RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ORDEM DE COMPRA
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
Sumário


I. A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro poderá provir da violação do dever de informação.
II. A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente.
III. Desde que o risco da aplicação financeira não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, corre por conta do titular do direito.
IV. Não se surpreende a violação do dever de informação, quando as características do produto financeiro foram explicadas e a “garantia” do capital que o banco pudesse dar, na altura da subscrição, não era superior à da emitente das obrigações.
V. Sem a ilicitude do intermediário financeiro não há responsabilidade civil.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I – RELATÓRIO


AA e mulher, BB, instauraram, em 13 de abril de 2016, na Instância Central Cível de …, Comarca de Lisboa, contra Banco CC, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a restituir-lhes a quantia de € 53 380,14, acrescida de juros, à taxa supletiva legal para as operações comerciais, desde a citação até integral e efetivo pagamento sobre a quantia de € 50 000,00.

Para tanto, alegaram, em síntese, serem há mais de dez anos clientes do R. (antes designado por Banco DD), tendo pouca instrução escolar e sendo avessos ao risco; no dia 12 de abril de 2006, a A. foi abordada pelo seu gestor de conta, que lhe apresentou um produto financeiro de características similares às de um depósito a prazo, mas melhor remunerado, sem qualquer risco; convencida, a A. subscreveu uma “obrigação EE”, no valor de € 50 000,00; não lhes foram dadas as notas informativas da operação, com as condições, à qual só tiveram acesso em 2015; a A. nunca teria aceitado tal produto se lhe tivessem explicado as suas características; a FF (depois denominada GG) pagou os respetivos juros até 30 de abril de 2015, por intermédio do R.; o R., como intermediário financeiro, levou a A. a convencer-se de que o Banco garantia o retorno do capital, violando os deveres de informação, lealdade e proteção, constituindo-se na obrigação de indemnizar os AA.

Contestou o R., por exceção, arguindo a prescrição, e por impugnação, alegando o cumprimento dos seus deveres, para concluir pela absolvição do pedido.

Realizou-se a audiência prévia, durante a qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Prosseguindo o processo, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 5 de maio de 2017, a sentença, julgando-se a ação totalmente improcedente.

Inconformados, os Autores apelaram para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 5 de junho de 2018, julgando a apelação procedente, revogou a sentença e condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia peticionada na ação.


Inconformado, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) A decisão recorrida violou, por errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7.º, 290.º, n.º 1, alínea a), 304.º-A, 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D, do CVM, 4.º,12.º e 19.º, do DL n.º 69/2004, de 25 de março, e da Diretiva 2004/39/CE e 220.º, 232.º e 236.º, 483.º e seg., 595.º e 615.º do Código Civil.

b) À data, o intermediário financeiro não tinha obrigação legal de informar o investidor sobre os riscos do instrumento financeiro subscrito.

c) Não houve do Réu a prestação de qualquer informação falsa ou a utilização de artifício falacioso ou subterfúgio ardiloso que fosse apto a enganar o A.

d) Houve do A. um erro espontâneo, mas nunca um erro provocado.

e) Fica a cargo dos credores/autores alegar e provar a ilicitude.

f) Não pode haver presunção de ilicitude quanto ao incumprimento de deveres acessórios.

g) A origem dos deveres acessórios não radica no contrato, mas no princípio da boa-fé na execução dos contratos.

h) A violação do dever de informação no contrato de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens não implica qualquer (inexistente) presunção de ilicitude.

i) Tinha de ser o A. a alegar e provar as concretas informações que o R. estava obrigado a dar, e não deu.

j) A condenação no pagamento da integralidade do valor desembolsado é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério da teoria da diferença prevista no art. 566.º, n.º 2, do CC, uma vez que dá azo a que o A. venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título.

k) O funcionário do R. estava absolutamente convencido da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil de investidor do A.

l) Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência – a negligência inconsciente.

m) Quando a ação foi proposta, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do R. (art. 324.º do CVM).


