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JUSTO IMPEDIMENTO
MÁ GRAVAÇÃO DA PROVA
PRAZO DE INVOCAÇÃO
Sumário
I – À invocação e procedência do justo impedimento não se opõe a circunstância temporal de ele ter sido deduzido num dos três dias posteriores ao prazo de apresentação das alegações, porquanto a utilização desse prazo está na disponibilidade da parte, desde que paga a respectiva multa. II – Se, no referido período de três dias, a parte constata que a audição não é possível, por erro de regravação da cópia, pode invocar o justo impedimento sem que se lhe possa opor o argumento de que teria de proceder à audição da gravação dentro do prazo natural de apresentação das alegações e já não nos três dias subsequentes.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Relatório.
No processo de oposição à execução comum que correu termos no .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde e em que é Executado B………. e exequente C………., a fls. 154, veio o ilustre mandatário da executada alegar que “A prova oral produzida em julgamento foi objecto de registo magnético.
A aqui oponente interpôs recurso da sentença pretendendo, também, sindicar a matéria de facto dada como provada e não provada.
O aqui signatário, solicitou cópia dos registos magnéticos para os ouvir e transcrever, em vista à elaboração da respectiva alegação de recurso.
Sucede porém que, ao proceder à audição da única cassete que lhe foi entregue, constatou que, apenas foi gravado a parte final do depoimento prestado pelo testemunha arrolado pela exequente D………. – vide Lado A, voltas 000 a voltas 020 do contador.
Para além disso, também na mesma cassete, também do lado A, após o início do depoimento da testemunha E………., existe uma grande parte da cassete que não contém qualquer registo – vide Lado A, voltas 338 a voltas 598 do contador, o que seria mal menor, caso isso signifique que parte substancial do depoimento desta testemunha não se encontre irremediavelmente, para sempre, perdido.
Sucede ainda que, do lado B da referida cassete, desde início constata-se igual BRANCA, isto é, inexiste qualquer registo, de voltas 000 a voltas 373.
Para além disso não se encontra qualquer registo do depoimento da oponente que prestou depoimento de parte, nem se encontra também, qualquer registo do depoimento do testemunha por si arrolada, F………., que prestou depoimento em audiência de julgamento. Ora, assim sendo, ou a reprodução da cassete entregue ao signatário foi tecnicamente imperfeita, não permitindo a sua audição ou então, a gravação em julgamento foi tecnicamente errada, não permitindo igualmente a sua audição.
Nesta hipótese, existe nulidade de julgamento, que desde já se invoca, devendo o mesmo ser anulado e repetido.
No caso de a cassete entregue ao signatário ter sido imperfeitamente reproduzida, não haverá nulidade, mas, desde já requer lhe seja passada nova cópia, que permita a audição integral, e para o efeito e, devido ao facto, desde já requer, ainda, a prorrogação do prazo para apresentar a sua alegação por mais 8 dias.
Independentemente disso, a impossibilidade de audição dos depoimentos das testemunhas constitui justo impedimento, o que aqui expressamente se invoca, pelos fundamentos supra aduzidos.”.
Decidindo este requerimento, o tribunal de primeira instância indeferiu-o afirmando que “Conforme resulta da informação que antecede, fornecida pela secretaria, a gravação original do julgamento está em perfeitas condições, contendo todos os depoimentos prestados em audiência. Deste modo, fica prejudicado o conhecimento de uma qualquer nulidade (ou talvez mais propriamente, irregularidade) do julgamento.
Resta então apreciar da bondade ou pertinência da invocação do justo impedimento e prorrogação de prazo requerida.
Nos termos do art. 146° n° 1 do Código de Processo Civil, considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Por sua vez, estipula o n° 2 do mesmo preceito que a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova.
Conforme continua este n.° 2, o juiz admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, e julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele (impedimento) cessou.
A expropriada interpôs recurso da sentença proferida nos autos mediante requerimento apresentado a 11/9/2006.
Tendo sido admitido tal recurso, foi a expropriada notificada do respectivo despacho por carta enviada 18/9/2006, presumindo-se tal notificação efectuada a 21/9/2006. Por requerimento de 20/9/2006 veio a executada requerer cópia da gravação do julgamento, tendo sido notificada do deferimento do requerido por carta remetida a 26/9/2006, presumindo-se que tal notificação ocorreu a 29/9/2006.
Por força do disposto no art. 698°, n.°s 2 e 6 do Código de Processo Civil, a executada dispunha do prazo de 40 dias para apresentar suas alegações, prazo este que findou a 31/10/2006
O requerimento ora em apreciação, em que a executada vem alegar a deficiência na reprodução da gravação na cópia que lhe foi fornecida foi remetida aos autos por fax enviado a 6/11/2006.
Como resulta do exposto, a executada teve em seu poder a cópia da gravação do julgamento um mês até vir arguir a irregularidade na reprodução; ou seja, só ao fim de um mês, e quando estava já integralmente decorrido o prazo para a apresentação das alegações, é que o ilustre mandatário da executada se apercebe da invocada irregularidade.
É demasiado tempo para constatar um problema demasiado evidente, e não é credível que apenas no 3° dia útil após o termo do prazo para alegar é que o ilustre mandatário tenha constatado o problema - se só então procedeu à audição da gravação, certamente não conseguiria já, de qualquer modo, apresentar as alegações atempadamente...
A diligência exigível impunha a audição da gravação assim que a recebeu.
Não se pode considerar existir qualquer impedimento que seja justo, quando a parte apenas constatou a sua existência um mês após ele ocorrer.
Por outro lado, e no que respeita à simples prorrogação do prazo, a mesma não pode ser concedida, pois não pode ser prorrogado um prazo que já se extinguiu.
Na verdade, é de entender que a concessão legal dos três dias úteis para a prática do acto, prevista no art. 145° do Código de Processo Civil, não fazem parte do próprio prazo e deles a parte apenas pode dispor para praticar o acto e não obter uma qualquer renovação do prazo.”.
Inconformada com esta decisão veio a requerente interpôr o presente recurso concluindo que:
- Não se comunga do entendimento do Mmo. Juiz a quo que a recorrente, logo que lhe foi entregue a cópia da cassete a deveria ter ouvido.
- Muito menos se pode admitir que a recorrente, no terceiro dia útil após o termo do prazo para alegar, certamente não conseguiria apresentar as alegações atempadamente;
- Como é evidente, no caso em apreço, após o despacho que admitiu o recurso, as alegações foram sendo elaboradas, tendo o subscritor solicitado a um gabinete que procedesse à transcrição do depoimento das testemunhas;
- No último dia do prazo, isto é, em 31 de Outubro de 2006, o subscritor solicitou àquele gabinete as respectivas transcrições.
- Foi então informado que, por falta de tempo, aquele gabinete só poderia entregar as respectivas transcrições no dia 2 de Novembro de 2006;
Obviamente que, apesar de contrariado, foi obrigado a aceitar tal justificação, referindo que a multa seria suportada por tal gabinete;
- É de realçar que as alegações encontravam-se já completamente elaboradas, necessitando apenas indicar, através da transcrição dos depoimentos, as partes que se pretende sindicar a matéria de facto e nada mais;
- A cópia entregue ao aqui subscritor pelo tribunal, não estava em condições de se proceder à transcrição integral dos depoimentos prestados;
- Por facto completamente alheio ao subscritor e para o qual não contribuiu minimamente, ficou impossibilitado de entregar até ao dia 6 de Novembro de 2006, as respectivas alegações de recurso;
- Ora, tal facto constitui justo impedimento, que aqui expressamente se invoca pelo que, o Tribunal a quo deveria ter facultado uma nova cópia da cassete e, consentido a prorrogação do prazo, nem que fosse apenas por um dia, permitindo, assim, que a recorrente pudesse juntar aos autos as respectivas alegações de recurso;
- Assim a douta decisão violou o correcto entendimento do n~1 do art. 146 do CPCivil;
- Em consequência disso, deve a douta decisão ser revogada , sendo ordenada a entrega de uma nova cópia de registo magnético e concedendo-se um prazo, nunca inferior a 5 dias, por forma a permitir à recorrente juntar as alegações de recurso.
Não houve contra alegações.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
… …
Fundamentação
Os factos que interessam à decisão são os que se encontram mencionados no relatório e, porque objecto do recurso é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil), a única questão suscitada é a de saber se na situação descrita se verificam os pressupostos do justo impedimento invocado.
… …
Depois que o DL. 39/95, de 15.2 inovou, estabelecendo a possibilidade de as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados serem gravados, [documentação da prova], “pondo termo ao peso excessivo que a lei processual vigente confere ao princípio da oralidade e concretizando uma aspiração de sucessivas gerações de magistrados e advogados”, esse diploma aditou ao Código de Processo Civil, então vigente, os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso.
Após a Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil o fulcral art. 690º-A, passou a ter a seguinte redacção:
“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.
4.O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº2 do art. 684º-A”.
O nº2 do citado normativo foi alterado pelo DL.183/2000, de 10.8, em vigor desde 1.1.2001, que substitui a obrigação de transcrição dos depoimentos, pelo dever do recorrente, que impugna a matéria de facto, de sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda a discordância, por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, [preceito também alterado por aquele DL 183/2000], que impõe que o registo áudio ou vídeo “deve ser assinalado na acta no início e termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”.
Portanto, desde 1.1.2001, a parte que discorde, no recurso, da decisão de facto não tem de transcrever os depoimentos pretendidos reapreciar, mas tão-somente reportá-los, nos termos constantes da acta ao local onde foram gravados.
Querendo a parte recorrente impugnar a matéria de facto dispõe do prazo de 40 dias para alegar, como antes dissemos.
O diploma que regula a documentação e o registo da prova é o DL. 39/95, de 15.2 e, nos termos de tal diploma a gravação é, em regra, feita com equipamento existente no Tribunal e executada por funcionários de justiça – arts. 3º, nº1, e 4º do citado Decreto-Lei, o que, presume-se, constitui garantia de imparcialidade e competência técnica.
Como se refere no ac. RP de 27-03-2006, proc. 0651069/ JTRP00039075, in dgsi.pt. “O diploma não contempla qualquer normativo destinado a, no final da gravação, as partes e o Tribunal poderem aferir da efectiva gravação e da sua qualidade, limitando-se a regular o modo como a gravação deve ser efectuada – art. 6º, nºs 1 e 2, 7º e 8º.
Acerca de qualquer anomalia na gravação, o diploma apenas previne a hipótese dela ser detectada durante o acto, a menos que se interprete a expressão (que vamos sublinhar) “se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade” – art. 9º – como valendo para momento ulterior ao da própria gravação, sentido que parece não ser de acolher, porquanto, temos para nós, que tal normativo tem o seu campo de aplicação, enquanto perdurar a gravação.
Mas do mencionado artigo colhe-se que, o “remédio” para falhas graves (omissão ou imperceptibilidade da gravação) é a repetição da produção da prova, “sempre que for essencial ao apuramento da verdade”.
A possibilidade de a parte discordante no recurso impugnar a matéria de facto, além de garantir de modo mais efectivo um segundo grau de apreciação factual pelo Tribunal da Relação, não deixa de exprimir densificação dos princípios de acesso à Justiça e a um Julgamento justo, do ponto em que permite ao Tribunal de recurso reapreciar o julgamento da prova questionada, no que, pela via do recurso, se reforça o direito de acesso aos Tribunais.
(…) Somos de opinião que a parte que pede a transcrição da prova não está obrigada a, no prazo de 10 dias, ouvir as cassetes para poder arguir eventual nulidade consistente em deficiência dos registos.
A parte-recorrente dispõe de 40 dias para alegar, e apenas durante a preparação do recurso, que pode ser minutado no limite do prazo, apenas nesse momento e pela primeira vez, ao ouvir as cassetes, pode aperceber-se que estão imprestáveis no todo ou em parte.
(…) O prazo deve, pois, contar-se a partir do momento em que a parte recorrente toma conhecimento da inexistência de gravação nos originais, conquanto esteja dentro do prazo de que dispõe para alegar.”.
Porém, a situação em estudo é diferente da do cordão acabado de citar porque não tratamos de uma deficiência de gravação dos registos originais mas apenas de ter sido facultado à recorrente, pela secretaria do tribunal a quo, uma cópia deficiente, do que a parte se deu conta dois dias depois de expirado o prazo natural de apresentação das alegações, mas ainda num momento compreendido nos três dias a que se reporta o art. 145 do CPC em que podia realizar o acto (a apresentação das alegações) com pagamento da respectiva multa.
Entendeu o Tribunal a quo que esse prazo de apresentação das alegações não é prorrogável e que, neste sentido, à recorrente estava vedado vir pedir como uma prorrogação para a apresentação das alegações.
Cremos que a questão se coloca porém noutro domínio, e que é o da tempestividade de alegação de justo impedimento.
Dispõe o art. 146 do CPC que se considera justo impedimento o evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto, devendo, quem o alegue, oferecer a respectiva prova, e sendo o mesmo deferido se, ouvida a parte contrária, se vier a julgar verificado o impedimento e que a parte se apresentou a requere-lo logo que ele cessou.
A recorrente alega que no último dia do prazo de apresentação das alegações (em 31 de Outubro de 2006) enviou a um gabinete o suporte fonográfico da audiência de julgamento, para realização das respectivas transcrições, e obteve a informação de que aquele gabinete só poderia entregar as respectivas transcrições no dia 2 de Novembro de 2006, obtendo, então, neste mesmo dia, a informação de que a gravação se encontrava deficiente e não permitia realizar a transcrição necessária.
Perante o exposto conclui-se que se esses factos se provarem será de reconhecer o justo impedimento e que a tal se não opõe a circunstância temporal de ele ter sido deduzido num dos três dias posteriores ao prazo de apresentação das alegações porquanto a utilização desse prazo está na disponibilidade da parte desde que paga a respectiva multa.
Se assim é, será de concluir que a recorrente podia ter feito, por si ou por outrém, a audição da gravação num desses três dias sem que qualquer cominação lhe pudesse vir a ser aplicada que não a do pagamento da multa.
Ora, se nesse período de três dias a parte constata que a audição não é possível, por erro de regravação da cópia, pode invocar o justo impedimento sem que se lhe posso opôr o argumento de que teria de proceder à audição da gravação dentro do prazo natural de apresentação das alegações e já não nos três dias subsequentes.
A questão colocada não é assim a de determinar o prazo de prorrogação das alegações mas antes a de saber se se verifica, ou não, justo impedimento. E este apenas poderia, em nosso entender, ser recusado liminarmente se a recorrente dissesse que só havia procedido à audição da gravação decorrido o prazo dos três dias aludidos no art. 145 do CPC o que significaria uma indiligência a si imputável porque tudo o que deveria ter realizado no sentido de apresentar as alegações, tendo por base a audição da gravação, o tinha feito fora do prazo, nele se contando não apenas o natural mas também o que acresce nos termos do art. 145.
Pelo exposto, se se provar que a recorrente se apercebeu na deficiência da cópia da gravação que lhe foi facultado pela secretaria no prazo em que lhe era permitido fazer essa audição (o prazo natural para apresentar as alegações de recurso acrescido dos três dias a que alude o art. 145 do CPC), terá de reconhecer-se que essa deficiência constitui um justo impedimento que obstou a que a recorrente apresentasse as suas alegações de recurso no prazo que a lei lhe facultava, ou seja, no prazo natural acrescido daqueles três dias que nas condições do art. 145 do CPC lhe é concedido.
Assim, deverá ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que aprecie os pressupostos processuais e materiais de que depende a verificação de justo impedimento.
… …
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao Agravo e, em consequência, revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que aprecie os pressupostos do justo impedimento nos termos do art. 146 nº2 do CPC.
Custas pela Agravante
Porto, 14 de Junho de 2007
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão