DIREITO COMUNITÁRIO
TRABALHADOR DESTACADO
REGULAMENTO (CE) 593/2008
DIRETIVA 96/71/CE
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
Sumário


I - A norma do artº 7º do CT que transpôs a Directiva 96/71/CE, rege para os trabalhadores considerados destacados em Portugal, regulando as matérias referidas no artigo 3 daquela, e para os casos em que a lei aplicável não seja a portuguesa.

II - O trabalhador destacado em Portugal fica quanto àquelas matérias sujeito à lei portuguesa, salvo se a lei aplicável ou o contrato de trabalho forem mais favoráveis.

III - No artº 8º do CT estabelece-se uma salvaguarda para o trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, destacado no território de outro Estado, estabelecendo que tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, da lei portuguesa, desde que sejam mais favoráveis que as da lei aplicável ou do contrato.

IV - Quanto ao conflito de leis entre estados membros, seja, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, rege o Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).

V - Na falta de escolha pelas partes, a lei aplicável é a do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Se não for possível determinar a lei aplicável nesses termos, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.

VI - Tendo os trabalhadores de nacionalidade Espanhola sido contratados por empresa sediada em Portugal para prestar serviço em França, sem acordo quanto à lei aplicável, esta será a Portuguesa, nos termos do nº 3 do artº 8 Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008.

VII - A Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho pretendeu entre outras objetivos o respeito pelos direitos dos trabalhadores e combater o dumping social, prevendo no âmbito europeu a aplicação “concomitantemente com a lei declarada aplicável, as disposições imperativas de outra lei, em especial a do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontre temporariamente destacado”.

VIII - Nos termos do artº 3º da Directiva (e artº 9º do Regulamento (CE) N.o 593/2008) e independentemente da lei aplicável, devem ser garantidos aos trabalhadores e relativamente às matérias aí referidas, as condições mínimas previstas na legislação do Estado-membro onde o trabalho for executado.

IX - Ao trabalhador destacado em França para executar serviços de “trolha”, são aplicáveis as condições mínimas previstas nesse Estado, designadamente o salário mínimo (smic - salaire minimum interprofessionnel de croissance), tempos de trabalho, férias, descansos e trabalho suplementar.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

José instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra X, Lda..

Foi apenso a estes, o processo n.º 42/15.1T8BCL, em que contra a mesma ré é autor António.

Pedem os autores:

- Seja declarado ilícito o seu despedimento;
- Sejam reconhecidos os créditos salariais que descriminam no montante de 4.925,75€ para cada um;
- Seja reconhecido o direito à indemnização por despedimento a que se refere a alínea f) do artigo 47.º da petição inicial, no montante de 2.100,00€ cada:
- Seja reconhecido o direito aos créditos por férias, subsídio de férias e subsídio de natal a que se referem as alíneas g) a i) do artigo 48.º da petição inicial, no montante de 1.080,00€ cada;
- seja reconhecido o crédito por prejuízos com a perda dos bens mencionados nos artigos 49.º a 51.º da petição inicial do autor José e 47º a 49º da petição do autor António, no montante respetivamente de 620,00€ e 545,00€;
- Seja a ré ainda condenada no pagamento dos juros de mora vencidos sobre o montante referido no artigo 53.º da petição inicial do autor José e 51º do autor António, que de momento ascendem respetivamente a 370,83€ e 346,03 €, bem como os juros vincendos até integral e efetivo pagamento.

Nas suas alegações referem terem sido admitidos a 12/11/2013 para exercer as funções de trolha de primeira, durante oito horas por dia e cinco dias por semana, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de 1.800,00€, muito embora no contrato escrito tenha ficado a constar o valor mensal de 545,00€, acrescida de subsídio de alimentação de 4,00€ por cada dia de trabalho. Prestaram trabalho de 23/11/2013 a 19/12/2013, sempre tendo trabalhado em cada dia mais três horas do que o contratado, além de nove horas em todos os sábados, trabalho suplementar esse que nunca lhe foi pago, tal como as demais retribuições devidas. Em 14/01/2014 receberam da ré uma carta a denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental, o que entendem configurar um despedimento ilícito por já se ter esgotado o prazo de tal período experimental. Além dos valores relativos a retribuições e indemnização por despedimento, alegam que a ré não lhe devolveu o saco das ferramentas que levaram para a empreitada.

A ré contestou invocando a prescrição, dizendo que o contrato cessou no dia 20/12/2013, tendo a presente ação dado entrada mais de um ano depois dessa data. Reconhece a existência do contrato de trabalho invocado pelos autores, mas nega que tenha sido acordada a retribuição alegada, antes tendo ficado estabelecida a retribuição mensal constante do contrato escrito. Diz ter pago todas as retribuições devidas e nada dever a título de trabalho suplementar, por não o terem os autores prestado, tendo o contrato cessado no decurso do prazo experimental, conforme carta por si enviada aos autores. Termina pedindo a procedência da exceção de prescrição ou a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

Os autores responderam à exceção.

- A Por despacho proferido a fls. 108 e 109, na sequência de processo de revitalização a que a ré entretanto foi sujeita, foi ordenada a suspensão da instância.
Cessada a suspensão da instância, foi a fls. 186 e ss. ordenado o prosseguimento dos autos e foi proferido despacho saneador e dispensada a seleção da matéria de facto.

*
Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:

Assim e nos termos expostos, julgo:

A) A ação que corre termos nestes autos principais parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

i. Declaro ilícito o despedimento do autor José, levado a cabo pela ré X, Lda. por comunicação datada de 20/12/2013 e por aquele recebida em 14/01/2014;
ii. Condeno a ré X, Lda. a pagar ao autor José a quantia de 728,91€ (setecentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
iii. Condeno a ré X, Lda. a pagar ao autor José as seguintes quantias de retribuições vencidas e não pagas:

a) 365,17€ (trezentos e sessenta e cinco euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 30/11/2013 e a data do seu integral pagamento, a título de retribuição e subsídio de alimentação do mês de novembro de 2013;
b) 601,00€ (seiscentos e um euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 31/12/2013 e a data do seu integral pagamento, a título de retribuição e subsídio de alimentação do mês de dezembro de 2013;
c) 254,33€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de retribuição do mês de janeiro de 2014;
d) 236,16€ (duzentos e trinta e seis euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao tempo de trabalho prestado pelo autor;

B) A ação que corre termos no apenso parcialmente procedente por provada e, consequentemente:

i. Declaro ilícito o despedimento do autor António, levado a cabo pela ré X, Lda. por comunicação datada de 20/12/2013 e por aquele recebida em 14/01/2014;
ii. Condeno a ré X, Lda. a pagar ao autor António a quantia de 728,91€ (setecentos e vinte e oito euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de indemnização pelo despedimento ilícito;
iii. Condeno a ré X, Lda. a pagar ao autor António as seguintes quantias de retribuições vencidas e não pagas:
a) 235,17€ (duzentos e trinta e cinco euros e dezassete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 30/11/2013 e a data do seu integral pagamento, a título de parte em falta da retribuição e subsídio de alimentação do mês de novembro de 2013;
b) 601,00€ (seiscentos e um euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 31/12/2013 e a data do seu integral pagamento, a título de retribuição e subsídio de alimentação do mês de dezembro de 2013;
c) 254,33€ (duzentos e cinquenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de retribuição do mês de janeiro de 2014;
d) 236,16€ (duzentos e trinta e seis euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4% desde o dia 14/01/2014 e a data do seu integral pagamento, a título de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao tempo de trabalho prestado pelo autor;
…”
Inconformados a ré e os AA. Interpuseram recurso apresentado as seguintes conclusões:

AA:
Reconhecer-se o erro na apreciação da prova e consequentemente revogada a sentença recorrida e, em consequência, considerarem-se como provados, para além dos já considerados provados, os factos K), L), M, N, O dos factos controvertidos e ainda os factos 1,3,4,6 e 7 dos factos não provados, bem como o facto 5) dos factos não provados na redação referida na conclusão O), e, assim, condenar a Recorrida nos pedidos formulados na petição inicial dos autos principais bem como da ação dos autos apensos. Invocam violação do salário mínimo Francês.

A Ré:

4. Salvo o devido respeito, foi incorretamente julgado e apreciado pelo douto Tribunal a quo o vertido no facto provado “H” que infra se transcreve:

“Factos assentes

H) Em 20 de dezembro de 2013, os autores interromperam a sua prestação de trabalho por indicação da ré, uma vez que a empreitada em execução iria estar suspensa entre 20 de dezembro de 2013 e 02 de janeiro de 2014”.
5. Relativamente ao facto provado “H” refira-se que nunca a recorrente logrou que os autores interrompessem apenas a sua prestação de trabalho no dia 20 de dezembro de 2013. No dia 20 de dezembro de 2013, a recorrente comunicou verbalmente aos recorridos a cessação dos seus contratos de trabalho, sendo que a partir daquele dia os recorridos deixariam de prestar trabalho, a título definitivo, para a recorrente.
6. Ora, em virtude da rescisão do contrato pelo cliente, o recorrente no dia 20 de dezembro de 2013, comunicou verbalmente aos recorridos a cessação dos contratos de trabalho celebrados.
7. O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de caráter recetício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).
8. E se é verdade que o direito laboral não faz depender a validade da declaração de despedimento da observância de uma qualquer forma especial [de onde poder a mesma declaração ser emitida (artigo 217.º do Código Civil) de forma expressa (quando feita por palavras, por escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação de vontade) ou tácita (quando se deduz dos factos que, com toda a probabilidade, a revelam)], tem-se entendido que é essencial que essa declaração, emitida pela entidade empregadora no sentido de pôr termo ao contrato, resulte clara, inequívoca, insofismável, indubitável, de molde a ser possível ao destinatário compreendê-la como tal - veja-se, neste sentido e por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de setembro de 2006, Revista nº 1547/06, 4ª Secção.
9. Deste modo, a declaração de despedimento traduz-se juridicamente numa declaração unilateral e recetícia, que produz efeitos a partir do momento em que é recebida ou chega ao conhecimento do destinatário, nos termos dos artigos 224.º e seguintes e 295.º do Código Civil, recaindo o ónus da prova da sua efetiva emissão sobre o trabalhador.

14. Acresce, ainda, que, nesse mesmo dia, a recorrente formalizou o despedimento, tendo procedido ao envio de cartas aos recorridos, nas quais comunicava por escrito a cessação dos contratos de trabalho celebrados.
15. Ora, preceitua o artigo 337.º, nº 1 do Código do Trabalho que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
16. O prazo de um ano previsto no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho é um prazo de prescrição, conforme se extrai da sua epígrafe e do próprio corpo - cfr. artigo 298.º, n.º 2 do Código Civil.
17. O artigo 337.º, n.º 1 ao prever a prescrição dos "créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação", tem um amplo campo de aplicação, não coincidente com as consequências jurídicas legalmente definidas para o despedimento coletivo ilícito. Nele deverão incluir-se todos os direitos retributivos que decorrem diretamente da prestação do trabalho ou que passaram a ser imediatamente exigíveis por força da cessação ou violação do contrato de trabalho, como sejam os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, e, bem assim, os créditos que resultem da licitude do despedimento, como sejam a compensação e a retribuição pelo desrespeito pelo aviso prévio.
18. Assim, o que importa (para o início da contagem) é o momento da rutura da relação de dependência, não o momento da cessação efetiva do vínculo jurídico, a qual, em virtude de decisão judicial que (por exemplo) declare ilícito o despedimento, pode até ser juridicamente neutralizada.
19. “O momento decisivo é, por conseguinte, aquele em que a relação factual de trabalho cessa, ainda que posteriormente, o ato que lhe tenha posto termo venha a ser invalidado” – cfr. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, pág 481.
20. Do exposto resulta que o prazo prescricional só começa a correr “a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
21. In casu, os recorridos dispunham do prazo de um ano para reclamar o pagamento dos créditos que peticionam.
22. Os contratos de trabalho celebrados com os recorridos cessaram no dia 20 de dezembro de 2013, data em que os recorridos deixaram de prestar trabalho para a recorrente.

24. Assim, iniciando-se o prazo prescricional a 21 de dezembro de 2013, o seu termo ocorreu a 21 de dezembro de 2014 (cfr. art. 337.º do Código do Trabalho).
25. Desta feita, os créditos reclamados pelos recorridos prescreveram no dia 21 de dezembro de 2014, isto é, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessaram os contratos de trabalho celebrados.
26. Tendo o despedimento ocorrido em 20 de dezembro de 2013, quando os recorridos intentaram, em 7 de janeiro de 2015, a ação declarativa emergente de contrato de trabalho, fizeram-no extemporaneamente, posto que já havia decorrido o prazo (prescricional) de um ano, de que dispunham para o efeito (artigo 337.º do Código do Trabalho).

29. Na senda das considerações expostas, todos os créditos peticionados pelos recorridos encontram-se prescritos, pelo que se sempre se devem declarar prescritos os créditos invocados pelos recorridos, nada devendo a recorrente aos recorridos em virtude da cessação da relação laboral.
30. A sentença de que ora se recorre viola princípios basilares do nosso Estado de Direito, em particular aqueles que estão previstos na CRP e têm que ver com a iniciativa privada (art.º 61.º) e mesmo com o direito ao trabalho (art.º 58.º), visto que ao abandonarem a obra como fizeram, os Recorridos conduziram à perda daquela empreitada e, por conseguinte, à perda do trabalho dos restantes trabalhadores que os acompanhavam.

Sem contra alegações

O Exmo PGA deu parecer no sentido da improcedência de ambas a as apelações.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

Dos factos assentes:

A) Os autores são cidadãos de nacionalidade espanhola e são trolhas de profissão.
B) A ré é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, à indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas;
C) Por contratos reduzidos a escrito, celebrados em 12 de novembro de 2013 (contrato junto a fls. 19 e 20, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido e que em relação ao autor José era em tudo idêntico), os autores José e António foram contratados pela ré para prestar trabalho sob as suas ordens, orientação e direção, pelo período de 3 meses;
D) O trabalho a desempenhar pelos autores para a ré seria o correspondente à categoria profissional de trolha de 1.ª;
E) Os autores obrigaram-se ao desempenho das suas funções nas obras em que a ré executasse as suas empreitadas, tanto em Portugal como em outros países da União Europeia;
F) O horário de trabalho estabelecido seria de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, distribuído por períodos entre as 8 horas e as 12.00 horas, e entre as 13 horas e as 17 horas, com intervalo para refeição das 12.00 horas às 13.00 horas;
G) Nos contratos assinados pelos autores e pela ré consta como retribuição mensal ilíquida devida pela ré aos autores a seguinte: 545,00€ (quinhentos e quarenta e cinco euros), acrescida de 4,00€ (quatro euros) de subsídio de alimentação por cada de dia de trabalho efetivamente prestado;
H) Em 20 de dezembro de 2013, os autores interromperam a sua prestação de trabalho por indicação da ré, uma vez que a empreitada em execução iria estar suspensa entre 20 de dezembro de 2013 e 02 de janeiro de 2014;
I) Os autores regressaram a Espanha nesse mesmo dia para passarem a quadra natalícia durante o período de interrupção dos trabalhos da empreitada;
J) Em 14 de janeiro de 2014, os autores receberam da ré cartas registadas em que esta denunciava o contrato de trabalho com os autores por, alegadamente, o contrato se encontrar ainda no seu período experimental;
*
K) Em 23 de novembro de 2013, os autores foram transportados da sua cidade natal – Pontevedra – pelo gerente da ré, R. M., em viatura desta empresa, para Paris, França, a fim de prestarem trabalho em empreitada entregue à ré;
L) Os autores e mais dois companheiros de trabalho foram alojados em habitação arrendada pela ré nos arredores de Paris;
M) Em 25 de novembro de 2013, os autores iniciaram a prestação do seu trabalho para a ré numa obra situada em Paris, França, no denominado edifício «Y» em La Défense, naquela cidade;
N) Os autores usaram as suas próprias ferramentas, trazidas de Espanha;
O) Os autores prestaram o seu trabalho para a ré na obra acima referida de 25 de novembro de 2013 a 19 de dezembro de 2013;
P) Em 18 de dezembro de 2013, a ré, por intermédio do seu gerente R. M., informou os autores de que os créditos que lhes eram devidos pela prestação do trabalho efetuada até essa data seriam pagos em 20 de dezembro;
Q) Como em 20 de dezembro de 2013 a ré não tinha liquidado os créditos dos autores, nem o fez até 26 de dezembro de 2013, nesta última data os autores contactaram o sócio gerente da ré, R. M., e solicitaram a liquidação e pagamento dos créditos a que tinham direito até essa data;
R) O referido sócio gerente da ré alegou dificuldades de tesouraria por parte da empresa e prometeu o pagamento dos créditos em janeiro de 2014;
S) Em janeiro de 2014, face à falta de comunicação por parte da ré no sentido de organizar o regresso dos autores a Paris, estes contactaram com o sócio gerente da ré para o efeito, tendo este respondido que não havia mais trabalho e que aguardassem;
T) A ré pagou ao autor António a quantia de 135,00€ (cento e trinta e cinco euros).