Com a revista, o Réu pretende a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que o absolva do pedido.


O Réu juntou ainda dois pareceres jurídicos.


Contra-alegaram os Autores, no sentido da improcedência do recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está em discussão a responsabilidade civil por intermediação financeira, designadamente em resultado da violação do dever de informação, assim como a prescrição do direito.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:


1. Os AA. são gerentes de HH, Lda., a qual se obriga com a assinatura de um gerente.

2. O R. tem por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos bancos, sendo que, anteriormente, tinha a firma Banco DD, S. A.

3. A totalidade das ações representativas do capital social do Banco DD, S. A., foi nacionalizada pelo DL n.º 62-A/2008, de 11 de novembro.

4. Até à nacionalização, a totalidade do capital social do DD era detida, na íntegra, pela dd, SGPS, S.A., que, por sua vez, era detida, na íntegra, pela FF, SGPS, S.A., que, a partir de 19 de julho de 2010, alterou a firma para GG, SGPS, S. A.

5. À data da nacionalização, o R. era, também, intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), desde, pelo menos, o ano de 1993.

6. Os AA. são, há mais de dez anos, clientes do R., através da agência de ….

7. No início de 2006, na sequência de mais uma auditoria às contas do R., o Banco de Portugal ordenou que este reforçasse os capitais próprios, através de um aumento de capital subscrito pelos acionistas.

8. Os funcionários do balcão onde os AA. tinham depositadas as suas quantias estavam de boa-fé e acreditavam que os produtos que vendiam eram seguros e que não ofereciam risco para os subscritores.

9. Em abril de 2006, a conta de depósitos à ordem de HH, Lda., tinha um saldo de montante superior a € 50 000,00.

10. No dia 12 de abril de 2006, a A. deslocou-se ao balcão de … do R.. e o seu gestor de conta disse-lhe que, atentas as características do produto e a sua enorme procura pelos clientes do Banco, reservara para ela uma obrigação “EE”, no valor nominal de € 50 000,00.

11. Convencida pelos argumentos do funcionário, a A. apôs a assinatura no documento cuja cópia consta de fls. 177 e 206, intitulado "Boletim de Subscrição" e datado de 12.04.2006, já preenchido nos seus termos pelo gestor de conta.

12. Para concretização da subscrição de tal produto, em 04.05.2006, a A. transferiu da conta à ordem de HH, Lda., para a conta à ordem dos AA., a quantia de € 50 000,00.

13. Tal quantia foi creditada na conta à ordem dos AA., no dia 05.05.2006, e debitada para a aquisição no dia 08.05.2006.

14. O título referido encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos dos AA., junto do R.

15. Numa primeira fase, os funcionários do R. diziam a todos os investidores, como aos AA., para terem paciência e aguardarem, pois teriam, em breve, o dinheiro de volta.

16. Alegavam, para o efeito, que os juros que a GG ia pagando continuavam a ser liquidados por intermédio do R., mediante lançamentos a crédito na conta dos AA., e que a breve trecho haveria uma solução.

17. Enquanto houve lugar ao pagamento de juros pela GG, o mesmo sempre teve lugar por intermédio do R.

18. A FF, SGPS, S.A., pagou os juros referentes às obrigações “EE” até 30 de abril de 2015.

19. A GG, SGPS, S.A., apresentou, no Tribunal da Comarca de …, processo especial de revitalização, que corre termos pela 1.ª Secção de Comércio – J…, com o n.º 22922/l5.4T8LSB, no âmbito do qual foi proferido o despacho a que alude o artigo 17.º-C, n.º 3, al. a), do CIRE, tendo sido proferido, em 17.02.2016, despacho a declarar encerrado o processo negocial sem aprovação do plano de recuperação e determinando o encerramento do processo de revitalização, nos termos do art. 17.º- G, n.º s 1 e 4, do CIRE.

