I - O acidente sofrido pelo autor quando jogava futebol nas instalações da 1.ª ré está coberto pelo contrato de seguro celebrado com a 2.ª ré, cujo objecto abrange a actividade desportiva explorada pela tomadora do seguro nas infra-estruturas públicas – art. 5.º do DL n.º 1/2009, de 12-01.
II - O valor de € 12.500 mostra-se adequado a compensar os seguintes danos não patrimoniais, em consequência da rotura do tendão de Aquiles: o autor teve (i) dores e (ii) traumatismos psíquicos, a saber, sujeição a exames e tratamentos, a internamento hospitalar, a imobilização em casa com a perna engessada, a prejuízo estético, a perda de capacidade e a perda de alegria de viver.
III - O valor de € 12.713,33 mostra-se adequado a indemnizar os seguintes danos patrimoniais: (i) o autor ficou com défice funcional de 3 pontos; (ii) as sequelas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual ou de outra na área de preparação técnico-profissional (iii) exigem esforços acrescidos em tarefas não laborais; (iv) atenta a sua idade, o autor tem período previsível de vida de cerca de 36 anos; (v) suportou os valores de € 106,18 em medicação, € 60, em consulta de ortopedia, € 8,36 em relatórios clínicos e de alta, € 160,18 em consulta de ortopedia e medicação e € 150 em relatório de avaliação da incapacidade.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I – AA veio intentar acção de processo comum contra BB LDA (anteriormente denominada CC, LDA, e DD, S.A, pedindo a condenação solidaria das Rés a pagar a quantia de € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, € 37.091,52, a título de danos patrimoniais e o valor que vier a ser fixado, posteriormente, em face de tratamentos médicos e medicamentos que se vierem a revelar necessários e adequados para tratamento das lesões permanentes sofridas pelo Autor, resultantes de um acidente que sofreu no decurso de um jogo de futebol nas instalações da 1.ª R, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais que daí possam decorrer.
O Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social IP deduziu pedido de reembolso dos montantes pagos ao Autor, a título de subsídio de doença, no período de 27 de Setembro de 2014 a 04 de Agosto de 2015 no valor global de € 3.030,78.
A Ré BB LDA, regularmente citada, veio contestar, pronunciando-se no sentido da improcedência dos pedidos, por entender não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade pela lesão alegadamente sofrida pelo Autor e consequentemente pelo pagamento.
A Ré DD, S.A., regularmente citada, veio contestar, invocando que a sua intervenção apenas pode ocorrer a título meramente acessório.
Mais alega que o contrato consigo celebrado pela co-Ré não tem a natureza de seguro desportivo que cubra os riscos associados a acidentes pessoais e que a situação, tal como é relatada pelo Autor, apenas poderia ter enquadramento na cobertura de responsabilidade civil extracontratual, mas o piso do campo de futebol não apresentava qualquer anomalia susceptível de causar incidentes aos utilizadores, não se tendo verificado nenhuma acção ou omissão por parte da co-Ré capaz de gerar responsabilidade extracontratual, pelo que também não recai sobre a seguradora qualquer obrigação de indemnizar o Autor.
Alega ainda que são exagerados os valores peticionados pelo Autor.
A Ré respondeu também ao pedido deduzido pelo Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social IP, no sentido da sua improcedência, por entender não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade pelo pagamento.
Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho (fls. 209) no sentido de que assistia ao Autor o direito de demandar a DD, S.A. como Ré nos presentes autos.
Tendo sido dada a oportunidade ao Autor de esclarecer o enquadramento jurídico constante da petição inicial e respeitante ao seguro obrigatório desportivo, uma vez que demandou a Ré seguradora com base em contrato de seguro que alegadamente não corresponde a esse seguro obrigatório, veio o mesmo referir que a causa de pedir principal é a da responsabilidade civil extracontratual e que apenas para o caso desta não proceder deverá considerar-se o pedido à luz do contrato de seguro obrigatório (fls. 211), juntando novo articulado aperfeiçoado (fls. 212 e seguintes) que culmina com o seguinte pedido:
“E nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deverá a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência, deverão ser as RR. condenadas solidariamente a pagar ao A. as seguintes quantias:
a) – € 20.000,00 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais;
b) – € 37.091,52 (trinta e sete mil, noventa e um euros e cinquenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais;
c) – O valor que vier a ser fixado, posteriormente, em face de tratamentos médicos e medicamentos que se vierem a revelar necessários e adequados para tratamento das lesões permanentes sofridas pelo A. resultantes do acidente em apreço, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais que daí possam decorrer nos termos indicados nos pontos 92 a 94.”
A Ré BB LDA respondeu, mantendo o já por si alegado na contestação e acrescentando que não existem espaços entre a relva sintética onde um praticante possa prender um pé.
A Ré DD, S.A., por sua vez, invocou que o Autor no novo articulado extravasou os limites legais do aperfeiçoamento e requereu que o mesmo não seja admitido; mais respondeu, impugnando que a relva sintética se apresentasse no estado referido pelo Autor.
Foi proferido despacho na audiência prévia (fls. 229) no sentido de que os novos factos alegados pelo Autor se continham dentro do aperfeiçoamento da matéria já alegada na petição inicial, admitindo-se tal aperfeiçoamento; foi proferido despacho saneador (fls. 229 vº), tendo sido identificado o objecto do litígio bem como enunciados os temas da prova.
Em 5.9.2016, o Autor formula novo requerimento que culmina com o seguinte dizeres:
(…) Porque se trata de uma consequência do pedido primitivo permite a lei processual civil a ampliação do pedido, o que se requer devendo acrescentar-se ao pedido formulado pelo A. o pedido de pagamento de juros legais de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação da R. até efectivo e integral pagamento.
24. Passando a ler-se:
“NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deverá a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, deverá ser a R. condenada a pagar ao A. as seguintes quantias:
a) – € 7.000,00 (sete mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação da R. até efectivo e integral pagamento;
b) – € 3.630,60 (três mil seiscentos e trinta euros e sessenta cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a data da citação da R. até efectivo e integral pagamento.
c) – O valor que vier a ser fixado, posteriormente, em face de tratamentos médicos e medicamentos que se vierem a revelar necessários e adequados para tratamento das lesões permanentes sofridas pelo A. resultantes do acidente em apreço, bem como os danos patrimoniais e não patrimoniais que daí possam decorrer nos termos indicados nos pontos 75 a 77.”
Este pedido não foi objecto de pronúncia pela restantes partes ou pelo Tribunal, até que, após a sentença, o Autor veio pedir em requerimento avulso a rectificação da sentença, apenas para consideração dos juros pedidos (cf. fls. 365). Esta foi indeferida pela decisão proferida a fls. 367.
Instruída a causa, e realizada a audiência final, o Tribunal procedeu à prolação de sentença, com o seguinte dispositivo:
“Assim, pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção e consequentemente decide-se:
a) Condenar solidariamente as Rés a pagarem ao Autor a quantia global de € 25.054,97 (vinte e cinco mil e cinquenta e quatro euros e noventa e sete cêntimos) a título de danos não patrimoniais e patrimoniais, deduzida tal quantia quanto à Ré “DD” da franquia de € 100,00;
b) Condenar solidariamente as Rés a pagarem ao Autor a quantia que vier a liquidar-se relativamente ao montante gasto pelo Autor a título de deslocações ao Hospital de ... para mudança dos pensos e curativos e para as sessões de fisioterapia;
c) Condenar a Ré a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de ..., Instituto da Segurança Social IP a quantia de € 3.030,78 (três mil e trinta euros e setenta e oito cêntimos).
d) Custas pelo Autor e pelas Rés na proporção dos respetivos decaimentos.”
Não se conformando com a decisão, dela apelou a Ré Lusitânia.
O Autor produziu contra alegações e recorreu subordinadamente.
A Relação julgou improcedentes as apelações da Ré seguradora e do Autor, confirmando a sentença recorrida.
Não se conformando com tal decisão, dela recorreu Ré Lusitânia, de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Veio efetuar o Tribunal da Relação uma nova apreciação do direito aplicável à luz das alterações por si introduzidas à decisão da matéria de facto, atendendo a que os fundamentos pressupostos na sentença recorrida deixaram de ser inteiramente consideráveis.
2. Fez-se enquadrar a situação dos autos na previsão legal da obrigatoriedade da celebração de um seguro obrigatório previsto no D.L. n.º 10/2009, de 12-1 e, assim, estabelecendo este diploma – no seu Art.º 2º, n.º 1 – que "os praticantes de atividades desportivas em infra-estruturas desportivas abertas ao público (...) devem, obrigatoriamente, beneficiar de um contrato de seguro desportivo", que "A responsabilidade pela celebração do contrato de seguro desportivo (...) cabe (...) às entidades que explorem infra-estruturas desportivas abertas ao público" (n.º 2 do mesmo artigo) e que, na falta desse seguro, "As entidades que incumpram a obrigação de celebrar e manter vigentes os contratos de seguro desportivo (...) respondem, em caso de acidente decorrente da atividade desportiva, nos mesmos termos em que responderia o segurador, caso o seguro tivesse sido contratado", entendeu o Tribunal da Relação que existe uma obrigação de indemnizar por parte da Ré "BB".
3. Considerou o acórdão de que se recorre que a referida obrigação de indemnizar por parte daquela Ré, decorrente da falta de celebração do contrato de seguro desportivo – que se verifica nos presentes autos – é afastada da esfera jurídica da mesma, atendendo a que esta transferiu tal responsabilidade para a Recorrente por via do contrato de seguro celebrado entre ambas, que abrange uma cobertura de responsabilidade civil extracontratuaI.
4. Porém, a cobertura do contrato celebrado entre a Recorrente e a Ré "BB" denominada "Responsabilidade Civil Extracontratual" garante, obviamente e tão só, as reparações decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, que possam ser legalmente exigíveis ao segurado a título de responsabilidade civil extracontratual, em consequência de sinistros ocorridos nas instalações do segurado e, cumulativamente, decorrentes da exploração normal da atividade segura.
5. Sucede que, no caso em apreço nos presentes autos, não foi o sinistro sofrido pelo Autor, em si mesmo, que determinou qualquer obrigação de indemnizar por parte da Ré "BB".
6. Na verdade, o acidente sofrido pelo Autor foi um mero acidente decorrente da prática desportiva, não sendo imputável à Ré "BB" qualquer culpa pela ocorrência do mesmo. Ou seja, do acidente, por si só, não decorre qualquer obrigação desta Ré indemnizar o Autor a título de responsabilidade civil extracontratual.
7. A responsabilidade daquela Ré em indemnizar o Autor resulta da não celebração de um seguro de acidentes pessoais obrigatório, que deveria ter contratado desde o momento em que iniciou a exploração das instalações onde se inseriam os campos de futebol.
8. Assim, não se vê como pode a obrigação de indemnizar o Autor, decorrente da não celebração do seguro obrigatório de acidentes pessoais, ter enquadramento na cobertura de "Responsabilidade Civil Extracontratual" contratada com a Recorrente, que cobre apenas e de forma restrita as reparações pecuniárias decorrentes de sinistros ocorridos nas instalações da Ré e não a responsabilidade decorrente da não celebração de um contrato, que a Lei impõe como obrigatório
9. A entender-se o raciocínio do Tribunal da Relação como aceitável, tal seria, isso sim, um convite às entidades que exploram recintos desportivos a fugir à obrigação de contratar tais seguros obrigatórios, cuja necessidade ficaria afastada, tornando o disposto no D.L. n.º 10/2009, de 12-1, letra morta, ou seja, um verdadeiro convite à fraude, permitindo às entidades que não cumprissem com a sua obrigação, verem-se desresponsabilizadas, imputando às seguradoras uma responsabilidade por um risco que, efetivamente, não foi contratado e pelo qual não receberam qualquer prémio em contrapartida.
10. Os seguros de responsabilidade civil passariam a servir de caldeirão onde tudo poderia caber. Uma caixa de Pandora onde se guardariam todos os males do mundo.
11. O contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e a Ré "BB", não pode, de modo algum, ser encarado como um substituto do seguro desportivo obrigatório, nem se enquadram nas suas coberturas a responsabilidade decorrente para a Ré "BB" da não celebração de tal contrato.
12. Em face do exposto e tendo em consideração a matéria de facto dada como provada nos autos, entende-se que assiste ao Autor o direito de ser indemnizado pela Ré "BB", nos mesmos termos que teria direito a ser indemnizado se o seguro desportivo tivesse sido celebrado, ou seja, dentro dos limites indemnizatórios previstos no D.L. n.º 10/2009, de 12-1 e não pelos valores peticionados,
13. Mas também que tal responsabilidade não se encontra transferida para a Recorrente ao abrigo do contrato de seguro em causa nos autos, ou seja, o contrato celebrado entre a Recorrente e a Ré "BB".
14. Assim, andou mal o Tribunal da Relação ao condenar a Recorrente no pagamento da indemnização ao Autor, confirmando a sentença da 1ª instância, embora com fundamentação distinta, porquanto aplicou e interpretou mal a Lei aplicável, nomeadamente o disposto na Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008, de 16-4), violando a mesma, em particular o seu Art.º 99, assim como o disposto no clausulado do contrato de seguro celebrado entre as Rés no que respeita ao alcance das coberturas contratadas, já que não se verificou qualquer evento que possa desencadear o acionamento da cobertura de responsabilidade civil do contrato em causa nos autos.
15. Tudo o supra exposto aplica-se, igualmente, à parte do acórdão que veio confirmar a sentença do Tribunal de 1ª instância relativamente à condenação no pagamento dos montantes peticionados pelo Instituto da Segurança Social.
16. Ou seja, também, pelas razões expostas, deve a Recorrente ser integralmente absolvida do pedido formulado por este Instituto.
17. Assim, deverá o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ser revogado e substituído por outro que absolva integralmente a Recorrente, dos pedidos formulados quer pelo Autor AA, quer pelo Interveniente Principal Instituto da Segurança Social, atendendo a que a responsabilidade imputável à Ré "BB" não tem enquadramento nas coberturas contratadas no seguro em causa nos presentes autos.
Houve contralegações do A, sustentando dever o recurso ser rejeitado ou a assim se não entender, manter-se a decisão da Relação. Recorrendo subordinamente, defende o A. dever conhecer-se do pedido formulado relativo a juros e condenar-se os RR. nos mesmos.
Cumpridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
II.A.1 – De facto
II.A.2. Com interesse para a decisão da causa e após a alteração introduzida pela Relação são os seguintes os factos provados e não provados:
PROVADOS
1. Em 27 de Setembro de 2014, pelas 18.00 horas, o Autor e vários amigos acorreram ao campo de futebol da 1ª Ré para aí realizarem um jogo de futebol.
2. Foi um dos amigos do Autor quem previamente contactou a Ré e reservou o espaço para aquele dia e hora.
3. A Ré “BB” prossegue a actividade de Exploração de ginásio, gestão de instalações desportivas, exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, nomeadamente café e snack-bar, comércio e importação e exportação de material e equipamento desportivo.
4. No exercício da sua actividade a Ré “BB” disponibilizou um campo de futebol, fechado com pavimento em relva sintética destinado à prática de futebol “indoor”, pelo período de cerca de uma hora mediante o pagamento do preço de € 75,00, o qual foi pago pelo Autor e seus amigos.