b) Factos Não Provados
Resultaram não provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:

Das petições iniciais

1) Que a remuneração acordada entre as partes e a auferir pelos autores fosse de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros) mensais, muito embora a ré tivesse indicado no contrato a quantia de 545,00€ (quinhentos e quarenta e cinco euros);
2) Que esta última não tenha sido a retribuição contratualizada entre as partes;
3) Que no período em que prestaram o seu trabalho para a ré, além do horário normal de trabalho contratado, os autores tenham prestado três horas de trabalho por dia, num total de 64 horas de trabalho;
4) Que ainda dentro do mesmo período, os autores tenham trabalhado todos os sábados, nove horas por dia, num total de três sábados, correspondentes a 27 horas de trabalho;
5) Que em 18 de dezembro todas as ferramentas propriedade dos autores, e que por estes foram usadas na execução do seu trabalho, tenham ficado guardadas na obra em execução, uma vez que era previsto o regresso à obra em 03 de janeiro de 2014;
6) Que a ré não tenha devolvido aos autores até ao momento o saco das ferramentas que estes levaram para a empreitada;
7) Que tal perda tenha implicado para os autores um prejuízo de 620,00€ para o autor José e de 545,00€ para o autor António;

Das contestações

8) Que os autores não se tenham adaptado à categoria profissional de trolha de 1.ª que exerciam na ré;
9) Que para além do valor referido em T), a ré tenha pago aos autores outras quantias referentes às retribuições.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:

Impugnação da matéria de facto por ambas as partes.
Prescrição dos créditos.
Aplicação da lei francesa e violação do salário mínimo francês.
*
Quanto ao recurso da ré, depende o mesmo da alteração do facto H) (Em 20 de dezembro de 2013, os autores interromperam a sua prestação de trabalho por indicação da ré, uma vez que a empreitada em execução iria estar suspensa entre 20 de dezembro de 2013 e 02 de janeiro de 2014).

Ora tal facto resulta do acordado pelas partes nos articulados, conforme artigos 9º da contestação aceitam-se os factos descritos em 1 a 3, 5 a 7, 9 a 11, 13, 26 a 28, 40 a 42, 57, 58, e 59.

No item 26º da petição refere-se que “ em 20 de dezembro de 2013, o A. Interrompeu a sua prestação de trabalho por indicação da ré.”

No 27º, “ uma vez que a empreitada em execução iria ser suspensa entre 20 de dezembro de 2013 e 2 de janeiro de 2014”.

E no 28ª, “O A. regressou a Espanha nesse mesmo dia para passar a quadra natalícia durante o período de interrupção dos trabalhos da empreitada”.

Refere o artigo 574.º do CPC, aplicável por força do artigo 1º do CPT.

Ónus de impugnação

1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.

Por sua vez o artigo 607.º do mesmo diploma refere:
Sentença

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.

Consequentemente tendo sido aceite o facto no articulado, nada a apontar à sua consideração como facto assente.

Assim, resulta claro que o contrato não cessou nessa data, em que apenas ocorreu uma interrupção.

Mantendo-se o facto é de confirmar o juízo quanto à prescrição.

Nos termos do disposto no art.º 337.º, n.º 1 do CT, o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho prescreve no prazo de um ano contado do dia seguinte àquele em que tenha cessado o contrato de trabalho. Resultou provado que as cartas enviadas pela ré aos autores tendo em vista fazer cessar os contratos, apenas foram enviadas em 07/01/2014 (docs. Fls. 194 ss), e recebidas pelos autores em 14/01/2014. A declaração de cessação de contrato de trabalho é um declaração unilateral recetícia, que apenas se torna eficaz quando chega ao conhecimento do destinatário. Assim, só a 14/1/2014 ocorreu a cessação dos contratos. O prazo prescricional terminaria dia 15/01/2015. A ré foi citada para ambas as acções, principal e apensa, dia 14/01/2015 (fls. 32 do processo principal e fls. 33 do apenso. Consequentemente não ocorreu a prescrição.
***
Os autores pretendem seja considerado provado os itens K), L), M), N e O). Ora quanto a estes como bem anota o Exmº PGA, foram considerados provados, estando na decisão recorrida destacados como “dos factos controvertidos”, mas na parte dos factos provados.
Quanto ao mais pretendem sejam considerados provados os itens pontos 1), 3), 4), 5), 6) e 7) dos factos não provados.

Teor da matéria pretendida como provada:

1) Que a remuneração acordada entre as partes e a auferir pelos autores fosse de 1.800,00€ (mil e oitocentos euros) mensais, muito embora a ré tivesse indicado no contrato a quantia de 545,00€ (quinhentos e quarenta e cinco euros);
3) Que no período em que prestaram o seu trabalho para a ré, além do horário normal de trabalho contratado, os autores tenham prestado três horas de trabalho por dia, num total de 64 horas de trabalho;
4) Que ainda dentro do mesmo período, os autores tenham trabalhado todos os sábados, nove horas por dia, num total de três sábados, correspondentes a 27 horas de trabalho;
5) Que em 18 de dezembro todas as ferramentas propriedade dos autores, e que por estes foram usadas na execução do seu trabalho, tenham ficado guardadas na obra em execução, uma vez que era previsto o regresso à obra em 03 de janeiro de 2014;
(devendo quanto a este considerar-se provado que: “em 18 de dezembro todas as ferramentas propriedade dos autores, e que por estes foram usadas na execução do seu trabalho, tenham ficado guardadas no veículo automóvel de propriedade da Ré, veículo esse utilizado no transporte de regresso dos AA. A Espanha aquando do período de Natal e que se avariou”
6) Que a ré não tenha devolvido aos autores até ao momento o saco das ferramentas que estes levaram para a empreitada;
7) Que tal perda tenha implicado para os autores um prejuízo de 620,00€ para o autor José e de 545,00€ para o autor António;

Na fundamentação da decisão recorrida consta que “Ora, sobre o que se terá passado na altura da contratação foram ouvidos em juízo os próprios autores em declarações de parte e as testemunhas E. A. e B. B. (os outros dois trabalhadores contratados pela ré nas mesmas circunstâncias). Deste conjunto de depoimentos não ficou o tribunal minimamente convencido de que tenha havido o acordo para a retribuição de 1.800,00€ que era alegado nas petições iniciais: o autor José falou num acordo de retribuição por hora (não conseguindo precisar se nove ou dez euros); já o autor António referiu um acordo de retribuição por metro de obra realizado, que posteriormente se teria verificado ser inviável e substituído por um valor que não soube precisar ser de 1.800,00€ ou 2.800,00€; E. A. também referiu o pagamento a metro, que depois teria sido alvo de conversas para alteração, mas nunca tendo ficado nada definitivo quanto a nova forma de retribuição; B. B. foi também espontâneo ao dizer que a contratação era para “colocar bloque a metro”, falando depois num suposto “papel” que diria ser a retribuição de 1.800,00€, mas sem conseguir especificar que papel era esse ou que destino lhe teria sido dado.”

Referem os recorrentes o depoimento de Paulo Carvalho, inspetor da ACT. Deste depoimento não resulta minimamente sustentada a pretensão. A alusão à lei aplicável é questão de direito. O autor José embora referindo não ter boa recordação dado tempo decorrido, aludiu a pagamento por hora, 9/10 euros cada, e quanto mais horas fizessem mais pagavam. O António referiu pagamento a metro e depois o salário referido, não sendo claro quanto aos valores. A testemunha E. A., trabalhador em idênticas condições, referiu igualmente o pagamento a metro, depois alterado mas sem que nada tivesse ficado definido. Este depoimento condiz com o do gerente da ré que aludiu a acordo para pagamento a metro, tendo depois havido uma proposta dos autores para ser os ditos 1.800 €, mas nunca acordada. O B. B., também nas mesmas condições, referiu que a contratação era para “colocar bloque a metro”, aludindo depois ao valor mencionado.

Em face desta prova não se vê razão para censurar a decisão proferida em primeira instância.

Quanto ao período de trabalho cumprido, refere-se na fundamentação:

Sobre o trabalho suplementar à semana e aos sábados, os depoimentos e declarações de parte foram também muito equívocos e díspares, impedindo o tribunal de poder concluir com um mínimo de certeza pela prova do que era alegado pelos autores. No que toca aos sábados, houve contradições entre os autores desde logo quanto ao número de sábados em que teriam trabalhado – José garantindo que teriam sido todos; António dizendo que foram apenas alguns, não sabendo se “todos ou não”, tendo sido bastante hesitante nesta parte. Também em relação ao número de horas que teriam trabalhado ao sábado, o primeiro afirmou terem sido 10 ou 12, o segundo disse “creio que oito horas”, E. A. também disse “creio que foram oito horas”, mas já B. B. afirmou que teria sido apenas das 8 horas às 13 ou 14 horas. Esta falta de concretização e certeza dos depoimentos e declarações também se verificou no que toca às horas suplementares supostamente trabalhadas durante a semana: José e B. B. dizendo 12 horas diárias; António falando em “10 horas, 11 horas, às vezes fazíamos mais”; E. A. dizendo que seria “no mínimo 10, mas mais de 12 não”. Ora, na ausência de qualquer outro meio de prova que pudesse trazer alguma consistência ao alegado, o tribunal não pode de modo algum concluir pela prova do que os autores alegavam quanto a terem trabalhado todos os sábados durante nove horas e todos os dias da semana durante mais três horas do que aquilo que as partes estão de acordo que terá sido acordado aquando da contratação, motivo pelo qual considerou essa matéria como não provada.”

As imprecisões e disparidades que resultam dos depoimentos são de molde a não se mostrar censurável a decisão. Saliente-se que o António referiu que havia pouco trabalho, não avançavam como queriam. Na falta de outros elementos que deem alguma consistência e segurança quer quanto à realização do trabalho quer quanto ao número de horas prestado além do horário acordado, é de manter o decidido.

Quanto às ferramentas aludem aos depoimentos dos próprios autores e dos colegas que regressaram juntos.

Na fundamentação refere-se:

Já o que não ficou de todo demonstrado foi o que os autores alegavam quanto a terem as ferramentas ficado na obra por se prever o seu regresso após o Natal, tendo a ré ficado com as mesmas. Os autores e as testemunhas unanimemente contrariaram esta versão dos factos, dizendo que no regresso a Espanha traziam as ferramentas consigo e que as tiveram de deixar na carrinha onde vinham, uma vez que esta avariou durante a viagem e o veículo de substituição disponibilizado pelo seguro não tinha espaço suficiente para que as trouxessem. Ou seja, que os autores não têm as suas ferramentas não restam dúvidas, mas não se provou nem que estas tenham ficado na obra da ré, nem que tenha sido a ré a ficar com elas e não as devolver, pois nada se sabe do que terá acontecido à carrinha avariada (onde as ferramentas foram deixadas pelos autores) e se as ferramentas em causa alguma vez foram posteriormente entregues à ré. Quanto ao valor das ferramentas, os autores apenas souberam descrever as que tinham consigo mas não conseguiram dar um valor minimamente seguro, não tendo junto qualquer outra prova da qual esse se pudesse extrair.

Dos depoimentos invocados resulta que as ferramentas terão ficado na carrinha avariada. Não resultou no entanto demonstrado em que circunstâncias o material terá ficado aí, a risco de quem, bem como nada se provou quanto ao respetivo valor. Consequentemente é de manter o decidido.
*
Vejamos agora a questão do salário.

Os recorrentes referem que deveria ter-se atendido ao salário mínimo francês. Invocam o disposto nos artigos 7º e 8º do CT.

Refere-se na decisão que não se alegou no local próprio a aplicação deste salário mínimo. Assim é, contudo importa dizer que foi alegado um vencimento contratualizado superior ao salário mínimo Francês, pelo que se compreende a não alegação deste. Quem pede o mais pede o menos, não havendo razão para desconsiderar o salario mínimo Francês, se aplicável nos temros da lei.

O artº 7º do CT refere:

Condições de trabalho de trabalhador destacado

1 - Sem prejuízo de regime mais favorável constante de lei ou contrato de trabalho, o trabalhador destacado tem direito às condições de trabalho previstas na lei e em regulamentação coletiva de trabalho de eficácia geral aplicável que respeitem a:

a) Segurança no emprego;
b) Duração máxima do tempo de trabalho;
c) Períodos mínimos de descanso;
d) Férias;
e) Retribuição mínima e pagamento de trabalho suplementar;
f) Cedência de trabalhadores por parte de empresa de trabalho temporário;
g) Cedência ocasional de trabalhadores;
h) Segurança e saúde no trabalho;
i) Proteção na parentalidade;
j) Proteção do trabalho de menores;
l) Igualdade de tratamento e não discriminação.

2 - Para efeito do disposto no número anterior:

a) A retribuição mínima integra os subsídios ou abonos atribuídos ao trabalhador por causa do destacamento que não constituam reembolso de despesas efetuadas, nomeadamente com viagens, alojamento e alimentação;
b) As férias, a retribuição mínima e o pagamento de trabalho suplementar não são aplicáveis ao destacamento de trabalhador qualificado por parte de empresa fornecedora de um bem, para efetuar a montagem ou a instalação inicial indispensável ao seu funcionamento, desde que a mesma esteja integrada no contrato de fornecimento e a sua duração não seja superior a oito dias no período de um ano.

3 - O disposto na alínea b) do número anterior não abrange o destacamento em atividades de construção que visem a realização, reparação, manutenção, alteração ou eliminação de construções, nomeadamente escavações, aterros, construção, montagem e desmontagem de elementos prefabricados, arranjo ou instalação de equipamentos, transformação, renovação, reparação, conservação ou manutenção, designadamente pintura e limpeza, desmantelamento, demolição e saneamento.

Esta norma rege para os trabalhadores considerados destacados em Portugal, constituindo transposição da Diretiva 96/71/CE relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, regulando as matérias referidas no artigo 3 desta e para os casos em que a lei aplicável não seja a portuguesa. Seja, o trabalhador destacado em Portugal fica quanto àquelas matérias sujeito à lei portuguesa, salvo se a lei aplicável ou o contrato de trabalho forem mais favoráveis. Do destacamento para outro estado trata o artigo 8º.

Do artigo 8º consta:

Destacamento para outro Estado

1 - O trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste atividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, sem prejuízo de regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.

A norma funciona aqui ao contrário. Quer dizer, pretendesse garantir ao trabalhador destacado as garantias mínimos referidas no artigo 8º, fixadas na legislação portuguesa, ainda que não seja esta a aplicável, salvo se a legislação aplicável ou o contrato estabelecerem regime mais favorável. O que não tem a ver com o caso, pois se pretende aplicar, pelo menos quanto a determinadas matérias, a legislação francesa.

Os artigos 7º e 8º do CT não pretendem resolver a questão do conflito de leis, questão de direito internacional privado, antes deles se retira que, se de acordo com estas regras for aplicável outra lei, assim será.

As normas estabelecem apenas uma salvaguarda, quer para os destacados em Portugal, quer para os trabalhadores contratados por uma empresa estabelecida em Portugal, que sejam destacados para território de outro Estado, e quanto às matérias ali previstas, salvo regime mais favorável constante da lei aplicável ou do contrato.

A norma do artº 8º deve ler-se neste sentido; ainda que seja aplicável outra lei que não a Portuguesa, o trabalhador contratado por uma empresa estabelecida em Portugal, que preste atividade no território de outro Estado em situação a que se refere o artigo 6.º, tem direito às condições de trabalho previstas no artigo anterior, da lei portuguesa, desde que claro, sejam mais favoráveis que as da lei aplicável.

Esta salvaguarda vem prevista no Regulamento (CE) n.o 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I). Vd. artigo 9º desse regulamento. Vd. Ainda o artigo 7º da Convenção de Roma de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, substituída nas relações entre estados membros por aquele regulamento, conforme artº 24 do mesmo.

Trata-se pois de uma exceção de regime mais favorável previsto na lei portuguesa, para as matérias previstas, ocorrendo os elementos de conexão referidos (trabalho a ser executado em Portugal ou sede em território nacional de empresa destacadora), se a lei aplicável ou contrato não foram mais favoráveis.

