnação deduzida contra a decisão de facto, na parte em esta julgou como não provado o invocado pagamento;
- Foi proferido acórdão que a indeferiu por se entender que a questão do alegado pagamento só seria de retomar no caso, não verificado, de os recorridos terem pedido a ampliação do objeto do recurso nos termos do nº 1 do art. 636º.
As objeções levantadas contra a admissão deste recurso para uniformização de jurisprudência assentam essencialmente - como resulta da posição assumida pela recorrida e pela Exma. Magistrada do M. P. - na alegada circunstância de os acórdãos em confronto não versarem a mesma questão fundamental de direito e, ainda, no facto de o acórdão fundamento não ter emitido qualquer decisão, expressa ou implícita, acerca da razão invocada no acórdão recorrido para não reenviar o processo para a Relação – não haver sido pedida a ampliação do objeto do recurso.
Vejamos.
Foi na revisão do Código de Processo Civil operada pelo DL nº 44129, de 28.12.61, que o então chamado “recurso para o tribunal pleno” passou a mencionar, como seu requisito, a oposição de julgados relativamente à mesma questão fundamental de direito, já que, até então, se aludia apenas à “mesma questão de direito”.
O aditamento feito visou atalhar à orientação do Supremo Tribunal de Justiça que vinha recusando “(…) a admissão do recurso em casos em que se julga manifesta a oposição dos acórdãos sobre a mesma questão essencial de direito, a pretexto das diferenças de pormenor que nunca será difícil descortinar entre diferentes espécies de facto. Só para vincar mais expressivamente a ideia (…) de que a oposição, que serve de fundamento ao recurso, existe sempre que os acórdãos marquem posições diferentes em relação à mesma questão fundamental, se deu nova redacção à parte introdutória do artigo. Quer isto dizer que, para apreciar a oposição invocada pelo recorrente, o tribunal tem de separar, nas questões decididas pelos acórdãos, aquilo que é o núcleo essencial do problema jurídico solucionado do que não passa de mero acidente ou pormenor sem relevância para a solução firmada num e noutro.”[3]
Por isso, a “mesma questão fundamental de direito” pode ser uma qualquer das diversas questões que são suscitadas pelo litígio, quer de natureza substantiva, quer de natureza adjetiva[4], sem ter de ver, necessariamente, com aquilo que pode ser considerado o fulcro, ou a questão dominante, da discussão aí estabelecida.
A circunstância de a “fattispecie” focada em cada um dos processos ora em confronto girar à volta de um direito de regresso da seguradora contra o tomador do seguro, num deles, e da existência de prescrição da obrigação do devedor, no outro, em nada exclui a possibilidade de existência de julgados opostos sobre qualquer outra questão, nomeadamente de natureza processual, que seja comum a ambos e a respeito da qual possa discutir-se se, para este efeito, tal oposição incide sobre a mesma questão fundamental de direito.
Nem se exige, também, que a discussão respeite, necessariamente, a questão que haja sido versada desde o início do processo, podendo, inclusivamente, o dissídio ter surgido apenas em sede de recurso de revista.
É o que acontece no caso sob exame.
No processo onde foram proferidos os acórdãos recorridos sucedeu, relembre-se, o seguinte:
- na 1ª instância negou-se a verificação dos requisitos da prescrição presuntiva e julgou-se como não provado o pagamento invocado pelos réus devedores, pelo que estes foram condenados a pagar a dívida exigida;
- na 2ª instância considerou-se verificada a prescrição presuntiva e, nessa conformidade, absolveram-se os réus do pedido, sem que, por se ter tornado desnecessário, se houvesse apreciado a impugnação da decisão proferida sobre os factos, deduzida no sentido do reconhecimento de que houve pagamento – questão tida, assim, como prejudicada;
- no STJ voltou a negar-se a verificação da prescrição presuntiva, assim se repondo a condenação inicial; e, apreciando-se reclamação apresentada pelos réus, disse-se que a questão do pagamento, envolvendo reapreciação da decisão proferida sobre os factos, só poderia ter lugar, dado o disposto nos arts. 665°, n° 2 e 679°, se o STJ determinasse que a Relação a apreciasse, o que pressupunha que houvesse sido requerida, com esse fim, a ampliação do objeto do recurso, ao abrigo do nº 1 do art. 636º - ampliação esta que não fora pedida.
