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PEDIDO DE ESCUSA JUÍZA
REQUISITOS LEGAIS
ESCRIVÃ ADJUNTA
RELACIONAMENTO PROFISSIONAL
Sumário
I) Na dimensão objetiva do conceito de imparcialidade está em causa averiguar se a projeção externa da imparcialidade do juiz é suscetível de suscitar reparos no público em geral e, particularmente, nos destinatários da decisão que o mesmo venha a proferir na causa.
II) A gravidade e a seriedade dos motivos invocados hão de resultar de uma determinada situação concreta, reveladora, nomeadamente, de elementos pessoais (relação de proximidade, amizade ou confiança com interessados na decisão), que possa ser entendida como suscetível de afetar, na aparência, a garantia da boa justiça, por poder gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
III) Será o caso em que a arguida a ser submetida a julgamento exerce as funções de escrivã adjunta no Juízo Criminal onde a Mmª. Juíza está colocada, privando e colaborando diariamente com ela há cerca de três anos, tendo-se desenvolvido entre ambas uma relação de amizade.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
1. A Exma. Senhora Juíza de Direito L. C., a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no lugar de Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, veio requerer, ao abrigo do disposto no art. 43º, n.º 1, ex vi dos arts.43º, n.º 4, 44º e 45º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Penal, que lhe seja concedida escusa de intervenção no processo comum com intervenção de tribunal singular com o NUIPC 690/17.5PAVNF, invocando os seguintes fundamentos (transcrição [1]):
«(…)
- Na sequência da distribuição processual, foi atribuída ao Juiz 3, Dr. H. S., a tramitação do processo supra referido.
- Na sequência de um pedido de escusa formulado pelo Ilustre Colega, no âmbito dos presentes autos, o qual foi deferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, foi o processo, nos termos do art. 46º do CPP, remetido ao Juiz 1, desta Instância Local Criminal, e como tal à presente signatária, para tramitação dos presentes autos, designadamente marcação e realização da audiência de julgamento.
- Sucede que nos referidos autos, figura como assistente/arguida a Sra. Escrivã adjunta A. E., sendo-lhe imputada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um outro de injúria.
- A Sra. Escrivã adjunta pese embora exerça funções no Juiz 2 desta Instância Criminal cabe-lhe, em exclusividade, o cumprimento dos atos jurisdicionais em fase de inquérito afetos a todas as secções criminais, cuja tramitação é da competência da signatária e dos restantes Srs. Juízes.
A ser assim, mercê do exercício, em exclusividade, daquelas funções, a citada Sra. funcionária priva diariamente com a signatária, cuja relação profissional, por força das circunstâncias, implica uma colaboração diária relacionada com a tramitação normal dos referidos atos jurisdicionais e contribui para um estreitar de laços relacionais.
Acresce que com o decorrer do tempo (veja-se que a signatária tomou posse para exercer funções no J1 em Setembro de 2015) desenvolveu-se uma relação de amizade entre a signatária e a Sra. Escrivã adjunta A. E..
Importa, ainda, referir que a mencionada Sra. funcionária se encontra em funções neste Tribunal há mais de 20 anos, sendo, por conseguinte, do conhecimento da generalidade das pessoas residentes nesta comarca, tal realidade.
Não obstante, todo o circunstancialismo descrito, que não é suscetível de pôr em crise os princípios da imparcialidade, justiça e busca da verdade material por que norteio o meu exercício da judicatura, pode pôr em crise a confiança na boa administração da justiça.
Face a todo o deixado exposto e por pugnar, em todos os momentos, pela transparência e pela eficácia da boa administração da justiça e pela confiança dos cidadãos naquele que, em meu entender, é o último reduto do Estado de Direito Democrático, mas ainda porque em nenhum momento quereria ver posta em crise a confiança de nenhum interveniente processual, nem mesmo de qualquer cidadão, no modo como exerço as funções em que estou investida, e considerando ainda que tal função exige não somente seriedade, mas também aparência de seriedade, e por forma a evitar um sentimento de desconfiança relativamente à minha imparcialidade, venho rogar a V. Exª. se digne, nos termos do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, ex vi dos artigos 43º, n.º 4, 44º e 45º, n.º 1, aI. a), todos do Código de Processo Penal, escusar-me de intervir nos mencionados autos.
Na verdade, esta relação profissional justifica o pedido de escusa ora formulado ao abrigo do disposto nos citados normativos legais (neste sentido vide Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 18/01/2012 e Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 02/02/2011, disponíveis in www.dgsi.pt).
(…).» 2. Os documentos juntos pela requerente, concretamente a certidão do despacho de acusação proferido nos identificados autos, da declaração emitida pelo Senhor Secretário de Justiça, do termo de posse da requerente, do pedido de escusa formulado pelo Exmo. Senhor Juiz que ocupa o lugar de Juiz 3 no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão e da subsequente tramitação do processo, atestam que:
- A requerente é juíza de direito, atualmente a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, onde ocupa o lugar de Juiz 1.
- Na sequência do deferimento por este Tribunal da Relação do pedido de escusa formulado, com os mesmos fundamentos do presente pedido, pelo Exmo. Senhor Juiz que ocupa o lugar 3 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, a quem o processo comum singular com o NUIPC 690/17.5PAVNF havia sido distribuído para julgamento, foram os autos remetidos ao Juiz 1 e, como tal, à requerente, por ser, de acordo com as leis de organização judiciária, o juiz substituto.
- Nesses autos foi deduzida acusação pública contra, entre outros, a arguida A. E., imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º, n.º 1 do Código Penal, bem como acusação particular, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181º do mesmo código.
- A arguida A. E. é oficial de justiça do quadro do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, tendo iniciado funções em 30-05-1988, sendo atualmente escrivã adjunta no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – Juiz 2.
Não se nos afigura necessário determinar a notificação da requerente para juntar prova da demais alegação que fundamenta o seu pedido, prova essa reportada à invocada relação de amizade existente entre si e a arguida A. E. e ao facto de a esta caber, em exclusividade, o cumprimento dos atos jurisdicionais em fase de inquérito afetos a todas as secções criminais, cuja tramitação é da competência da requerente e dos restantes Senhores Juízes, com ela privando e colaborando diariamente, porquanto não se vêm razões para pôr em causa o teor do alegado pela Mmª. Juíza. 3. Não se tornando, pois, necessária, a produção de outras provas, e uma vez colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A aplicação do princípio do juiz natural, consagrado no art. 32º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”, pressupondo, assim, que o juiz que intervém no processo é aquele que deve intervir de acordo com as regras da competência legalmente definidas para o efeito, com base em critérios de distribuição aleatória, pode gerar efeitos perversos, nomeadamente em situações em que o juiz não oferece garantias de imparcialidade e de isenção para o ato de julgar.
Para estes casos estabeleceu o legislador regras que permitem, legalmente, o afastamento do juiz natural, designadamente a que está prevista no art. 43º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao dispor que «A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade», podendo ainda «… constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40» (n.º 2), acrescentando o n.º 3 do mesmo preceito que «A recusa pode ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis”.
No que tange ao próprio juiz, verificando-se qualquer das condições previstas nos n.ºs 1 e 2, não pode o mesmo declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir (n.º 4 do citado artigo).
Assim, para além dos requisitos formais (art. 44º do Código de Processo Penal), a concessão da escusa depende da verificação, em concreto, dos requisitos substantivos previstos nos n.ºs 1 ou 2 do art. 43º do mesmo diploma, supra transcritos.
2. Os factos invocados pela Mmª. Juíza requerente como constitutivos dos fundamentos do seu pedido de escusa, assentam no relacionamento profissional e de amizade existente entre si e a oficial de justiça A. E., que exerce funções de escrivã adjunta no Juízo Local Criminal onde a requerente ocupa o lugar de Juiz 1, para onde foi remetido, para julgamento, o processo em que aquela se encontra acusada da prática dos crimes de ofensa à integridade física simples e de injúria.
