I - A questão em discussão no presente habeas corpus pode ser sintetizada do seguinte modo:
- ao requerente foi concedido prazo de 24 horas para se pronunciar sobre a eventual declaração de excepcional complexidade do processo em que é arguido;
- a notificação respectiva foi efectuada por via electrónica através do “Citius”
- o requerente acedeu ao “Citius” e à referida notificação, como reconhece, no próprio dia em que foi proferido o despacho e feita a notificação;
- entende o requerente, assim interpretando o n.º 12 do art. 113.º, que beneficia do prazo de 3 dias estabelecido pela presunção daquela norma e que, por isso, a prolação do despacho a declarar o processo de especial complexidade teve lugar sem ele ter sido ouvido o que redunda numa violação do art. 215.º, n.º 4 e, por conseguinte, numa diminuição das suas garantias de defesa o que torna a sua prisão ilegal.
II - Sobre a possibilidade de encurtamento do prazo normal de 10 dias estabelecido no art. 105.º, n.º 1, em situações de urgência, a jurisprudência deste STJ já se pronunciou considerando que face à premência de estar a findar o prazo da prisão preventiva, ou seja, perante uma situação de urgência é razoável o encurtamento do prazo ordenador de 10 dias para a prática de acto processual previsto no art. 105.º, n.º 1 não advindo daí constrição alguma dos direitos de defesa demais a mais quanto estes estão em cotejo com outros como os «da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar os crimes e punir os seus responsáveis».
III - O requerente diz que por via da interpretação que fez da norma do n.º 12 do art. 113.º entendeu que o prazo que tinha ao seu dispor era um e não aquele que o tribunal considerou e é por isso que considera que o despacho a declarar o processo de especial complexidade foi proferido antes do tempo, passe a expressão em benefício da clarificação da ideia. Com a interpretação que o requerente faz do mencionado n.º 12 do art. 113.º a “presunção” parece antes transformar-se numa “dilação”.
IV - A presunção em causa é uma presunção iuris tantum e pode ser ilidida mediante prova em contrário, de acordo com o art. 350.º, n.º 2 CC. Foi estabelecida e o prazo que lhe está adjacente foi convencionado não em benefício de qualquer sujeito processual mas para ultrapassar situações de imprevisibilidade ou de dúvida acerca do momento em que é feita a notificação. É em nome da segurança e da certeza que são necessárias para um correcto desenvolvimento processual que é instituída a presunção. E esses são desígnios de ordem pública e de interesse do Estado na boa administração da justiça. Os sujeitos processuais são somente, dir-se-ia, beneficiários indirectos.
V - A ideia de que é automático o “alongamento” do prazo por 3 dias para a prática de certo acto processual que é afinal no que se traduz a interpretação do requerente não pode ter-se directa e inelutavelmente contida no pensamento da lei. Isso seria nada mais nada menos do que admitir, num caso como o presente em que é seguro ter-se a notificação como feita num momento preciso, que haveria uma genérica atribuição de um prazo suplementar, ou seja, uma “dilação”. Assim, enquanto o propósito do despacho que ordenou a notificação foi o de, por manifesta urgência, estabelecer um prazo “aceleratório” para a prática do acto, o requerente pretende transformá-lo num prazo “retardatário”.
VI - A presunção tem na sua génese a noção de desconhecimento, de incerteza (sobre o momento da notificação) circunstância em que se torna possível ilidi-la e isso é o que não existe quando se tem por seguro que uma notificação por via electrónica foi acedida e conhecida do destinatário num momento preciso: às 13h41m de 18-10, o próprio dia em que foi feita. Simplicidade, flexibilidade, eficiência e celeridade são os objectivos da tramitação electrónica funcionando a presunção e a sua ilisão como válvula de segurança, neste caso desnecessária.
VII - A notificação destina-se a levar ao conhecimento dos sujeitos processuais determinada ocorrência processual mas como é regra antiga de direito processual «a eficácia do acto não está, todavia, condicionada pelo conhecimento efectivo. Requer-se, mas basta, que se torne possível o conhecimento do acto (…) um conhecimento virtual». No caso, nem sequer esse conhecimento é virtual como o próprio requerente admite.
