I – Invocar-se que a procuração e o substabelecimento possibilitam a realização do negócio consigo mesmo e permitem que o réu cause grave prejuízo aos autores, e que daí resulta tornar-se abusivo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento é, no fundo, não reconhecer a existência legal do contrato consigo mesmo, o qual, apesar de em princípio ser proibido, se encontra admitido, em determinadas circunstâncias, no art.261º, do C.Civil.
II – Claro que os perigos do contrato consigo mesmo são evidentes, já que o representante sentir-se-á tentado a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus.
III – Mas por isso é que o citado art.261º, nº1, só permite tal negócio, designadamente, quando o representado tenha especificadamente consentido na celebração dele.
IV – Sendo que, no caso, houve consentimento dos representados, como resulta do teor da procuração irrevogável.
V – Sendo que, apesar de a procuração ter sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, pode ser revogada, caso ocorra justa causa, nos termos do disposto no art.265º, nº3, do C.Civil.
VI – Isto é, os representados não estão de mãos atadas, não obstante terem outorgado a procuração em causa, podendo revogá-la se ocorrer uma situação que traduza justa causa.
1 – Relatório.
Na 2ª Secção Cível da Instância Central de …, Comarca de Lisboa, AA intentou ação declarativa, sob forma de processo comum, contra BB - Obras públicas e privadas, Lda. e CC, pedindo a anulação da procuração outorgada pela A. e pelo seu marido no Segundo Cartório Notarial de … declarando-se a nulidade da transmissão do prédio para o R. CC e o cancelamento do registo ou, em alternativa, deve proceder a impugnação pauliana, anulando-se de igual modo a referida transmissão.
Para o efeito, alega que emitiu, conjuntamente com o seu marido, uma procuração irrevogável a favor da R. BB, mas apenas com a intenção de permitir ao sócio gerente da mesma, o Sr. DD, obter um empréstimo bancário, a fim de lhes pagar o remanescente do preço de um prédio que prometeu comprar-lhes e assim celebrarem a escritura de compra e venda.
No entanto, veio mais tarde a verificar que o prédio se encontrava registado em nome do R. CC, e que a transferência de propriedade foi feita com base no substabelecimento feito pela R. BB no R. CC, o qual foi precedido de um contrato promessa de compra e venda do prédio, celebrado entre os RR..
Ao outorgar a procuração que está na base da transmissão do prédio para o R. CC, a A. e o seu marido atuaram em erro, sendo tal negócio jurídico anulável, nos termos do art. 247° do CC.
Para além do mais, o Sr. DD, na qualidade de representante legal da R. BB, agiu de forma dolosa, determinando dessa forma a vontade da A. e do seu marido, motivo pelo qual a procuração deve ser anulada, nos termos dos arts. 253° e 254° do CC.
O que terá como consequência a declaração de nulidade da transmissão do prédio entre os RR. BB e CC, com o consequente cancelamento do registo, voltando o prédio ora em crise a integrar o património da A. e do seu marido.
Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que a R. BB devia à A. e ao seu marido € 337.306,06, correspondente ao remanescente do preço do prédio, acordado no contrato promessa, dívida essa que é anterior à transmissão do prédio pela R. BB ao R. CC. Sem a anulação da venda do prédio, a A. e o seu marido não terão outra possibilidade de obter a satisfação do seu crédito, pois o gerente da R. BB desapareceu e esta não possui outros bens que possam responder pela dívida.
Os RR. agiram de má fé, pois basta olhar para o preço de venda do prédio acordado entre a R. BB e o R. CC no contrato promessa, para se concluir que se tratou de um negócio simulado, na medida em que o prédio vale muito mais do que o preço pelo qual foi vendido.
Estão, assim, reunidos todos os requisitos para que proceda a impugnação pauliana, o que em alternativa requer.
O R. CC contestou, invocando a exceção dilatória da sua ilegitimidade e a exceção dilatória da ilegitimidade da A., em virtude de não se mostrarem acompanhados pelos respetivos cônjuges nesta demanda.
Mais invocou a exceção dilatória da incompetência territorial do tribunal, e contestou ainda por impugnação, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Alega para tanto que desconhecia os termos do contrato promessa celebrado pela A. e pelo seu marido com a R. BB, sustentando que na sua boa - fé pretendeu simplesmente adquirir o prédio.
Alega, por fim, que quanto ao contrato promessa por si assinado, investido dos poderes que lhe foram atribuídos pelo dito substabelecimento, celebrou o contrato promessa consigo mesmo, mas nunca chegou a celebrar o contrato definitivo, pelo que não pode afirmar-se que a propriedade do prédio se transferiu para a sua esfera jurídica.
Entretanto, foi conhecida nos autos a declaração de insolvência da R. BB, tendo sido junta aos mesmos certidão da respetiva sentença, com nota de trânsito em julgado (fls. 72 e segs.).
Nesta sequência foi declarada extinta a instância, quanto à R. BB, por impossibilidade superveniente da lide, determinando-se que os autos prosseguissem quanto ao R, CC fls. 85).
Esta sentença foi notificada às partes, dela não tendo sido interposto recurso.
A A. respondeu à contestação, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pelo R. CC e pedindo a sua condenação como litigante de má - fé, no pagamento de multa e indemnização, com fundamento em que o R. CC sabia quem era o verdadeiro dono do prédio, bem como os valores em causa na transação.
O R. CC respondeu ao pedido da A. de condenação como litigante de má - fé, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho de convite à A. para suprir as exceções dilatórias da ilegitimidade ativa e passiva, requerendo a intervenção principal do seu cônjuge e do cônjuge do R. CC, respetivamente EE e FF, o que a A. fez, tendo sido ordenada a citação dos cônjuges referidos.
Nesta sequência, FF veio declarar fazer seus os articulados já apresentados nos autos pelo R. CC, e EE nada veio declarar.
De seguida foi declarada a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de … e ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da Comarca do ….
Proferiu-se depois despacho saneador e procedeu-se à fixação do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.
Produziu-se prova pericial, destinada a apurar o valor de mercado do prédio em discussão nos autos, nos anos de 2000 e 2009.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os Réus do pedido.
Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação daquela sentença.
Foi, então, proferido o acórdão da Relação de fls.448 e segs., que julgou procedente o recurso e, por consequência, revogou a decisão recorrida, julgando procedente o pedido de cancelamento do registo da aquisição do identificado imóvel a favor do réu CC.
Inconformados, os réus interpuseram recurso de revista daquele acórdão.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:
l. Os AA. tiveram problemas de ordem financeira.
2. Por tal facto, decidiram colocar à venda o prédio misto denominado GG, com a área de 19.028,8 m2, descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de …, sob a ficha n.° 5…/19…8, e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 11, da secção B, da freguesia de ….
3. Foi assim que conheceram o Sr. DD, o qual contatou o A. através de um amigo deste, o Sr. HH, manifestando interesse na aquisição do prédio.
4. Nessa sequência, e com o objetivo de apurar o valor do referido prédio, que os AA. pretendiam vender pelo preço de 110.000.000$00 (cento e dez milhões de escudos), o Sr. DD dirigiu-se com o A. ao Departamento de Habitação e Urbanismo da Câmara Municipal de …, a fim de se informar das possibilidades de construção, tendo sido requerida tal informação.
5. Na sequência da informação posteriormente recebida, o Sr. DD acordou com o A. a compra do prédio pelo preço de 107.500.000$00 (cento e sete milhões e quinhentos mil escudos).
6. Todas estas negociações foram acompanhadas pelo já referido Sr. HH.
7. Nessa sequência, com início em 2000 e até meados de 2001, o Sr. DD entregou por três vezes ao A., respetivamente, as importâncias de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), 3.000.000$00 (três milhões de escudos) e 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
8. O A. comunicou ao Sr. DD, desde o início, que a propriedade estava onerada com uma hipoteca e que não tinha outro meio que não fosse a venda para cumprir com essa obrigação.
9. O Sr. DD entretanto criara fortes laços de amizade com o A..
10. O Sr. DD, no segundo semestre de 2003, abordou o A., dizendo-lhe que a sua situação financeira se estava a agravar.
11. Assim, iria pedir um crédito bancário e celebrariam já a escritura de compra e venda do prédio prometido.
12. Passado algum tempo, o Sr. DD informou o A. que o crédito havia sido recusado.
13. Mas que lhe haviam dito particularmente que seria tudo mais fácil se o prédio fosse já propriedade da BB.
14. Foi mandado fazer um projeto de construção no Gabinete do Técnico Projetista II.
15. O A. prontificou-se para emitir, juntamente com a A., uma procuração no interesse do procurador, designada de irrevogável, na medida em que o Sr. DD os havia informado que dessa forma conseguiria o empréstimo e poderiam celebrar, logo em seguida, a escritura de compra e venda, pagando ele a importância em falta para completar o preço acordado.
16. Foi nessa sequência que, no dia 23 de setembro de 2003, os AA. compareceram no Segundo Cartório Notarial de …, juntamente com o Sr. DD, e emitiram a seu favor a procuração (fls. 19 a 21).
17. Foi sempre na certeza de que a procuração em causa seria utilizada para obter um empréstimo que permitisse pagar o montante em falta aos AA., celebrando a escritura de compra e venda, que estes se prestaram a emitir a referida procuração.
18. Apesar de denotar algumas dificuldades, entre o dia 30 de junho de 2005 e o dia 21 de julho de 2007, o Sr. DD procedeu ao pagamento das dívidas dos AA. relacionadas com o prédio, despendendo para o efeito o montante de € 144.044,17 (cento e quarenta e quatro mil, quarenta e quatro euros e dezassete cêntimos).
19. Os AA. não tiveram mais notícias do Sr. DD.
20. Sendo certo que o A. tentou diversas vezes contatá-lo, sem sucesso.
21. Tendo inclusive perguntado ao filho se o pai estava de boa saúde, manifestando preocupação por este nunca mais ter aparecido nem nada ter dito.
22. Ao que este lhe respondeu que nada sabia do pai, porque este havia desaparecido.
23. A aquisição do prédio aludido em 2., por compra, foi inscrita em nome do R. CC, no dia 1 de junho de 2009, pela Ap. 742 (fls. 26 a 28).
24. A inscrição aludida em 23. foi efetuada com base no substabelecimento feito pela R. BB, no R. CC, dos poderes que lhe foram conferidos através da procuração que os AA. assinaram no Cartório Notarial de … (fls. 23 a 25 e 29 a 31).
25. O substabelecimento foi precedido de um acordo escrito denominado "contrato promessa de compra e venda", assinado pelo Sr. DD, na qualidadede gerente da R. BB, estando esta na qualidade de procuradora dos AA., e pelo R. CC, no qual foi respetivamente prometido vender e comprar, pelo preço de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), o prédio aludido em 2. (fls. 32 a 37).
26. O gerente da R. BB desapareceu.
27. O A. e o Sr. HH foram procurá-lo a um posto de abastecimento de combustíveis que a R. BB explorava em ….
28. Os RR. sabiam que o preço declarado no contrato aludido em 25. não correspondia ao preço de mercado, valendo o prédio muito mais.
29. Por vontade dos RR., o preço que estes declararam no contrato aludido em 25. não corresponde ao acordo que alcançaram acerca do preço.
30. A R. BB não possui outros bens que possam responder pelo pagamento do remanescente do preço fixado no contrato promessa celebrado com os AA..
31. Quando demonstrou interesse na aquisição do prédio, o R. CC, acompanhado pelo Sr. DD, bem como pelo Sr. HH, dirigiram-se aos serviços competentes da Câmara Municipal de …, a fim de obter a informação sobre o andamento do projeto de construção ali existente. (contém já a alteração introduzida pela Relação)
32. Na conversa havida entre o Sr. DD e o R. CC foram referidos os valores de uma eventual transação.
33. O R. CC tomou conhecimento da intenção de alienação do prédio através do Sr. JJ e do Sr. KK, que lhe apresentaram o Sr. DD.
34. O R. CC, após contatar com o Sr. DD, acordou com este a elaboração do substabelecimento aludido em 24..
35. Está inscrita a aquisição, por compra, a favor dos AA., do prédio aludido em 2., pela Ap. 19, de 22.12.1982 (fls. 26 a 28).
36. A Câmara Municipal de … informou o A., através de ofício datado de 15.12.2000, que "o terreno em título [GG - …], na revisão do Plano Diretor Municipal em curso foi integrado em área de expansão urbana" (fls. 12).
37. Em 21.06.2001, o A. e a R. BB assinaram um escrito intitulado "Contrato de Promessa de Compra e Venda", no qual aquele prometeu vender a esta, que prometeu comprar, o prédio aludido em 2., livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades, pelo preço de € 536.208,00, tendo sido pago, a título de sinal, € 14.963,94, € 14.963,94 e 6 24.939,89 (fls. 13 a 14).
38. Foi consignado no contrato que a venda seria efetuada à R. BB ou a quem esta indicasse, autorizando desde logo o A. que tal indicação fosse efetuada (fls. 13 a 14).
39. Mais foi consignado que a escritura seria celebrada, após aprovação do alvará de loteamento para 26 lotes, pela Câmara Municipal de …, ficando o A. incumbido de notificar, para esse efeito, a R. BB, por carta registada com aviso de receção, com pelo menos 15 dias de antecedência do dia, hora e local da respetiva celebração (fls. 13 a 14).
40. Consta da procuração aludida em 16., intitulada "Procuração Irrevogável", que os AA. "constituem sua bastante procuradora a sociedade comercial por quotas sob afirma «BB - Obras públicas e privadas, Lda.» (...) à qual conferem os poderes necessários com os de substabelecer para prometer vender, vender, alugar a quem entender pelo preço e condições que entender convenientes um prédio misto denominado GG (...)
Confere ainda poderes à sociedade mandatária para relativamente ao imóvel anteriormente identificado outorgar e assinar contratos de promessa e escrituras notariais que se mostrem necessárias, bem como eventuais rectificações, podendo ainda representar os proprietários junto de quaisquer repartições públicas ou administrativas, pagar impostos ou contribuições, reclamar dos indevidos ou excessivos, recebendo títulos de anulação e as correspondentes importâncias; representar os proprietários junto da Câmara Municipal de …, para obtenção de alvarás de licenciamento, confere ainda os poderes para o representar em juízo usando de todos os poderes gerais forenses em direito permitidos os quais deverão substabelecer em advogado ou procurador habilitado. Mais lhe confere poderes para na Conservatória do Registo Predial, requerer quaisquer actos de registo, averbamentos ou cancelamentos, para nas Repartições de Finanças, assinar quaisquer documentos, inscrições, alterações, anulações, isenções e reclamações de colectas e, bem assim, para nos referidos organismos e ainda junto Conservatória, Repartição Pública e Câmara Municipal.
São dados à sociedade mandatária poderes para hipotecar, desipotecar pelo valor que entender bem como obter os distrates de hipoteca actuais sobre o Banco LL ou futuras, para assinar quaisquer outros documentos que se tornem necessários para a realização dos actos acima indicados, praticar, requerer e assinar tudo o que se relacionar ou for necessário para qualquer fim.
A sociedade mandatária poderá celebrar negócio consigo mesma (...) ficando dispensada de prestar contas aos mandantes pelo exercício e cumprimento deste mandato.
