I - O nosso regime processual civil estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido (art. 296.º, n.º 1, do CPC), sendo certo que, se pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário (art. 297.º, n.º 1, do CPC).
II - Numa acção em que os autores formulam um pedido de condenação dos réus “no pagamento da quantia que se vier a apurar que resultará da diferença entre o montante que vier a ser recuperado (…) em resultado da liquidação da entidade emitente dos instrumentos financeiros” e o montante certo e expresso em euros que concretizam, correspondente ao capital investido nesses instrumentos financeiros e respectivos juros convencionados, a utilidade económica do pedido já se encontra perfeitamente definida e corresponde ao mencionado montante, não estando dependente de mais nenhum elemento, nem se trata de qualquer pedido genérico pois foi possível aos autores determinar de modo definitivo as consequências dos actos que reputam de ilícitos.
III - Tal utilidade económica não se altera pelo facto de os autores terem sido ou virem a ser ressarcidos de parte dos prejuízos noutra acção (v.g. no processo de liquidação da instituição financeira emitente dos instrumentos financeiros), porquanto isso não tem qualquer reflexo no valor da acção, apenas relevando em termos de responsabilidade por custas, a final.
IV - A norma processual que assim o determina não viola nem condiciona o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20.º da CRP.
2ª SECÇÃO CÍVEL
Relatório[1]
«Na acção declarativa instaurada por AA e BB, S.A. contra Banco CC, S.A., Em Liquidação, DD Bank, S.A. (anterior CC de Investimentos, SA), EE - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A. (anterior FF - CC Fundos de Investimento Mobiliários, S. A., GG e HH - Sociedade Gestora de Patrimónios, S.A. (anteriormente designada por II - Gestão de Patrimónios, S.A.), pedindo:
«Deve a presente acção ser considerada procedente por provada e serem todos os Réus condenados solidariamente:
No pagamento da quantia que se vier a apurar que resultará da diferença entre o montante que vier a ser recuperado pelo Primeiro Autor em resultado da liquidação da entidade emitente dos instrumentos financeiros "OB. Banco CC, SA 7.125% 2023 (CCPL 7,125 11/2023)", "JJ 5,125% 05/2016" e "KK", e o montante de € 4.473.500,00 (quatro milhões, quatrocentos e setenta e três mil e quinhentos euros), correspondente ao capital investido pelo Primeiro Autor nesses instrumentos financeiros, e, ainda, o montante de € 488.241,04 (quatrocentos e oitenta e oito mil duzentos e quarenta e um euros e quatro cêntimos, correspondente a juros convencionados às taxas de 5,125% e 5,25% respectivamente para os dois últimos instrumentos financeiros referidos;
No pagamento de juros vencidos calculados à taxa legal desde a data de incumprimento da entidade emitente, em 24 de Janeiro de 2014, e de juros vincendos ao Primeiro Autor sobre as quantias devidamente referidas no parágrafo anterior até ao seu integral e efectivo pagamento, também calculados à taxa legal;
No pagamento da quantia que se vier a apurar que resultará da diferença entre o montante que vier a ser recuperado pelo Segundo Autor em resultado da liquidação da entidade emitente dos instrumentos financeiros "LL 6,875% 10/2019" e "OB. Banco CC, SA 7.125% 2023 (CCPL 7,125 1/2023)" e o montante de € 1.921.250,00 (um milhão novecentos e vinte e um mil duzentos e cinquenta euros), correspondente ao capital investido pelo Segundo Autor nesse instrumento financeiro, e, ainda, o montante de € 740.093,46 (setecentos e quarenta mil novecentos e três euros e quarenta e seis cêntimos) correspondente a juros convencionados à taxa de 6,875%; e
4) No pagamento de juros vencidos calculados à taxa legal desde a data de incumprimento da entidade emitente, em 24 de Janeiro de 2014, e de juros vincendos ao Segundo Autor sobre as quantias devidamente referidas no parágrafo anterior até ao sue integral e efectivo pagamento, também calculados à taxa legal.