VIII - Por conseguinte, o requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a proposta de declaração de excepcional complexidade não sendo possível afirmar que lhe foi negado o seu direito de audição e inelutavelmente prejudicado o seu direito de defesa. Feita a sobredita declaração e sem prejuízo da sua impugnação através do recurso ordinário ou a arguição de eventual nulidade, não se mostra excedido o prazo de prisão preventiva. Não se detecta, assim, uma inusitada ou patente desconformidade processual que torne ostensivamente ilegal a prisão do requerente.
1. O peticionante foi preso preventivamente no dia 21.04.2017;
2. Nos termos do artigo 215º, nº 1, al. c) e n° 2 do CPP, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido 1 ano e 6 meses;
3. Ora, no caso concreto a prisão do arguido extinguiu-se no dia 21.10.18;
4. Acontece que, os autos foram remetidos, indevidamente, para a fase de julgamento, por despacho proferido a 16.10.18 (fls. 2275);
3. No dia 18.10.18 foi, pelo juiz de julgamento, proferido despacho a receber os autos e ainda a ordenar a notificação dos mandatários dos arguidos a fim de se pronunciarem da possibilidade de o tribunal declarar os autos de especial complexidade, concedendo-lhes, para o efeito, o prazo de 24 horas;
4. Este despacho foi nesse dia (18.10.18) enviado através do sistema citius aos mandatários dos arguidos;
5. Da aludida notificação consta que: "A presente notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja — art. 113º do C.P. Penal."
6. O artigo 113° do CPP prescreve: "12 - Quando efetuadas por via eletrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.";
7. Em nosso entendimento esta presunção não pode ser ilidida por via da demonstração de que o mandatário do arguido acedeu ao sistema Citius e à referida notificação no dia 18.10.18, pelas 13H41;
8. Como soa de todos os lados esta presunção apenas pode ser ilidida a favor do notificado e não em seu prejuízo;
9. Dizendo de outro modo, o arguido pode demonstrar que foi notificado após o aludido terceiro dia, isto devido a razões a si não imputáveis: avaria do sistema, não envio etc;
10. É este o entendimento da jurisprudência, ou seja de que a presunção dos três dias não pode ser ilidida em prejuízo do arguido:
. Acórdão da Relação de Évora, de 08.05.2007, proc 606/07-3: "Tal presunção só pode ser ilidida em benefício do arguido, e nunca em seu desfavor, de acordo com a regra do art. 254º, nº 6, do CPC;
. Acórdão da Relação de ..., de 8.2.18, proc 2002/15.3T8LLE.A.E1 "Em face desta disponibilização automática das notificações, poderia supor-se que o dies a quo da contagem do prazo para a prática do acto, coincidia com a data da certificação do pelo sistema informático da realização da notificação, porquanto estaria afastada a ratio legis da presunção de notificação no 3º dia posterior ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, claramente pensada para notificação por via postal.
Porém, o legislador, pese embora assegure que a notificação por via da transmissão electrónica de dados chega de forma automática ao destinatário, o certo é que também não desconhece que a mesma pode não ser instantânea estabelecendo assim esta dilação em favor do notificado, sendo um prazo que o beneficia sempre"
. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, www.dgsi, de 19.1.12: I - Para efeitos de determinação das datas da notificação electrónica, o legislador consagrou duas presunçães: (i) a notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição e (ii) a expedição presume-se feita no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.
II - O prazo para apresentação de alegações de recurso inicia-se na data em que se presuma feita a notificação por transmissão electrónica do despacho que o receba, ou seja, no terceiro dia posterior ao da elaboração da notificação ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o final do prazo termine em dia não útil.
III - Tendo tal notificação ocorrido em data anterior àquela em que se presume efectuada, nenhum efeito se pode extrair de tal ocorrência, não podendo a contraparte invocar, para efeito de encurtamento do prazo, o recebimento ocorrido em data anterior, como decorre do disposto no nº 6 do art. 254º do CPC, segundo o qual as presunções da notificação postal ou electrónico só podem ser ilididas pelo próprio mandatário notificado, provando que não foram efectuadas ou que ocorreram em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
IV - Ou seja, a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo, pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal»
. Acórdão da Relação de Lisboa, www.dgsi. de 4.10.10 "Uma coisa é a elaboração da notificação electrónica, outra a expedição da notificação e uma terceira a efectivação da notificação. E a única coisa que conta para o começo do prazo judicial é a efectivação da notificação, que se presume feita na data da expedição, que, por sua vez, se presume feita no terceiro dia posterior ao da sua elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil. E nisto tudo não tem qualquer relevo a leitura da notificação que entretanto possa ter ocorrido."
. Acórdão da Relação de ..., de 9.4.08, proc 206/06.9TACDN-A-C1 "Não estabelecendo o Código de Processo Penal nenhum regime específico que indique ao intérprete em que circunstâncias pode ser ilidida a presunção a que alude o nº 2 do artigo 113º deve ser entendido que rege para o efeito o regime de subsidiariedade estabelecido no artigo 4º do Código de Processo Penal e, portanto, a presunção ai estabelecida só poderá ser ilidida a pedido do notificado e no seu interesse."
11. Neste sentido, está bom de ver que o arguido apenas se considera notificado, da decisão para se pronunciar sobre a aplicação da especial complexidade aos presentes autos, no dia 22.10.18;
12. Acontece que, o Tribunal proferiu decisão sobre esta questão no dia 19.10.18, ou seja, antes de o prazo para o arguido se pronunciar ter terminado;
13. Deste modo, tendo o douto despacho sido prolatado antes de expirado o prazo para o arguido exercer o contraditório, consequentemente, entende que lhe foi negado o seu direito de audição, conforme o disposto no artigo 119º, al. c) e 61º, nº 1, al. b), do CPP;
14. Violou-se, assim, o direito de audição do arguido 215º, nº 4 do CPP e artigo 32º, n°1 da CRP;
15. A negação do direito de audição viola o núcleo das garantias de defesa do arguido, constituindo um abuso de poder, que invalida o despacho que declarou a especial complexidade do processo, conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, 45/08.2JELSB-I.S1, de 12.11.09
16. Temos presente que a petição de Habeas Corpus é um instrumento processual excepcional tendo por objectivo verificar se a prisão é ostensivamente ilegal;
17. Nesse sentido poder-se-ia questionar se o Colendo Supremo poderá intrometer-se na discussão de nulidades/irregularidades, uma vez que se poderia entender que as mesmas devem ser objecto de impugnação no âmbito do recurso ordinário;
18. Perfilhamos o entendimento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 98/11.6GACDV, de 9.9.15, que a par de outros, julgou que, "ora, perante tudo o exposto, ainda que se afirme que na apreciação do requerimento de habeas corpus não caiba a apreciação das nulidades ou irregularidades processuais existentes, dado que existem meios recursórios próprios para as resolver, certo é que esta providência tem por objectivo verificar se a prisão é ostensivamente ilegal, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se se vislumbra ou não que os direitos de defesa tenham sido comprimidos ao ponto de se inviabilizarem, e se aqueles direitos podiam ter sido exercidos em tempo, assim se se respeitando os arts. 18º, 20º, nºs 4 e 5 e e32°,nºs 1 e 5,d aCRP."
19. Neste sentido também se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, 48/08.2JELSB-H.S1, de 12.11.2009
"Com efeito, no dia em que a lei presume aqueles foram notificados para exercer aquele seu direito, dia 3 do corrente, o tribunal entendeu proferir decisão a declarar a especial complexidade do processo, precludindo, assim, a possibilidade de os peticionantes se poderem pronunciar, o que equivale por dizer ter sido violado o seu direito de audição, a significar que relativamente aos peticionantes se haverá de considerar irrelevante aquela declaração de especial complexidade."
20. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 61º, 119º, 123º e 215º do Código de Processo Penal, segundo a qual num pedido de habeas corpus com fundamento em ostensiva prisão ilegal não caiba a apreciação das nulidades e/ou irregularidades processuais existentes, dado que existem meios recursórios próprios para os resolver, inquina aquelas normas de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído nos artigos 18º, 20º, 31º e 32º da Constituição da República Portuguesa;
21. Estas normas devem ser interpretadas como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relatado pela Exma. Conselheira Helena Moniz cuja transcrição se transcreveu no ponto 17º deste requerimento;
22. A mesma interpretação é proposta pelo acórdão, também já citado – 45/08.2JELSB – relatado pelo Exmo. Conselheiro Maia e Costa, cujo conteúdo subscrevemos,
"1. A legalidade formal do despacho que decretou a especial complexidade, pode ser apreciado em habeas corpus face aos efeitos do mesmo decorrentes para a privação da liberdade atenta aliás a ratio do nº 2 do art. 219º do CPP (após revisão de 2007) e o teor do nº 4 do art. 215 do CPP.
2. A inobservância do prazo de audição, configura-se como omissão de garantia de defesa, nos termos do art. 32º nº 1, da Constituição da Repúblico Portuguesa, o que torna Inconstitucional a interpretação do art. 215º nº 4, do CPP, da forma em que foi interpretado na produção do dito despacho."
23. Do que resulta, o prazo da medida de coacção de prisão preventiva a que o peticionante se encontra sujeito é de 1 ano e 6 meses--artigo 215º, nº 1, al. c) e nº 2 do Código de Processo Penal –, há que concluir que o mesmo se mostra ilegalmente preso desde o dia 21 do corrente mês, razão pela qual deverá ser restituído imediatamente à liberdade.
O pedido veio a ser instruído com:
- Auto de 1º interrogatório de arguido detido e despacho que determinou a sua prisão preventiva;
- Despachos que mantiveram a prisão preventiva;
- Acusação proferida em 2017.1013;
- Despacho de pronúncia, de 2018.01.25
- Acórdão do TR …, de 2018.07.04 que concedeu provimento ao recurso do assistente e alterou a qualificação
- Acórdão do TR …, de 2018.09.19, que indeferiu a arguição de nulidade do acórdão de 2018.07.04;
- Despacho do juiz de instrução, de 2018.10.16, de «acatamento da decisão do Tribunal da Relação»;
- Despacho de 2018.10.18 que designou dia para julgamento e, além do mais, ordenou a notificação dos arguidos para se pronunciarem sobre a eventual declaração de excepcional complexidade.
- Despacho de 2018.10.19 que declarou a especial complexidade do processo.
Em virtude da apresentação de petição de habeas corpus por parte do arguido AA, informo, para os efeitos do disposto no artigo 223°, n° 1, do Código de Processo Penal, que o arguido referido (à semelhança do arguido BB, que se encontra em idêntica situação) se mantém preso preventivamente à ordem dos presentes autos, nas seguintes condições:
1.° - O arguido AA foi submetido a primeiro interrogatório judicial em 21 de Abril de 2017, data em que lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva (cf. fls. 1010 a 1022);
2.° - Por despacho proferido em 18 de Julho de 2017 foi mantida essa mesma medida de coacção (cfr fls. 1260 e 1260 verso);
3.° - Em 13 de Outubro de 2017 foi deduzida acusação, entre outros, contra o arguido, imputando-lhe a prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210°, nºs 1 e 3, do Código Penal, de um crime de coacção agravado, p. e p. pelo artigo 154°, n° 1, e 155°, n° 1, alínea b), do mesmo Código, bem como da autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86°, n° 1, alínea d), da Lei n° 512006, de 23 de Fevereiro (c£ fls. 1517 a 1529);
4.° - Por despacho proferido em 17 de Outubro de 2017 foi mantida a medida de coacção de prisão preventiva (c. fls. 1552);
5.° - Por despacho proferido em 16 de Janeiro de 2018 foi novamente mantida aquela medida de coacção (cf. fls. 1980);
6.0 - Tendo sido requerida a abertura de instrução pelo assistente CC, em 25 de Janeiro de 2018, foi proferida decisão instrutória, pronunciando os arguidos nos termos constantes da acusação, mantendo-se a medida de coacção de prisão preventiva para o arguido AA (cf. fls. 2001 a 2010);
7.° - Por despacho de 19 de Abril de 2018 foi mantida aquela medida de coacção (cf. fls. 2091);
8.° - Na sequência de recurso interposto pelo assistente da decisão instrutória, foi, em 3 de Julho de 2018, proferida decisão pelo Venerando Tribunal da Relação de …, na qual se acorda em dar provimento ao recurso e tendo em atenção a nova qualificação jurídica dos factos em apreço, determinar a remessa dos autos ao tribunal a quo para proceder em conformidade (cf. fls. 2200 a 2212);
9.° - Tendo o arguido AA arguido a nulidade deste acórdão, foi, em 19 de Setembro de 2019, proferido novo acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação de …, no qual se acorda em indeferir a nulidade arguida (cf. fls. 2248 a 2251);
10.° - Nessa sequência, pelo Juiz 1 do Juízo de Instrução Criminal de …, em 16 de Outubro de 2018, em acatamento da decisão do Venerando Tribunal da Relação de …, foi proferida decisão instrutória, imputando ao arguido um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132 °, n° 2, alíneas c) e g), do Código Penal, bem como de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210°, n° 1, do mesmo Código, para além do crime de detenção de arma proibida, determinando-se a imediata remessa dos autos à distribuição (ef. fls. 2275);
11.° - Os autos foram distribuídos, neste Juízo Central Criminal de …, ao J…, e, tendo-lhe sido conclusos em 18 de Outubro de 2018, nessa mesma data, foi proferido despacho a designar datas para a realização da audiência de julgamento, assim como se determinou a notificação dos arguidos e assistentes, para, no prazo de 24 h, se pronunciarem quanto à possibilidade de vir a ser declarada a excepcional complexidade do processo (cf despacho com a referência 38064638);
12.° - Por despacho proferido em 19 de Outubro de 2018 foi declarada a excepcional complexidade do processo e mantida a medida de coacção de prisão preventiva a que o arguido Sérgio Pousadas se encontra sujeito (cf. fls. 2304 a 2311).
Mais se determina, que com a máxima urgência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215°, n° 4, do Código de Processo Penal, a notificação dos arguidos e assistentes para, até às 14 h do dia de amanhã – 19 de Outubro de 2018 -- se pronunciem, querendo, quanto à possibilidade de o tribunal vir a declarar a excepcional complexidade do processo.
Com efeito, ponderando as diversas diligências de investigação que houve que realizar e a complexidade da mesma, bem como a natureza dos crimes imputados aos arguidos e a gravidade dos mesmos, e ainda as questões jurídicas que se suscitam, entende-se ser de equacionar essa declaração de excepcional complexidade.
Contacte os Ilustres Mandatários de imediato, pela via mais expedida possível, consignando-se que não é possível ao tribunal conceder um prazo superior a 24 h para se pronunciarem, atenta a contingência do prazo de prisão preventiva que se encontra em curso.
E na 1ª parte do despacho que em 2018.10.19 declarou a excepcional complexidade do processo, também com pertinência, consignou-se o seguinte (transcrição):
Consigna-se que foi concedido um prazo de 24 h para os arguidos e assistentes se pronunciarem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 215 °, n° 4, do Código de Processo Penal, considerando a natureza urgente do processo, bem como a urgência da decisão a proferir. Esse prazo de 24 h terminou às 14 h do dia de hoje.
Naturalmente que a notificação em causa, no que tange com os arguidos, só releva quanto aos arguidos AA e BB, os dois que se encontram presos preventivamente, pois só a eles é aplicável o normativo do artigo 215° do Código de Processo Penal.
Consultado o Sistema Citius, uma vez que a notificação foi realizada por essa via, temos que o Ilustre Mandatário do arguido AA foi notificado ontem, pelas 13.41 h, e que o Ilustre Mandatário do arguido BB foi notificado ontem, pelas 13.47 h, pelo que ambos os arguidos dispuseram efectivamente do prazo de 24 h – até às 14 h do dia de hoje – para exercerem o contraditório.
E, ao contrário do que invoca o arguido BB, neste caso de urgência, com processos com arguidos presos, e com uma notificação realizada via Citius, não há que contar a dilação de 3 dias, a que alude o n° 12 do artigo 113° do Código de Processo Penal, porquanto ali se consagra uma presunção de notificação que, in casu, se mostra ilidida não só porque, como já mencionado, do próprio sistema é possível retirar que a notificação foi lida às 13.47 h do dia 18 de Outubro, como a própria resposta do arguido revela que o Ilustre Mandatário teve efectivamente conhecimento da notificação e tempo efectivo para exercer o contraditório em relação a ela.