No processo onde foi proferido o acórdão fundamento sucedeu o seguinte:
- na 1ª e na 2ª instâncias entendeu-se que o abandono do local do acidente por parte do condutor lesante, aliás culpado do acidente, se mostrava absolutamente indiferente para o decesso da vítima, pelo que se não reconheceu o direito de regresso invocado pela seguradora ao abrigo da al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31.12;
- tendo o STJ entendido que esse direito de regresso não está limitado aos danos que tal abandono haja especificamente causado ou agravado, abrangendo toda a indemnização paga ao lesado com fundamento na responsabilidade civil resultante do acidente, e cabendo à Relação, e não ao STJ, nos termos dos arts. 679º e 665º, apreciar a exceção de prescrição – até aí legitimamente tida como prejudicada –, determinou-se a remessa dos autos à Relação, para esse efeito.
A questão fundamental de direito que assim se perspetiva colocou-se apenas em sede de recurso de revista, tendo já ficado dito acima que tal não é obstáculo a que possa ser apreciado este recurso. E pode ser definida do seguinte modo:
I – Tendo a Relação deixado de conhecer questão que teve como prejudicada pela solução jurídica adotada, e renascendo o interesse na sua apreciação por o STJ adotar uma outra solução jurídica, só a Relação pode apreciá-la, nos termos dos arts. 679º e 665º;
II – O STJ deve remeter o processo à Relação, para esse efeito? Ou é necessário que na revista se haja requerido a ampliação do objeto do recurso, nos termos do nº 1 do art. 636º, para que a questão até então tida como prejudicada possa vir a ser apreciada?
A questão fundamental de direito em causa, assim configurada, mostra-se idónea para ser discutida num recurso para uniformização de jurisprudência, verificados que estejam os demais requisitos para tanto exigidos.
Não vem discutida, nem se levantam dúvidas sobre a identidade do regime normativo aplicado num e noutro caso.
Por isso, importa saber se está também verificado o requisito legal da oposição de acórdãos, ou seja, se os acórdãos aqui recorridos estão em contradição com o acórdão fundamento.
Em decisão singular proferida no proc. nº 2363/09.5TBPRD.P1.S1-A, depois confirmada por acórdão em conferência proferido em 10.1.2013[5], escreveu-se, a propósito do art. 763º, nº 1 do Código de Processo Civil anterior[6] – idêntico ao atual nº 1 do art. 688º - o seguinte:
“(…) a “contradição” pressupõe:
Identidade da questão de direito sobre que incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
Oposição emergente de decisões expressas e não apenas implícitas.”
Seguiu-se aí, a respeito da irrelevância de meras decisões implícitas, o entendimento que vem sendo adotado a propósito de meio processual paralelo no Supremo Tribunal Administrativo, como dão conta Aroso de Almeida e Carlos Cadilha[7].
E, posteriormente, vem sendo afirmada noutras decisões deste STJ a irrelevância, para efeitos de verificação da contradição de acórdãos, de decisões não expressas, mas apenas implícitas ou pressupostas[8], tendo-se dito na decisão singular, depois confirmada por acórdão de 7.12.2016[9], o seguinte:
“A natureza extraordinária do recurso para uniformização de jurisprudência, susceptível de afectar o caso julgado formado sobre um acórdão do Supremo, demanda que a sua admissibilidade obedeça a requisitos rigorosos (cfr. os Acs do STJ, de 16.2.16, de 26.3.15, de 29.1.15 e de 2.10.14, em www.dgsi.pt) onde avulta a comprovada existência de uma contradição directa (e não meramente indireta ou implícita) entre o acórdão recorrido e outro acórdão anterior do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente à mesma questão essencial de direito, proferidos num quadro normativo substancialmente idêntico.”