Quanto a saber se a lei Francesa é aplicável, não são estas as normas de resolução, mas as normas relativas ao conflito de leis, designadamente a convenção e regulamento referidas e arts. 41 ss do CC.

Consta do artº 8º do regulamento (CE) N.o 593/2008 do Parlamento e do Conselho:

Contratos individuais de trabalho

1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.o. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.os 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.
3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.o 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.os 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país.

No artigo 3º refere-se:

Liberdade de escolha

1. O contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato.
2. Em qualquer momento, as partes podem acordar em subordinar o contrato a uma lei diferente da que precedentemente o regulava, quer por força de uma escolha anterior nos termos do presente artigo, quer por força de outras disposições do presente regulamento. Qualquer modificação quanto à determinação da lei aplicável, ocorrida posteriormente à celebração do contrato, não afeta a validade formal do contrato, nos termos do artigo 11.o, nem prejudica os direitos de terceiros.

Resulta das normas que o contrato se rege pela lei escolhida pelas partes. Esta escolha contudo não pode privar o trabalhador de proteção que lhe garantem as disposições imperativa da lei que seria aplicável na falta de escolha.

Na falta de escolha, a lei aplicável, no que importa ao caso, é a lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador, salvo se do conjunto de circunstâncias resultar que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse país.

Resulta ainda do regulamento que o nele disposto não pode prejudicar a aplicação das regras do país do foro que regulem imperativamente o caso concreto, independentemente da lei aplicável (no caso as normas inderrogáveis da lei portuguesa) –vd. Artigo 9º.

Resulta assim e no caso concreto ser aplicável a lei portuguesa.

Contudo importa atentar nas regras comunitárias designadamente a Diretiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho. A Diretiva pretendeu entre outras objetivos o respeito pelos direitos dos trabalhadores e combater o dumping social. Esta Diretiva prevê no âmbito europeu a aplicação “concomitantemente com a lei declarada aplicável, as disposições imperativas de outra lei, em especial a do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontre temporariamente destacado”, relevando ao caso o artº 3º da Diretiva que refere:

Condições de trabalho e emprego

1. Os Estados-membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no nº 1 do artigo 1º garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:

- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas
e/ou
- por convenções coletivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na aceção do nº 8, na medida em que digam respeito às atividades referidas no anexo:

a) Períodos máximos de trabalho e períodos mínimos de descanso;
b) Duração mínima das férias anuais remuneradas;
c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;
d) Condições de disponibilização dos trabalhadores, nomeadamente por empresas de trabalho temporário;
e) Segurança, saúde e higiene no trabalho;
f) Medidas de proteção aplicáveis às condições de trabalho e emprego das mulheres grávidas e das puérperas, das crianças e dos jovens;
g) Igualdade de tratamento entre homens e mulheres, bem como outras disposições em matéria de não discriminação.

Para efeitos da presente Diretiva, a noção de «remunerações salariais mínimas» referida na alínea c) do nº 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.

2. As alíneas b) e c) do segundo travessão do nº 1 não são aplicáveis aos trabalhos de montagem inicial e/ou de primeira instalação de um bem, que sejam parte integrante de um contrato de fornecimento de bens, indispensáveis para a entrada em funcionamento do bem fornecido e executado pelos trabalhadores qualificados e/ou especializados da empresa fornecedora, quando a duração do destacamento não for superior a oito dias.

7. O disposto nos nºs 1 a 6 não obsta à aplicação de condições de emprego e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.

Vejamos o que a propósito refere a lei Francesa no Code du travail, à data do destacamento:

(https://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006072050&dateTexte=20131013)

Artigo nº L1261-3:

Est un salarié détaché au sens du présent titre tout salarié d'un employeur régulièrement établi et exerçant son activité hors de France et qui, travaillant habituellement pour le compte de celui-ci, exécute son travail à la demande de cet employeur pendant une durée limitée sur le territoire national dans les conditions définies aux articles L. 1262-1 et L. 1262-2.
(É um trabalhador destacado para o significado deste título qualquer trabalhador de um empregador estabelecido regularmente e exercendo actividade fora da França e que normalmente trabalha por conta dele, realiza o seu trabalho a pedido do empregador por um tempo limitado no território nacional, nas condições definidas nos artigos…)

Artigo nº L1262-4:

Les employeurs détachant temporairement des salariés sur le territoire national sont soumis aux dispositions légales et aux stipulations conventionnelles applicables aux salariés employés par les entreprises de la même branche d'activité établies en France, en matière de législation du travail, pour ce qui concerne les matières suivantes :

1° Libertés individuelles et collectives dans la relation de travail ;
2° Discriminations et égalité professionnelle entre les femmes et les hommes ;
3° Protection de la maternité, congés de maternité et de paternité et d'accueil de l'enfant, congés pour événements familiaux ;
4° Conditions de mise à disposition et garanties dues aux salariés par les entreprises exerçant une activité de travail temporaire ;
5° Exercice du droit de grève ;
Durée du travail, repos compensateurs, jours fériés, congés annuels payés, durée du travail et travail de nuit des jeunes travailleurs ;
7° Conditions d'assujettissement aux caisses de congés et intempéries ;
Salaire minimum et paiement du salaire, y compris les majorations pour les heures supplémentaires ;
9° Règles relatives à la santé et sécurité au travail, âge d'admission au travail, emploi des enfants ;
10° Travail illégal.
(Os empregadores que destaquem temporariamente trabalhadores no território nacional estão sujeitos à lei e as disposições contratuais aplicáveis ​​aos trabalhadores empregados por empresas na mesma indústria estabelecida na França, em termos de legislação do trabalho, em relação às matérias seguinte:

1 ° Liberdades individuais e coletivas na relação de emprego;
2 ° Discriminação e igualdade profissional entre mulheres e homens;
3 ° Protecção da maternidade, licença de maternidade e paternidade, licença parental, licença para eventos familiares;
4 ° Condições de fornecimento e garantias devidas aos empregados por empresas envolvidas em atividade de trabalho temporário;
5 ° Exercício do direito de greve;
(6) Horas de trabalho, descanso compensatório, feriados, férias anuais pagas, horas de trabalho e trabalho noturno de jovens trabalhadores;
7 ° Condições de sujeição a fundos de férias e intempéries;
8 ° Salário mínimo e pagamento de salário, incluindo prémios de horas extras;
9 ° Regras relativas à saúde e segurança no trabalho, idade de admissão ao trabalho, emprego de crianças;
10 ° trabalho ilegal.)

Quanto ao “Salaire minimum interprofessionnel de croissance” (Smic), para 2013 foi fixado o valor mensal de € 1.420,22 (9,43 horas), conforme “Décret n° 2012-1429 du 19 décembre 2012 portant relèvement du salaire minimum de croissance”, JORF n°0297 du 21 décembre 2012 page 20223 (https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000026805556).
À data a duração do trabalho era de 35 horas - Artigo L3121-10.

O trabalho suplementar é pago nos temros do artigo L3121-22, que refere:

Les heures supplémentaires accomplies au-delà de la durée légale hebdomadaire fixée par l'article L. 3121-10, ou de la durée considérée comme équivalente, donnent lieu à une majoration de salaire de 25 % pour chacune des huit premières heures supplémentaires. Les heures suivantes donnent lieu à une majoration de 50 %.
Une convention ou un accord de branche étendu ou une convention ou un accord d'entreprise ou d'établissement peut prévoir un taux de majoration différent. Ce taux ne peut être inférieur à 10 %.
(As horas extraordinárias trabalhadas para além do período legal da semana previsto no artigo L. 3121-10, ou o período considerado equivalente, dão origem a um aumento salarial de 25% para cada uma das oito primeiras horas extraordinárias. As horas seguintes dão origem a um aumento de 50%.

Um acordo ou contrato de sucursal alargado ou um acordo ou acordo de empresa ou estabelecimento podem prever uma taxa de aumento diferente. Esta taxa não pode ser inferior a 10%)
O tempo suplementar é calculado semanalmente – artigo L3121-21.
Quanto a subsídio de férias e de natal, não são obrigatórios, não se demonstrando nos autos a sua aplicação ao setor em causa.
Prevê o artigo L3141-1 o direito a férias remuneradas em cada ano. As férias correspondem a dois dias e meio por cada mês com o máximo de 30 dias úteis – artigo L3141-3.
*
Assim temos que nas semanas trabalhadas, três e meia, nas três primeiras, as completas, foram prestadas 5 horas em cada uma de trabalho suplementar. Cada uma dessas horas deve ser paga a 11,79 €, o que perfaz o montante de 176,85 €.

Quanto às férias, considerando o período de três meses temos 7,5 dias úteis, o que perfaz o montante de € 446,70.

De quantias em dívida relativamente ao trabalho prestado temos:

Entre o dia 12/11/2013 (data da admissão) e 14/01/2014 (data da cessação dos contratos)

salário1420,22
Subsidio refeição4
DiasDiasVencimentoS. refeição
novembro19899,4720
dezembroCompleto1420,2256
janeiro14662,77
Totais parcelares 2982,4676
Total geral 3058,46
*
Pelo despedimento ilícito, conforme decisão recorrida para que se remete nesta matéria, “tratando-se aqui de contratos a termo certo, deve a entidade empregadora indemnizar os trabalhadores por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, sendo tal indemnização (porque não foi pedida nem se provou ser devida outra superior) equivalente às retribuições que os autores deixaram de auferir desde o despedimento até ao termo certo – art.º 393.º, n.º 2, alínea a) do Código do Trabalho”

Assim temos:

InicioTermoDias
15-01-201412-02-201429
Valor devido- vencimento 1372,88
Valor s. refeição 84
Total 1456,88

A ré apenas pagou ao autor António a quantia de € 135, que importa descontar.

Constando dos autos a sujeição da recorrida a PER, a condenação não prejudica o disposto no artigo 17-F, nº 10 do CIRE.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação dos autores, condenado a ré a pagar a cada um dos autores as seguintes quantias:

a) € 3058,46 de vencimentos e subsídio de refeição até à cessação dos contratos, acrescidos de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, a contar doa data de vencimento de cada uma das parcelas, conforme descriminação supra, até integral pagamento.
- Relativamente ao autor António a tal valor abate-se o valor pago de 135 €, montando assim o global a 2.923,46, imputados ao primeiro vencimento.
b) € 176,85 de trabalho suplementar prestado, acrescido de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, a contar do data de vencimento.
c) € 446,70 correspondente a férias remuneradas, acrescida de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, desde o vencimento e até integral pagamento.
d) € 1456,88 de indemnização pelo despedimento ilícito, acrescido de juros de mora à taxa legal, atualmente de 4%, a contar do data de vencimento e até integral pagamento.

No mais mantém-se o decidido.

Custam em primeira instância na proporção de decaimento.
Custas nesta instância pela ré quanto à sua apelação e na proporção de metade por recorrentes e recorrida quanto à apelação dos AA.
Guimarães, 4/10/2018

Antero Veiga
Alda Martins
Eduardo Azevedo