Caso assim não se entenda, subsidiariamente, devem os Primeiro e Quinto Réus ser condenados no pedido constante dos números anteriores, com base nos factos descritos nos capítulos I e II e com os fundamentos descritos no capítulo III.B.
- A presente acção visa obter a condenação dos Réus ao ressarcimento dos danos sofridos pelos Autores em resultado do colapso do Grupo CC ("GCC"), de que faziam parte entre outras a empresa CC Internacional ("CCI") e suas participadas actualmente em liquidação no …, emitentes de títulos subscritos pelos Autores;
- a emissão de títulos de dívida do GCC, que foram subscritos pelos Autores, fez parte de um esquema fraudulento de rotação de dívida promovido e levado a cabo pelo Primeiro Réu, Banco CC, SA ("CC") e por várias empresas do grupo, entre elas o Segundo Réu, Banco CC Investimento, SA ("CCI"), a sucursal portuguesa do CCI e outras empresas do "GCC";
- os Réus criaram e executaram um esquema fraudulento de rotação de dívida com vista a financiar prejuízos de diversas empresas do GCC, incluindo o Primeiro Réu, que viria a provocar a insolvência das principais empresas que compunham o grupo, nomeadamente a CCI, a LL ("LL"), a MM e o Primeiro Réu;
- o esquema fraudulento foi criado e dirigido pelo 4° Réu, GG, líder do Conselho Superior do "GCC", órgão máximo do "GCC", e Presidente da Comissão Executiva do CC, ia Réu;
- os Autores são clientes do CC há vários anos e todos os seus investimentos foram colocados pelos 1° e 3° Réus em instrumentos financeiros de entidades ligadas ao CC e ao "GCC", muitos dos quais serviram para financiar o esquema fraudulento do "GCC";
- o 1a Autor investiu: a) no instrumento financeiro denominado OB. Banco CC, S.A 7.125% 2023 (BESPL 7,125 11/2023) a quantia de 500.000 € em 07/02/2014; b) no instrumento financeiro denominado JJ 5,125% 05/2016 a quantia de 1.000.000 € em 16/05/2013, e as quantias de 1.100.000 € e 400.000€ em 30/05/2014; c) no instrumento financeiro designado por KK a quantia de 1.611.000 € em 03/05/2013;
- o 2a Autor investiu: a) no instrumento financeiro designado por LL 6,875% 10/2019 a quantia de 1.000.000 € em 28/11/2013; b) e já anteriormente tinha investido nesse instrumento quantias num total de 1.400.000 €; c) e no instrumento financeiro designado por OB. Banco CC, S,A, 7.125% 2023 em 04/08/2014;
- a subscrição dos instrumentos financeiros foi sempre feita com o aconselhamento dos gestores de conta, com base na relação de confiança e credibilidade do gestor (pessoal e profissional), que os apresentaram como investimentos tão ou mais seguros que um depósito a prazo no 1° Réu;
- contudo, os Autores não recuperaram os montantes que aplicaram , tendo o 1° Autor sofrido prejuízos patrimoniais no montante total de 4.961.741,04 € e tendo o 2° Autor sofrido prejuízos patrimoniais no montante total de 2.661.343,46 €;
- os Réu são responsáveis civilmente perante os Autores pelos danos que causaram com os seus actos e omissões, nos termos e para os efeitos do art. 483° do Código Civil, pois procederam de forma a obter para si e para as empresas do grupo um enriquecimento ilegítimo através de um esquema fraudulento de financiamento dirigido a investidores astuciosamente delineado, tendo praticado factos que configuram criem de burla qualificada;
- os actos praticados pelos Réus são também ilícitos por violarem as disposições do RGICSF;
- os 1° e 5° Réus são também responsáveis nos termos do art. 304° A do Código dos Valores Mobiliários pela perda dos montantes investidos pelos Autores;
- os Autores têm direito a ser ressarcidos na quantia a liquidar, que resultar da diferença entre os montantes que lhes caberão em resultado da liquidação das entidades emitentes dos instrumentos financeiros e os montantes dos capitais que investiram e juros convencionados acrescidos dos juros de mora.
« …tem de se concluir que a utilidade económica imediata do pedido corresponde à soma dos montantes correspondentes ao capital investido por cada um dos autores nos instrumentos financeiros que discriminam, acrescidas dos respectivos juros de mora, que quantificam. Ou seja, € 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos).
Nestes termos, e nos termos do disposto nos artigos 296.° n.° 1, 297.° n.° 1 e 306.° n.° 1 do CPC, fixo à acção o valor de € 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos)».
Os recorrentes remataram as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
(1) «O presente recurso de revista excecional vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida do tribunal de primeira instância, que decidiu fixar o valor da causa em € 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), em detrimento do valor inicialmente (e a título provisório) atribuído pelos Recorrentes de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
(2) No presente caso, apesar da verificação da dupla conforme, ou seja, apesar de o acórdão da Relação de Lisboa ter confirmado, nos moldes previstos no número 3 do artigo 671.° do CPC, a decisão da primeira instância, a revista é admissível, por se verificarem os pressupostos previstos nas alíneas c) e b) do número 1 do artigo 672.° do CPC.
(3) O acórdão recorrido encontra-se em oposição com outros dois acórdãos da Relação de Lisboa - acórdão de 27 de junho de 2017 (relator Desembargador Maria Amélia Ribeiro), no processo n.° 21131/16.0T8LSB-A.L1, e acórdão de 6 de dezembro de 2017 (relator Desembargador Dina Monteira), no processo n.° 21111/16.5T8LSB-A.L1 - no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito (artigo 672.°, n.° 1, alínea c) do CPC).
(4) Considerou o acórdão da Relação de Lisboa de 27 de junho de 2017, no processo n.° 21131/16.0T8LSB-A.L1, que "(...) de acordo com critérios de razoabilidade apoiados na equidade, não parece fazer sentido onerar a parte - com o impacto daí decorrente em termos de custas processuais - com um valor muito superior ao que ela indica (...)"
(5) O referido acórdão sustentou, entre outros aspetos, a sua posição no seguinte: "a lei alude (...) à utilidade económica imediata (o que contradistingue do valor mediato que respeita ao bem da vida que porventura possa estar em causa no pedido formulado numa ação). / Por isso, em termos gerais, o valor da causa não pode confundir-se com o valor do pedido, pois, como se sabe, este pode alcançar interesses mais amplos, que nem sequer são passíveis de quantificação aquando da propositura da ação ou por incidirem mesmo sobre interesses não quantificáveis. / Acresce que a utilidade económica imediata (referente ao pedido), não é o único parâmetro a considerar, aqui cabendo avaliar a correlação entre o pedido e a causa de pedir". No mesmo sentido, entre outros, também o acórdão da Relação de Coimbra de 3 de fevereiro de 2004 (relator Isaías Pádua) e acórdão da Relação do Porto de 15 de abril de 1991 (relator Alves Correia), citados naquele acórdão.
(6) Na mesma linha de argumentação, o acórdão da Relação de Lisboa de 6 de dezembro de 2017, no processo n.° 21111/16.5T8LSB-A.L1, considerou que "Havendo os AA. alegado não ser possível quantificar os danos sofridos, à data da propositura da ação, não se compreende, tendo presente todo o circunstancialismo enunciado, o fundamento para afirmar desde já que o valor do prejuízo deve equivalerá soma aritmética dos valores em referência respeitante ao capital investidos e juros.
Nem a causa de pedir tal como os AA. A configuram, nem as pretensões formuladas, na sua específica vertente de crédito ilíquido, justificam a conclusão extraída pelo juiz a quo de que o prejuízo sofrido pelos AA. se reconduz necessariamente à mera soma daquelas parcelas".
(7) Ou seja, "é um valor diferencial que está aqui em causa e não a obtenção do limite máximo indicado que apenas serve, na prática, para estabelecer um teto ao valor ideal a que os demandantes poderiam ter direito e quiçá aspirariam" (sublinhado do referido acórdão).
(8) E que "tudo sopesado, face à manifesta impossibilidade da referida determinação no âmbito destes autos, é absolutamente legítimo e inteiramente equilibrado, o recurso a critérios de equidade para a fixação do valor da causa, em plena harmonia com a regra geral ínsita no artigo 566.°, n.° 3 do Código Civil, avocando então a oportuna ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso, não podendo ignorar a complexidade e especificidade das questões que envolvem a lide, bem como a indiscutível e inegável dificuldade na efetivação imediata do crédito de que os AA. se arrogam".
(9) O acórdão da Relação de 6 de dezembro de 2017 concluiu que "esta solução técnico-jurídica, plenamente consistente, evita ainda a injusta penalização dos AA., designadamente, no que respeita aos pesados encargos processuais. Ao invés, a solução oposta, sufragada pelo juiz a quo, acaba por redundar num profundo gravame económico, através do valor excessivo do pagamento de custas que implicará, sem acarretar equivalente vantagem económica para os peticionantes".
(10) Por outro lado, o recurso de revista excecional é igualmente admissível por estarem em causa interesses de particular relevância social (artigo 672.°, n.° 1, alínea b) do CPC), ou seja, por haver um "invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular" (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.° 725/08-2TVLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Sebastião Póvoas).
(11) Partindo de uma apreciação casuística do caso, que tem de ter necessariamente em conta a causa de pedir e a sua correlação com os pedidos formulados, chegamos, desde logo, à conclusão que o acórdão recorrido, partiu, sem mais, do pressuposto que os Recorrentes pretendiam ser ressarcidos da quantia de € 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) e descurou da razão subjacente aos pedidos genéricos e ilíquidos formulados e às consequências que um tal juízo poderia ter na esfera jurídica das partes, em particular ao nível da sua garantia de acesso aos tribunais prevista no artigo 20.°, n.° 1 da CRP.
(12) As normas de fixação dos critérios do valor da causa devem ser articuladas com o disposto no artigo 556.°, n.° 1, alínea b) do CPC, que estabelece que "[é] permitido formular pedidos genéricos nos seguintes casos: b) quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569. ° do Código Civil".
(13) Como assinala Abílio Neto, "com a atual redação da parte final da citada alínea b) do art. 471.° do CPC [atual alínea b) do artigo 556.°, n.° 1 do CPC] - ao remeter para o art. 569.° do CC -, visou-se compatibilizara previsão daquela alínea b) com o disposto no referido art. 569° do CC (...). Assim, atualmente, quem exigir indemnização apenas tem de alegar os factos que relevam a existência e extensão dos danos, ficando dispensado de indicar a importância exata em que os avalia, podendo, por isso, formular sempre pedido genérico (Ac. RP, de 4.72.2004: JTRP0037434.dgsi.Net)" (cf. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 3.a Edição Revista e Ampliada, Ediforum, 2015, p. 628).
(14) Em conformidade com a lei civil substantiva, a lei processual civil permite, assim, que a parte, usando da faculdade prevista no artigo 569.° do Código Civil, não tenha, logo, que indicar a importância exata em que avalia os seus danos, e, por maioria de razão, os Recorrentes não poderiam tê-lo feito, no presente caso.
(15) O acórdão recorrido, ao ter atribuído, sem mais, o valor de € 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) à presente ação, não atendeu às consequências que um tal juízo poderá ter na esfera jurídica das partes, obrigando-as ao pagamento do valor máximo legal, a título de custas processuais, o que constitui uma condicionante do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva consagrado no número 1 do artigo 20.° da CRP.
(16) O serviço da justiça, sendo uma dimensão estruturante do Estado de direito democrático, tem custos e é legítima a sua imputação a quem a ele recorra, o que os Recorrentes não discutem, desde que, como decorre da jurisprudência constitucional, essa imputação seja fundada em critérios objetivos, adequados e razoáveis (neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional de 14 de janeiro de 2015, processo n.° 440/14, disponível em vyww.tribunalconstitucional.pt) (sublinhado nosso).
(17) Não se sabendo, na presente data, qual é o valor da causa e havendo a séria probabilidade de a liquidação judicial das entidades emitentes dos títulos não se encontrar concluída antes da sentença final a proferir nos presentes autos, não é razoável ou sequer justo, por se tratar de um valor tão elevado, exigir o pagamento antecipado de um valor máximo legal a título de custas processuais, ainda que aquele valor venha depois a ser corrigido, pois, entretanto, os Recorrentes já tiveram (e terão tido) que desembolsar uma quantia elevadíssima, sob pena de verem denegado o seu direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.
(18) Não assiste, portanto, razão ao acórdão recorrido, quando defende "que o argumento de que o elevado valor das custas processuais condiciona o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva consagrado no art. 20.° da CRP não colhe, pois, a lei prevê a proteção jurídica nos casos em que as pessoas não dispõem de meios económicos para custearem as ações judiciais".
(19) E não lhe assiste razão, não só pelas razões já referidas, mas por, como bem se sabe, serem muito exigentes os critérios legais para a proteção jurídica dos indivíduos que não disponham de meios económicos para custearem as ações judiciais e que não servem uma diversidade de casos de insuficiência económica. O presente caso constitui, sem dúvida, um desses casos. E tanto assim é que a Assembleia da República, por Resolução da Assembleia da República n.° 13/2018 (Diário da República n.° 11/2018, Série I de 2018-01-16), já recomendou que se crie um regime de isenção e ou reembolso de custas judiciais relativamente às ações judiciais já interpostas ou de outras que possam ser apresentadas por lesados do GES.
(20) Pelas razões acima, impõe-se, assim, que o acórdão recorrido seja revisto e substituído por outro que, com recurso a critérios de equidade, entenda ser de manter o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) ou, caso assim não se entenda (o que apenas de concede por mera cautela de patrocínio), de atribuir o valor de € 50.000,01 (cinquenta mil euros e um cêntimo) à presente causa, conforme foi decidido por esta Relação de Lisboa no acórdão de 27 de junho de 2017, processo n.° 21131/16.0T8LSB-A.L1.
NESTES TERMOS,
O presente recurso deverá ser julgado procedente e o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, com recurso a critérios de equidade, entenda ser de manter o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) ou, caso assim não se entenda (o que apenas de concede por mera cautela de patrocínio), de atribuir o valor de € 50.000,01 (cinquenta mil euros e um cêntimo) à presente causa, seguindo-se os ulteriores termos legais, só assim se fazendo a costumada justiça.
Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso se limita a saber qual o valor a considerar para efeitos de determinação do valor da causa, nos casos em que se formula pedido liquido, mas sujeito a condição resolutiva parcial, designadamente se é legal o recurso a critérios de equidade na fixação do valor da causa.
Do Direito
Como resulta das conclusões, o recurso funda-se na existência de acórdãos contraditórios proferidos pela Relação de Lisboa, em casos factual e juridicamente semelhantes ao dos presentes autos.
No sentido propugnado pela recorrente decidiram os acórdãos de 27 de junho de 2017 (relator Desembargador Maria Amélia Ribeiro), no processo n.° 21131/16.0T8LSB-A.L1, e o acórdão de 6 de dezembro de 2017 (relator Desembargador Luís Espirito Santo, por vencimento), no processo n.° 21111/16.5T8LSB-A.L1. Em sentido oposto temos o acórdão recorrido.
Defendem os recorrentes que no caso dos autos deve ser atribuído à causa o valor correspondente ao de uma acção sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais ou difusos art.º 303º do CPC), ou na pior das hipóteses e com recurso a critérios de equidade no valor de €50.000,00 (cinquenta mil euros). Sustentam que a não entender assim «o acórdão recorrido… não atendeu às consequências que um tal juízo poderá ter na esfera jurídica das partes, obrigando-as ao pagamento do valor máximo legal, a título de custas processuais, o que constitui uma condicionante do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva consagrado no número 1 do artigo 20.° da CRP». Sugerindo nesta afirmação um juízo de inconstitucionalidade.
Vejamos.
O nosso regime processual cível, estabelece que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido (art.º 296º nº 1 do CPC). Neste compêndio legislativo, são estabelecidos critérios gerais e critérios especiais para a determinação do valor das causas. No que interessa ao caso dos autos, avulta o disposto nos art.s 297º e 299º do CPC. No n° 1 do art. 297° determina-se que «Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; (...)».
Quanto ao momento a que se atende para a determinação do valor da causa, diz-nos o art. 299° que:
«1. Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal.
(…)
4. Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários».
Os recorrentes entendem que o valor a atender para efeitos processuais não deveria corresponder ao montante dos prejuizos que alegam e cujo pagamento reclamam neste processo, porquanto não é certo que todos esses prejuízos se venham a verificar no final, uma vez que parte deles estão a ser reclamados nos processos de insolvência do grupo Espirito Santo e no caso de aí obterem ressarcimento, terão de ser abatidos aos prejuízos aqui reclamados. Desconhecendo-se o que virão a receber nas reclamações de créditos que fizeram, defendem que deve ser fixado um valor à causa, com base em citérios de equidade, que não os penalize com pesados encargos de custas processuais.
Compreendemos a preocupação dos recorrentes, mas do ponto de vista jurídico e salvo o devido respeito pela sua posição, não podemos dar-lhe acolhimento. Na verdade tal como a acção está estruturada não há quisquer dúvidas sobre a utilidade económica que visam com a mesma e sobre o seu montante. Como bem se observa no acórdão recorrido « Os apelantes indicam na petição inicial a importância exacta em que avaliam os danos decorrentes de alegadamente terem investido quantias em instrumentos financeiros, como se evidencia do art. 485° desse articulado, onde se lê:
«Atento o acima exposto, o Primeiro Autor e o Segundo Autor sofreram prejuízos patrimoniais no montante total de € 4.961.741,04 € (quatro milhões, novecentos e sessenta e um mil setecentos e quarenta e um euros e quatro cêntimos) e de € 2.661.343,46 e (dois milhões seiscentos e sessenta e um mil trezentos e quarenta e três euros e seis cêntimos), respectivamente, que correspondem aos valores globais aplicados em instrumentos financeiros LL e respectivos juros convencionados».
Os recorrentes querem ser ressarcidos por esses montantes de capital, juros convencionados e juros de mora. A utilidade económica do pedido já está perfeitamente definida, não está dependente de mais nenhum elemento, sendo evidente que não estamos perante pedidos genéricos pois foi possível aos apelantes determinarem de modo definitivo as consequências dos actos que reputam de ilícitos. E essa utilidade não se altera pelo facto de terem sido ou virem a ser ressarcidos de parte dos prejuízos noutra acção, porquanto isso não tem qualquer reflexo no valor da acção, apenas releva em termos de responsabilidade por custas, a final. O valor da causa de harmonia com o disposto no nº 1 do art.º 297º do CPC, não pode ser outro que não seja o correspondente ao valor do pedido e este não é nem incerto nem genérico é muito concreto. Os AA. reclamam o pagamento de 7.623.084,50 (sete milhões seiscentos e vinte e três mil e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) e este será o valor da acção.
Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
Lisboa, em 31de janeiro de 2019.
José Manuel Bernardo Domingos (Relator)
João Luís Marques Bernardo
António Abrantes Geraldes
_________
[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.