Acresce que o prazo de 10 dias a que alude o artigo 105°, n° 1, do Código de Processo Penal é um prazo meramente ordenador, que comporta excepções, designadamente em casos de manifesta urgência, como ocorre no caso em apreço.
3. - Seguidos os trâmites mencionados nos nºs 2 e 3, 1ª parte, do art. 223º CPP (diploma a que pertencem as normas adiante referidas sem menção de origem), cumpre decidir.
Dispondo, por seu turno, o art. 222º nos seus nºs 1 e 2, que a qualquer pessoa ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede a providência se a ilegalidade da prisão advier de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite;
c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.
Neste quadro legal, o Supremo Tribunal de Justiça entende desde há muito, de forma pacífica, que a providência de habeas corpus tem uma natureza excepcional destinando-se a assegurar o direito à liberdade mas não é um recurso. É, por assim dizer, um remédio único, a ser usado quando falham as demais garantias do direito de liberdade mas não pode ser utilizado para impugnar quaisquer deficiências ou irregularidades processuais que têm no recurso a sua sede própria de apreciação[1].
Como tem sido foi acentuado por inabarcável jurisprudência deste Supremo Tribunal a providência «não almeja a reanálise do caso; almeja a constatação da ilegalidade, que, por isso mesmo, tem de ser patente» apresentando-se como erro grosseiro ou manifesto abuso de poder. Por isso não pode ser tida como «um sucedâneo dos recursos admissíveis, esses sim os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais».
Terá, pois, natureza excepcional por se propor como reacção expedita perante uma situação de prisão ilegal oriunda de uma inusitada ou patente desconformidade processual, adjectiva ou material que redunde numa situação de prisão ilegal.
Porém, a excepcionalidade da medida de habeas corpus não excluirá a possibilidade de ser usada em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal»[2].
Ou dito de outra maneira: a «excepcionalidade da providência de habeas corpus não significa que ela tenha carácter residual ou subsidiário, mas apenas que o seu campo de aplicação está rigorosamente definido: a prisão ilegal. Desde que verificada tal situação o habeas corpus é admissível. Esta solução é hoje incontestável, depois das alterações introduzidas no art. 219º, nº 2 pela Lei nº 48/2007, de 29-08, que veio por termo à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que considerava inadmissível o habeas corpus quando tivesse sido interposto, ou houvesse possibilidade de interpor recurso ordinário da decisão»[3].
Posto isto.
- ao requerente foi concedido prazo de 24 horas para se pronunciar sobre a eventual declaração de excepcional complexidade do processo em que é arguido;
- a notificação respectiva foi efectuada por via electrónica através do “Citius”
- o requerente acedeu ao “Citius” e à referida notificação, como reconhece (cfr ponto 7 do requerimento), no próprio dia em que foi proferido o despacho e feita a notificação;
- entende o requerente, assim interpretando o nº 12 do art. 113º, que beneficia do prazo de 3 dias estabelecido pela presunção daquela norma e que, por isso, a prolação do despacho a declarar o processo de especial complexidade teve lugar sem ele ter sido ouvido o que redunda numa violação do art. 215º, nº 4 e, por conseguinte, numa diminuição das suas garantias de defesa o que torna a sua prisão ilegal.
Dispõe o citado nº 12 do art. 113º
«Quando efectuadas por via electrónica, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja».
Um primeiro ponto a assinalar é o de que não é posta em causa a possibilidade de encurtamento do prazo normal de 10 dias estabelecido no art. 105º, nº 1, em situações de urgência, como sucedeu no caso presente.
Nem tal poderia ser questionado com pertinência sabido como é que a jurisprudência deste Supremo Tribunal já se pronunciou sobre o tema considerando que face à premência de estar a findar o prazo da prisão preventiva, ou seja, perante uma situação de urgência é razoável o encurtamento do prazo ordenador de 10 dias para a prática de acto processual previsto no art. 105º, nº 1 não advindo daí constrição alguma dos direitos de defesa demais a mais quanto estes estão em cotejo com outros como os «da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar os crimes e punir os seus responsáveis»[4]
Um segundo ponto é o de também salientar que o requerente não invoca que tenha ficado impedido de exercer o seu direito de defesa de modo efectivo e cabal. O que afirma é que por via da interpretação que fez daquela norma entendeu que o prazo que tinha ao seu dispor era um e não aquele que o tribunal considerou e é por isso que considera que o despacho a declarar o processo de especial complexidade foi proferido antes do tempo, passe a expressão em benefício da clarificação da ideia.
Ora, com a interpretação que o requerente faz do mencionado nº 12 do art. 113º a “presunção” parece antes transformar-se numa “dilação”.
A presunção em causa é uma presunção iuris tantum e pode ser ilidida mediante prova em contrário, de acordo com o art. 350º, nº 2 C. Civil.
Foi estabelecida e o prazo que lhe está adjacente foi convencionado não em benefício de qualquer sujeito processual mas para ultrapassar situações de imprevisibilidade ou de dúvida acerca do momento em que é feita a notificação.
É em nome da segurança e da certeza que são necessárias para um correcto desenvolvimento processual que é instituída a presunção. E esses são desígnios de ordem pública e de interesse do Estado na boa administração da justiça. Os sujeitos processuais são somente, dir-se-ia, beneficiários indirectos.
A ideia de que é automático o “alongamento” do prazo por 3 dias para a prática de certo acto processual que é afinal no que se traduz a interpretação do requerente não pode ter-se directa e inelutavelmente contida no pensamento da lei. Isso seria nada mais nada menos do que admitir, num caso como o presente em que é seguro ter-se a notificação como feita num momento preciso, que haveria uma genérica atribuição de um prazo suplementar, ou seja, uma “dilação”.
Assim, enquanto o propósito do despacho que ordenou a notificação foi o de, por manifesta urgência, estabelecer um prazo “aceleratório” para a prática do acto, o requerente pretende transformá-lo num prazo “retardatário”.
A presunção tem na sua génese a noção de desconhecimento, de incerteza (sobre o momento da notificação) circunstância em que se torna possível ilidi-la e isso é o que não existe quando se tem por seguro que uma notificação por via electrónica foi acedida e conhecida do destinatário num momento preciso: às 13h41m de 18 de Outubro, o próprio dia em que foi feita.
Simplicidade, flexibilidade, eficiência e celeridade são[5] os objectivos da tramitação electrónica funcionando a presunção e a sua ilisão como válvula de segurança, neste caso desnecessária.
A notificação destina-se a levar ao conhecimento dos sujeitos processuais determinada ocorrência processual mas como é regra antiga de direito processual «a eficácia do acto não está, todavia, condicionada pelo conhecimento efectivo. Requer-se, mas basta, que se torne possível o conhecimento do acto (…) um conhecimento virtual»[6]
No caso, nem sequer esse conhecimento é virtual como o próprio requerente admite.
Por conseguinte, o requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a proposta de declaração de excepcional complexidade não sendo possível afirmar que lhe foi negado o seu direito de audição e inelutavelmente prejudicado o seu direito de defesa.
Feita a sobredita declaração e sem prejuízo da sua impugnação através do recurso ordinário ou a arguição de eventual nulidade, não se mostra excedido o prazo de prisão preventiva. Não se detecta, assim, uma inusitada ou patente desconformidade processual que torne ostensivamente ilegal a prisão do requerente.
Pagará o requerente 4 UC de taxa de justiça.
Feito e revisto pelo 1º signatário.
Lisboa, 25 de outubro de 2018
Nuno Gomes da Silva (Relator)
Francisco Caetano
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[1] Cfr, neste sentido, v.g. o Código de Processo Penal Anotado, vol I, pag. 1371, dos Cons. Simas Santos e Leal-Henriques.
[2] Cfr. Ac. deste Supremo Tribunal, de 14.05.2014, proc 23/14.2YLSB.S1, desta 5ª Secção, reflectindo a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Anotada, Vol I, 4ª edição, pag 510.
[3] Cfr a anotação 4 ao art.222º do Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar et all, 2ª ed., pag. 854.
[4] Cfr Acórdão STJ de 2007.10.11, proc 07P3852
[5] Sempre foram desde a instituição do regime processual civil de natureza experimental levado a cabo pelo Dec. Lei nº 108/2006 que esteve na origem do desenvolvimento da tramitação electrónica
[6] Cfr Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório, Vol III”, pag 58