TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
REINCIDÊNCIA
Sumário


I - O art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º.
II - Incidindo a análise neste último, constata-se que o legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação (ao contrário do que acontece com o art. 25.º que aponta meramente os fatores que podem justificar a atenuação). Entre elas importa seleccionar a da al. h), que foi a aplicada pelo tribunal recorrido. Da leitura do preceito resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta: consumidores dependentes, pessoas institucionalizadas, reclusos, militares, estudantes. Uma população algo heterogénea, mas que o legislador considera, por razões diversas, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, e portanto alvo fácil da ação dos traficantes. É este intuito protetor dos consumidores que preside à norma.
III - Assim sendo, e especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a ação era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º.
IV - Acentue-se porém que, para merecer essa integração, a ação terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado. Expliquemo-nos. A situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas.
V - Quer isto dizer que, acentuando mais uma vez o que já se escreveu, a ocorrência de um ato subsumível o art. 21.º em EP não determina automaticamente a agravação da al. h) do art. 24.º. Há que indagar e avaliar se o grau de ilicitude excede efetivamente o que é inerente ao crime do art. 21º, ao qual o facto deve ser subsumido, caso contrário.
VI - Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. Por outro lado, a atenuação da pena, devido à menor ilicitude do crime, a partir do art. 21.º, sempre pode ser efetuada nos termos gerais do CP, inclusivamente com recurso ao art. 72.º - atenuação especial. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa.
VII - No caso dos autos, ao arguido, recluso no EP de Lisboa, foram apreendidas diversas “bolotas”, que ele expelira do próprio corpo, contendo 117,3 g. de cannabis, estupefaciente que ele pretendia comercializar no interior do mesmo estabelecimento, tendo em vista a obtenção de lucro. Esta situação, quer pela quantidade do estupefaciente, suscetível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer pela intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, procurando assim o arguido aproveitar-se da eventual situação de carência de outros reclusos, é indubitavelmente subsumível à al. h) do art. 24.º do DL 15/93.
VIII - A reincidência tem dois pressupostos. Um de ordem formal: a prática pelo agente, depois de condenação transitada por um crime doloso em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, de outro crime doloso em pena idêntica, não tendo decorrido, entre a prática do primeiro crime e a do segundo um prazo superior a 5 anos. Um requisito de ordem material: dever ser formulado um juízo de censura ao agente por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime. É este último o elemento nuclear da reincidência: o desrespeito do agente pela “solene advertência” que a condenação anterior em pena de prisão encerra, revelando assim a prática do novo crime uma culpa agravada, merecedora de uma mais intensa censura penal.
IX - A reincidência exige uma reiteração fortemente culposa, uma conexão estreita entre o novo crime e o anterior que denuncie que o agente foi insensível à anterior condenação, radicando portanto a reiteração em fatores inerentes à sua própria personalidade e não em fatores fortuitos ou exógenos, de forma a distinguir o reincidente do pluriocasional. Essa relação de conexão será certamente mais fácil de encontrar na chamada “reincidência homótropa” (crimes da mesma natureza) do que na “reincidência polítropa” (crimes de diferente natureza).
X - O essencial é identificar os laços que existem entre os dois crimes, e que permitam concluir pelo referido juízo de censura agravado, o que exige a produção de prova sobre a mesma. Por outras palavras, o preenchimento do elemento material tem que assentar em factos concretos, atinentes à motivação ou à execução do crime, demonstrativos de que o aviso contido na anterior condenação foi indiferente para o agente, e não em deduções sustentadas exclusivamente na reiteração criminosa. Ou seja, não se pode deduzir o elemento material da reincidência do seu elemento formal.
XI - No caso dos autos, o crime que motivou a presente condenação é um crime de tráfico de estupefacientes agravado pela circunstância de ser praticado em estabelecimento prisional. As condenações anteriores, em número de três, foram todas por crimes de roubo, praticados no ano de 2015. Não se encontra qualquer conexão entre esses crimes e aquele por que foi condenado nestes autos. Este último resulta do aproveitamento da circunstância de se encontrar recluso num estabelecimento prisional, o que lhe proporcionou elaborar um plano de distribuição lucrativa de cannabis no mesmo estabelecimento, para isso contando com a colaboração da mãe. A reiteração criminosa deve-se pois mais a circunstâncias fortuitas ou exógenas do que a uma tendência criminosa por parte do arguido, que se vinha manifestando, sim, no âmbito da criminalidade violenta contra o património. Não é propriamente o facto de a reincidência ser polítropa que afasta essa agravante. É, sim, o não se vislumbrar nenhum laço estreito, nenhuma “íntima conexão”, entre os crimes. Conclui-se pois pela não verificação da agravante qualificativa da reincidência.

