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OPOSIÇÃO À PENHORA
LEGITIMIDADE
Sumário
I - O executado só pode opor-se à penhora se os bens que dela foram objecto lhe pertencerem.
II - Pertencendo os bens a terceiro – salvo o caso previsto no artigo 764º nº 3 do CPC – só este tem legitimidade para defender o seu direito, através de embargos de terceiro.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I – RELATÓRIO
Por apenso aos autos de execução quer lhe move o BANCO A, S.A., veio a executada A. C. deduzir oposição à penhora efectuada nos autos principais, que incidiu sobre prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e logradouro, com a área total de 1378m2, lote 1, sito no lugar (...), Rua (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrito na matriz sob o nº (...) e descrito na CRP sob o nº (...), pugnando pelo levantamento da penhora.
Alega, para tanto, em síntese, que o bem penhorado não lhe pertence, pois se trata de um bem comum do seu desfeito casamento e que em Setembro de 2012, cedeu a sua meação nos bens comuns a Tiago, conforme documentos que junta. Mais alega que imóvel consiste na casa de morada de família, do outro cônjuge, sendo que deveriam as diligências de penhora ter começado por outros bens. Pediu ainda a condenação da exequente como litigante de má fé, porque tem garantia para pagamento da divida de valores que se encontram retidos, e bem sabe, que garantem o pagamento da dívida ora reclamada.
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Notificada, a exequente pugnou pela improcedência da oposição, alegando, em síntese:
- À data da penhora registada à ordem dos presentes autos, assim como presentemente, o bem imóvel aqui visado acha(va)-se registado a favor da aqui executada e de Manuel.
– O executado apenas pode opor-se à execução sendo penhorados bens que são pertença sua.
– Tal como resulta da pesquisa de bens efectuada pela Agente de Execução nomeada nestes autos, “i) a executada A. C. não é titular de qualquer outro bem e/ou direito para além do imóvel penhorado nos autos, ii) a executada Maria aufere, apenas, pensão de monta inferior ao salário mínimo nacional, logo, impenhorável, sendo que iii) o executado Fernando é apenas titular de veículo automóvel com reserva de propriedade a favor de terceiro e auferirá pensão de valor por apurar”.
– Não se lograram apurar quaisquer saldos bancários passíveis de penhora, da titularidade dos executados. Apenas o executado Fernando é titular de 20 “Obrigações Subordinadas Banco A 2009/2019” e de unidades de participação, sendo que se as primeiras são manifestamente insuficientes para satisfazer a dívida em cobrança, as segundas foram dadas de penhor para garantia de crédito diverso do aqui executado, além de se acharem já penhoradas à ordem de execução de terceiro.
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Foram inquiridas as testemunhas arroladas.
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A final proferiu-se a seguinte decisão:
– «Por tudo quanto exposto, julgo procedente, por provada, a presente oposição à penhora e, em consequência, determino o levantamento da penhora realizada à ordem dos autos principais sobre o imóvel supra identificado com cancelamento do respectivo registo. Mais, julgo improcedente o pedido de condenação da oposta exequente como litigante de má-fé, absolvendo-a do mesmo. Condeno, porque lhes deram causa, a oponente executada e a exequente oposta no pagamento das custas processuais na proporção de 30% e 70% respectivamente, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil.»
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Inconformada, a exequente interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1. Em face da prova produzida em juízo e da materialidade em discussão, entendeu o Tribunal a quo, muito sumariamente, que “(…) atenta a realizada demonstrada e que se dá por reproduzida, impõe-se concluir que a penhora realizada à ordem dos autos principais incidiu sobre bem de terceiro, já que o imóvel em causa integra um património comum sobre o qual a executada opoente à data da penhora já não tinha qualquer direito. Ou seja, a penhora realizada à ordem dos autos principais sobre o referido imóvel incidiu sobre um bem que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não devia ter sido atingido pela diligência art.784.º, n.º1, c), CPC).” 2. Salvo o devido respeito, que é muito, não podíamos discordar mais da sentença proferida, a qual, além de fazer tábua rasa da letra da lei e de estar parcamente fundamentada, é absolutamente omissa quanto a questão suscitada pelo Banco A, a de a oposição não se ajustar ao disposto no artigo 784.º do CPC, o que a fere de nulidade, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 615.º/n.º1/al. d) do CPC, nulidade que aqui expressamente se argui. 3. Com efeito, prescreve o artigo 784.º do CPC, no seu proémio, que “sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos (…)”. 4. Daqui se infere, de forma clara e pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência que, fundando-se a oposição à penhora no linear argumento de que o bem penhorado não é pertença da executada (portanto, é bem alheio) mas sim de terceiro, carece a executada de fundamento legal para se opor à mesma, já que a dedução de tal incidente pressupõe o requisito de que os bens objecto de penhora são pertença do executado. 5. Sendo-o de terceiro (que não exequente ou executado), cabe a este deduzir oposição, mediante embargos de terceiro ou outra diligência judicial de apreensão ou entrega de bens. 6. “Os embargos de terceiro são, portanto, o meio específico de reacção contra a penhora por parte de terceiros, baseando-se na impenhorabilidade subjectiva [como invocou a executada] dos bens destes” (neste sentido, veja-se José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª Edição, Página 293). 7. Acresce que, na sentença recorrida, pese embora não se aborde de forma directa esta questão, esgrime-se o fundamento previsto no artigo 784.º/n.º1/al.c) do CPC, quando é certo que o mesmo se reporta aos casos de bens objectivamente impenhoráveis, resultantes do direito substantivo, como sejam os bens do domínio público ou os bens inalienáveis do domínio privado – o que não é manifestamente o caso dos autos (veja-se também neste sentido José Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª Edição, Página 293). 8. A decisão recorrida perfilha-se, assim, como totalmente desprovida de critérios de aplicação da lei e interpretação jurídica, resultando numa solução material inadequada e desproporcionadamente onerosa para a recorrente, que vê ordenado levantamento da penhora sobre o único bem logrado apurar na titularidade dos executados, com sustento em errados pressupostos. 9. É, pois, violadora das disposições constantes dos artigos 784.º/n.º1 e 732.º/n.º1, al. b) (aplicável ex vi artigo 785.º/n.º2) todos do CPC, devendo, por isso, ser substituída por outra que a considere nula por omissão de pronúncia e que julgue totalmente improcedente a presente oposição à penhora, já que o fundamento esgrimido pela executada/opoente e acolhido pelo Tribunal a quo não se ajusta ao preceituado no artigo 784.º/n.º1 do CPC
TERMOS EM QUE, revogando a decisão recorrida farão V. Exs.ª JUSTIÇA!.