A presente procuração é também passada no interesse da sociedade mandatária e de terceiros, e por conseguinte irrevogável e não caduca por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes " (fls. 19 a 21).
41. A inscrição aludida em 23. é provisória por natureza, nos termos do art. 92° n° 1, ai. g) e n° 4 do CRPre (fls. 26 a 28).
42. A inscrição aludida em 23., para além do substabelecimento referido em 24., também teve por base o contrato promessa celebrado entre os AA. e o R. CC e o aditamento ao contrato promessa aludido em 46., tendo sido consignado no respetivo requerimento que a causa da aquisição foi uma promessa de venda, pelo preço de €35.000,00 (fls. 29 a 31).
43. O substabelecimento aludido em 24. data de 14.01.2008 (fls. 23 a 25).
44. Consta do substabelecimento aludido em 24. que foi arquivada a declaração para liquidação do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, e respetivo comprovativo de cobrança do imposto devido (fls. 23 a 25).
45. O contrato aludido em 25. foi celebrado em 14.01.2008 (fls. 32 a 37).
46. No contrato aludido em 25. foi consignado o pagamento de € 34.500,00 no acto da sua assinatura, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, do qual foi dada quitação, e o pagamento dos remanescentes € 500,00 na data da celebração da escritura pública de compra e venda, tendo sido aí fixado, para o efeito, o prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do contrato'promessa (fls. 32 a 37).
47. Em escrito datado de 27.05.2009 e assinado pelo R. CC, intitulado
"Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda", o R. CC, por si e na qualidade de procurador substabelecido da R. BB, declarou aditar ao contrato promessa a seguinte cláusula: "A escritura pública de compra e venda será outorgada, em qualquer Cartório Notarial, até o dia 31 de dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização de tal acto público".
48. De acordo com a avaliação efectuada pelo método do rendimento, o valor do prédio em apreço nestes autos, era o seguinte:
Ano de 2000: € 478.150,00
Ano de 2009
Outubro - € 421.000,00
Dezembro - € 298.850,00. (este ponto 48 foi aditado pela Relação, embora, por lapso, se tenha referido no acórdão recorrido que passaria a ser o ponto nº50)
Foram considerados "não provados", os seguintes factos:
l. Os AA., na sequência de alguns problemas de ordem financeira, tiveram de recorrer ao crédito bancário.
2. Para tanto, negociaram com o LL uma conta corrente caucionada, no montante de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos), tendo dado como garantia hipotecária o prédio aludido em 2. dos Factos Provados.
3. Porque o montante do crédito referido supra foi inferior ao que havia sido solicitado, os AA. apenas conseguiram liquidar dívidas que possuíam à data, ficando privados do remanescente com que pretendiam incrementar o negócio do A..
4. Por tal facto, os problemas com que se debatiam persistiram, apenas tendo ganho um adiamento, uma vez que conseguiram um prazo de carência de quatro anos.
5. Apalavrado o negócio, o A. quis celebrar um contrato promessa de venda com o sr. DD, mas este invocando falta de tempo para se deslocar ao escritório do Advogado em horário de expediente, foi dizendo que formalizariam o negócio em qualquer momento, que o A. estivesse descansado que isso não seria obstáculo a fazer-Ihe adiantamentos por conta do sinal sempre que fosse necessário, até porque já tinha recolhido informações e sabia que estava a lidar com gente séria.
6. Por essa altura, o Sr. DD, que se deslocava com alguma frequência a …, normalmente ao final do dia, começou a dizer ao A. que provavelmente só lhe interessaria efetuar a escritura quando conseguisse obter a aprovação do projeto de construção para o referido prédio.
7. O A. alertou-o para o tempo que isso poderia demorar, atento o facto constante de 8. dos Factos Provados.
8. O Sr. DD, uma vez mais, disse-lhe que não se preocupasse, porque chegando a altura, caso a escritura não estivesse feita, ele lá estaria, como sempre, até porque já tinham criado uma grande amizade e o mais certo seria o negócio evoluir para outra via, como por exemplo, serem os dois a construir em sociedade quando o projeto fosse aprovado.
9. O A., que se encontrava grato pela ajuda que tinha recebido do Sr. DD, disse-lhe que desde que se assegurasse o cumprimento das suas obrigações, estaria disponível para o que mais conviesse a este último.
10. De todos estes factos, a A. foi sempre sendo informada pelo A. e sempre lhe manifestou a sua concordância, uma vez que ambos estavam extraordinariamente sensibilizados com a disponibilidade e provas de consideração e estima manifestadas pelo Sr. DD.
11. Por seu turno, o A. sempre insistiu com o Sr. DD para que celebrassem o contrato promessa de compra e venda, o qual poderia ser modificado em qualquer momento, se o negócio evoluísse para a construção conjunta, para que o Sr. DD ficasse com uma salvaguarda das importâncias que havia adiantado, uma vez que os únicos comprovativos que possuía, eram pedaços de papel com as referidas importâncias escritas, assinados pelo A. e, ainda assim, por insistência deste.
12. Nessa sequência, já no início de 2002, o Sr. DD apareceu com o contrato promessa de compra e venda, figurando nele como promitente comprador a R. BB, da qual aquele era sócio gerente.
13. Contrato que, segundo o Sr. DD, se encontrava pronto há muito tempo, mas que este não via necessidade de o celebrar, na medida em que, como sempre disse, estava a lidar com pessoas de bem e que a palavra valia mais do que qualquer contrato.
14. E só o fazia nesta data por insistência do A..
15. Antes de assinar o contrato, o A. questionou o Sr. DD acerca de dois pontos:
a) Os valores nele inscritos estavam traduzidos em euros, moeda que só tinha entrado em circulação em janeiro de 2002, sendo que a data nele inscrita era a de 21 de junho de 2001;
b) A questão da hipoteca, que havia sido objeto de conversa, por diversas vezes, não se encontrava ali contemplada.
16. Ao que o Sr. DD respondeu que o contrato em questão para ele não valia nada, que a palavra é que contava e que, inclusive, já tinha dito que se a alteração ao PDM e a consequente aprovação do projeto não ocorressem antes do vencimento do contrato de conta corrente, ele assumiria a questão, de acordo com o que sempre haviam conversado, encarregando-se do pagamento e do distrate da hipoteca.
17. E que se o A. não tivesse confiança, por ele não valia a pena assinarem o contrato ou, em alternativa, teria de esperar que ele tivesse tempo para voltar a passar no escritório do Advogado, a fim de alterar o texto do mesmo.
18. Perante as provas de confiança que o Sr. DD havia depositado no A., este sentiu-se constrangido a assinar o referido contrato, até porque o Sr. HH estava quase sempre presente e testemunhara os compromissos assumidos entre ambos por diversas vezes.
19. A partir de finais do ano de 2002, princípios de 2003, o Sr. DD começou a queixar-se que vários clientes não pagavam as obras, outros não honravam a palavra nos negócios, mesmo com documentos escritos, o que lhe estava a causar um enorme transtorno, já que as dívidas que tinham para com ele ascendiam a mais de duas centenas de milhares de contos.
20. Pediu por isso ao A. que o ajudasse na realização de alguns negócios, donde se destaca a venda de um prédio para exploração de areal, sito no ….
21. O A. acompanhou todas as tentativas de negócio do referido prédio, em que também participou o já referido Sr. HH, apesar de tudo, sem êxito.
22. O Sr. DD disse ao A. que a sua situação se estava a agravar porque ninguém lhe pagava, e que por tal facto necessitava de realizar liquidez.
23. O Sr. DD informou o A. que através dos bancos com que trabalhava, conseguiria certamente um crédito superior ao valor que se propusera pagar pelo prédio.
24. O A. respondeu-lhe que o que ele decidisse, nesta matéria, teria a sua aprovação.
25. Durante uns tempos, o Sr. DD foi informando o A., primeiro, que já havia submetido o pedido de crédito ao Banco, depois que estava em análise na direção de crédito.
26. O Sr. DD disse ao A. que no balcão do BANCO MM lhe disseram que, de acordo com os critérios de concessão de crédito do Banco, a transferência da hipoteca e o reforço da mesma seriam automaticamente aprovados, bastando, para tanto, entregar uma cópia do projeto de construção.
27. O A. mandou fazer o projeto de construção, acompanhado do Sr. DD.
28. O empréstimo nunca mais foi aprovado.
29. E o Sr. DD foi dando conta, ao longo do tempo, das várias tentativas e dos sucessivos insucessos.
30. No entanto, quase todos os dias falava com o A., dizendo-lhe para não se preocupar, uma vez que, apesar de não ser o que mais lhe convinha, tinha dado a palavra e, como tal, não falharia com o pagamento da hipoteca quando chegasse o momento.
31. O Sr. DD procedeu ao pagamento do crédito e ao distrate da hipoteca que onerava o prédio objeto da promessa de compra e venda.
32. Continuando a encontrar-se regularmente com o A. e com o Sr. HH, com quem falava sobre as várias hipóteses relativas ao negócio do prédio, uma vez que a hipoteca já se encontrava totalmente liquidada.
33. Queixando-se regularmente que as coisas não andavam bem, uma vez que as pessoas cada vez eram mais incumpridoras e que a sua empresa tinha cada vez mais crédito mal parado.
34. O A. chegou a propor-lhe que vendessem o prédio a outra pessoa, se fosse a melhor solução, o que sempre foi recusado pelo Sr. DD, que afirmava que aquele era um grande negócio, ainda que demorasse.
35. Assim continuaram até ao final de 2008, data em que o A. teve de ser sujeito a uma intervenção cirúrgica.
36. Não tendo este e o Sr. DD, por esse motivo, trocado os habituais votos de festas, sendo certo, no entanto, que o Sr. DD deixou uma mensagem ao A. na caixa postal do seu telemóvel.
37. O A. telefonou ao filho do Sr. DD.
38. Como entretanto soube por um seu primo de nome NN, residente na Ilha de …, que o Sr. DD o havia contatado para lhe propor um negócio, o A. ficou descansado e atribuiu o desconhecimento do seu paradeiro por parte do filho a um eventual "desaguisado" entre ambos, coisa que nos últimos tempos era frequente.
39. Não deixando no entanto de estranhar o facto deste nunca mais o ter contatado.
40. No final do mês de junho, quando o referido primo do A. veio a Portugal passar férias, deslocaram-se os dois ao prédio objeto da promessa, sendo que os caseiros se lhe dirigiram dizendo que pensavam que a quinta já não lhe pertencia, porque tinham aparecido lá uns senhores comportando-se como se fossem eles os proprietários.
41. O A. dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial de … para obter a informação sobre o facto aludido em 23. dos Factos Provados.
42. O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas foi liquidado e pago tendo por base o valor de € 35.000,00.
43. O contrato promessa aludido em 25. foi feito com o único intuito de enganar os AA.
44. O posto aludido em 27. dos Factos Provados é da AGIP e estava encerrado.
45. Já após ter constatado o facto aludido em 23. dos Factos Provados, o A., sempre acompanhado do Sr. HH, procurou saber a situação da R. BB junto da Cooperativa da PSP, para quem esta estava a realizar várias obras, tendo sido informado que as obras haviam sido abandonadas a meio, e já estavam adjudicadas a outra entidade.
46. A terceira pessoa aludida em 30. dos Factos Provados é II.
47. Tendo sido discutida a questão de uma parceria para realização das obras, em alternativa à venda do prédio.
48. Durante a negociação informal com o R. CC, o Sr. DD disse-lhe que não obstante ser possuidor da procuração, nada se concretizaria sem a concordância do A..
49. Foi referido um valor de transação mínimo de € 600.000,00.
2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Em 2008.01.14 foi celebrado um contrato promessa de compra e venda entre DD, na qualidade de gerente da sociedade comercial por quotas com a firma «BB - Obras Públicas e Privadas, Lda.» e esta, por sua vez, na qualidade de procuradora, em nome e representação dos Autores e o ora Recorrente, sendo certo que no artigo 4.0 do referido contrato, designadamente na alínea a) estipula que a escritura pública de compra e venda será outorgada em qualquer Cartório Notarial no prazo de 90 dias a contar da data de assinatura do contrato, salvo se estiver por regularizar qualquer questão relativa aos documentos necessários à efectivação da escritura, caso em que o prazo de 90 dias contará a partir da data de regularização desta situação.
2) Dispõe, ainda, a alínea c) do referido contrato que o Primeiro Outorgante compromete-se a entregar ao Segundo Outorgante, ora Recorrente, no prazo máximo de 90 dias contados da respectiva solicitação por escrito, a cópia de todos os documentos pessoais, bem como de quaisquer procurações e outros documentos necessários à outorga da escritura prometida, sendo certo que não se provou que o Primeiro Outorgante, tenha remetido ao Réu, ora Recorrente, a referida documentação.
3) Nessa sequência, em 2009.05.27, foi celebrado um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, alterando, designadamente a al. a) do artigo 4.0 do contrato promessa de compra e venda passando a ter a seguinte redacção:
“A escritura pública de compra e venda será outorgada em qualquer Cartório Notarial, até ao dia 31 de Dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização de tal acto público”.
4) Ora, tal aditamento. com a consequente alteração da data limite para outorga da escritura pública, está relacionado com a falta documentos necessários à realização da escritura pública, sendo certo que não era incumbência do ora Recorrente providenciar pelos mesmos.
5) O Recorrente não teve, em momento algum da sua actuação, qualquer intenção de enganar ou prejudicar terceiros.
6) Efectivamente, bem andou o douto Tribunal da primeira instância quando entendeu que o negócio efectuado pelo Recorrente não foi celebrado com o intuito de enganar os AA., não tendo, este, agido de má-fé.
7) Relativamente à legitimidade que a Ré «BB» tinha para, com quem entendesse, negociar o terreno, igualmente bem andou o Tribunal da primeira instância quando entendeu que ora Recorrente não tinha de conhecer o negócio que fora efectuado entre a Ré «BB» e os AA., devendo, apenas, basear-se na legalidade do instrumento que lhe fora apresentado para que fosse outorgado o substabelecimento em seu favor.
8) Nem existiram, nem existem à presente data quaisquer tipo de interesses paralelos por parte do Recorrente que o levassem a celebrar este negócio que não a boa oportunidade do mesmo, como, aliás, é apanágio da sua profissão.
9) Efectivamente, não se poderá, em caso algum, condenar um negociante que queira obter vantagens legítimas na sua área de negócio.
10) Mais, veja-se que o próprio representante da Ré «BB» efectuou o pagamento do valor acordado como sinal do negócio celebrado com os AA.
11) Se esta não é uma demonstração inequívoca da existência de boa-fé e de que a compra do terreno iria, efectivamente, ser concluída, não saberão os Recorrentes qual possa ser.
12) E se ia finalizar a comprado terreno, não se almeja motivo algum para que não pudesse dele dispor como bem lhe aprouvesse.
13) Veja-se, também, que entre os AA. e a Ré «BB», em 2001.06.21, data anterior à outorga da procuração irrevogável, havia já sido celebrado um escrito denominado ''contrato de promessa de compra e venda", tendo sido consignado que a venda seria efectuada à «BB» ou a quem esta indicasse.
14) Mais, os Recorrentes nada têm que ver com a situação que existiu entre o legal representante da «BB» e os AA. e que levou à outorga da procuração irrevogável ora em apreço.
15) Com o devido respeito:1 e salvo melhor opinião, seria diligência de qualquer homem médio, quando confrontado com um instrumento legal similar ao que foi outorgado em favor do Sr. DD ficar perfeitamente convencido de que tal instrumento teria sido obtido validamente e não por qualquer outro tipo de artificio e, quando posto na situação do ora Recorrente, certamente que teria a mesma conduta, ou seja, celebrar o negócio nos termos em que o celebrou.
16) Os Recorrentes procederam à junção aos autos de quatro canhotos de cheques, num montante total de € 200.000,00 realizando a cabal prova do pagamento do terreno, a que acresceu um pequeno montante em numerário para despesas não documentadas.
17) Situação que levou a que os ora AA., de imediato, apresentassem a justificação de que tal quantia não era referente ao negócio ora em apreço, mas sim à globalidade dos negócios celebrados entre o Recorrente e o Sr. DD, peticionando, inclusive, que fossem trazidos aos autos todos os negócios alegadamente celebrados entre o Recorrente e o Sr. DD, o que, com o devido respeito, sequer se insere no âmbito da presente acção.
18) Considerando que existiu uma discrepância de valores entre o montante descrito no contrato de compra e venda e o montante efectivamente pago, tal como bem entendeu o douto Tribunal de primeira instância, em caso de discrepância entre o valor declarado e o valor real dos imóveis tratar-se, apenas, uma situação de mero enquadramento fiscal.
19) Não obstante, a verdade é que não foi demonstrado nenhum documento comprovativo da liquidação do IMT e, na verdade, nem poderia ter sido, já que, pela celebração do contrato de promessa de compra e venda, nenhum imposto é devido e, igualmente, não existe transmissão da propriedade do bem.
20) Aliás, veja-se que foi efectuado um aditamento ao contrato de promessa de compra e venda, nos termos do qual, os ora Recorrentes, poderiam celebrar a escritura até ao ano de 2020.
21) Ora, até à presente data ainda não foi celebrada qualquer escritura, pelo que, pese embora os Recorrentes continuem na insistência de que existiu um registo e uma transmissão de propriedade, a verdade é que o registo em nome do Recorrente é de cariz provisório.
22) Mais, veja-se ainda a posição dos AA., quando, em primeiro lugar, afirmam que nenhum outro entendimento existia quanto ao preço se não o que estava descrito no contrato de promessa de compra e venda mas, posteriormente, reconhecem os já referidos quatro canhotos de cheques apresentados pelo ora Recorrente, ainda que não concordem com o seu teor, alegando que além de se referirem ao presente negócio, se referem aos restantes negócios celebrados entre o mencionado Recorrente e o Sr. DD.
23) Com o devido respeito, os AA., pretendem, por todas as vias, demonstrar a má-fé dos Recorrentes no negócio mas a verdade é que tal não sucedeu.
24) Quem procedeu ao distrate da hipoteca do terreno, para que o pudesse comprar livremente, foi o ora Recorrente CC, reiterando-se, aqui, o motivo pelo qual o ora Recorrido quis comprar o terreno, visto com uma boa oportunidade e nada mais, situação que em nada configura abuso de direito.
25) E releve-se, também, que o que foi pago, não foi só o montante constante do contrato de promessa de compra e venda, pois o distrate foi igualmente liquidado.
26) Mais, o ora Recorrente não sabia, nem tinha tão pouco de saber, qual seria a origem da procuração que deu origem ao substabelecimento.
27) O ora Recorrente, após ter tido conhecimento da existência do imóvel, sem que conhecesse quaisquer antecedentes do negócio existente entre os AA., o Sr. DD, acordou, com o Sr. DD, a outorga de substabelecimento no qual se encontra contemplada a faculdade, entre as demais, "de prometer vender e vender a quem entendesse pelo preço e condições que entendesse por conveniente o referido imóvel, bem como, ainda, celebrar negócio consigo mesmo, nos termos do artigo 261.º do Código de Processo Civil.".
28) Situação que legalmente legitima a possibilidade de negócio, nos termos em que foi celebrado.
29) Na sequência do que considerou o douto Tribunal de primeira instância - e bem, deve dizer-se - nenhuma conduta de má-fé se pode reconhecer na acção do Recorrente CC, pretendendo este, apenas, adquirir o prédio, tendo, para esse efeito, encetado contactos e negociações legitimas com o representante da «BB», por este último se encontrar legalmente habilitado para celebrar negócio.
30) Mais, não poderão os AA. vir alegar que não estavam cientes dos efeitos da procuração outorgada quando da mesma consta que foi lida "aos outorgantes em voz alta e na sua presença a leitura e explicação do conteúdo»''.
31) Assim, não padecendo, à altura, os AA., de qualquer dificuldade que lhes obstasse à compreensão da explicação do teor do instrumento que estavam a assinar, nenhum outro motivo se concebe para que agora venham invocar que não pretendiam conferir os poderes que foram conferidos.
32) Na verdade, se existiu qualquer outra razão além da razão que tenha levado, primeiro, os AA. a outorgar a procuração forense em favor do Sr. DD e, depois, e Sr. DD a outorgar o substabelecimento em favor do Recorrente CC, este, certamente, a desconhecerá e nem tem obrigação de a conhecer.
33) O ora Recorrente, independentemente do valor da proposta que fez para a aquisição do terreno, estava legalmente habilitado a fazê-lo, não com qualquer intuito doloso mas sim com a oportunidade de negócio.
34) Aliás, independentemente do valor proposto, a verdade é que atenta a génese bilateral de um contrato de promessa de compra e venda em que as partes poderão convencionar livremente o seu conteúdo, o preço proposto, seja ele qual seja, foi aceite livre e conscientemente pelo Sr. DD.
35) Reitere-se que a única intenção do Recorrente foi aquisição do prédio, fosse ele dos AA., do Sr. DD ou de qualquer outra pessoa.
36) Se os AA. não tiveram a noção e a consciência plena dos poderes que estavam a conferir ao Sr. DD, tal não poderá ser imputado aos Recorrentes, ainda para mais quando tal instrumento é explicado ponto por ponto por quem outorga a quem o assina e dele consta especificamente a menção à possibilidade de alienação do terreno pela pessoa em favor de quem a procuração é outorgada.
37) Não poderão os ora Recorrentes ficar prejudicados pela conduta de boa-fé que tiveram, ficando sem o imóvel negociado e, por outro lado. sem o preço pago ao representante da Ré «BB».
38) Estipula o artigo 334.º do Código Civil que «é ilegítimo o exercício de um direito. quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
39) Ora, face à factualidade supra exposta! não é possível imputar ao ora Recorrente o exercício abusivo de qualquer direito, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 334.0 do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação do Acórdão Recorrido.
2.3. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:
QUESTÃO PRÉVIA
DA NULIDADE DAS DECLARAÇÕES DE PARTE EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
a) - Nos termos do artigo 466.º do CPC, as partes podem requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenham tido intervenção pessoal ou conhecimento directo, até às alegações orais em primeira instância:
b) - No caso dos presentes autos, os réus e ora recorrentes requereram e foram aceites, as suas declarações de parte, já em momento posterior à produção de alegações pelo mandatário dos então autores;
c) - Tal facto foi objecto de impugnação por parte dos autores em requerimento ditado para a acta da audiência de julgamento, datada de 12/01/2012, tendo sido igualmente objecto de recurso, não tendo obtido provimento em nenhum dos casos;
d) - Salvo melhor e mais douta opinião, tal facto constitui nulidade nos termos dos artigos 294.º e 295.º, ambos do CC, cuja declaração expressamente se requer, bem como tudo quanto foi processado subsequentemente, por se tratar de matéria-de direito, que este Venerando Tribunal pode e deve conhecer;
e) - Assim não se entendendo, o que se admite por dever de patrocínio, sempre haverá que dizer que os recorrentes tinham conhecimento, ao realizarem a adenda ao contrato promessa de compra e venda, que lesavam os direitos dos recorridos, na medida em que protelavam por onze anos, sem qualquer justificação plausível, a possibilidade destes reagirem contra as condições contratuais que unilateralmente lhe poderiam ser impostas;
f) - O que resulta numa lesão intolerável dos limites impostos pela boa fé, pelo que o exercício do direito de usar o substabelecimento em causa por parte dos recorrentes é ilegítimo, nos termos do artigo 334.0, do CC;
g) - Para além do mais, os recorrentes mentem de forma despudorada ao longo das suas alegações, como aliás sempre fizeram no decurso de todo o processo;
h) - Alegam que a prorrogação do prazo para a realização da escritura pública de compra e venda é necessária, uma vez que estando a cargo da promitente vendedora a entrega de toda a documentação necessária a tal efeito e esta não o tendo feito, se, presume que é na data constante da adenda (onze anos depois) que estarão reunidos os supra referidos documentos;
i) - É necessário deixar claro que o substabelecimento utilizado pelos recorrentes para acrescentar a adenda tem como consequência a dispensa de toda a documentação referente à promitente vendedora;
j) - Pelo que, salvo melhor e mais douta opinião, os documentos necessários à realização da escritura pública de compra e venda, são a certidão da Conservatória do Registo Predial, e a certidão de teor, que se obtêm em qualquer repartição de finanças;
k) - E ainda assim, tais documentos já se encontravam na data em que foi feita a adenda, em poder dos ora recorrentes, na justa medida em que, quando alegam que juntaram os canhotos de quatro cheques, justificando o pagamento do preço de € 200.000,00 (duzentos mil euros) pelo prédio prometido, omitem completamente a verdade;
l) - Com efeito, os referidos cheques totalizavam apenas- a importância de € 197.781,00 (cento noventa e sete mil setecentos oitenta e um euros), pelo que naquele requerimento de fls ... datado de 24/02/2016, juntaram ainda, para além dos canhotos dos cheques, um quadro com pretensões a ser uma espécie de conta corrente, onde faziam . alusão a uma verba em numerário, no montante de € .2.219,00 (dois mil duzentos e dezanove euros), a qual fazia assim o total dos tais duzentos mil euros e, que a mesma se destinou a certidões e despesas;
m) - Ora, tendo em conta o valor das duas certidões, inferior no caso concreto a quarenta euros, presume-se que a verba restante se destinou ao pagamento dos honorários de um profissional qualificado para tal efeito;
n) - Em qualquer dos casos, atentas as datas quer dos cheques, quer da verba para despesas e certidões, os recorrentes quando efectuaram a adenda ao contrato, através de negócio consigo próprios possibilitado pelo referido substabelecimento, ou já possuíam as certidões, ou mentiram e o preço pago pelo negócio não foi o de duzentos mil euros que têm vindo a alegar, apenas veja-se, a partir das declarações de parte do então ré CC e ora recorrente;
o) - Em qualquer dos casos, nunca seriam necessários onze anos para a obtenção daqueles documentos;
P) - Motivo pelo qual, as sucessivas mentiras perpetuadas pelos recorrentes nesta matéria, não podem ter outra interpretação que não seja a de uma actuação com o único intuito de prejudicar, de forma abusiva, os direitos dos ora recorridos;
q) - Motivo pelo qual, neste particular, deverá ser mantida inalterada a douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o que desde já se deixa expressa e inequivocamente requerido.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVERÃO SER DECLARADAS NULAS AS DECLARAÇÕES DE PARTE, BEM COMO A DE TUDO QUANTO FOI PROCESSADO SUBSEQUENTEMENTE, DEVENDO AINDA, CASO ASSIM. SE NÃO ENTENDA, SER DECLARADO QUE A CONDUTA DOS RECORRENTES FOI ABUSIVA, EM VIOLAÇÃO FLAGRANTE O ARTIGO 334.º, DO CC, MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
2.4. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se, da matéria de facto apurada, resulta ter de considerar abusivo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento em causa e, assim, ineficaz em relação aos autores o aditamento ao contrato promessa de compra e venda, com a consequente anulação da inscrição do prédio no registo em nome do réu, com base no referido substabelecimento.
O que resulta daquela matéria de facto é que os autores, na sequência de problemas de ordem financeira, decidiram colocar à venda o prédio misto em questão (GG).
Por isso que, em 21/6/01, celebraram contrato promessa de compra e venda daquele prédio, sendo promitente vendedor o autor e promitente compradora a sociedade BB, representada pelo gerente DD, dele constando o preço de € 536.208,00 e o sinal já pago de € 54.867,77.
Foi consignado no contrato que a venda seria efectuada à BB ou a quem esta indicasse, autorizando desde logo o autor que tal indicação fosse efectuada.
Mais foi consignado que a escritura seria celebrada após aprovação do alvará de loteamento para 26 lotes, pela Câmara Municipal de …, ficando o autor incumbido de notificar, para esse efeito, a BB, nos termos atrás referidos.
No ano de 2003, o DD informou o autor que a sua situação financeira se estava a agravar e que iria pedir um crédito bancário para poderem celebrar a escritura de compra e venda do prédio prometido vender.
Posteriormente, informou, ainda, o autor que o crédito havia sido recusado e que lhe haviam dito que tudo seria mais fácil se o prédio fosse já propriedade da BB.
E foi então que o autor se prontificou a emitir, juntamente com a autora, uma procuração no interesse do procurador, designada de irrevogável, na medida em que o DD os havia informado que, dessa forma, conseguiria o empréstimo e poderiam celebrar, logo em seguida, a escritura de compra e venda, pagando ele a importância em falta para completar o preço acordado.
Tal procuração irrevogável foi emitida em 23/9/03, sendo outorgantes os ora autores, dela constando que aqueles constituem sua bastante procuradora a sociedade BB, à qual conferiram os poderes necessários, com os de substabelecer, para, além do mais, prometer vender, vender, alugar a quem entender pelo preço e condições que entender convenientes o prédio em questão.
Consta, também, daquela procuração que a sociedade mandatária poderá celebrar negócio consigo mesmo, nos termos do art.261º, do C.Civil, ficando dispensada de prestar contas aos mandantes pelo exercício e cumprimento do mandato.
Consta, ainda, da mesma procuração que é passada também no interesse da sociedade mandatária e de terceiros, sendo, por conseguinte, irrevogável, não caducando por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes.
Entre o dia 30/6/05 e o dia 21/7/07, o DD procedeu ao pagamento das dívidas dos autores relacionadas com o prédio, despendendo para o efeito o montante de € 144.044,17.
Depois disso, os autores não tiveram mais notícias do DD, tendo este desaparecido.
Entretanto, no dia 14/1/08, o DD assinou o escrito denominado «Contrato promessa de compra e venda», na qualidade de gerente da BB, estando esta na qualidade de procuradora dos autores, prometendo vender a CC, ora réu, em nome da sua representada, o aludido prédio pelo preço de € 35.000,00.
Este preço declarado no contrato não corresponde ao acordo que alcançaram acerca do preço, pois os réus sabiam que o preço declarado no contrato não correspondia ao preço de mercado, valendo muito mais.
A al.a) do art.4º do escrito de 14/1/08 é do seguinte teor:
«A escritura pública de compra e venda será outorgada em qualquer Cartório Notarial no prazo de 90 dias a contar da data da assinatura do presente contrato, salvo se estiver por regularizar qualquer questão relativa aos documentos necessários à efectivação da escritura, caso em que o prazo de 90 dias contará a partir da regularização desta situação».
No mesmo dia 14/1/08, o DD, na qualidade de gerente da BB e em nome desta substabeleceu no CC os poderes que lhe foram conferidos pelos autores.
Em escrito datado de 27/5/09 e assinado pelo réu CC, intitulado «Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda», aquele, por si e na qualidade de procurador substabelecido da sociedade BB, declarou que a al.a) do art.4º daquele contrato promessa passará a ter a seguinte redacção:
"A escritura pública de compra e venda será outorgada, em qualquer Cartório Notarial, até o dia 31 de dezembro de 2020, data em que se presume estarem emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização de tal acto público".
No dia 1/6/09, foi inscrito na Conservatória do Registo Predial de …, em nome do réu CC, a aquisição, por compra, do prédio em questão, inscrição essa provisória por natureza, nos termos do art.92º, nºs 1, al.g) e 4, do CRP, porque baseada em contrato promessa de alienação.
Essa inscrição, para além do contrato promessa de 14/1/08, também teve por base, além do mais, o substabelecimento realizado na mesma data e o aditamento àquele contrato promessa datado de 27/5/09.
Face a esta matéria de facto, desenvolveu-se no acórdão recorrido a seguinte argumentação:
«Perante todo este circunstancialismo resulta, na verdade, que a referida procuração e substabelecimento possibilitando a realização de negócio consigo mesmo, permitem que o Réu cause grave prejuízo aos Autores, na medida em lhes pode impor unilateralmente condições contratuais a que os Autores ficam vinculados, sem possibilidade de negociação.
Nos termos do disposto no art.0 334.° do Código Civil: " é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa -fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito. "
Ora, no caso concreto, permitir que o Réu use o substabelecimento que tem em seu poder, de modo a frustrar dessa forma os interesses dos Autores, seria impor-lhes uma lesão de tal modo intolerável que afectaria gravemente os limites impostos pelos princípios da boa-fé.
Assim, teremos de considerar abusivo e, portanto, ilegítimo, nos termos do disposto no art.0 334.° do Código Civil, o exercício do direito do Réu de utilizar o substabelecimento em causa.
Em conformidade, terá de ser considerado ineficaz em relação aos Autores o "aditamento ao contrato promessa de compra e venda" a qua alude o ponto 47.° dos factos provados.
Por consequência terá de ser igualmente anulada a inscrição do prédio no registo em nome do Réu, com base no referido substabelecimento, tal como consta dos pontos 23.° e 24.° dos factos provados».
Segundo os recorrentes, o recorrente não teve em momento algum qualquer intenção de enganar ou prejudicar terceiros, apenas vendo no caso uma oportunidade de negócio, nada tendo a ver com a situação que existiu entre o legal representante da BB e os autores, que levou à outorga da procuração irrevogável em apreço.
Mais alegam que a verdade é que o registo em nome do recorrente é de cariz provisório e que se os autores não tiveram a noção e a consciência plena dos poderes que estavam a conferir ao DD, tal não poderá ser imputado aos recorrentes.
Concluem, assim, que, face à factualidade provada, não é possível imputar ao recorrente o exercício abusivo de qualquer direito.
Vejamos.
Os autores intentaram a presente acção, pedindo a anulação da procuração irrevogável por eles emitida a favor da BB, bem como a declaração de nulidade do substabelecimento e do contrato promessa celebrados por aquela, na qualidade de procuradora dos autores, com o réu CC, com base naquela procuração, invocando, para o efeito, a existência de erro dolosamente causado pela BB, ou, em alternativa, o instituto da impugnação pauliana.
Quanto à anulação da referida procuração, a sentença da 1ª instância considerou estar o tribunal impedido de apreciar tal pedido, uma vez que este respeita tão somente à BB, em relação à qual foi declarada extinta a instância, em virtude de ter sido declarada a insolvência daquela sociedade por sentença de 26/10/10.
Esta posição da 1ª instância foi confirmada pelo acórdão recorrido.
Quanto â nulidade do substabelecimento e do contrato promessa, considerou a sentença da 1ª instância que, sustentando os autores que o contrato promessa de compra e venda e o substabelecimento devem ser declarados nulos, como consequência da anulação da procuração, mas estando vedado ao tribunal apreciar esta última questão e sendo esta a única causa de pedir, deve a decisão julgar-se prejudicada.
No entanto, referiu-se naquela sentença que, ainda que assim não fosse, a eventual anulação da procuração irrevogável não teria como consequência a nulidade do contrato promessa, apenas implicando que a BB tivesse agido sem poderes, tornando o contrato promessa ineficaz relativamente aos autores, nos termos do art.268º, nº1, do C.Civil.
A posição da 1ª instância, nesta parte, também não foi posta em causa pelo acórdão recorrido, que até reconheceu formalmente correcto o enquadramento jurídico relativamente ao contrato promessa, ao contrato de compra e venda de imóveis ou ao funcionamento da outorga de procurações.
Porém, o acórdão recorrido, focando-se no caso concreto, como aí se diz, entendeu que, perante todo o circunstancialismo que o envolve, o que resulta é que a referida procuração e substabelecimento possibilitam (sublinhado nosso) a realização de negócios consigo mesmo e permitem (sublinhado nosso) que o réu cause grave prejuízo aos autores, na medida em que lhes pode impor unilateralmente condições contratuais a que os autores ficam vinculados sem possibilidade de negociação.
Mais entendeu que essa permissão significa impor aos autores uma lesão de tal modo intolerável que afectaria gravemente os limites impostos pelos princípios da boa fé, pelo que terá de se considerar abusivo e, portanto, ilegítimo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento em causa.
Para, de seguida, concluir que, assim, terá de ser considerado ineficaz em relação aos autores o «aditamento ao contrato promessa de compra e venda», e, por consequência, terá que ser anulada a inscrição do prédio no registo em nome do réu, com base no referido substabelecimento.
Por isso que, em sede de decisão final, o acórdão recorrido revogou a decisão da 1ª instância, julgando procedente o pedido de cancelamento do registo de aquisição do imóvel a favor do réu CC.
Dir-se-á, antes do mais, que a autora conclui a sua petição inicial nos seguintes termo:
« … deve a presente acção (…) proceder por provada, anulando-se ab initio a procuração outorgada pela autora e seu marido no Segundo Cartório Notarial de …, declarando-se a nulidade da transmissão do prédio para o Segundo Réu e o cancelamento do registo ou, em alternativa, deve proceder a impugnação pauliana, anulando-se, de igual modo, a referida transmissão».
Ou seja, a pretensão de declaração de nulidade ou de anulação do contrato promessa de 14/1/08 e o cancelamento do registo efectuado com base nele, seriam a consequência da pretendida anulação da procuração outorgada.
Pretensões estas que não obtiveram acolhimento na sentença da 1ª instância, por não ter sido possível conhecer da causa de pedir invocada.
Posição essa com a qual o acórdão recorrido concordou. Todavia, o mesmo acórdão acabou por determinar o pretendido cancelamento do registo, não com base na causa de pedir invocada, mas por ter considerado ineficaz em relação aos autores o aditamento ao contrato promessa promovido pelo réu CC, por si e na qualidade de procurador substabelecido da BB.
Ineficácia essa que resultaria da circunstância de ser abusivo e, portanto, ilegítimo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento em causa.
Note-se que os autores nunca invocaram esse aditamento para justificar o pretendido cancelamento do registo.
Tal pretensão seria consequência, sim, da anulação da procuração de 23/9/03 e da anulação do contrato promessa de 14/1/08.
Na verdade, o aludido registo foi provisório por natureza, precisamente, por se tratar de inscrição baseada em contrato promessa de alienação (cfr. o art.92º, nºs 1, al.g) e 4, do CRP).
Aliás, o que consta do documento de fls.30 é o seguinte:
«Declaração – Registo provisório de aquisição: CC (…) por substabelecimento de «BB – Obras públicas e privadas, Ld.ª» (…), enquanto procuradores por procuração irrevogável de EE (…) e mulher AA (…) declara que pretende o registo provisório de aquisição do prédio Misto denominado GG (…) a favor de: CC (…) por lhe ter prometido vender pelo preço de 35.000,00 Euros».
Por conseguinte, o que foi decisivo para a inscrição provisória da aquisição foi o contrato promessa de 14/1/08, embora o requerente dessa inscrição também tenha junto, com o seu requerimento, o aditamento ao contrato promessa datado de 27/5/09 (cfr. o documento de fls.31).
Não se vê, pois, que tenha fundamento o decretado cancelamento do registo de aquisição do imóvel, sendo certo que o invocado no acórdão recorrido, para tal concluir, nada tem a ver com o que os autores alegam para o mesmo efeito.
Acresce que, invocar-se que a procuração e o substabelecimento possibilitam a realização do negócio consigo mesmo e permitem que o réu cause grave prejuízo aos autores, e que daí resulta tornar-se abusivo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento, é, no fundo, não reconhecer a existência legal do contrato consigo mesmo, o qual, apesar de em princípio ser proibido, se encontra admitido, em determinadas circunstâncias, no art.261º, do C.Civil.
Na verdade, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, 2ª ed., pág.226, «Os perigos do contrato consigo mesmo são evidentes: o representante sentir-se-á tentado (…) a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus».
E acrescentam, ob. e loc. cits., «Conhecido o fundamento da proibição do contrato a semet ipso, imediatamente se compreendem as duas excepções admitidas no nº1 do artigo: a de haver consentimento do representado – consentimento que tem de especificar o negócio a realizar, pois só assim há a garantia de que o representado tem consciência dos riscos que corre; e a de o negócio excluir, por sua natureza, a possibilidade de conflito de interesses».
Ora, no caso, houve consentimento dos representados, como resulta do teor da procuração irrevogável de fls.19 a 21.
É certo que os representados conferiram amplos poderes à representante BB, no entanto, é igualmente certo que outorgaram aquela procuração depois de feita em voz alta e na sua presença a leitura e explicação do conteúdo da mesma (cfr. fls.21).
Por conseguinte, a referida procuração e o aludido substabelecimento possibilitam a realização de negócio consigo mesmo, o que é permitido pelo citado art.261º.
E também permitem, em abstracto, que o réu cause grave prejuízo aos autores, na medida em que lhes pode impor unilateralmente condições contratuais a que os autores ficam vinculados sem possibilidade de negociação, como se diz no acórdão recorrido.
Porém, os autores, representados, ao outorgarem a referida procuração, nos termos em que o fizeram, não podiam deixar de ter consciência dos riscos que corriam, que são inerentes ao contrato consigo mesmo.
De todo o modo, o que releva não são tais riscos, mas sim o uso que, em concreto, for dado à procuração e substabelecimento em causa, por parte do representante.
Logo, não se vê como considerar abusivo e, portanto, ilegítimo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento, apenas porque o mesmo permite que cause grave prejuízo aos autores.
Na verdade, não se provou que o réu tenha causado, concretamente, qualquer grave prejuízo aos autores.
O único acto que se apurou foi o aditamento ao contrato promessa de compra e venda de 14/1/08, que deu nova redacção à al. a) do art.4º do referido contrato, nos termos atrás mencionados.
Assim, a escritura pública de compra e venda prevista, inicialmente, para ser outorgada no prazo de 90 dias a contar de 14/1/08 ou a contar da data da regularização de qualquer questão relativa aos documentos necessários à efectivação da escritura, passou a estar prevista, com a nova redacção, para ser outorgada até ao dia 31 de Dezembro de 2020, por se presumir estarem nessa data emitidos e reunidos todos os documentos necessários à realização da mesma.
O dia 31/12/2020 é o fim do prazo máximo, nada impedindo que a escritura se faça muito antes dessa data.
Sendo que, apesar de a procuração ter sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, pode ser revogada, caso ocorra justa causa, nos termos do disposto no art.265º, nº3, do C.Civil.
Isto é, os representados não estão de mãos atadas, não obstante terem outorgado a procuração em causa, podendo revogá-la se ocorrer uma situação que traduza justa causa.
Situação essa que os autores não invocaram, além de também não terem invocado a ineficácia do aditamento em relação a eles.
Tal ineficácia foi considerada, apenas, no acórdão recorrido, por se ter entendido ter sido abusivo o exercício do direito do réu de utilizar o substabelecimento em causa.
No entanto, como já se referiu, não vemos que a matéria de facto dada como provada aponte nesse sentido.
Ou seja, o que se verifica é que daquela matéria de facto não constam elementos que permitam retirar a conclusão de que o réu exerceu aquele seu direito excedendo, manifestamente, os limites impostos pela boa fé.
Não há, pois, que falar em ineficácia do aditamento em relação aos autores, e, assim, em anulação da inscrição do prédio no registo em nome do réu.
Não pode, deste modo, manter-se o acórdão recorrido, que julgou procedente o pedido de cancelamento daquele registo, antes havendo que repristinar a sentença da 1ª instância.
Colocam os recorridos, nas suas contra-alegações, a questão prévia da nulidade das declarações de parte em audiência de julgamento.
Alegam que os réus e ora recorrentes requereram as suas declarações de parte já em momento posterior à produção de alegações pelo mandatário dos autores, o que viola o disposto no art.466º, do CPC.
Mais alegam que tal facto foi objecto de impugnação por parte dos autores em requerimento ditado para a acta de audiência e julgamento datada de 12/01/2012, tendo sido igualmente objecto de recurso, mas não tendo obtido provimento em nenhum dos casos.
Concluem que tal facto constitui nulidade nos termos dos arts.294º e 295º, do C.Civil, cuja declaração requerem, bem como tudo quanto foi processado subsequentemente, por se tratar de matéria de direito.
Verifica-se que consta da acta de audiência de julgamento datada de 12/1/16 (e não 12/1/12, como referem os recorridos, certamente por lapso), que, logo após as alegações dos autores, foi requerido pelos réus a admissão de declarações de parte do réu, tendo-se os autores oposto, além do mais, por serem extemporâneas, mas tendo as mesmas sido admitidas por despacho (cfr. fls.271 a 273).
Não consta que este despacho tenha sido impugnado no recurso de apelação interposto pelos autores da sentença final, pelo que terá transitado em julgado.
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre tal questão, certamente por ter considerado que não tinha sido objecto de impugnação.
Mas ainda que não se tivesse pronunciado, apesar de a questão lhe ter sido colocada, então estaríamos perante a nulidade do acórdão a que alude a 1ª parte, da al.d), do nº1, do art.615º, aplicável ex vi do art.666º, nº1, ambos do CPC.
Nulidade esta que, todavia, não foi arguida, pelo que não podia ser conhecida (cfr. o art.636º, nº2, do CPC).
Não se trataria, pois, da nulidade a que alude o invocado art.294º, do C.Civil, respeitante aos negócios jurídicos, embora aplicável, por força do art.295º, do mesmo Código, aos actos jurídicos.
Não há, assim, que declarar qualquer nulidade.
3 – Decisão.
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso de revista e revoga-se o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença da 1ª instância.
Custas pelos recorridos.
Lisboa, 21 de Janeiro de 2019
Roque Nogueira (Relator)
Alexandre Reis
Pedro Lima Gonçalves