5. Todos os jogadores, incluindo o Autor usaram roupa e calçado adequado àquela prática desportiva e todos se sentiam em condições físicas e psíquicas para aquele jogo amigável.
6. O jogo iniciou, tendo os intervenientes de imediato percebido que o relvado não estava regado o que o tornava mais lento.
7. A cerca de 30 minutos do início de jogo o Autor ficou com o pé preso na relva, desequilibrou-se e caiu, tendo-se estendido no chão após sobrepor o seu peso sobre a perna direita.
8. Sentiu dores e foi socorrido no local pelos serviços de urgência.
9. (passou para NÃO PROVADO).
10. Em consequência da queda o Autor sofreu dores no pé direito e sentiu sensação de palpitação ao longo da tíbia e incapacidade de movimentar o pé.
11. Foi de imediato conduzido pelo INEM para o Hospital de ... onde deu entrada pelas 19.44 horas.
12. Nesse hospital foi-lhe realizada uma ecografia e um raio-x constatando-‑se a rotura total do tendão de Aquiles à direita, com “gap” de cerca de 9 mm.
13. O Autor sentiu-se angustiado enquanto aguardava os resultados radiológicos, receando a gravidade das lesões, nomeadamente se iria recuperar a mobilidade total do pé e da perna.
14. O Autor foi submetido a cirurgia e sujeito a internamento pelo período de 9 dias.
15. Durante esse tempo ficou longe da sua família, não podendo assistir o seu agregado familiar, composto pela sua mulher e os dois filhos menores de 7 e 3 anos de idade, o que o abalou.
16. Após alta hospitalar, e já em repouso em casa, o Autor deslocou-se aos estabelecimentos de saúde para serviços de enfermagem (troca dos curativos e do gesso), e para consultas de supervisão da recuperação, sempre dependente de boleia de terceiros ou de transportes públicos.
17. Por recomendação do hospital passou a ser acompanhado pela sua médica de família e a realizar sessões de fisioterapia, tendo realizado no total 85 sessões de fisioterapia no Hospital de ... e na clínica ....
18. Manteve sempre o acompanhamento médico regular do seu estado.
19. As lesões sofridas pelo Autor provocaram-lhe dores tanto no momento da queda, como no decurso do período de recuperação.
20. Necessitou de medicação adequada pata alívio dos sintomas.
21. Regressou a casa e ficou em repouso por tempo indeterminado, com o pé engessado durante 2 meses.
22. (passou para NÃO PROVADO)
23. O Autor não conseguia pegar nos seus filhos ao colo e não os podia levar para a escola e creche como habitualmente fazia.
24. O Autor sentiu-se triste e melancólico em virtude de estar impossibilitado de por si reger a sua vida como era habitual.
25. O Autor esteve sem poder conduzir.
26. O Autor teve alta definitiva do serviço de ortopedia do Hospital de ... em 06/09/2015.
27. Em consequência da queda o Autor ficou a padecer definitivamente no membro inferior direito de cicatriz cirúrgica no terço inferior da face posterior da perna, com 8 cm de comprimento, de queixas de dor à palpação ao nível do tendão de Aquiles, de rigidez do tornozelo na flexão dorsal do tornozelo de (0 – 15º) e eversão (0 – 5º).
28. O Autor continua a ter dores no pé direito, incómodos e mal-estar, que se exacerbam com as mudanças de tempos, ao estar de pé durante muito tempo e tem dificuldades nas tarefas que implicam carregar pesos, em caminhar médias e longas distâncias, em praticar desporto e conduzir durante muito tempo.
29. O Autor não consegue fazer as actividades que desenvolvia com os seus filhos como as brincadeiras no parque infantil, na praia, e em outros sítios de lazer que impliquem permanecer muito tempo a pé ou a caminhar e passou a sentir dificuldades na realização de algumas tarefas domésticas.
30. O quantum doloris é fixável no grau 4/7.
31. Em consequência do embate e da lesão que sofreu o Autor ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica de 3 pontos e de um dano estético de grau 2 (numa escala de 1 a 7).
32. A data da consolidação médico-legal é fixável em 06/09/2015.
33. O Autor em consequência da queda teve um período de Défice Funcional Temporário Total de 10 dias e um Défice Funcional Temporário Parcial de 365 dias, sendo o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 312 dias e o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 33 dias.
34. As sequelas de que o Autor ficou definitivamente a padecer são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares.
35. A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é fixável no grau 1 (numa escala de 1 a 7).
36. O Autor tem dificuldade em dormir em repouso absoluto uma vez que determinados movimentos com o pé direito causam-lhe dores e arrancam-no subitamente do seu sono.
37. O Autor sentiu-se frustrado, desgostoso e abatido.
38. Antes da lesão sofrida o Autor era uma pessoa muito alegre, sociável e dedicado à família.
39. Era saudável e bem constituído, atlético, extrovertido e sociável.
40. Por via da lesão sofrida e das sequelas de que ficou a padecer tornou-se uma pessoa mais fechada.
41. O Autor era quem dava apoio aos pais, designadamente assistindo o seu pai e acompanhando-o a todas as consultas médicas e após a lesão o Autor deixou de poder ajudar os seus pais da mesma forma que fazia anteriormente, o que lhe provoca angústia e tristeza.
42. O Autor nasceu no dia 13 de Outubro de 1977.
43. Na data referida em 1) era serralheiro e auferia o vencimento base na quantia de € 694,00, acrescido do subsídio de alimentação no valor de € 93,94, tendo recebido em Julho e Agosto de 2014 o vencimento líquido de € 700,66.
44. Em Setembro de 2014 o Autor recebeu a título de vencimento o valor líquido de € 619,75.
45. A partir de Outubro de 2014 deixou de auferir as remunerações mensais tendo apenas auferido em Dezembro de 2014 a quantia líquida de € 204,88 referente ao subsídio de natal.
46. O Autor recebeu da Segurança Social a título de subsídio de doença no período de 27/09/2014 a 04/08/2015 a quantia global de € 3.030,78.
47. Em consequência da queda o Autor gastou em consulta de ortopedia a quantia de € 60,00.
48. E no relatório para avaliação da incapacidade parcial permanente o Autor despendeu a quantia de € 150,00.
49. Nos relatórios clínico e de alta solicitados ao Hospital de ... o Autor despendeu a quantia de € 8,36.
50. Nas deslocações ao Hospital de ... para mudança dos pensos e curativos e para as sessões de fisioterapia o Autor despendeu quantia não concretamente apurada.
51. Em medicação para recuperação e alívio de dores o Autor despendeu a quantia de € 106,18.
52. A Ré “BB” molha a relva do campo de relvado sintético a pedido dos praticantes que assim o preferem e com a finalidade de que a bola corra melhor, sendo que alguns clientes querem a relva húmida e outros preferem-na seca.
53. A Ré “BB” celebrou contrato com a empresa EE Lda para manutenção do campo nos termos do qual esta empresa procede a seis intervenções anuais (de dois em dois meses) compostas cada uma pela verificação e eventual reparação de juntas de união entre os rolos e linhas de marcação que estejam descoladas, escovagem das cargas de areia e granulado de borracha tendo em atenção os locais onde existe mais utilização, juntamente com a escovagem a descompactação 4 vezes no ano e 1 enchimento com borracha fornecida pelo cliente, finalizando com a limpeza de objectos estranhos e outros detritos que prejudiquem a conservação do pavimento; a programação prevista é de: 1ª vez com descompactação e escovagem, 2ª vez com escovagem, 3ª vez com descompactação, enchimento e escovagem, 4ª vez com escovagem, 5ª vez com descompactação e escovagem e 6ª vez com escovagem.
54. A empresa referida no número anterior procedeu a intervenção no pavimento de relva sintética em 02 de Setembro de 2014 tendo realizado os seguintes trabalhos: limpeza do pavimento com remoção de detritos e outros objectos que danificam o pavimento e descompactação e escovagem do pavimento nas duas direcções por meio de escova triangular para proceder à erecção dos filamentos e equilibrar a carga de areia e borracha.
55. A empresa voltou a intervir no pavimento de relva sintética em 03 de Novembro de 2014 tendo realizado os seguintes trabalhos: limpeza do pavimento com remoção de detritos e outros objectos que danificam o pavimento e escovagem do pavimento nas duas direcções por meio de escova triangular para proceder à erecção dos filamentos e equilibrar a carga de areia e borracha.
56. Entre Ré “Gran Fut 7” e a Ré “DD” foi celebrado um contrato de seguro do ramo Multirriscos Comerciantes Mercantile, em vigor à data da queda do Autor, titulado pela apólice n.º 34.02.00.5012447.01, pelo qual a Ré “DD” assegurava, entre outras coberturas, a responsabilidade civil extracontratual decorrente da exploração de umas instalações desportivas sitas na Rua..., com as coberturas e as exclusões constantes das Condições Particulares, Gerais e Especiais juntas a fls. 143 a 155, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
57. Nos termos do artigo 5º, ponto 6 n.ºs 1 e 2 das Condições Gerais do contrato de seguro a cobertura de “responsabilidade civil”: “A. 1) Garante as reparações pecuniárias legalmente exigíveis ao Segurado, até ao limite indicado nas Condições Particulares, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros, em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas nas Condições Particulares e decorrentes da exploração normal da actividade segura. 2) Esta cobertura garante igualmente: a) A responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário do imóvel/fracção seguro; b) A responsabilidade civil do Segurado quando resulte de danos causados por pessoas que se encontrem ao seu serviço e no exercício das suas funções, em Portugal Continental e nas regiões autónomas de Açores e Madeira. (…) 4) Fica convencionado que se entende por sinistro, o evento súbito ou imprevisto, exterior às vítimas ou coisas danificadas, que seja susceptível de fazer incorrer o Segurado em responsabilidade civil e tenha uma mesma causa e seja consequência de uma acção ou omissão, qualquer que seja o número de lesados e as características dos danos provocados. (…) C. Fica, no entanto, estabelecido que em cada sinistro haverá sempre que deduzir, à indemnização que couber à seguradora liquidar, o valor da franquia declarada nas Condições Particulares”.
58. Nos termos das Condições Particulares da apólice foi fixado o limite desta cobertura em € 50.000,00 e a franquia por sinistro em € 100,00.
60. O Autor iniciou o jogo sem levantar qualquer objecção em relação ao estado do relvado.
61. Antes do início do jogo não foi apresentada por qualquer jogador qualquer reclamação, nem solicitado à Ré “BB” que regasse o campo.
62. O Autor já antes da queda havia sido submetido a uma cirurgia aos ligamentos do joelho direito.
63. A Ré “DD” remeteu ao Autor e à Ré CC, Lda. cartas datadas de 23/01/2015 informando da falta de enquadramento da ocorrência participada e de que não poderia responder pelos prejuízos reclamados.
FACTOS NÃO PROVADOS
a. Que o facto de o relvado não estar regado causava desconforto e limitava a liberdade de movimentos dos jogadores.
b. Que no dia da queda do Autor o estado do relvado do campo originava sobrecargas nos utentes do mesmo, incluindo no Autor.
c. Que se a Ré tivesse procedido previamente à rega do relvado sintético o atrito no contacto do calçado dos utilizadores, nomeadamente do Autor minimizaria os efeitos causados pelas roturas ou espaços entre juntas existentes.
d. Que em consequência da queda o Autor sofreu outras lesões e ficou a padecer de outras sequelas para além das referidas nos factos provados.
e. Que o Autor necessitará no futuro de tratamentos médicos.
f. Que, em face da evolução da idade e da situação clinica actual, é possível prever a longo prazo alterações degenerativas, designadamente, distrofia muscular.
g. Que o Autor se apavora facilmente e recorre a medicamentos tranquilizantes e antidepressivos.
h. Que o Autor vive atormentado pelas recordações do sucedido.
i. Que o Autor se sente inibido e fracassado perante a sua mulher.
j. Que não existe histórico de reclamações quanto ao mau estado do piso do campo.
k. Que os campos foram regados durante 20 minutos.
l. Que para a prática do futebol não é conveniente regar o campo antes de cada utilização por uma questão do pavimento não ficar muito molhado.
m. No local onde o Autor ficou com o pé preso o relvado sintético apresentava uma fissura.
n. O Autor ao regressar a casa ficou em repouso absoluto ao longo de cerca de 3 meses, ficando durante 2 meses sem qualquer mobilidade.
o. Não conseguia sair da cama sozinho, caminhar ou sequer cuidar da sua higiene e alimentação por si mesmo, carecendo da ajuda imprescindível de outras pessoas.
p. O Autor carecia de assistência por terceiros mesmo para as tarefas mais básicas.
II.B. De Direito
II.B.1. Está em discussão:
a) Alteração da matéria de facto pela Relação;
b) Alteração do fundamento legal para demandar a seguradora;
c) Valores das indemnizações arbitradas;
d) Condenação da seguradora na indemnização da S.S.
e) No recurso subordinado a não condenação no pedido de juros.
II.B.2.
a) Alteração da matéria de facto pela Relação
É sabido, serem exíguos os poderes do STJ no domínio da matéria de facto, como temos inúmeras vezes afirmado.
A alteração pela Relação da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto é uma faculdade prevista no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
As decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo não admitem recurso, ex vi do disposto no seu n.º 4.
Este normativo não é inovador relativamente à lei processual anterior já que o n.º 6 do artigo 712.º CPC consagrava a mesma regra na sequência da adopção de um entendimento jurisprudencial maioritário nesse mesmo sentido (cf. Acórdão deste STJ de 3 de Julho de 2003, Revista n.º 4730/02-2ª Secção, in Sumários dos Acórdãos de Julho/Setembro de 2003, Gabinete dos Juízes Assessores, p. 28).
Compreende-se que assim seja.
Na verdade, é às instâncias que compete a fixação da matéria de facto, cabendo ao Supremo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (cf. artigo 682.º, n.º 1, do NCPC).
Sempre se entendeu que o Supremo poderia censurar o uso que a Relação pudesse fazer dos seus poderes de alteração da matéria de facto.
Assim, por exemplo, se a Relação, por presunção judicial, dá como provado um facto que não foi alegado nem quesitado, facto esse em oposição com um facto dado como provado por acordo das partes, em violação do disposto nos artigos 607.º, 574.º, n.º 2 e 662.º do NCPC (No CPC na versão anterior os artigos 664.º, 490.º, n.º 2, 659.º, n.º 3 e 712.º. – cf. acórdão de 27 de Setembro de 2005, Revista n.º 1891/05-1.ª, in Sumários, n.º 93, p. 70).
De igual modo, o Supremo podia sindicar qualquer desrespeito dos pressupostos, em que a alteração da matéria de facto, pela Relação, é possível, ao abrigo do artigo 662.º, do NCPC.
No domínio do novo CPC vem sendo entendido, de forma pacífica, que, apesar da irrecorribilidade prevista no n.º 4 do art. 662.º do CPC, a interpretação deste normativo, reserva ao Supremo "uma margem de intervenção para situações em que o resultado final ao nível da decisão da matéria de facto foi prejudicada por errada aplicação da lei de processo", podendo ser exercida censura sobre o uso que a Relação fez dos seus poderes de modificação da matéria de facto, verificando se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados por lei para os exercer (ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, p. 350; entre outros, os Acórdãos do STJ de 16 de Dezembro de 1999, processo n.º 1022/99, da 1.ª Secção, de 19 de Março de 2002, Processo n.º 299/02, da 7.ª Secção, de 16 de Outubro de 2003, processo n.º 03B2813, de 13 de Novembro de 2003, processo n.º 03B2343, de 19 de Novembro de 2003, processo n.º 04B1528, de 24.05.2011, processo n.º 376/2002.E1.S1 e de 06.07.2011,processo n.º 8609/03.4TVLSB.L1.S1, todos em www.dgsi.pt).
A Relação fez uso, no presente processo, da referida faculdade.
No caso vertente, a Relação entendeu alterar concretos pontos da matéria de facto, dando parcial razão à recorrente.
Nesta operação apelou a provas de livre apreciação, pelo que não tem o Supremo nesta medida nenhuma censura a fazer, uma vez que se não verifica infracção da regra do artigo 674.º,n.º 3 do CPC, ou outra violação das leis do processo.
Bem andou, pois, a Relação em proceder à referida alteração.
Também não estamos perante caso de contrariedade da matéria de facto a determinar nova apreciação pela Relação.
E não há contradição entre factos provados e factos não provados.
Perante o que se deixa dito, não há qualquer fundamento para que este Tribunal exerça qualquer censura sobre a matéria de facto fixada.
b) Alteração do fundamento legal para demandar a seguradora
No acórdão recorrido entendeu-se, em primeiro lugar, que, no presente caso apesar de no invocado fundamento da demanda da seguradora não se referir expressamente tratar-se de um seguro obrigatório desportivo, o mesmo comporta elementos bastantes para se poder inferir que o contrato abrange essa vertente.
Como é sabido o risco consiste num outro título de imputação de danos que se baseia na delimitação de uma certa esfera de riscos pela qual deve responder outrem que não o lesado (LUIS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol. I, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, p.360), sendo que a responsabilidade pelo risco apenas existe nos casos previstos na lei (artigo 483.º, n.º 2 do CC).
No caso em apreço tal responsabilidade está consagrada, desde logo, no art. 16º, da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro):
1 – É assegurada a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos praticantes desportivos enquadrados na prática desportiva formal, o qual, com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protege em termos especiais o praticante desportivo de alta competição.
2 – Outras categorias de agentes desportivos cuja actividade comporte situações especiais de risco estão igualmente abrangidas no seguro de regime obrigatório.
Tal institucionalização foi desenvolvida nos artigos 42º e 43º, da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto (Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro) que dispõem, respectivamente:
1 – É garantida a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório dos agentes desportivos inscritos nas federações desportivas, o qual, com o objectivo de cobrir os particulares riscos a que estão sujeitos, protege em termos especiais o praticante desportivo de alto rendimento. 2 — Tendo em vista garantir a protecção dos praticantes não compreendidos no número anterior, é assegurada a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório para: a) Infra-estruturas desportivas abertas ao público; b) Provas ou manifestações.
1 – As entidades que proporcionam actividades físicas ou desportivas, que organizam eventos ou manifestações desportivas ou que exploram instalações desportivas abertas ao público, ficam sujeitas ao definido na lei, tendo em vista a protecção da saúde e da segurança dos participantes nas mesmas, designadamente no que se refere: a) Aos requisitos das instalações e equipamentos desportivos; b) Aos níveis mínimos de formação do pessoal que enquadre estas actividades ou administre as instalações desportivas; c) À existência obrigatória de seguros relativos a acidentes ou doenças decorrentes da prática desportiva.
Finalmente, o legislador veio consagrar o actual seguro obrigatório desportivo no D.L. n.º 10/2009, de 12.1 (o anterior diploma que o estabelecia, o D.L n.º 146/93 foi revogado pelo DL n.º 10/2009), em cujo preâmbulo se diz o seguinte:
A Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro, prevê no seu artigo 42.º a instituição de um sistema de seguros, nomeadamente um seguro obrigatório para todos os agentes desportivos, um seguro para instalações desportivas e um seguro para manifestações desportivas.
Também o artigo 43.º do mesmo diploma, referindo-se às obrigações das entidades prestadoras de serviços desportivos, estabelece a existência obrigatória de seguros relativos a acidentes ou doenças decorrentes da prática desportiva.
O desporto, até por definição, é uma actividade predominantemente física, exercitada com carácter competitivo. Cobrir os riscos, através da instituição do seguro obrigatório, é uma necessidade absoluta para a segurança dos praticantes.
Para alcançar tal desiderato, no desenvolvimento da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, Lei de Bases do Sistema Desportivo, foi publicado o Decreto-Lei n.º 146/93, de 26 de Abril, diploma pelo qual se instituiu o regime jurídico do seguro desportivo, enquanto seguro obrigatório.
Com os seguros obrigatórios atende-se a uma necessidade social fundamental, a de assegurar que o beneficiário chegue, efectivamente, a usufruir da cobertura. É certo que um sistema de seguros não evita o risco, mas previne o perigo de as vítimas não obterem o ressarcimento.
A doutrina vem apontando um conjunto de riscos susceptíveis de serem abrangidos pelo seguro desportivo, nomeadamente os riscos sobre a integridade física dos praticantes, os riscos sobre a integridade física dos espectadores ou terceiros, os riscos a que estão expostos os recursos humanos afectos ao evento desportivo e, bem assim, os riscos inerentes à deslocação para o local onde se realiza o evento desportivo.
Por outro lado, o risco coberto pelo seguro desportivo encontra-se perfeitamente balizado materialmente, isto é, apenas abrange os riscos para a saúde decorrentes da prática de uma modalidade desportiva. Correspondentemente, excluem-se do seguro os riscos derivados da prática de modalidades desportivas diversas.
De igual forma, a cobertura obrigatória apenas abrange o acidente, ou seja, não inclui toda a lesão derivada da prática desportiva, como sejam os processos degenerativos progressivos que não tenham a sua causa num evento fortuito, externo, violento e súbito.
Esse mesmo diploma estabelece no seu art. 20.º, que as entidades que incumpram a obrigação de celebrar e manter vigentes os contratos de seguro desportivo previstos no presente decreto-lei respondem, em caso de acidente decorrente da actividade desportiva, nos mesmos termos em que responderia o segurador, caso o seguro tivesse sido contratado.
Assim, nem sempre essas entidades, como a aqui Ré GranFut7, são responsáveis nos termos expostos nas normas acima referidas e, em particular, nos termos do art. 5.º deste último diploma legal, que estabelece que:
1 – O seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respectivas deslocações, dentro e fora do território português.
2 – As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo são as seguintes:
a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva;
b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.
3 – O seguro desportivo dos praticantes abrangidos pelo regime de alto rendimento tem coberturas e valores mínimos diferenciados, nos termos do disposto no artigo 11.º
Defende-se no acórdão recorrido que a interpretação que estas normas permitem (cf. art. 9º, do Código Civil) “é a de que existe neste tipo de actividades (desportivas) um risco objectivo do qual resulta obrigação de ressarcir, independentemente de culpa ou de contrato, os danos resultantes de acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva, ou seja, responsabilidade civil extracontratual objetiva, para as entidades expressamente referidas no nº 2, do acima anotado art. 2º, do D.L. nº 10/2009.
É certo que a técnica legislativa não é a mais precisa e é necessário fazer alguma interpretação reversa para chegarmos a essa conclusão, no entanto, não subsistem dúvidas de que dessas normas decorre uma obrigação de indemnizar esses danos que só é afastada da esfera jurídica dessas entidades se as mesmas a tiverem, através de contrato de seguro, transferido para alguma seguradora.”
Continua o acórdão recorrido a sustentar ser isso que acontece no caso vertente com a Ré BB que “exerce actividade de exploração de um ginásio e instalações desportivas, como ficou apurado em 3.2.3. e foi no âmbito dessa actividade remunerada (3.2.4.) que o Autor exerceu o desporto descrito – futebol e, enquanto o fazia, teve o acidente descrito em 3.2.7. do qual resultaram os danos, lesões e sequelas físicas e psíquicas que foram apuradas.”
Para o acórdão recorrido e para nós não há dúvidas de a Ré BB se constituiu como obrigada perante o A, em termos de responsabilidade civil objectiva, pois que o acidente pessoal deste se enquadra no risco abrangido pela previsão do citado art. 5.º, n.º 1, do D.L. n.º 10/2009.
Ponto é se essa responsabilidade se mostra transferida para a Ré seguradora.
Na tese desta Recorrente, defendida desde o início da demanda, inexiste responsabilidade da sua parte, até porque, salienta, o seguro em causa é de “responsabilidade civil” e não um seguro desportivo.
Parece-nos claro que, independentemente de o seguro celebrado entre as Rés abranger outros riscos que não apenas os típicos do seguro obrigatório desportivo e de o referido seguro não ser titulado com seguro obrigatório desportivo, esses factos não excluem do contratualizado a responsabilidade própria do seguro desportivo como resulta da matéria dada como provada.
Com efeito, no ponto 56. da matéria de facto fixada, deu-se como provado que a Ré assumiu a responsabilidade civil extracontratual decorrente da exploração de umas instalações desportivas da Ré BB, nos termos do clausulado geral e especial que ficou apurado, e que inclui o risco decorrente (ponto 57. dos factos provados, doravante, apenas F.P.) de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros, em consequência de sinistros ocorridos nas instalações descritas, aquelas que se mencionam em 4.F.P., em que o Autor teve o acidente em causa.
E, resulta das condições particulares do seguro em causa que esse contrato garante o risco discriminado na cláusula 2 das suas condições gerais, ou seja, sic, as indemnizações devidas por: (…) b) responsabilidade civil extracontratual do segurado emergente da actividade segura, tendo por limite, no caso da responsabilidade civil emergente da exploração, 50000 euros.
Consequentemente, decorre do contratualizado e da sua interpretação face à lei (art. 236º, do Código Civil), que estamos perante um contrato que tem por objecto, além de mais, a actividade desportiva explorada pela tomadora do seguro nessas infra-estruturas públicas, pelo que devem ser consideradas transferidas para si, através do mesmo, as obrigações indemnizatórias previstas no citado art. 5.º, do D.L. 10/2009.
Está ainda assente (57.F.P.) que, por sinistro, se entende ser o evento súbito ou imprevisto, exterior às vítimas ou coisas danificadas, que seja susceptível de fazer incorrer o Segurado em responsabilidade civil e tenha uma mesma causa e seja consequência de uma acção ou omissão, qualquer que seja o número de lesados e as características dos danos provocados.
Esta definição abarca o acidente imprevisto do Autor, cuja origem não foi e não é imputável a si ou a causa estranha à actividade desportiva que desenvolvia, e foi originado ou inerente à actividade (desportiva) explorada pela 1.ª Ré.
Se alguma dúvida pudesse subsistir sobre este entendimento a norma imperativa do art. 6.º, do DL 10/2009 que estabelece que as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro, imporia a interpretação acima sustentada.
Percebe-se que uma entidade como a ré BB opte por celebrar um seguro que cobre vários riscos, relativos a instalações, equipamentos, bens de terceiros, responsabilidade civil em termos gerais e responsabilidade civil desportiva, em vez de celebrar vários seguros, evitando, assim sobreposição de responsabilidades e o decorrente aumento de custos.
Já não será admissível que a primeira opção possa ser utilizada pela seguradora, única beneficiária para defender a sua não responsabilização, invocando não se estar perante seguro obrigatório desportivo.
Também não é o facto de se configurar aqui uma responsabilidade pelo risco que o seguro obrigatório deixa de cobrir o acidente, como é incontroverso que acontece em outros casos de seguro obrigatório, designadamente no seguro obrigatório automóvel.
Apelamos ao entendimento sufragado no acórdão do STJ de 20/06/2017, proferido no processo 343/10.5TBVLN.G1.S1 e inserto na base de dados do ITIJ, que, pese embora aprecie uma situação diferente defende, tal como aqui, uma interpretação da lei do seguro obrigatório desportivo que não traia o desígnio do diploma que é o de que “os praticantes de actividade desportiva possam usufruir da cobertura do seguro, de forma a evitar-se que as vítimas não obtenham o respectivo ressarcimento patrimonial, assim se preenchendo “uma necessidade social fundamental”. Os riscos susceptíveis de serem abrangidos pelo seguro desportivo serão, nomeadamente (para o que aqui importa), os atinentes à integridade física dos praticantes, abrangendo a cobertura obrigatória do acidente decorrente da actividade desportiva, não incluindo, porém, “toda a lesão derivada da prática desportiva, como sejam os processos degenerativos progressivos que não tenham a sua causa num evento fortuito, externo, violento e súbito”.
(…)
Trata-se, como é bom de ver, do seguro obrigatório mínimo imposto pelo dito diploma legal, cuja regulamentação, como se diz no douto acórdão recorrido “pressupõe elementos necessários (elementos que as partes não podem afastar), numa espécie de reserva de conteúdo mínimo da relação contratual correspondente, acaba por introduzir um importante elemento modelador do conteúdo desta relação”
No sentido de afastar o risco de as vítimas não lograrem obter, em caso de acidente [], o respectivo ressarcimento material por parte das seguradoras, determina o art. 6º que “as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da actividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objecto do contrato de seguro” (sublinhado nosso).”
Temos em que consideramos que a Relação decidiu bem ao manter a responsabilização da recorrente.
c) Valores das indemnizações arbitradas
Questiona a recorrente, em primeiro lugar, a indemnização parcelar pelo dano não patrimonial
A 1.ª instância fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 12.500,00, tendo Relação mantido esse valor.
A Ré seguradora defende a redução para 2.000,00 euros.
Desde já, é manifesto que os danos não patrimoniais invocados e sofridos pelo Autor merecem a tutela do direito, consubstanciado na lesão e sequelas que lhe advieram do acidente, com repercussões nocivas para a sua vida diária, quer durante o período compreendido entre a data do acidente e a consolidação médico-legal das lesões, quer posteriormente.
Com efeito, em consequência do acidente, resultou para o Autor rotura do tendão de Aquiles, o que lhe causou dores, bem como outros traumatismos psíquicos, como o transporte em ambulância, a sujeição a exames e tratamentos, o internamento hospitalar, embora de curta duração, a imobilização em casa com a perna engessada, o prejuízo estético, a perda de capacidade e a perda da alegria de viver.
Todos estes sofrimentos e transtornos, por merecerem a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1 do CC), são indemnizáveis.
O chamado “quantum doloris” não é mensurável, mas há na listagem da matéria de facto dados bastantes para concluir que foi de valor superior à média na respectiva escala avaliativa. E integra ainda o dano não patrimonial, o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver), o desgosto do lesado de se ver diminuído fisicamente e de praticar livremente a actividade desportiva de que gostava (SOUSA DINIS, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ, ano IX, tomo I, p. 7).
Os danos desta natureza não são susceptíveis de verdadeira e própria indemnização (quer pela via da reconstituição natural, quer por via da atribuição do equivalente em dinheiro), mas apenas de compensação (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 1.º vol., p. 630).
A lei – artigos 562.º e 496.º CC – manda atender sempre a um critério de equidade, com base na ponderação dos factores previstos no art. 494.º – grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, sendo que neste caso não existe culpa.
O juízo equitativo não pode deixar de ter em consideração o sistema económico – poder aquisitivo da moeda e características e condições gerais da economia – em que a compensação vai operar, sem esquecer que nos movemos em campo do maior relativismo e subjectividade.
Tem vindo a utilizar-se como referência de cálculo dos danos não patrimoniais a gama de valores que têm vindo a ser atribuídos pela jurisprudência dos tribunais superiores para a perda do direito à vida.
Há que reconhecer que o A. perdeu, por efeito do acidente, grande parte da alegria de viver.
Além disso, desde o acidente, o A. acumulou várias experiências traumáticas, como o internamento hospitalar (embora curto), os tratamentos médicos, as dores no momento do acidente, dores essas que ainda se mantiveram posteriormente, a mudança no seu gosto pela vida, na alegria, a angústia e a tristeza pela perda parcial da sua capacidade física.
Há que reconhecer que este quadro justifica uma indemnização, não situada em valores exíguos, mas não igual ou próximo dos valores atribuídos para indemnização da perda do direito à vida.
Face ao que se vem a expor, julga-se adequado e proporcional o montante de € 12.500,00, fixado, não se apresentando justificada a redução proposta pela seguradora.
Quanto ao dano patrimonial o A deverá ser ressarcido de tudo o que deixou de receber da sua entidade patronal, durante o período em que não pode trabalhar, sem exclusão do subsídio de alimentação, prestação esta que visa compensar o trabalhador pelos seus gastos com a alimentação durante o período de trabalho, sendo certo que, não trabalhando o A, sem terá que almoçar, nada nos dizendo que essa refeição seria feita em sua casa, sem qualquer aumento significativo de custo para si ou família.
Apenas haverá que deduzir, para se evitar uma duplicação de indemnização, o que o A. recebeu do Instituto da Segurança Social.
Também, pois, nesta parte não merece o acórdão censura.
Finalmente cabe abordar a questão do ressarcimento dos danos futuros.
Este, por cálculo imediato, como é o caso, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes – desde que previsíveis.
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil).
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
Ora, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º, n.os 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou implicar para o lesado um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
Não se trata de danos morais, como afirmam os Acs. do STJ de 12.5.94 (CJSTJ, Ano II, Tomo. II, p. 99) e de 28.9.95, (BMJ, n.º 449.º, p. 347), mas de danos materiais indirectos, pois que impedem ou limitam o exercício de determinadas actividades (Ac. RC, de 14.10.97, CJ, ano XXII, tomo IV, p. 36; Ac. STJ, de 5.2.87, BMJ, 364.º, p. 819).
É que, como se pode ler no Ac. do STJ de 9.7.1998, Proc. n.º 52/98-2.ª (Sumários dos Acórdãos, n.º 23, p. 52): «Uma incapacidade permanente e parcial reflecte-se de duas formas alternativas no património do lesado: ou provoca uma diminuição efectiva de remuneração porque o lesado produz menos e, por via disso, recebe menos; ou não há qualquer diminuição sensível de remuneração do lesado, mas este tem efectuar um esforço sobrecarregado para manter os mesmos níveis de produtividade que tinha antes da lesão.
No primeiro caso há uma diminuição visível e palpável de proventos; no segundo caso um desgaste anormal do lesado como ser produtivo que, no futuro, se irá reflectir na sua condição de máquina produtiva.(…) De qualquer modo (…) sempre danos patrimoniais efectivos que nada têm a ver com o dano moral que a incapacidade permanente também provoca» (v., também, os Acórdãos de 7.2.2002, proc. 3985/01-2.ª, de 8.1.2004, proc. 4083-7.ª e de 6.7.2004, proc. 2084/04-2.ª, in Sumários dos Acórdãos, n.º 58, pp.19 e 20, n.º 77, p. 8 e n.º 83, p. 25, respectivamente).
Ora, “[o] cálculo da indemnização pela incapacidade permanente, quer seja o dano entendido como de natureza patrimonial quer seja entendido como de natureza não patrimonial, e dentro desta categoria do dano com sequelas incapacitantes, enquanto danos futuros previsíveis (Art. 564.º, n.os 1 e 2 CC), faz-se por recurso à equidade (Art. 566.º, n.º 3), quer quanto à perda da capacidade de trabalho profissional e de trabalho em geral quer quanto ao dano fisiológico ou funcional.”
Como é sabido, a jurisprudência dominante tem-se firmado no sentido de a indemnização por danos patrimoniais futuros dever ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu (v. acórdãos de 13.10.92, BMJ n.º 420, p. 514, de 31.3.93, BMJ n.º 425, p. 544, de 8.6.93, CJSTJ, ano I, tomo II, p. 138, de 11.10.94, CJSTJ, ano II, tomo II, p. 86 de 28.09.95, CJSTJ, ano III, tomo III, p. 36, de 12.6.97, proc. 95/97-2.ª, Sumários dos Acórdãos n.º 12, pp. 41 e 42, de 6.7.2000, proc. 1861/00, Sumários dos Acórdãos n.º 43, p. 20 e de 25.06.2002, CJSTJ, ano X, tomo II, p. 128).
Subjaz a esta orientação o propósito de assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tanto um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa.
A partir do acórdão do STJ de 9.1.79, BMJ, 283.º, p. 260 (v. ainda os acórdãos de 18.1.79, de 18.5.81 e de 8.5.86, in respectivamente, BMJ, n.º 283, p. 275, n.º 307, p. 242 e n.º 357, p. 396) a nossa jurisprudência tem vindo a acolher, sem divergências, o entendimento de que a indemnização a pagar ao lesado deve “representar um capital que se extinga no fim da vida activa e seja susceptível de garantir, durante esta, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho”, assim se evitando o enriquecimento injustificado do lesado, mediante a acumulação do próprio capital e os respectivos rendimentos.
Porém, já no que toca aos critérios para fixação do referido capital se patenteiam divergências jurisprudenciais, optando-se nuns casos por fórmulas ou critérios concretos mais complexos (v. g. a invocada no Ac. STJ de 4.2.93, CJSTJ, ano I, tomo I, p. 130) e noutros por métodos mais simplificados (v.g. SOUSA DINIS – “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ, ano V, tomo II, p. 15 e “Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ, ano IX, tomo I, p. 5 e ss. e BMJ n.º 357, pp. 396 e 416).
“Em todas entram dados fixos – o montante periódico dos rendimentos, o termo da vida activa (65 anos) e o grau de incapacidade – e dados variáveis, como o dispêndio com necessidades próprias, a depreciação da moeda e a taxa de rendimento do capital (a qual vem descendo na medida da descida das taxas de juro do mercado – 9% no Ac. STJ de 4/2/93, citado, p. 128; 7% no Ac. STJ de 5/5/94, CJSTJ, ano II, tomo II, p. 86; hoje, dada a baixa remuneração dos produtos financeiros, cremos que a taxa de 3%, proposta pelo recorrente, será uma boa base de trabalho) e a percentagem a subtrair em razão da idade do lesado e em proporção directa com esta – a jurisprudência francesa costuma deduzir 1/4 ou mesmo 1/3 na capitalização do rendimento; entre nós no Ac. RP de 20/5/82 descontou-se 20%” (cf. CJ, ano VII, tomo II, p. 212).
E, fazendo-se ainda um outro desconto para evitar o enriquecimento injustificado, resultante do recebimento antecipado do que receberia anualmente.
Convirá aqui esclarecer-se que não deve atender-se apenas ao limite da vida activa, posto que, atingido este, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou não continue a viver por muitos anos, tendo, nessa medida, direito a perceber um rendimento como se tivesse trabalhado até aquela idade normal para a reforma. E que a vida média é, hoje, para os homens de mais de 76 anos (Segundo os mais recentes dados publicados pelo INE, a esperança média de vida em Portugal é de 77,74 anos para os homens e de 83,78 para as mulheres).
Sublinhar-se-á, porque se trata de factos notórios que relevam da experiência da vida, que, em tese geral, as perdas salariais resultantes de acidentes de viação continuarão a ter reflexos, uma vez concluída a vida activa, com a passagem à “reforma”, em consequência da sua antecipação e/ou menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas.
Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar com precisão o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida.
Acresce que não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional, em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos, na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta. Os tribunais, que não podem deixar de decidir, têm que fazer a justiça possível aqui e agora, julgando segundo a equidade, quando não é possível apurar o valor exacto dos danos.” (ac. STJ de 01.02.00 – Sumários dos Acórdãos, n.º 38, p. 9; ver ainda os acórdãos de 10.02.98 e de 25.06.02, in CJSTJ, ano VI, tomo I, p. 66 e ano X, tomo II, p. 128, respectivamente).
A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso (cf. Ac. do STJ de 10.02.98, já citado).
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, ou seja, segundo o que é normal acontecer, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou a omissão lesiva em causa.
E na segunda das supracitadas hipóteses, em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.
O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.
Como se diz no acórdão deste Tribunal de 19.01.17, proferido no processo 3/13.5TBVRL.Gl.Sl:
Estas sequelas apresentadas pela lesada consubstanciam também um dano de natureza patrimonial permanente pois que, muito embora se não repercutam na sua capacidade de ganho, é também certo que este especificado défice funcional a vai afectar sempre na sua atividade profissional; e o dano biológico, caracterizado como o malefício que advém ao lesado em virtude de ter de suportar com maior esforço a sua habitual funcionalidade, desta forma lhe exigindo redobrado empenho para a concretizar, tem esta materialidade factual assentimento no cálculo da merecida indemnização a atribuir a quem é atingido por esta lesiva vicissitude …em caso de não verificação de incapacidade permanente para a profissão habitual, a consideração do dano biológico servirá para cobrir ainda, no decurso do tempo de vida expetável, a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, mesmo fora do quadro da profissão habitual ou para compensar custos de maior onerosidade com o desempenho ou suprimento dessas atividades ou tarefas, assumindo assim uma função complementar – Ac. STJ de 16.06.2016; Manuel Tomé Soares Gomes (Relator); disponível em www.dgsi.pt.
Havemos de considerar que "... a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas – Ac. do STJ de 10/10/2012; Lopes do Rego (Relator); disponível em www.dgsi.pt.
As regras de cálculo da indemnização por via das mencionadas tabelas não se ajustam, como é natural, a este tipo de dano.
A incapacidade de trabalho atribuída ao A. (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos), e as sequelas de que ficou a padecer não são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra no âmbito da sua área de preparação técnico profissional, tendo apenas reflexos negativos nas actividades laborais e não laborais, uma vez que essas sequelas lhe exigem esforços acrescidos.
De qualquer modo, todo o período de vida activa a partir do acidente implica para o A. o dano biológico, traduzido no maior esforço da realização das diversas tarefas, o que se tornará mais intenso com o avançar da idade, sendo que o A. ainda tem pela frente um período previsível de vida de cerca de 36 anos.
Atentas as considerações precedentes, entendemos que a indemnização arbitrada a este título, ainda inferior ao montante arbitrado para o dano não patrimonial, não pode considerar-se excessiva e só poderia, contra a posição do recorrente, justificar uma alteração para um montante superior, o que no caso vertente não é possível, pois representaria uma reformatio in pejus.
Consequentemente, permanecerá inalterado também o valor atribuído pelas instâncias a este título.
Há, no entanto uma correcção que se impõe, porquanto se constata um erro de contas que deverá ser rectificado.
Com efeito, a 1.ª instância condenou os réus no pagamento das seguintes quantias:
A título de dano não patrimonial € 12.500,00
A título de danos patrimoniais:
a) Lucros cessantes € 4.888,79
b) Dano biológico € 7.500,00
c) Pagamento de medicação € 106,18
d) Pagamento de consulta de ortopedia € 60,00
e) Pagamentos dos relatórios clínicos e de alta € 8,36
f) Pagamento da consulta de ortopedia e medicação € 160,18
g) Custo do relatório para avaliação de incapacidade permanente € 150,00
Constata-se que, nos danos patrimoniais, estão duplicadas as verbas constantes das alíneas c) d) e f), e que a soma das verbas a), b) e f) dão o valor total constante da sentença € 12.554,97. Porém, falta adicionar as restantes verbas [e) e g)] pelo que o valor correcto atribuído a título de danos patrimoniais é de € 12.713,33, o que, adicionado o valor dos danos não patrimoniais, dá o valor total de € 25.213,33.
O que implica que se deva proceder à respectiva rectificação relativamente à primeira parte da decisão condenatória.
d) Condenação da seguradora na indemnização da S.S.
Neste ponto nada temos a acrescentar à argumentação aduzida pela Relação, remetendo para a respectiva fundamentação, nos termos do artigo 713.º, n.º 5, do CPC.
Sempre se dirá, contudo, que não faria sentido isentar a seguradora de suportar os danos que a Segurança Social assumiu provisoriamente nos termos do art.º 7.º, do D.L. 24/2008, maxime do seu n.º 3, que prescreve, muito simplesmente, que sempre que seja judicialmente reconhecida a obrigação de indemnizar, as instituições de segurança social têm direito ao reembolso dos valores correspondentes à concessão provisória do subsídio de doença até ao limite do valor da indemnização.
e) No recurso subordinado, a não condenação no pedido de juros
Esta questão prende-se com uma ampliação do pedido formulado pelo A relativamente à qual o tribunal de 1.ª instância se não pronunciou senão após a prolação da sentença, por só então ter-se o A. insurgido sobre a referida omissão, através de uma rectificação de erros materiais que foi indeferida.
Em sede de recurso subordinado, conjuntamente com outras questões requereu o A. a alteração da condenação com a inclusão na condenação dos peticionados juros de mora.
A Relação conheceu dessa questão como prévia, tendo entendido ter ocorrido uma nulidade não tempestivamente arguida e por isso tida por sanada, sendo que tal pedido não foi em tempo devido conhecido pelo Tribunal e não constituiu, consequentemente, objecto do processo.
Não sendo objecto do processo, nem questão de que o tribunal devesse conhecer oficiosamente, tal omissão em sede de sentença não constitui nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Por isso não se coloca, ao contrário do que se disse no acórdão, embora como argumento suplementar a questão da não arguição pelo A. da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Não se impondo ao julgador apreciar, em sede da sentença, a não pronúncia tempestiva sobre um pedido (de facto, vários) formulado pelo A. em ampliação dos pedidos iniciais, não existe qualquer omissão de pronúncia susceptível de arguição e atendimento.
E se isto é verdade para a sentença, é ainda mais claro que não pode em sede de revista, atacar-se o acórdão da Relação, com base em nulidade por omissão de pronúncia, que, manifestamente, não ocorre.
A Relação conheceu da questão suscitada e, tratando-a como questão prévia, decidiu-a.
A decisão da Relação está quanto à referida questão devidamente fundamentada e não merece censura.
Reconhece-se que houve uma omissão da 1.ª instância que podia e devia ter sido arguida tempestivamente e não foi, pelo que se verifica, também uma inércia da parte (que, processualmente, também tem deveres), que, por isso, foi sancionada, nos termos da lei de processo, que impõe regras, prazos, preclusões.
Nada, pois, a alterar, também neste ponto, a decisão recorrida.
III. Pelo exposto, acordam em negar as revistas, mantendo integralmente a decisão recorrida, salvo no que concerne ao segmento condenatório que se rectificou, devendo a quantia global a pagar pelos RR. ao A. ser de € 25.213,33, deduzida no que toca à Ré seguradora da franquia de € 100,00.
Custas a suportar aqui e nas instâncias pelos respectivos recorrentes.
Lisboa, 8 de Outubro de 2018
[1] N.º 1026
Relator: Paulo Sá
Adjuntos: Garcia Calejo e
Roque Nogueira