O aludido relacionamento profissional deriva de caber à Senhora escrivã adjunta, em exclusivo, o cumprimento dos atos jurisdicionais em fase de inquérito afetos a todas as secções criminais, cuja tramitação é da competência da requerente e dos restantes Senhores Juízes, sendo que na sequência desse relacionamento, mantido desde setembro de 2015 e em que privam diariamente, se desenvolveu uma relação de amizade entre ambas.
Em causa está, pois, a noção de imparcialidade do tribunal, entendendo a Mmª. Juíza requerente da escusa que a referida relação profissional e de amizade com a arguida poderão gerar no cidadão desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Conquanto o nosso ordenamento jurídico não defina explicitamente o que se deve entender por tal conceito, o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [2], sob a epígrafe ”Direito a um processo equitativo”, contém, no seu n.º 1, uma referência à imparcialidade do tribunal, dispondo que «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, (…)»
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em extensa jurisprudência, tem vindo a densificar o conceito de “tribunal imparcial”, entendendo [3] que a imparcialidade do tribunal deve ser apreciada segundo uma dupla perspetiva: segundo uma apreciação subjetiva, relativamente à convicção e ao pensamento do juiz numa dada situação concreta, não podendo o tribunal manifestar subjetivamente qualquer preconceito ou prejuízo pessoais, sendo que a imparcialidade pessoal do juiz se deve presumir até prova em contrário; e também, segundo uma apreciação objetiva, isto é, saber se o juiz oferece garantias bastantes para excluir a este respeito qualquer dúvida legítima.
Entre nós, também o Tribunal Constitucional [4] reconhece essas duas vertentes, objetiva e subjetiva, do conceito de “imparcialidade”, concretamente na consagração constitucional do princípio do acusatório (art. 32º, n.º 5 da Constituição), e do princípio do processo justo e equitativo na consagração das garantias de defesa (art. 32.º, n.º 1), os quais visam assegurar um julgamento independente e imparcial.
A imparcialidade do juiz constitui, assim, uma garantia essencial para quem submeta a sua causa à apreciação e decisão de um tribunal, termos em que se impõe que o desempenho do cargo seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral da comunidade, de modo a que encare a decisão como resultado de um julgamento objetivo e imparcial.
A propósito das referidas vertentes do conceito de imparcialidade, refere o Supremo Tribunal de Justiça o seguinte: [5]
«Na perspetiva ou aproximação subjetiva ao conceito, a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro interior perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão. A perspetiva subjetiva, por princípio, impõe que existam provas que permitam demonstrar ou indiciar relevantemente uma tal predisposição, e, por isso, a imparcialidade subjetiva presume-se até prova em contrário. Neste aspeto, a função dos impedimentos constitui um modo cautelar de garantia da imparcialidade subjetiva.
Mas a dimensão subjetiva não basta à afirmação da garantia. Releva, também, e cada vez mais com acrescido reforço, uma perspetiva objetiva, que é consequencial à intervenção no direito processual, com o suporte de um direito fundamental, de um conceito que não era, por tradição, muito chegado à cultura jurídica continental: a aparência, que é traduzida no adágio "justice must not only be done; it must also be seen to be done", que revela as exigências impostas por uma sensibilidade acrescida dos cidadãos às garantias de uma boa justiça.
Na abordagem objetiva, em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (v. g., a não acumulabilidade de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objetivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si.
Mas devem ser igualmente consideradas outras posições relativas que possam, por si mesmas e independentemente do plano subjetivo do foro interior do juiz, fazer suscitar dúvidas, receio ou apreensão, razoavelmente fundadas pelo lado relevante das aparências, sobre a imparcialidade do juiz; a construção conceptual da imparcialidade objetiva está em concordância com a conceção moderna da função de julgar e com o reforço, nas sociedades democráticas de direito, da legitimidade interna e externa do juiz.
A imparcialidade objetiva apresenta-se, assim, como um conceito que tem sido construído muito sobre as aparências, numa fenomenologia de valoração com alguma simetria entre o "ser" e o "parecer". Por isso, para prevenir a extensão da exigência de imparcialidade objetiva, que poderia ser devastadora, e para não cair na "tirania das aparências" (cfr., Paul Martens, "La tyrannie des apparences", "Revue Trimestrielle des Droits de L´Homme", 1996, pag. 640), ou numa tese maximalista da imparcialidade, impõe-se que o fundamento ou motivos invocados sejam em cada caso, apreciados nas suas próprias circunstâncias, e tendo em conta os valores em equação - a garantia externa de uma boa justiça, que seja mas também pareça ser. (…) As aparências são, pois, neste contexto, inteiramente de considerar, sem riscos devastadores ou de compreensão maximalista, quando o motivo invocado possa, em juízo de razoabilidade, ser considerado fortemente consistente («sério» e «grave») para impor a prevenção.»
3. Nessa linha, o art. 43º do Código de Processo Penal exige, como requisito de ordem substantiva do pedido de escusa do juiz para intervir em determinado processo, que essa intervenção corra o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave adequado a gerar dúvidas sobre a sua imparcialidade, ou quando tenha tido intervenção anterior no processo fora dos casos do artigo 40º do mesmo diploma (cf. nºs 1, 2 e 4).
Como resulta do supra exposto, o pedido de escusa da Mmª. Juíza é solicitado com a invocação de motivos que têm a ver inteiramente com a referida dimensão objetiva, estando, pois, em causa as aparências, que podem afetar, não rigorosamente a boa justiça, mas sim a compreensão externa sobre a garantia da boa justiça, que terá não só o ser, mas também de o parecer.
Do que se trata é averiguar se a projeção externa da imparcialidade do juiz é suscetível de suscitar reparos no público em geral e, particularmente, nos destinatários da decisão que o mesmo venha a proferir na causa.
Para tanto é necessário, como vimos, que os motivos invocados sejam sérios, graves e adequados a gerar a desconfiança na imparcialidade do juiz.
Significa isto que não basta um qualquer motivo que impressione subjetivamente o cidadão em geral ou algum destinatário da decisão, relativamente ao risco da existência de algum prejuízo ou preconceito contra este.
O que se exige é que o motivo invocado seja tal modo relevante que, objetivamente, não só pelo destinatário da decisão, mas também pelo homem médio, com conhecimento, desinteressado da situação, possa ser entendido como suscetível de afetar, na aparência, a garantia da boa justiça, por poder gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
Para a procedência do pedido de escusa não são suficientes quaisquer razões, mesmo que desconfortáveis ou penosas para o juiz, antes se exigindo que sejam fortes a ponto de abalar a credibilidade, isto é, que sejam motivos sérios e graves, adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade.
A gravidade e a seriedade dos motivos hão de resultar de uma determinada situação concreta, reveladora dos elementos processuais (intervenções anteriores) ou pessoais (relação de proximidade, amizade ou confiança com interessados na decisão) que sejam de molde a suscitar dúvidas ou apreensões a um homem médio inserido na comunidade onde o juiz exerce a sua função quanto à existência de qualquer prejuízo ou preconceito deste sobre a matéria da causa ou sobre a posição de algum destinatário da decisão.
No caso em apreço, alega a Mmª. Juíza requerente a existência de um relacionamento profissional entre si e a arguida, pelo facto de esta exercer as funções de escrivã adjunta no Juízo Criminal onde desempenha as funções de magistrada judicial, com ela privando e colaborando diariamente.
Ainda que, conforme é referido no acórdão da Relação do Porto de 18-01-2012 [6] invocado pela requerente, se entenda que um relacionamento profissional deste tipo se possa situar no limiar ou fronteira entre aquilo que deve considerar-se situação “séria e grave”, de modo a “gerar desconfiança”, e aquilo que deve ser aceite como normalidade decorrente do exercício da função de julgar, que não se pode inibir perante uma simples situação relacional, pois a Justiça é um dos pilares de um Estado de Direito e a imparcialidade dos juízes não pode ser colocada em causa por motivos menores, sob pena de se poderem inviabilizar julgamentos sob falsos pretextos, o certo é que no caso vertente, no âmbito do referido relacionamento profissional desenvolveu-se, ao longo de cerca de três anos, também uma relação de amizade entre a Exma. Juíza requerente e a arguida.
Na vertente objetiva, toda a situação relacional, nos termos em que é descrita, é suscetível de revelar a existência de uma proximidade pessoal ou de estrita confiança com a arguida, que possa fundar uma dúvida séria sobre a equidistância da requerente, a ponto de suscitar sérias reservas sobre a sua imparcialidade.
Estes factos, para mais numa cidade de média dimensão como é o caso de Vila Nova de Famalicão, onde não passam despercebidas as funções da requerente e da arguida, traduzem uma situação relacional que, numa compreensão razoável dos limites das aparências, poderá fazer suscitar no público conhecedor da mesma e especialmente nos destinatários da decisão a proferir nos autos, mormente nos assistentes, dúvidas e apreensões quanto à imparcialidade do juiz.
Neste contexto, as aparências resultantes de tal situação são de considerar, sem riscos excessivos de uma compreensão maximalista da imparcialidade, devendo o motivo invocado ser tido como suficientemente sério e grave para justificar a prevenção da existência de tais dúvidas e apreensões sobre a posição de equidistância do julgador na boa administração da justiça.
Necessidade de prevenção essa sentida pela requerente, ao formular o pedido de escusa nos termos em que o fez, revelando estar ciente das atuais e acrescidas exigências colocadas ao julgador e da necessidade de reforçar a sua legitimidade, prevenindo-se, dentro de um limite aceitável, a existência de dúvidas ou receios sobre a sua imparcialidade.
Por mais esforços da Mmª. Juíza para julgar a causa com imparcialidade, e seguramente que o faria, porém, a descrita situação relacional permitiria levantar, no cidadão comum conhecedor das circunstâncias do caso e particularmente nos assistente, sérias suspeitas sobre a objetividade e imparcialidade da decisão.
Assim, este fundamento apresenta-se com virtualidade bastante para se entender que está verificado fundamento legítimo para a escusa requerida nos termos do art. 43º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo Penal, pelo que é a mesma de conceder.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em deferir o pedido de escusa formulado pela Exma. Senhora Juíza de Direito L. C., a exercer funções no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão - J1, relativamente à sua intervenção no processo comum, com intervenção de juiz singular, com o NUIPC 690/17.5PAVNF, processo este que deverá ser remetido ao juiz que, de harmonia com as leis da organização judiciária, deva substituir a requerente (art. 46º do Código de Processo Penal).
Sem tributação em custas.
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 19 de novembro de 2018
(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
[1] - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de manifestos lapsos de escrita, a formatação e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do relator. [2] - “Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais”, Roma, 4.11.1950, com entrada em vigor na ordem jurídica portuguesa a 09 de Novembro de 1978 - (Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 236/78). [3] - Nomeadamente no acórdão Lavents v. Letónia, de 28-11-2002. [4] - Nomeadamente nos acórdãos n.º 124/90, de 19-04-1990 (processo n.º 58/89), n.º 935/96, de 10-07-1996 (processo n.º 674/92) e n.º 186/98, de 18-02-1998 (processo n.º 528/97), todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt. [5] - Cf., nomeadamente, o acórdão de 13-04-2005 (processo n.º 05P1138), disponível em http://www.dgsi.pt. [6] - Proferido no processo n.º 30/11.7GAVPA.P1, disponível em http://www.dgsi.pt., em idêntico sentido se tendo pronunciado a mesma Relação, no acórdão de 21-04-2010 (processo n.º 324/08.9GAVLP-A.P1), disponível no mesmo sítio.