Texto Integral




Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

AA
com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão de 7.12.2017, pela prática, como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º, nº 1, do Código Penal (CP), de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, h), do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 7 anos de prisão.
Desse acórdão recorreu o arguido, alegando:

Do Objecto e Delimitação do Recurso
1. O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, número 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, na pena de 7 (sete) anos de prisão;
2. O presente recurso tem como objecto a determinação da medida da pena, com invocação dos pressupostos da atenuação especial, que deveria ser fixada em 5 (cinco) anos de prisão.
Do Relatório Social
3. Considera o Recorrente que o tribunal a quo não considerou devidamente para a medida da pena o relatório social nos termos previstos no artigo 370° do CPR
4. Ao Relatório Social aplicam-se algumas das regras atinentes às provas dispostas no n? 4 do 370° e 355° do CPP.
5. Assim, devem os tribunais aderir ao que figura no relatório social, adoptando algumas das suas considerações e incluindo-as na matéria de facto dada como provada.
6. Portanto, o relatório social é elaborado para determinar a sanção, n° 1 do artigo 370° do CPP. E neste caso deve o Tribunal acolher o teor desse Relatório, uma vez que é benéfico para o Recorrente e deste modo atenuando a pena aplicada.
7. Indicando mesmo no referido relatório que o Recorrente tem bom comportamento no estabelecimento prisional, frequenta a escola, tem projectos de melhorar as habilitações literárias, é trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes.
Dos Factos
8. O Recorrente cooperou com o Tribunal para encontrar a verdade e confessou praticamente toda a matéria de facto articulada pela Acusação, razão pela qual não se incidirá muito neste ponto.
9. O recorrente é uma pessoa modesta e detém pouco poder económico, tendo sido devido à crise financeira e ao desemprego na construção civil que o levaram a enveredar pelo caminho do desrespeito da Lei.
10. O Recorrente encontra-se em grande sofrimento e tristeza por ter praticado o referido crime, razão pela qual o confessou em Tribunal.
11. O Recorrente encontra-se, também, seriamente arrependido tendo demonstrado este arrependimento desde o início do processo.
12. Lamenta diariamente o sucedido e considera esta situação como uma página negra na sua vida.
13. O facto do Recorrente já se encontrar em prisão surtiu o efeito dissuasor desejado pela prevenção geral.
14. Ora, salvo o devido respeito, considera-se que a pena de prisão aplicada ao ora recorrente afigura-se manifestamente exagerada e desproporcional, conforme se irá expor.
Do Direito
15. O recorrente mostrou arrependimento, está inserido familiar, profissional e socialmente, é de modesta condição socioeconómica e praticou os factos num contexto de dificuldades pessoais, pelo que, como o Recorrente, não só se arrependeu como também cooperou com a descoberta da verdade confessando, pode formular-se um juízo de prognose favorável quanto à sua reinserção social, em liberdade.
16. Consideramos que graduação da pena aplicada ao Recorrente se deve situar no mínimo legal.
17. Devemos considerar que se o legislador previu na moldura um limite mínimo significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, sob pena de se violar o disposto no n° 2 do art° 40 e n° 1 do art° 70 do Código Penal.
18. Em sede de Graduação de medida da pena devemos atender à idade do Recorrente, à modesta condição social, cultural e económica, bem como à sua inserção social para atribuição da medida da pena, trabalhador que se encontrava socialmente e profissionalmente inserido.
19. Devemos ainda considerar que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no n° 1 e 2 do art° 40 e o n° 1 do art° 71° ambos do Código Penal.
20. Pelo que devia ser menor a medida da pena aplicada ao Recorrente, sob pena de se violar o disposto no n.°2 do art.° 40 e no n.° 1 do art° 71, ambos do Código Penal.
21. A pena deverá ser a justa retribuição por um mal que se pratica sem que se deixe de levar em conta na determinação da mesma a reinserção social do Recorrente dando-se ao mesmo tempo, satisfação ao sentimento de justiça da comunidade.
22. Por outro lado, por vezes são maiores os malefícios de uma curta pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a SIDA e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a usar a violência.
23. Por último, foi dado como provado no artigo 39° do Douto Acórdão que "No Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus encontra-se em regime fechado, tem apresentado comportamento adequado às normas institucionais e ainda não beneficia de medidas de flexibilização da pena; projecta elevar as suas habilitações literárias, estando neste momento a frequentar o EFA B2 — Escolar, com interesse e empenho; ocupa o restante tempo livre com a frequência diária do ginásio do estabelecimento prisional".
24. Conclui-se, portanto, que o Douto acórdão recorrido deverá, salvo melhor opinião, ser revogado e substituído por outro que considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos a qual realiza de forma adequada as finalidades da punição.
25. Só assim, se fazendo a costumada justiça!

CONCLUSÕES
1. O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, número 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, na pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva.
2. Salvo o devido respeito, que é muito, considera-se que a pena de prisão aplicada ao ora recorrente afigura-se manifestamente exagerada e desproporcional.
3. O relatório social deve ser relevado para a determinação da medida da pena nos termos dos art°s 370° e 355° do CPP.
4. No caso concreto, o Relatório social é bastante benéfico para Recorrente indicando mesmo que o Recorrente é pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes.
5. O Recorrente confessou a matéria de facto articulada na acusação, tendo demonstrado cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento que muito sofrimento lhe tem causado, considerando mesmo este episódio como a página negra da sua vida.
6. Há que avaliar a situação concreta em que o recorrente praticou o crime.
7. Nestes termos, se o legislador previu na moldura um limite mínimo significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, sob pena de se violar o disposto no n° 2 do art° 40 e n° 1 do art° 70 do Código Penal.
8. O Recorrente é um homem calmo, trabalhador que se encontrava socialmente e profissionalmente inserido até ser por circunstâncias da vida "levado" à prática do crime, pelo que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no n° 1 e 2 do art° 40 e o n° 1 do art° 71° ambos do Código Penal.
9. Deve ser dada ao Recorrente uma séria oportunidade de reinserção social, até porque a pena deverá ser ajusta retribuição por um mal que se pratica sem que se deixe de levar em conta na determinação da mesma a reinserção social do Recorrente.
10. De levar em conta os malefícios de uma pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a SIDA e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a usar a violência, mesmo um homem calmo e trabalhador como o recorrente, poderá sair da prisão transformado numa pessoa pior, pelo que parece-nos sensata a possibilidade de não sujeitar o recorrente a uma pena de prisão efectiva.
11. Foi dado como provado no artigo 39° do Douto Acórdão que "No Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus encontra-se em regime fechado, tem apresentado comportamento adequado às normas institucionais e ainda não beneficia de medidas de flexibilização da pena; projecta elevar as suas habilitações literárias, estando neste momento a frequentar o EFA B2 -Escolar, com interesse e empenho; ocupa o restante tempo livre com a frequência diária do ginásio do estabelecimento prisional."
12. Pelo exposto, o Douto acórdão recorrido deverá, salvo melhor opinião, ser revogado e substituído por outro que considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, uma vez que cumpre as finalidades da punição.

Respondeu o Ministério Público, dizendo:

I - Fundamentos do Recurso:
- A discordância do arguido face à decisão ora objecto de recurso, centra-se essencialmente na medida da pena.
II - Motivação
Apreciando os fundamentos em causa oferece-se dizer o seguinte:
O arguido considera que a pena de prisão aplicada será manifestamente exagerada e desproporcional.
Em abono desta sua tese afirma que o Relatório social lhe é bastante benéfico indicando mesmo que o Recorrente é pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes.
Afirma ainda que confessou a matéria de facto articulada na acusação, tendo demonstrado cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento e que muito sofrimento lhe tem causado, considerando mesmo este episódio como a página negra da sua vida.
Realça ainda os malefícios de uma pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a sida e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a ficar pior e que mesmo um homem calmo e trabalhador como o recorrente, poderá sair da prisão transformado numa pessoa pior, pelo que pugna por uma pena de prisão não efectiva e considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, uma vez que cumpre as finalidades da punição.
Ora, lido o recurso parece que estamos perante uma outra pessoa que não o arguido.
Não se alcança nada disso do relatório social mas, pelo contrário, em sede de conclusões pode-se ler: "o seu percurso de vida apresenta uma acentuada irregularidade e instabilidade, desde fase precoce, tanto na sua vida pessoal como laboral, agravada pelo consumo prematuro de substâncias estupefacientes".
E "o arguido apresenta algumas fragilidades pessoais, constatando-se a ausência de hábitos de trabalho e de baixas competências relacionadas com a aceitação dos valores sociojurídicos (...)".
Tenha-se ainda em conta que os factos dos autos foram cometidos estando o arguido em meio prisional e, como consta do douto Acórdão a quo "34°. Quando foi preso, o arguido encontrava-se numa fase de consumo elevado de cocaína; durante a presente reclusão não recorreu a acompanhamento terapêutico para debelar a problemática de toxicodependência. 36°. O arguido evidencia uma perspectiva imatura e inconsequente quanto aos eventuais riscos de uma recaída/manutenção dos consumos aditivos."
Ou seja, não só não foi o meio prisional que o levou à prática dos factos como não aproveitou a sua reclusão para debelar o problema da toxicodependência que primeiro o colocou lá.
Quanto à confissão, ainda do douto Acórdão retira-se o seguinte: "para além de o arguido ter afirmado que, efectivamente, na ocasião a que se referiu BB colocou no ânus "bolotas" de canábis, e de, na parte em que negou os factos imputados, pelo seu conteúdo em conjugação com o modo como foram realizadas, as declarações do arguido terem sido prestadas sem convicção, como se articulasse sem jeito um texto previamente preparado, verifica-se que, nesta parte, as mesmas foram, na medida exposta, contrariadas pelos sinceros depoimentos de DD e BB (...) e (...) concluir que o arguido apenas não negou o que até a ele se mostrou inegável, procurando no mais ludibriar o tribunal com a versão que apresentou. (...)”
É que o arguido foi percepcionado aquando da visita aos reclusos algo e por isso foi sujeito a revista, tendo expelido pelo ânus parte das tais bolotas de haxixe.
Ainda assim procurou negar que eram suas numa estória atabalhoada e incredível.
Pelo que não existiu qualquer confissão.
No mais e quanto aos efeitos nefastos da prisão a verdade é que o arguido há muito está ciente dos mesmos mas isso não obstou a que, mesmo preso, continuasse a praticar actos criminosos e, se pode haver influência nefasta é, pelo contrário, a sua sobre os demais reclusos face a tal prática.
O arguido já foi condenado:
- pela prática, em 16.07.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - processo n.º 699/15.3PCLSB;
- pela prática, em 16.12.2015, de 1 crime de roubo agravado, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - processo n.º 1586/15.6PWLSB;
- pela prática, em 11.11.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão -processo n.º 114/15.2JBLSB;
- pela prática, em 23.06.2016, de 1 crime p. e p. pelo art. 40.°, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano - processo n.º 231/16.1JELSB;
- pela prática, em 24.06.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena da 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução - processo n.º 452/15.4POAMD;
- pela prática, em 20.07.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5, - processo n.º 98/15.7SVLSB.
E a verdade é que o arguido se encontra preso desde Dezembro de 2015 e encontra-se no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus desde 04/04/2017 sendo que no estabelecimento prisional precedente manteve comportamento globalmente desajustado, registando 3 medidas disciplinares, relacionadas com posse de objectos proibidos - telemóveis e estupefacientes -, e consequente inactividade laboral.
Esquece ainda o arguido que o crime em causa é agravado e que sendo reincidente, de acordo com o estatuído no art. 76.°, n.º 1, do Código Penal, a moldura penal aplicável vai ser agravada de um terço no seu limite mínimo.
Pelo que a pena se afigura inteiramente ajustada.

CONCLUSÕES
1. Do relatório social não resulta qualquer elemento favorável ao arguido mas pelo contrário;
2. E, não só não foi o meio prisional que o levou à prática dos factos, como não aproveitou a sua reclusão para debelar o problema da toxicodependência que primeiro o colocou lá.
3. Quanto à confissão, o arguido apenas não negou o que até a ele se mostrou inegável, procurando no mais ludibriar o tribunal com a versão que apresentou.
4. Pelo que não existiu qualquer confissão relevante.
5. No mais e quanto aos efeitos nefastos da prisão a verdade é que o arguido há muito está ciente dos mesmos mas isso não obstou a que, mesmo preso, continuasse a praticar actos criminosos.
6. O arguido não tem em conta na moldura penal aplicável ao caso que o crime em causa é agravado e que sendo reincidente, de acordo com o estatuído no art. 76.°, n.º 1, do Código Penal, a moldura penal aplicável vai ser agravada de um terço no seu limite mínimo.
7. Pelo que a pena aplicada é ajustada.

Neste Supremo Tribunal o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

1. Do objecto do recurso:
A única questão suscitada é a medida da pena.
Alega o recorrente que a pena de 7 anos de prisão é «manifestamente exagerada e desproporcional», peticionando a sua redução para 5 anos, fazendo apelo ao facto de ser «pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes», «tendo demonstrado cooperação com o tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento…».
2. O Ministério Público, na sua resposta, defende a correcção da medida pena, salientando que se trata de tráfico agravado e que o arguido foi condenado como reincidente.
Contrapõe, por outro lado, que o convocado relatório social apresenta-o como pessoa com um percurso de vida com acentuada irregularidade e instabilidade desde fase precoce, agravada pelo consumo prematuro de estupefacientes, com ausência de hábitos de trabalho e de baixas competências relacionadas com a aceitação de valores sociojurídicos. Acrescenta que não aproveitou a reclusão para debelar o problema da toxicodependência, e que a alegada confissão não tem qualquer suporte nos factos provados e correspondente fundamentação.
3. Acompanhamos a resposta do Ex.mo Procurador da República.
Deve-se anotar que o arguido foi condenado por um crime de tráfico, que compreendeu as acções dadas como provadas sob os n.ºs 1 a 12, ou seja, recebeu no EP, onde cumpria pena, 13 bolotas com haxixe com o peso líquido de 117,3 gr, que dissimulou no interior do seu organismo, que destinava a comercializar no interior do EP, tendo em vista a obtenção de lucro.
Ora, sendo a moldura penal de 6 anos e 8 meses a 15 anos de prisão, é manifesto que a pena fixada, 4 meses acima do limite mínimo, é insusceptível de redução, por não ocorrer qualquer circunstância atenuante (geral ou especial) de relevo que a fundamente.
Embora se trate de haxixe, importa salientar que as quantidades e natureza do estupefaciente devem ser dimensionadas no contexto do próprio estabelecimento prisional, com uma população fixa diminuta, sujeita a particular fiscalização, ou seja, o tráfico na cadeia está fortemente condicionado e limitado em todas as fases, desde o transporte para o interior do EP até à entrega e consumo pelo destinatário final.
Vale por dizer que a menor ilicitude do tráfico de rua não é comparável à menor ilicitude do tráfico em estabelecimento prisional.
Nesta medida, a quantidade detida pelo arguido - 117,3 gr -, que destinava à comercialização, assume relevo significativo, a justificar, até, uma pena superior.
E assim sendo, ante a manifesta improcedência do recurso, deve o mesmo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Notificado nos termos do art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Matéria do recurso

A única questão colocada pelo arguido é a da medida da pena, que ele pretende que seja fixada em 5 anos de prisão, considerando ser esse o limite mínimo da moldura penal.
Invoca basicamente em seu favor a confissão e a colaboração na descoberta da verdade, o arrependimento e o facto de estar social e profissionalmente inserido.

2. Os factos

É a seguinte a matéria de facto fixada:

1º. Em Abril de 2017 o arguido encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, à ordem de outro processo, tendo, em data não concretamente apurada, elaborado um plano para obtenção de canabis e venda deste produto no interior daquele estabelecimento, a outros reclusos, em troca de quantias monetárias.
2º. No dia 27 de Abril de 2017, cerca das 15h30, o arguido recebeu a visita da sua mãe, CC, no estabelecimento prisional.
3º. No decurso da visita, o arguido, por diversas vezes, colocou a mão no interior das calças que trajava, dando a impressão de que colocava algo no interior do ânus.
4º. Assim, por haver suspeitas de que o arguido tivesse estupefaciente na sua posse, após o período da visita, foi o mesmo revistado.
5º. No decurso da revista efectuada ao arguido, nada lhe foi encontrado.
6º. Contudo, por existirem suspeitas de que tivesse estupefaciente no interior do seu organismo, foi o mesmo conduzido ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, a fim de ser submetido a exames radiológicos e outros complementares, com vista a confirmar a presença de corpos estranhos no organismo.
7º. Durante o trajecto efectuado, desde o Estabelecimento Prisional de Lisboa até ao Hospital, o arguido evacuou 9 (nove) embalagens, vulgo “bolotas”, contendo canabis.
8º. Após, durante a permanência no Hospital de Santa Maria, o arguido expeliu mais 4 (quatro) embalagens, vulgo “bolotas”, contendo canabis.
9º. As embalagens referidas em 7.º foram encontradas no forro do banco da viatura onde o arguido fez o mencionado trajecto.
10º. As embalagens encontradas e apreendidas na posse do arguido, no total de 13 (treze), continham canabis (resina), com o peso líquido de 117,300 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 116,800 gramas.
11º. Essa canabis destinava-se a ser pelo arguido comercializada no interior do estabelecimento prisional, tendo em vista a obtenção de lucro.
12º. O arguido conhecia as características e natureza estupefaciente do produto que lhe foi apreendido, e sabia que a sua detenção, introdução em estabelecimento prisional e cessão eram proibidas e criminalmente punidas.
13º. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei.
14º. O arguido já foi condenado:
- pela prática, em 16.07.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por acórdão proferido em 26.09.2016, transitado em julgado em 26 de Outubro de 2016 (processo n.º 699/15.3PCLSB);
- pela prática, em 16.12.2015, de 1 crime de roubo agravado, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, por acórdão proferido em 21.10.2016, transitado em julgado em 21 de Novembro de 2016 (processo n.º 1566/15.6PWLSB);
- pela prática, em 11.11.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, por acórdão proferido em 06.01.2017, transitado em julgado em 06 de Fevereiro de 2017 (processo n.º 114/15.2JBLSB);
- pela prática, em 23.06.2016, de 1 crime p. e p. pelo art. 40.º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, por sentença proferida em 13.02.2017, transitada em julgado em 15 de Março de 2017 (processo n.º 231/16.1JELSB);
- pela prática, em 24.06.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, por sentença proferida em 10.03.2017, transitada em julgado em 18 de Abril de 2017 (processo n.º 452/15.4PDAMD);
- pela prática, em 20.07.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5, por sentença proferida em 03.04.2017, transitada em julgado em 12 de Maio de 2017 (processo n.º 98/15.7SVLSB).
15º. O arguido é filho único, fruto de uma relação pouco duradoura, marcada pelo alcoolismo e pela violência paterna, contexto que conduziu à separação dos seus pais, quando o mesmo tinha cerca de 2 anos de idade.
16º. Após um curto período de vivência no agregado da avó materna, a sua mãe estabeleceu um novo relacionamento afectivo e contraiu matrimónio, integrando-se o arguido no novo contexto sócio-familiar, cuja vivência se revelou equilibrada, afectuosa e harmoniosa.
17º. Com a mãe e o padrasto do arguido profissionalmente activos no sector da restauração, o agregado dispunha de condições económicas suficientes para garantir o seu sustento, de forma contida, mas equilibrada.
18º. O arguido iniciou o percurso escolar aos 6 anos de idade, mas revelou pouca motivação e interesse pela aprendizagem, apesar de ter um comportamento adequado.
19º. Aos 9 anos foi vítima de um acidente de viação, que lhe provocou um traumatismo craniano e múltiplas fracturas, deixando-o em estado de coma durante cerca de 2 meses; após um prolongado período de internamento hospitalar, regressou a casa, tendo beneficiado dos cuidados e protecção da família.
20º. Tal acidente causou ao arguido, para além de sequelas físicas, sentimentos de revolta, por causa das intervenções cirúrgicas a que teve que sujeitar-se ao longo do seu crescimento e da não participação em actividades de lazer com as outras crianças.
21º. O arguido manteve-se na escola entre os 12 e os 16 anos de idade, sem aproveitamento e com fugas do espaço escolar com grupos de pares, iniciando-se nessa época no consumo de haxixe; deixou definitivamente a escola com cerca de 16 anos, para ficar em casa, sem ocupação estruturada.
22º. Iniciou a vida profissional no sector da restauração, como empregado de balcão, aos 19 anos, junto de um tio, proprietário de um restaurante, onde permaneceu alguns meses; obteve entretanto a carta de condução de veículos ligeiros e começou a trabalhar na distribuição de publicidade para uma empresa.
23º. Aos 22 anos de idade iniciou um relacionamento afectivo e viveu maritalmente com a companheira em casa dos pais; desenvolvia actividade laboral, de forma irregular, na distribuição de publicidade; a sua companheira, com trabalho estável, e a sua mãe faziam face às despesas do agregado.
24º. Posteriormente, e com parte da indemnização, no valor de € 45.000, que recebeu da seguradora, por causa do acidente que o vitimou em criança, o arguido autonomizou-se da família de origem e arrendou casa para o agregado constituído com a companheira e os quatro filhos que vieram a nascer, actualmente com 14, 10 e dois gémeos com 5 anos de idade.
25º. O relacionamento do casal foi marcado ao longo do tempo por conflituosidade, para a qual contribuíram a situação de desemprego do arguido e o consumo de substâncias estupefacientes, incluindo cocaína, pelo mesmo.
26º. A separação do arguido e da sua companheira ocorreu há cerca de 5 anos.
27º. Após tal separação, e dada a situação de desemprego do arguido, o mesmo reintegrou o agregado da família de origem, deixando os filhos a cargo da ex-companheira.
28º. A mãe e o padrasto do arguido mantiveram uma postura tolerante relativamente ao modo de vida pouco estruturado que este mantinha.
29º. Nesta fase, verificou-se uma progressiva desestruturação no quotidiano do arguido, com consumos mais regulares de cocaína e contactos com pessoas ligadas a estes comportamentos.
30º. O arguido encontra-se preso desde Dezembro de 2015.
31º. Antes da presente reclusão, o arguido iniciou um relacionamento afectivo com outra companheira, de nacionalidade cubana, com a qual chegou a viver maritalmente em casa da mãe.
32º. Encontrava-se desempregado e mantinha os hábitos aditivos de consumo de cocaína, que custeava com os rendimentos obtidos através de alguns “biscates” na construção civil.
33º. A mãe e o padrasto do arguido, já de idade avançada, não tinham capacidade de controlo e contenção sobre o mesmo, ainda que procurassem ter uma postura de orientação e ajuda face aos problemas daquele.
34º. Quando foi preso, o arguido encontrava-se numa fase de consumo elevado de cocaína; durante a presente reclusão não recorreu a acompanhamento terapêutico para debelar a problemática de toxicodependência.
35º. O arguido evidencia uma perspectiva imatura e inconsequente quanto aos eventuais riscos de uma recaída/manutenção dos consumos aditivos.
36º. Cometeu os factos pelos quais foi condenado no processo n.º 231/16.1JELSB, acima referido, durante a sua permanência no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
37º. Ainda assim continua a desvalorizar a problemática aditiva, não se mostrando motivado para se submeter a um tratamento direccionado para o efeito.
38º. O arguido encontra-se no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus desde 04/04/2017; no estabelecimento prisional precedente manteve comportamento globalmente desajustado, registando 3 medidas disciplinares, relacionadas com posse de objectos proibidos - telemóveis e estupefacientes -, e consequente inactividade laboral.
39º. No Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus encontra-se em regime fechado, tem apresentado comportamento adequado às normas institucionais e ainda não beneficia de medidas de flexibilização da pena; projecta elevar as suas habilitações literárias, estando neste momento a frequentar o EFA B2 – Escolar, com interesse e empenho; ocupa o restante tempo livre com a frequência diária do ginásio do estabelecimento prisional.
40º. O arguido continua a contar com o apoio da sua mãe e do seu padrasto, embora estes não disponham de condições para se constituírem como elementos de contenção e orientadores relativamente aos comportamentos delinquentes e aditivos do arguido; troca correspondência com a sua namorada, que ainda não o visitou no estabelecimento prisional.
41º. Quanto à sua futura integração laboral, o arguido não tem qualquer projecto de empregabilidade, embora verbalize intenção de procurar algum trabalho.
42º. O arguido revela dificuldades na avaliação do seu trajecto criminal e da actual situação jurídico-penal, tendendo a não assumir responsabilidades e a justificar as situações com factores externos; atribui a causas maioritariamente externas a si o percurso criminal a que respeitam as condenações acima referidas, adoptando um discurso tendencialmente desculpabilizante, relacionado com o acidente de viação de que foi vítima em criança e com a sua problemática de toxicodependência.
43º. O arguido não tem hábitos de trabalho e tem baixas competências de aceitação dos valores sócio-jurídicos.

3. A qualificação jurídica dos factos

3.1. Os factos foram integrados pelo tribunal recorrido no crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, h), do DL nº 15/93, de 22-1, e o recorrente não impugna essa qualificação, parecendo inclusivamente que não se deu conta dela nos seus precisos termos, já que se refere apenas ao art. 21º.
Impõe-se em qualquer caso uma avaliação da justeza da subsunção efetuada pelo tribunal recorrido.
O citado art. 24º prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto.
Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21º, um crime privilegiado, o do art. 25º, e um outro qualificado, o do art. 24º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24º.
Incidindo a análise neste último, constata-se que o legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação (ao contrário do que acontece com o art. 25º que aponta meramente os fatores que podem justificar a atenuação).
Entre elas importa seleccionar a da al. h), que foi a aplicada pelo tribunal recorrido. Estabelece esse preceito:

As penas previstas nos arts. 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:
(…)
h) A infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes de dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações;
(…)

Da leitura do preceito resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta: consumidores dependentes, pessoas institucionalizadas, reclusos, militares, estudantes. Uma população algo heterogénea, mas que o legislador considera, por razões diversas, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, e portanto alvo fácil da ação dos traficantes.
É este intuito protetor dos consumidores que preside à norma.
Assim sendo, e especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que nos interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a ação era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º.
Acentue-se porém que, para merecer essa integração, a ação terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado. Expliquemo-nos. A situação que está ínsita na al. h) do art. 24º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas.
Quer isto dizer que, acentuando mais uma vez o que já se escreveu, a ocorrência de um ato subsumível o art. 21º em estabelecimento prisional não determina automaticamente a agravação da al. h) do art. 24º. Há que indagar e avaliar se o grau de ilicitude excede efetivamente o que é inerente ao crime do art. 21º, ao qual o facto deve ser subsumido, caso contrário.
Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos…
O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional.
Por outro lado, a atenuação da pena, devido à menor ilicitude do crime, a partir do art. 21º, sempre pode ser efetuada nos termos gerais do Código Penal, inclusivamente com recurso ao art. 72º - atenuação especial. A convocação do art. 25º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa.

3.2. Impõe-se agora a análise dos factos provados nos autos.
De acordo com a matéria de facto, ao arguido, recluso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, foram apreendidas diversas “bolotas”, que ele expelira do próprio corpo, contendo 117,3 gramas de cannabis, estupefaciente que ele pretendia comercializar no interior do mesmo estabelecimento, tendo em vista a obtenção de lucro.
Esta situação, quer pela quantidade do estupefaciente, suscetível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer pela intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, procurando assim o arguido aproveitar-se da eventual situação de carência de outros reclusos, é indubitavelmente subsumível à al. h) do art. 24º do DL nº 15/93.
Não merece pois censura nesta parte o acórdão recorrido.

