UNIÃO DE FACTO
PENSÃO POR MORTE DO BENEFICIÁRIO
INSTITUIÇÕES DE SEGURANÇA SOCIAL
PROCESSO DE CONTENCIOSO
CUSTAS
REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Sumário


I - A presente acção foi instaurada pela CGA, no Juízo Local Cível de Braga, com vista à atribuição das prestações e pensão por morte do beneficiário, nos termos do art.º 6º nº 2 da Lei de Protecção da União de Facto, em virtude de duas pessoas se terem arrogado o direito à mesma prestação por morte de um benificiário (a mãe e a alegadamente unida de facto) e das dúvidas nesse âmbito surgidas sobre a real existência de uma situação de união de facto.

II - O Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece no seu art.º 12º (Fixação do valor em casos especiais) que se atende ao valor indicado no l. 1 da tabela i-B nos seguintes processos: (…) de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social (…), sendo que a taxa de justiça paga pela autora CGA nos presentes autos, aquando da apresentação da petição inicial, foi calculada com base nesta disposição legal.

III - São processos de contencioso das Instituições de Segurança Social ou de Previdência Social os que respeitam aos litígios surgidos no âmbito de uma relação já constituída entre estas e os seus beneficiários, assim como as acções destinadas à constituição dessa relação, quando a própria Lei impõe a tais Instituições que as intentem com vista à determinação da qualidade de beneficiário, como é o caso do diploma de Protecção à União de Facto, nos seus artºs 3º e 6º.

IV – A secretaria do Juízo Local Cível de Famalicão não poderia neste caso recusar petição inicial, pois não estava perante a apresentação a distribuição de uma petição inicial, mas sim perante a distribuição de um processo que lhe fora remetido por outro Tribunal (Juízo Local Cível de Braga) nos termos do art.º 105º nº 3 do CPC.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

A Caixa Geral de Aposentações instaurou acção declarativa de simples apreciação, prevista no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (Protecção das Uniões de Facto. Juntou DUC do pagamento de taxa de justiça no valor de €51.

Recebida a P.I. no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga - Juiz 3, foi proferido despacho julgando “este juízo local cível de Braga, incompetente em razão do território para tramitar e conhecer da presente acção, devendo os autos ser remetidos ao tribunal de Vila Nova de Famalicão (juízos locais cíveis), atento o domicílio da R. se situar na área desse tribunal – art.º 80º CPC”.

Remetido ao processo ao Tribunal competente e distribuído ao Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão - Juiz 1, o oficial de justiça notificou a autora nos seguintes termos:

“Assunto: Artº 17.º da Portaria 280/2013, de 26 de agosto

Fica notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da recusa da peça processual por força do artº 17.º da Portaria nº 280/2013 de 26 de agosto, sob pena de desentranhamento do acto processual e a consequente anulação, sem prejuízo, contudo, do benefício concedido ao autor no art.º 560.º do CPC, de apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a alínea f) do 558.º do CPC.”

A autora respondeu, juntando aos presentes autos cópia do comprovativo, que antes juntara com a P.I., de ter efectuado o pagamento prévio da taxa de justiça de €51. Mais informando que “a Caixa Geral de Aposentações efectuou, como lhe competia fazer, o prévio pagamento da taxa de justiça devida, sendo que, por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais, o valor da auto-liquidação efectuada – €51,00 – encontra-se correcto Tendo a CGA por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, reforma e sobrevivência e outras de natureza especial (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 84/2007, de 29 de Março), a auto-liquidação da taxa de justiça inicial por si devida é feita ao abrigo do disposto nas referidas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 12º do Regulamento das Custas Processuais”.
Interpretada tal resposta como reclamação à recusa da petição inicial (art.º 559.º, do CPC), foi proferido o seguinte despacho:

– «(…) Neste conspecto, a que estão se impõe decidir é a se saber se, numa acção de simples apreciação, onde a autora procura definir se certa pessoa vivia em união de facto com outrem falecida, como pressuposto prévio de futura decisão administrativa de atribuição de pensão de sobrevivência, se enquadra na previsão especial do art.º 12.º, n.º 1, al. c), do RCP ou, ao invés, recai na norma geral do art.º 6.º, n.º 1, do mesmo diploma.

A este propósito, a jurisprudência dos tribunais administrativos, tem sido constante em considerar que «por contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social, a que alude a al. c) do nº 1 do artº 12º do Regulamento das Custas Processuais, deve entender-se os processos em que intervenham instituições de segurança social ou de previdência social (critério do sujeito) e que versem sobre diferendos a que se aplique ou sejam regulados por legislação sobre a segurança social (critério material)» [acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 26 de Janeiro de 2012 (processo n.º 06230/10, relatora Ana Celeste Carvalho); cfr. ainda, acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 30 de Setembro de 2010 (processo n.º 06251/10, relator Fonseca da Paz) e acórdãos do Tribunal Central Administrativo do Norte de 20 de Março de 2015 (processo n.º 00295/12.7BEAVR-A, relator Joaquim cruzeiro) e de 20 de Fevereiro de 2015 (processo n.º 00318/14.5BEAVR-A, relator Alexandra Alendouro)].

Este é, outrossim, o entendimento de SALVADOR DA COSTA, quando refere o seguinte: «independentemente da origem histórica do normativo do valor da causa para efeito de cálculo da taxa de justiça em análise….a sua letra e fim permitem a conclusão de que ele é aplicável às acções administrativas especiais cujo objecto seja a impugnação, no confronto com a Caixa Geral de Aposentações, do montante da pensão de aposentação por ela fixado ou para o pedido da sua condenação na atribuição da pensão» (Regulamento das Custas Processuais, 2012- 4ª edição, anotado e Comentado, pág. 299).

No caso, apesar da autora respeitar o referido critério do sujeito, visto subsumir-se na hipótese normativa de «instituições de segurança social ou de previdência social», certo é que a causa de pedir aventada na acção não preenche o referido critério material, dado que não está em causa nenhum diferendo a que se aplique ou que seja regulado por legislação sobre a segurança social, mas a mera determinação de uma eventual situação jurídica de união de facto (art.º 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio) que, como dito, se assume que uma questão prévia que a autora quer ver definida como pressuposto de futura decisão administrativa de atribuição de pensão de sobrevivência.

Deste modo, não se subsumindo a presente acção no conceito de «contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social», a que alude o art.º 12.º, n.º 1, al. c), do RCP, mas antes uma acção que contende sobre o estado das pessoas, à qual deveria ser atribuído o valor de 30.000,01€ (não 30.000,00€ - cfr. artigo 303.º, n.º 1, do CPC), a taxa de justiça devida seria a resultante do art.º 6.º, n.º 1 e da Tabela I-A, equivalente a 06 Uc, sendo certo que o pagamento de taxa de justiça inferior ao valor devido, como aqui sucedeu, equivale à falta de junção (art.º 145.º, n.º 2, do CPC).

Por todo o exposto, mostra-se correcta – e por isso se confirma - a recusa da petição inicial apresentada, nos termos conjugados dos art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto e 558.º, al. f), do CPC

Custas do incidente de reclamação pela autora, cujo valor se fixa em 1/2 UC.»

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Inconformada, a autora CGA interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:

Na medida em que a Caixa Geral de Aposentações tem por missão gerir o sistema de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, reforma e sobrevivência e outras de natureza especial, e dado que na presente acção a Caixa Geral de Aposentações, para efeitos de eventual reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, pede a declaração da existência ou inexistência de uma união de facto, entende a Caixa Geral de Aposentações que a presente acção se insere nos processos de contencioso das instituições de segurança social, definindo-se o mesmo como o conjunto dos conflitos resultantes da aplicação da legislação sobre segurança social.
A decisão recorrida deve ser revogada por ter violado o disposto no artigo 12º, nº 1, alínea c) do Regulamento das Custas Processuais.

Nestes termos, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências.
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Dos autos não constam contra-alegações
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos com interesse para a decisão deste recurso constam do relatório supra

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

Estabelece o art.º 3º al. e) da Lei de Protecção das Uniões de Facto que “As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei”.

Por seu turno o art.º 6º nº 2 da mesma Lei prevê que “A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação”.

A Caixa Geral de Aposentações, I. P., abreviadamente designada por CGA, I. P., é um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial – artºs 1º e 3º do Decreto-Lei n.º 131/2012.

O valor da causa para efeitos processuais (competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal) e o valor para efeito de custas (base da tributação) não têm de ser equivalentes, como resulta expressamente do nº 3 do art.º 296º do CPC (Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais).

O Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece no seu art.º 12º:

Fixação do valor em casos especiais

1 - Atende-se ao valor indicado na l. 1 da tabela i-B nos seguintes processos:

(…)
c) Nos processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social e dos organismos sindicais, nos processos para convocação de assembleia geral ou de órgão equivalente, nos processos para declaração de invalidade das respectivas deliberações e nas reclamações de decisões disciplinares;

De acordo com a referida tabela o valor a atender para efeitos de custas é de €2000, correspondendo-lhe taxa de justiça no montante de 0,5 UC ou seja €51.

São processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social o conjunto de conflitos que surgem da aplicação de legislação sobre a segurança social (Ac. da R.L. de 4/2/2010 Proc. nº. 1793/09.5TVLSB-A.L1 e Ac. do TCA Sul, de 30.9.2010, processo nº 06251/10).

No caso em apreço, em virtude de duas pessoas se terem arrogado o direito à mesma prestação por morte de um benificiário (a mãe do falecido e uma outra senhora que invoca com ele ter vivido em união de facto) e das dúvidas da CGA sobre se efectivamente existia ou não uma situação de união de facto, com vista à atribuição das prestações ou pensão por morte do beneficiário intentou esta acção, como previsto no art.º 6º nº 2 da Lei de Protecção da União de Facto.

Mesmo que se aceite que são apenas processos de contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social “aqueles em que intervenham instituições de segurança social ou de previdência social (critério do sujeito) e que versem sobre diferendos a que se aplique ou sejam regulados por legislação sobre a segurança social (critério material)”, não nos parece que a presente acção seja excluída.

Efectivamente o art.º 12º do RCP não refere expressamente e apenas o contencioso administrativo, não se nos afigurando vedado, nem descabido, que na previsão dessa norma se inclua uma acção como a presente.

Se o critério legal apenas abrangesse os litígios no âmbito de uma relação já constituída entre as Instituições de Previdência Social e os seus beneficiários, teríamos por excluída a presente acção do seu âmbito.

Contudo, cremos que o conceito de “contencioso das instituições de segurança social ou de previdência social” pode também abranger precisamente as acções destinadas à constituição dessa relação, quando a própria Lei impõe que tais Instituições a intentem com vista à determinação da qualidade de beneficiário.

A instauração desta acção é uma obrigação legal das instituições de Segurança Social ou de Previdência Social, independentemente de estar prevista num diploma que regulamente tais Instituições ou nos seus estatutos. A legislação sobre a Segurança Social pode encontrar-se dispersa em diplomas que não a regulem directamente, como é o caso do diploma de Protecção à União de Facto, nos seus artºs 3º e 6º.

Entendemos por isso que o citado normativo (art.º 12º, nº 1, al. c) do RCP) se aplica à presente acção e que inexistia o invocado fundamento de recusa da petição inicial.
Acresce que, em nosso entender, o juízo local cível de Famalicão nunca poderia recusar a petição.

Com efeito a petição já fora recebida no juízo local cível de Braga. Este declarou-se incompetente em razão do território e o processo (e não apenas a petição) foi remetido ao Tribunal competente nos termos do art.º 105º nº 3 do CPC.

Não poderia voltar a apreciar-se questão que já estava ultrapassada, até porque não se tratava da apresentação e distribuição de uma petição inicial, mas sim da distribuição de um processo vindo de outro Tribunal.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, em sua substituição, julgam procedente a reclamação da autora e infundada a recusa de recebimento da petição inicial.
Sem custas.
Guimarães, 27-9-2018

Eva Almeida
António Beça Pereira
Maria Amália Santos