20. O R., não obstante várias interpelações feitas pelos AA. no balcão, recusa-se a restituir-lhes a quantia referida em 12 e 13, invocando que é a GG, SGPS, S.A., a única responsável pelo pagamento desse valor.

21. Os AA. eram clientes aforradores, que tinham, nas circunstâncias temporais a que se reporta a ação, quantias depositadas em contas à ordem e a prazo no R.

22. A FF, SGPS, S.A., elaborou a nota informativa, cuja cópia consta de fls. 133 a 165, para o produto referido em 10 e 11.

23. No circunstancialismo referido em 10, o gestor de conta disse à A. que estava a ser lançado um novo produto financeiro, de características similares às de um depósito a prazo, só que muito melhor remunerado.

24. A A. tinha confiança nos funcionários do R. e tomava por boas as informações que os mesmos lhe davam sobre os produtos financeiros que lhe eram propostos.

25. Os AA. são avessos ao risco e os funcionários do R. tinham disso conhecimento.

26. A A. só aceitou subscrever a obrigação “EE” porque lhe foi dito pelo gestor de conta que era um produto com características semelhantes a um depósito a prazo, melhor remunerado.

27. À A. foi dito pelo gestor de conta de que se tratava de um produto sem qualquer risco.

28. O gestor de conta assegurou à A. que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, esta poderia, querendo, endossá-la a qualquer altura, com o que sofreria apenas uma penalização nos juros.

29. Os AA. subscreveram, em 29.11.2004, 28.11.2005 e 26.5.2006, papel comercial da empresa II, e, em 10.09.2004, 9.6.2005, 3.11.2005 e 22.2.2006, subscreveram unidades de participação do Fundo de Investimento Mobiliário DD - Tesouraria.

30. No momento da contratação referida em 11 não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

31. Na data da contratação, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco DD não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data.

32. Em 2006, a FF, SGPS, S.A., emitiu 1 000 obrigações subordinadas, sob a forma escritural e ao portador, com o valor nominal de € 50 000,00, com reembolso a dez anos, amortização ao par, de uma só vez, em 8 de maio de 2016 (aditado pela Relação).

33. Aos funcionários do Banco foram dadas instruções pelo Banco para venderem o produto aos clientes como um sucedâneo de um mero depósito a prazo, que poderia ser endossado sempre que o respetivo titular assim o desejasse (aditado pela Relação).

34. A A. nunca teria aceitado a compra da obrigação “EE”, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto e, sobretudo, se lhe tivessem dito que o capital não se encontrava garantido pelo Banco (aditado pela Relação).


***


2.2. Delimitada a matéria de facto provada, com a modificação introduzida pela Relação e expurgada de redundâncias e juízos conclusivos, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da efetivação da responsabilidade civil emergente da intermediação financeira, designadamente por violação do dever de informação, e da prescrição.

O Recorrente alega a falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente da ilicitude, por ausência de violação do dever de informação, e a prescrição do direito invocado na ação.

Os Recorridos, por sua vez, apoiando-se no acórdão recorrido, defendem posição contrária, incluindo quanto à prescrição, cujo prazo entendem ser de vinte anos.

Esquematizados, em traços largos, os termos da controvérsia emergente dos autos, que posição tomar, nomeadamente quanto à responsabilidade civil do intermediário financeiro, que serve de fundamento à ação, e à prescrição do direito?


A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres relativos ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está, especificamente, prevista no art. 314.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários (CVM), sendo aplicável, atendendo à data dos factos, a versão anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro.