Ainda a respeito do desvalor das decisões implícitas para efeitos de contradição de acórdãos, lê-se, no recente Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA de 25.01.2018[10], proferido em recurso para uniformização de jurisprudência:
“Com efeito, e desde já, relembra-se que a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que as decisões implícitas ou subentendidas não podem servir de referência para a comparação com outra decisão para efeitos de verificar se existem decisões contraditórias (…)
Efectivamente, a apreciação do pressuposto do art.º 152.º do CPTA que agora se analisa só é viável se tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento tiverem emitido decisões expressas, não sendo, pois, suficiente uma mera decisão implícita. E isto pela simples razão de que a tese jurídica implicitamente adoptada mas não discutida poderia ter sido afastada se tivesse sido expressamente apreciada e tratada – sendo certo que, num outro cenário, ela pode, pura e simplesmente, não ter sido sequer enfrentada.”
No caso em exame, tanto o acórdão fundamento como o recorrido confluem no entendimento de que cabe à Relação, e não ao STJ, conhecer das questões cujo julgamento a 2ª instância considerara prejudicado pela solução dada ao litígio, mas em relação às quais, mercê de alteração introduzida no acórdão recorrido pelo STJ, tenha renascido o interesse e a necessidade de julgamento.
A divergência estará em que, enquanto o acórdão recorrido fez depender a apreciação dessas questões de pedido de alargamento do âmbito do recurso nos termos do art. 636º nº 1, a formular pelos recorridos, o acórdão fundamento ordenou a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para esse efeito, sem que tal ampliação tivesse sido requerida.
Importando para o caso em análise o entendimento acima referido acerca da irrelevância das decisões implícitas para efeitos de contradição de julgados, dir-se-á que se ignora o pensamento subjacente ao acórdão fundamento quanto à questão apreciada e decidida no acórdão recorrido.
Aceita-se que a posição nele adotada possa sugerir a ideia de que esse conhecimento pelo Tribunal da Relação terá sempre lugar, independentemente de qualquer atuação do recorrido, mas apenas isso…
A sua leitura somente permite concluir que aí se considerou não caber ao STJ o conhecimento da questão que a Relação deixara de apreciar por a considerar prejudicada pela solução dada ao litígio, o que levou a que, para o efeito, se ordenasse a remessa dos autos àquele tribunal.
Nele não se equacionou, e muito menos se emitiu pronúncia, sobre a questão na ótica do âmbito do recurso de revista, designadamente, se era dispensável o pedido de ampliação ao abrigo do nº 1 do art. 636º.
Em bom rigor, nem sequer há elementos que permitam lobrigar no acórdão fundamento uma posição a este respeito; assim, nem de uma decisão implícita poderá, com segurança, falar-se, antes sucedendo, simplesmente, que esse problema não foi sequer considerado.
Não pode, por isso, afirmar-se a contradição de julgados, concluindo-se pela não admissão do presente recurso, por falta de verificação desse indispensável requisito.
III - Pelo exposto, não se verificando os pressupostos legais do recurso interposto pelos recorrentes BB e CC, não se admite o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Lisboa, 17.05.2018
Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho (Relator)
Henrique Araújo
Maria Olinda Garcia
Helder Almeida
Acácio das Neves
Salreta Pereira
João Bernardo
Fonseca Ramos
Garcia Calejo
Helder Roque
Salazar Casanova
Távora Victor
Abrantes Geraldes
António Joaquim Piçarra
Fernanda Isabel Pereira
Tomé Gomes
José Rainho
Maria da Graça Trigo (Declaração de voto - * )
Roque Nogueira
Olindo Geraldes
Alexandre Reis
Pedro Lima Gonçalves
Rosa Tching
Cabral Tavares
Maria do Rosário Morgado
Sousa Lameira
João Camilo (vencido - ** )
Maria dos Prazeres Beleza (vencida - *** )
Oliveira Vasconcelos (vencido - **** )
Ana Paula Boularot (vencida - ***** )
Pinto de Almeida (vencido - ******)
Fátima Gomes (vencida - ******* )
Henriques Gaspar
_________
(*) - Declaração de voto
Votei o acórdão, discordando porém de passagem final da fundamentação (“Em bom rigor, nem sequer há elementos que permitam lobrigar no acórdão fundamento uma posição a este respeito; assim, nem de uma decisão implícita poderá, com segurança, falar-se, antes sucedendo, simplesmente, que esse problema não foi sequer considerado.”) por entender que o acórdão fundamento considerou a questão, ainda que de forma não explícita.