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Dos autos não constam contra-alegações.
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O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
A) Factos considerados provados na sentença recorrida:
1. Para garantia da satisfação da quantia exequenda foi penhorado à ordem dos autos principais (Ap. 1479 de 2015/06/08) o imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º(...)/(...) e inscrito a favor de Manuel e A. C., casados entre si, pela Ap. 24 de 1997/11/10 – fls. 99 e segs. dos autos principais. 2. Por escritura pública, outorgada no dia 5 de Setembro de 2012, A. C. fez doação a Tiago, seu filho, da sua meação nos bens comuns resultante do divórcio com o seu ex-marido Manuel – fls. 4v e 5 dos autos cujo teor se dá por reproduzido.
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Na decisão recorrida concluiu-se que, “atenta a realidade demonstrada e que se dá por reproduzida, impõe-se concluir que a penhora realizada à ordem dos autos principais incidiu sobre bem de terceiro, já que o imóvel em causa integra um património comum sobre o qual a executada oponente à data da penhora já não tinha qualquer direito. Ou seja, a penhora realizada à ordem dos autos principais sobre o referido imóvel incidiu sobre um bem que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não devia ter sido atingido pela diligência (art.784º, n.º1, c), CPC) –
A apelante argui a nulidade da sentença (art.º 615.º n.º1, al. d) do CPC) por ser absolutamente omissa quanto a questão por si suscitada, concretamente, de que a oposição não se ajusta ao disposto no artigo 784.º do CPC.
Efectivamente e em primeiro lugar, até porque tal questão fora colocada pela apelada em sede de contestação da oposição, impunha-se decidir da legitimidade da executada para se opor à penhora de um bem que, nas suas palavras, já não lhe pertence (art.º 1º da oposição: “No âmbito dos presentes autos encontra-se penhorado um bem imóvel que não pertence à executada”).
Tendo sido omitida a apreciação de tal questão, que aliás se impunha previamente às demais, por ser um pressuposto processual da oposição à penhora, a sentença recorrida é nula, impondo-se a este Tribunal, nos termos do art.º 665º nº 1 do CPC, substituir-se ao Tribunal recorrido na sua apreciação.
Estabelece o art.º 784.º (Fundamentos da oposição): “Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: (…)”.
Como decorre claramente do citado normativo o executado só pode opor-se à penhora se os bens que dela foram objecto lhe pertencerem (1).
Vírginio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, em Manual da Acção Executiva Anotada e Comentada, 2017, 2ª edição, pág. 400, realçam: “os pressupostos que resultam do corpo do artigo no sentido de que só o executado poderá deduzir esta oposição e, ainda assim, desde que tenham sido penhorados bens que lhe pertençam. Neste particular julgamos não ser despiciendo sublinhar a elevada quantidade de oposições à penhora que são liminarmente indeferidas porque o executado, desde logo, alega que os bens penhorados não lhe pertencem e também por não estarem verificados os pressupostos do nº 3 do art.º 764º:” (sublinhado nosso).
Também Lebre de Freitas, em a Acção Executiva à luz do CPC de 2013, 7ª edição, pág.320, a propósito deste incidente de oposição à penhora refere: “Trata-se de casos de impenhorabilidade objectiva, visto ser pressuposto que os bens pertencem ao executado”.
Pertencendo os bens a terceiro – salvo o caso previsto no citado artigo 764º nº 3 do CPC, que nada tem a ver com o caso dos autos – só este tem legitimidade para defender o seu direito, através de embargos de terceiro.
Consequentemente impunha-se “ab initio” o indeferimento da oposição à penhora com fundamento em que a executada alega que o bem penhorado não lhe pertence. E não o tendo sido inicialmente, outra não poderia ter sido a decisão final deste incidente.
Consequentemente impõe-se indeferir a pretensão da oponente, por a mesma carecer de legitimidade para se opor à penhora de bem que alega pertencer a terceiro.
V – DELIBERAÇÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, anulando a sentença recorrida, em sua substituição indeferem a oposição à penhora por falta de legitimidade da executada para se opor a penhora que incidiu sobre bem que alega não lhe pertencer.
Custas pela apelada.
Guimarães, 11-10-2018
Eva Almeida
Maria Amália Santos
Ana Cristina Duarte
1 - Ver, entre outros, o Acórdão do TRP de 21-11-2005, proc. 0555669, relatado por Cunha Barbosa e autores aí citados – J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. IV, 2ª ed., pág. 95, J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 3º, págs. 484 e 485, e J.P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum á face do código revisto, págs. 303 e ss.– que continua actual porque o novo CPC manteve, no art.º 784º, a exacta redacção do art.º 863ºA do anterior CPC.