A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (art. 314.º, n.º 2, do CVM). Consagra-se, deste modo, a presunção de culpa do intermediário financeiro, pois, atendendo à natureza do seu estatuto, está em melhores condições para poder demonstrar a ausência de culpa no exercício da sua atividade de intermediação financeira, sendo certo que, nas relações com todos os intervenientes no mercado, o intermediário financeiro deve observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304.º, n.º 2, do CVM), para além de dever ainda orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos clientes e da eficiência do mercado (art. 304.º, n.º 1, do CVM). Trata-se, neste caso, da adaptação específica do critério da culpa abstrata, consagrada, em termos gerais, no art. 487.º, n.º 2, do Código Civil (CC), à atividade da intermediação financeira, para efeitos de efetivação da responsabilidade civil do intermediário financeiro.

A ilicitude do comportamento do intermediário financeiro, como já se referiu, poderá provir da violação do dever de informação.

Na verdade, segundo o art. 7.º, n.º 1, do CVM, a informação disponibilizada pelo intermediário financeiro, designadamente sobre produtos financeiros, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, de modo a tornar possível ao interessado (investidor) uma decisão devidamente esclarecida e fundamentada. Nesse dever específico de informação releva, designadamente, o risco especial envolvido na operação financeira a realizar, bem como o grau de conhecimentos e experiência do cliente (art. 312.º do CVM).

A densidade do dever de informação resulta tanto das características do produto financeiro que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente. O dever de informação, com semelhante densidade, pressupõe da parte do intermediário financeiro um comportamento ativo, não podendo limitar-se à simples satisfação de eventuais pedidos de esclarecimento solicitados pelo cliente, num significativo reconhecimento da complexidade do mercado de capitais e da necessidade de salvaguardar a confiança dos investidores, condição fundamental para a sustentação e desenvolvimento de tal mercado, assim como das suas poupanças. Como reconhece a doutrina, a informação deve ser técnico-jurídica, simples, direta e eficaz (A. MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 3.ª edição, 2006, pág. 291).


Determinado o alcance normativo do dever de informação, vejamos então os factos provados, os únicos que relevam para a decisão do recurso, para verificar da alegada violação do dever de informação e, como tal, do preenchimento da ilicitude, pressuposto da responsabilidade civil.

Resulta da matéria de facto que, no dia 12 de abril de 2006, a Recorrida deslocou-se ao balcão do Recorrente, em …, e o gestor de conta disse-lhe que, atentas as características do produto e a sua enorme procura, lhe reservara uma obrigação “EE”, no valor nominal de € 50 000,00. O gestor de conta disse também à Recorrida, na mesma ocasião, que o novo produto financeiro tinha características similares às de um depósito a prazo, só que muito melhor remunerado, assim como sem qualquer risco, ao qual os Recorridos eram avessos, circunstância do conhecimento dos funcionários do Recorrente, e em relação aos quais a Recorrida tinha confiança e tomava por boas as informações que lhe davam sobre os produtos financeiros propostos. O gestor de conta assegurou ainda à Recorrida que, não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, poderia endossá-la em qualquer altura, com o que sofreria apenas uma penalização nos juros.

Convencida pelos argumentos do gestor de conta, a Recorrida apôs a sua assinatura no documento intitulado “Boletim de subscrição” e datado de 12 de abril de 2006, já preenchido.

Nesse momento, provou-se ainda, não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga, como a probabilidade da emitente não cumprir era muito semelhante à do Recorrente, tendo em conta a estrutura acionista existente, cujo capital social do DD era detido pela DD, SGPS, S.A., detida integralmente pela FF, SGPS, S.A.

A Recorrida, por outro lado, nunca teria aceitado a subscrição da obrigação, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto e, sobretudo, se lhe tivessem dito que o capital não se encontrava garantido pelo Banco.

À data da subscrição da obrigação, os funcionários do balcão do Recorrente, onde os Recorridos tinham a conta bancária, acreditavam na segurança do produto financeiro e na ausência de risco para o subscritor, para além de não se prever que a emissão das obrigações pudesse vir a não ser paga. Assim, tal obrigação poderia ser considerada como um “produto conservador”, com a garantia de que o capital seria reembolsado na data do vencimento.


É inequívoco que entre o Recorrente e os Recorridos foi celebrado um contrato comercial de intermediação financeira, porquanto os segundos, dispondo-se a investir na subscrição de certa obrigação, solicitaram tal serviço de intermediação àquele, registado na CMVM como intermediário financeiro, que o executou. Estes factos, efetivamente, tipificam um negócio jurídico entre o intermediário financeiro e o cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (J. ENGRÁCIO ANTUNES, Os Contratos de Intermediação Financeira, BFDC, 85, 2009, pág. 281).

A qualidade de intermediário financeiro, atribuída ao Recorrente, confere-lhe um dever específico de informação para com o cliente, de modo a que este possa tomar uma decisão de investimento devidamente esclarecida e fundamentada.

É esse dever de informação, nomeadamente na fase pré-contratual do contrato, que o Recorrente entende não ter sido violado, nomeadamente por nem sequer existir o dever de informação, quanto aos riscos associados ao produto financeiro.

Desde logo, não é aceitável a afirmação da inexistência do dever de informação, quanto aos riscos associados ao produto financeiro. Com efeito, o art. 312.º, n.º 1, alínea a), do CVM, não deixa qualquer dúvida quanto à consagração do dever de informação sobre os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, à semelhança do regime atual (art. 312.º, n.º 2, alínea e)).

Por outro lado, nas informações fornecidas, nomeadamente nas mais concretas, não se surpreende que não tenham correspondido à verdade ou tenham sido erradas e incorretas. Na verdade, embora tratando-se de produtos financeiros distintos, o que em geral qualquer pessoa sabe, o produto financeiro das obrigações não deixa de apresentar certa similitude com o depósito a prazo, nomeadamente quanto à imobilização do capital e à sua remuneração.

No entanto, no caso presente, a subscrição das obrigações oferecia uma taxa de juro remuneratória bastante mais atrativa, certamente com o objetivo de obter uma melhor procura dos interessados e, assim, alcançar o êxito total na sua subscrição. Normalmente, a uma maior remuneração do produto financeiro anda associado também um maior risco.

O problema é que as expetativas no produto financeiro alteraram-se radicalmente, a partir de meados de setembro de 2008, com a crise financeira mundial, que teve consequências muito devastadoras, provocando numerosas insolvências e quebras substanciais em instituições financeiras, um pouco por todo o lado.

A crise financeira mundial, no entanto, não foi prevista, nem tão pouco era previsível, nomeadamente quando da subscrição da obrigação.

Neste contexto, assim como a recente insolvência da GG, SGPS, S.A., nova denominação da FF, SGPS, S.A., não era possível, ao Recorrente, ter prevenido os Recorridos desses riscos, quando em abril de 2006 lhes ofereceu a subscrição da obrigação, não lhe podendo ser imputado, a esse propósito, qualquer falha de informação sobre o produto financeiro.

Por isso, a previsão do reembolso da obrigação, na data do vencimento, tem de ser entendida no contexto do investimento que aparentemente se apresentava seguro, sendo certo também que o maior rendimento de qualquer aplicação financeira anda, igualmente, associado a mais elevado risco.

O risco, com efeito, é inerente a qualquer aplicação financeira, sendo embora variável, consoante o tipo de aplicação. Na verdade, até aplicações de depósito a prazo, com juros baixos, não estão totalmente isentas de riscos, dado que as instituições financeiras, como se foi observando, também não estão completamente imunes à insolvência, apesar da sujeição à supervisão de entidades públicas. A possibilidade do risco poderá ser remota, mas não pode ser excluída.

Ora, desde que o risco não seja, especificamente, assumido por uma qualquer entidade, não pode deixar de correr por conta do titular do direito, porquanto quem goza das vantagens também está sujeito a suportar as desvantagens (ubi commoda, ibi incommoda).