4. A reincidência

4.1. O recorrente foi condenado como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º do CP, agravante qualificativa que agrava a moldura penal em um terço no limite mínimo, permanecendo inalterado o limite máximo. No caso, o limite mínimo da moldura penal (arts. 21º e 24º do DL nº 15/93), que era de 5 anos de prisão, passou a ser de 6 anos e 8 meses de prisão do crime.
O arguido não contesta expressamente essa agravação, mas parte do pressuposto, na sua motivação, de que o limite mínimo da moldura penal é de 5 anos de prisão.
Independentemente de haver ou não objetivamente impugnação da agravação, há que analisá-la, pois se suscitam dúvidas sobre a decisão e se trata de matéria de conhecimento oficioso.
O citado art. 75º do CP estipula:

1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
(…)

A reincidência tem dois pressupostos. Um de ordem formal: a prática pelo agente, depois de condenação transitada por um crime doloso em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, de outro crime doloso em pena idêntica, não tendo decorrido, entre a prática do primeiro crime e a do segundo um prazo superior a 5 anos. Um requisito de ordem material: dever ser formulado um juízo de censura ao agente por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.
É este último o elemento nuclear da reincidência: o desrespeito do agente pela “solene advertência” que a condenação anterior em pena de prisão encerra, revelando assim a prática do novo crime uma culpa agravada, merecedora de uma mais intensa censura penal. (1).
Como acentuava Eduardo Correia, no seguimento de Beleza dos Santos, a reincidência não se pode confundir com a pluriocasionalidade. (2). A reincidência exige uma reiteração fortemente culposa, uma conexão estreita entre o novo crime e o anterior que denuncie que o agente foi insensível à anterior condenação, radicando portanto a reiteração em fatores inerentes à sua própria personalidade e não em fatores fortuitos ou exógenos, de forma a distinguir o reincidente do pluriocasional.
Essa relação de conexão será certamente mais fácil de encontrar na chamada “reincidência homótropa” (crimes da mesma natureza) do que na “reincidência polítropa” (crimes de diferente natureza).
O essencial porém é identificar os laços que existem entre os dois crimes, e que permitam concluir pelo referido juízo de censura agravado, o que exige a produção de prova sobre a mesma. Por outras palavras, o preenchimento do elemento material tem que assentar em factos concretos, atinentes à motivação ou à execução do crime, demonstrativos de que o aviso contido na anterior condenação foi indiferente para o agente, e não em deduções sustentadas exclusivamente na reiteração criminosa.
Ou seja, não se pode deduzir o elemento material da reincidência do seu elemento formal!

4.2. O tribunal recorrido fundamentou a reincidência do recorrente da seguinte forma:

De acordo com o estatuído no art. 76.º, n.º 1, do Código Penal, esta moldura penal - 5 a 15 anos de prisão - vai ser agravada de um terço no seu limite mínimo, atendendo à reincidência do arguido, pois este cometeu o crime doloso em causa nestes autos, que deve ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por acórdãos transitados em julgado em 26 de Outubro de 2016, 21 de Novembro de 2016 e em 06 de Fevereiro de 2017, em penas de prisão efectiva superiores a 6 meses (respectivamente, de 3 anos e 9 meses, 3 anos e 9 meses e 4 anos e 6 meses de prisão) por outros crimes dolosos (crimes de roubo e de roubo agravado), praticados 16.07.2015, 16.12.2015 e 11.11.2015, tendo cometido o crime de tráfico de estupefacientes agravado por que será condenado nestes autos quando se encontrava a cumprir uma daquelas penas de prisão – cfr. art. 75.º do Código Penal.
Tendo em conta o tipo de crimes em causa, a proximidade daquelas condenações e a situação de decurso do cumprimento de uma das correspondentes penas de prisão em que se encontrava aquando da prática do crime por que será condenado nestes autos, entende este tribunal ser manifesto que o arguido não se sentiu suficientemente advertido por qualquer daquelas condenações, não se deixando pelas mesmas influenciar, e que tal é de lhe censurar.
Por conseguinte, o limite mínimo da pena correspondente ao crime praticado pelo arguido é de 6 anos e 8 meses de prisão.

É incontestável a verificação do elemento formal da reincidência. Na verdade, o recorrente foi condenado nestes autos numa pena de prisão efetiva superior a 6 meses pela prática de um crime doloso (tráfico de estupefacientes) menos de cinco anos depois de ter sido condenado por cometer outros crimes dolosos (roubo) em penas de prisão efetiva também superiores a 6 meses.
Mas quanto ao elemento material, é claro que o tribunal recorrido não se baseou em quaisquer factos concretos que especificamente sustentassem a prova da conexão entre o crime dos autos e as anteriores condenações. Invocou meramente a proximidade temporal das condenações e a prática do crime em situação de cumprimento de uma dessas condenações anteriores. Donde, o tribunal concluiu pela verificação do elemento material a partir exclusivamente da prática de um novo crime doloso, ou seja, considerou verificada a reincidência unicamente com base no elemento formal da reincidência…
Uma conclusão manifestamente precipitada, aliás.
O crime que motivou a presente condenação é um crime de tráfico de estupefacientes agravado pela circunstância de ser praticado em estabelecimento prisional (al. h) do art. 24º do DL nº 15/93).
As condenações anteriores, em número de três, foram todas por crimes de roubo, praticados no ano de 2015.
Não se encontra qualquer conexão entre esses crimes e aquele por que foi condenado nestes autos. Este último resulta do aproveitamento da circunstância de se encontrar recluso num estabelecimento prisional, o que lhe proporcionou elaborar um plano de distribuição lucrativa de cannabis no mesmo estabelecimento, para isso contando com a colaboração da mãe.
A reiteração criminosa deve-se pois mais a circunstâncias fortuitas ou exógenas do que a uma tendência criminosa por parte do arguido, que se vinha manifestando, sim, no âmbito da criminalidade violenta contra o património.
Não é propriamente o facto de a reincidência ser polítropa que afasta essa agravante. É, sim, o não se vislumbrar nenhum laço estreito, nenhuma “íntima conexão”, entre os crimes.
Conclui-se pois pela não verificação da agravante qualificativa da reincidência.
Daí que a moldura penal da infração que é imputada ao arguido seja de 5 a 15 anos de prisão, nos termos do citado art. 24º do DL nº 15/93.

5. Medida da pena

5.1. Nos termos do art. 71º, nº 1, do CP, a pena é determinada em função da culpa e das exigências da prevenção.
O relacionamento entre culpa e prevenção vem exposto no art. 40º do CP, na redação do DL nº 48/95, de 15-3, relativo aos fins das penas, que, ao dispor que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo porém a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo art. 40º do CP), veio atribuir à pena natureza preventiva, e não retributiva, ao invés do que acontecia na versão originária do Código Penal.
A culpa não é, pois, fundamento da medida da pena, mas somente o seu limite. A pena tem como finalidade primordial a prevenção geral (proteção dos bens jurídicos), entendida como prevenção positiva, ou seja, a afirmação da validade das normas perante a comunidade; é nessa moldura que devem ser valoradas as exigências da prevenção especial, intervindo a culpa apenas como limite máximo da pena, como travão inultrapassável às exigências preventivas.
É neste quadro que, para determinação da medida concreta da pena, há que atender, de acordo com o nº 2 do citado art. 71º, às circunstâncias do crime, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do facto, como a gravidade das consequências deste, o grau de violação dos deveres impostos (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados pelo agente e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais e económicas do agente (al. d)), a personalidade do agente (al. f)), e a sua conduta anterior e posterior ao crime (al. e)).

5.2. O recorrente considera que a pena fixada é desproporcionada e pretende que seja fixada no limite mínimo da moldura penal, invocando circunstâncias atenuantes, como a confissão, o arrependimento e a inserção social.
Percorrida porém a matéria de facto e a sua motivação, não se encontra nenhuma base que sustente essas afirmações do arguido. A “confissão” restringiu-se aos factos objetivos referentes à descoberta das “bolotas” no corpo do arguido, tendo este negado contudo a intenção de vender o estupefaciente no estabelecimento prisional. Do alegado arrependimento não há vestígios… E a inserção social é escassa, se não inexistente.
Na verdade, o relatório social revela uma personalidade desde cedo desalinhada com as normas, mau grado a preocupação da família em dar-lhe uma educação orientada para a vida em sociedade. Ao precoce abandono escolar somou o arguido o consumo desregrado de estupefacientes, que abriu portas ao descontrolo afetivo e familiar e à incapacidade de manter uma atividade laboral regular. O contacto com outros indivíduos com o mesmo modo de vida levou-o à prática, num curto período de tempo, dos crimes de roubo por que foi condenado, e cuja pena atualmente cumpre, desde dezembro de 2015.
As perspetivas sobre o comportamento futuro do arguido não são favoráveis, dada a evidente dificuldade de obtenção de emprego e a ausência de hábitos de trabalho, aliadas à escassa capacidade de autocrítica sobre o seu trajeto criminal.
Favorece objetivamente o arguido em todo o caso o facto de o estupefaciente ter sido apreendido na sua totalidade, não tendo havido portanto nenhuma cedência ou transação.
Contudo, a quantidade de estupefaciente apreendido (117,300 g de haxixe) tem já algum relevo, sobretudo no contexto espacial em que a droga iria ser vendida.
Numa ponderação global das circunstâncias, objetivas e subjetivas, entende-se que são prementes as exigências da prevenção geral, dada a extensão e gravidade do fenómeno da introdução de drogas nas cadeias, quer de prevenção especial, na vertente negativa, considerada a inequívoca tendência revelada pelo arguido para a prática de crimes e para o aproveitamento das circunstâncias que lhe permitam obter rendimentos fáceis, ainda que por meio ilícito.
O modo de execução do crime revela também um dolo intenso e uma preparação meticulosa da sua prática.
Tudo ponderado, entende-se que se ajusta ao facto a pena de 6 anos de prisão, que satisfaz os interesses preventivos, não excede a medida da culpa e ainda salvaguarda, na medida do possível, os interesses da ressocialização.
Assim, o recurso merece provimento parcial.

III. Decisão

Com base no exposto, decide-se, no provimento parcial do recurso:
1. Revogar o acórdão recorrido na parte em que considerou o arguido reincidente;
2. Fixar a pena em 6 (seis) anos de prisão;
3. Manter, no mais, o acórdão recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 13 de setembro de 2018

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

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(1) Ver a propósito Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 377, p. 268
(2) Atas do Código Penal (1965), p. 147
(39 Figueiredo Dias, ob. cit., § 378, p. 269.