Graça Trigo
(**) - Voto vencido
(***) - Voto vencida
(****) - Voto vencido
Entendo que o recurso devia ser admitido, uma vez que se verifica uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, na medida em que neste, ao ordenar-se expressamente a remessa do processo para a Relação, independentemente de a recorrida ter requerida essa remessa nos termos do nº1 do artigo 636º do Código de Processo Civil, também se entendeu que não era necessário para o efeito esse requerimento - que foi considerado necessário no acórdão recorrido - sendo que para a interpretação das declarações contidas em decisões dos tribunais se aplicam as regras sobre as declarações negociais previstas no Código Civil, nomeadamente o disposto no artigo 217º do mesmo diploma quanto às modalidades da declaração e à possibilidade da mesma poder ser tácita.
Lisboa, 10 de Maio de 2018
Oliveira Vasconcelos
(*****) - Voto vencida
(******) - Voto vencido
(*******) - Voto vencida
___________
[1] Diploma a que pertencem as normas de ora em diante referidas sem menção de diferente proveniência.
[2] Diga-se, desde já, e conforme mais adiante se verá, que a oposição assim denunciada se reporta a um segmento do acórdão fundamento que não respeita à uniformização de jurisprudência que por ele foi feita.
[3] Cfr. Bol. Min. Just. nº 123, pág. 192 – observações ao correspondente artigo do projeto do Código de Processo Civil que veio a ser publicado pelo DL nº 44.129, de 28.12.1961
[4] Cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 20.3.2014, proc. nº 1933/09.4TBPFR.P1.S1, relator Cons. Helder Roque, com sumário em www.stj.pt
[5] Relator Cons. João Bernardo, acessível em www.dgsi.pt
[6] Anterior à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho
[7] Em “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, pág. 1177
[8] Cfr. os acórdãos de 20.07.2017, proc. nº 755/13.2TVLSB.L1.S1-A, relator Cons. Pedro Lima Gonçalves, citando o acima referido datado de 10.01.2013, relator Cons. João Bernardo (com sumário em www.stj.pt); de 25.05.2017, proc. nº 1738/04.PTBO.P1.S1-A, relator Cons. Távora Victor (com sumário em www.stj.pt) ; de 28.01.2016, proc. 291/1995.L1.S1, relator Cons. João Bernardo (com sumário em www.stj.pt); de 13.10.2016, proc. 2276/10.6TVLSB.L1.S1-A, relator Cons. João Bernardo (com sumário em www.stj.pt); de 26.05.2015, proc. nº 227/07.OTBOFR.C2-S1-A, relator Cons. Garcia Calejo (com sumário em www.stj.pt); de 20.3.2014, relator Cons. Helder Roque, proc. nº 1933/09.4TBPFR.P1.S1 (com sumário em www.stj.pt); e de 4.07.2013, Proc. 2625/09.0TVLSB.L1.S1-A, relator Cons. Bettencourt Faria, acessível em www.dgsi.pt
[9] Relator Cons. Abrantes Geraldes, revista nº 155/11.9TBPV2.P1.S1, com sumário publicado em www.stj.pt
[10] Proc. nº 01302/17, relatora Cons. Maria Benedita Urbano, acessível em www.dgsi.pt