Embora a Recorrida tivesse confiado no produto financeiro apresentado, com uma taxa de juros melhor do que num depósito a prazo, quando no mesmo ano de 2006 e também em anos anteriores já tinha realizado outras aplicações financeiras, o que lhe conferia experiência na matéria, tal não significa que a subscrição da obrigação se tivesse ficado a dever à circunstância do Recorrente admitir com segurança o reembolso do capital investido. Na verdade, não está demonstrado que a Recorrida se tivesse determinado pela subscrição das obrigações por efeito da “garantia” do reembolso do capital investido. Aliás, até à crise financeira de 2008, dificilmente a Recorrida, como qualquer outra pessoa, podia ter a noção da existência do risco da perda do capital investido, pelo que não é suposto que tal tivesse determinado a subscrição da obrigação.


Na decorrência da alteração da matéria de facto, operada pela Relação, foi dado como provado que a Recorrida nunca teria aceitado a “compra” da obrigação “EE”, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto e, sobretudo, se lhe tivessem dito que o capital não se encontrava garantido pelo Recorrente.

Para além desta matéria se encontrar em manifesta contradição com outra também dada como provada, nomeadamente quanto às explicações das características do produto financeiro (10, 11, 23 e 26), a mesma matéria apresenta-se ainda como irrelevante para a decisão da causa, na medida em que, como ficou provado, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco DD não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data da contratação (31). Neste contexto circunstancial, para além da obrigação de restituição do capital investido recair sobre a emitente das obrigações, que, em último grau, detinha o Banco DD, a “garantia” do capital por este último equiparava-se ou até podia ainda ser inferior à da FF, em virtude daquele ser detido, nos termos referidos, pela FF, SGPS, S.A., a emitente das obrigações postas à subscrição. Aliás, se esta última não estivesse em condições de restituir o capital, menos ainda poderia estar o Banco DD.

Assim, perante as circunstâncias que levaram a Recorrida a subscrever a obrigação “FF – 2006”, não faz qualquer sentido, a alegação de que a Recorrida nunca teria aceitado a sua “compra”, se lhe tivessem sido explicadas as características do produto financeiro e, sobretudo, se lhe tivessem dito que o capital não se encontrava garantido pelo Banco (34).

Com efeito, não só as características do produto financeiro foram explicadas à Recorrida, como resulta de outra matéria de facto provada, como a alegada “garantia” que o Banco DD pudesse dar, na altura da subscrição, não era superior à da emitente das obrigações.

A alegação, por outro lado, pressupunha a ignorância completa da Recorrida quanto ao produto financeiro, o que não deixaria de ser surpreendente e pouco ou nada verosímil, quer por já, antes, ter subscrito produtos financeiros semelhantes, quer ainda por ser gerente comercial.

Acresce ainda a circunstância da própria subscritora da obrigação não ter suscitado, como podia e devia, o esclarecimento que entendesse necessário, no momento da oferta da subscrição da obrigação, para mais tratando-se, aparentemente, de um elemento essencial na determinação da realização do negócio.

Muito provavelmente, o aliciante da taxa de juros oferecida possa ter concorrido para o comportamento omissivo da Recorrida.

Perante circunstâncias descritas, não se surpreende qualquer violação do dever específico de informação, imputável ao Recorrente, estando excluída a tipificação do requisito da ilicitude.


No âmbito do caso dos autos, sem a ilicitude do comportamento do Recorrente, não pode haver efetivação da alegada responsabilidade civil.

Nesta decorrência, ficam prejudicadas as restantes questões suscitadas na revista.


Em face do exposto, resta concluir pela procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação do acórdão recorrido, repristinando a sentença e absolvendo o Recorrente do pedido formulado na ação.



2.4. Os Recorridos, ao ficarem vencidos por decaimento, são responsáveis pelo pagamento das custas, na revista e apelação, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e, em consequência, repristinar a sentença e absolver o Réu do pedido.


2) Condenar os Recorridos (Autores) no pagamento das custas, tando na revista como na apelação.


Lisboa, 19 de dezembro de 2018


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira