ACÇÃO POPULAR
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário


I – Numa ação de reivindicação em que não está alegada a ocupação por alguns dos réus da parcela em litígio não podem tais réus ser demandados relativamente ao pedido de entrega da dita parcela;

II – A ação popular tem eficácia subjetiva geral, a qual encontra a sua razão de ser na circunstância de, naquele tipo de ação, estar em causa a “tutela de posições jurídicas supra-individuais ou pluri-subjectivas e em que a situação trazida a juízo tem um alcance claramente objectivo e comunitário”, sendo tal eficácia um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo ator popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais;

III – A decisão que pôs termo a ação popular intentada por particulares declarando que os ali réus não são proprietários de determinada parcela, tem autoridade de caso julgado relativamente aos pedidos que integram ação de reivindicação da dita parcela que aqueles (ou quem ocupa a sua posição substantiva) intentaram contra entidade pública e outros particulares, que não tiveram intervenção direta na precedente ação popular;

IV – A referida decisão não tem autoridade de caso julgado relativamente a pedido de indemnização por aqueles réus formulado contra os vendedores de imóvel por alegada venda de bem parcialmente alheio na parte correspondente à dita parcela.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Os autores J. T. e mulher M. F., por si e na qualidade de únicos e legais representantes de seu filho menor J. F., e B. R., intentaram contra os réus P. L. e mulher O. M. e UNIÃO DE FREGUESIAS DE (...), ação declarativa com processo comum.

Apresentaram o seguinte petitório:

“Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser julgada procedente e julgada, sendo os réus condenados a reconhecerem que:

a) os autores são donos e possuidores do prédio acima descrito, actualmente de natureza urbana, que aos primeiros autores foi vendido pelos primeiros réus sob compromisso expresso por estes e aceite pelos compradores de que lhes era transmitida uma área real de terreno rústico de 1550 m2, a confrontar de Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José;
b) o referido prédio dos autores não confina, salvo nas suas confrontações Sul e Poente, com qualquer caminho público, antes integra a área que os réus propalam constituir o citado caminho;
c) a freguesia de (...), a que sucedeu a União de Freguesias de (...), jamais adquiriu, por cedência dos primeiros réus ou destes e terceiros, nem por qualquer outra forma, qualquer parcela de terreno que corresponda ao caminho que alegam existir e que alegam ter natureza pública;
d) a parcela de terreno correspondente a esse pelos réus alegado “caminho público” sempre esteve integrada e foi parte componente do prédio adquirido pelos autores, pelo que lhes pertence, pois foi por estes adquirida do modo descrito nos autos;
e) entregarem definitivamente aos autores essa parcela de terreno, completamente livre e devoluta de pessoas e bens;
f) pagarem aos autores e a cada um deles, em ressarcimento dos danos não patrimoniais por si sofridos, a importância que modestamente se computa em 5.000,00€;
g) jamais perturbarem a posse ou o direito dos autores sobre a indicada parcela de terreno ou questionarem a sua propriedade sobre a parcela em causa.
Ou, subsidiariamente, e no que respeita ao pedido de reconhecimento da propriedade da parcela em questão, no caso de este improceder, somente os primeiros réus serem condenados a:
h) pagarem aos autores uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor real do prédio vendido e aquele que lhe for atribuído, após a amputação da área dita ter sido cedida ao domínio público;
i) pagarem as custas do processo e condigna procuradoria.”

Alegaram, para efeito dos pedidos principais formulados – alíneas a) a g) –, a aquisição, por usucapião, do prédio em que, segundo os mesmos, se integra a parcela em questão e a ocupação pela União de Freguesias da dita parcela, que aquela, com a cumplicidade dos primeiros Réus, refere estar integrada no domínio público, o que lhes causa prejuízos.
Já para efeito do pedido subsidiário – formulado na alínea h) –, na hipótese de improcedência do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre a aludida parcela, invocaram que o Réu P. L. informou o primeiro Autor que o prédio tinha 1550 m2 e que tinha as confrontações que constam da escritura pública, informações estas que, para o referido Autor, foram essenciais para a decisão de contratar, tendo na escritura os primeiros Réus declarado vender (ao primeiro Autor, J. T., como decorre da escritura junta) um prédio com a dita área de 1500 m2 – recebendo o preço correspondente a essa área – só tendo vendido, de facto, 1389 m2.

Os Réus contestaram.

A 2ª Ré, União de Freguesias, contestou invocando a existência de caso julgado e/ou de autoridade de caso julgado, enquanto exceção dilatória inominada.
Os primeiros Réus suscitaram igualmente a exceção de caso julgado e a caducidade relativamente ao pedido subsidiário, atento o disposto no art. 287º do Cód. Civil.
Notificados para aperfeiçoarem por requerimento a descrição do trato de terreno em questão, os Autores vieram fazê-lo nos termos constantes de fls. 189 e 190.
Face ao dito aperfeiçoamento, os Réus reiteraram as respetivas posições anteriores, impugnando o alegado.
Notificados para responderem às exceções suscitadas, os Autores vieram dizer, a fls. 196 e ss., que entre as duas ações em causa há falta de identidade de sujeitos, não tendo, nomeadamente, a Freguesia sido admitida a intervir no anterior processo – nem tendo, depois de citada nos termos do art. 15º da Lei da Ação Popular, formulado qualquer declaração de adesão – e, assim, não tendo sido parte na ação, os pedidos e as respetivas causa de pedir são diversos, ao que acresce, no que toca aos pedidos formulados contra os Réus P. L. e O. M., que, diferentemente do que sucedia na primeira, se questiona na presente ação o objeto do negócio celebrado entre os referidos Réus e os primeiros Autores.

Quanto à invocada caducidade, defendem só ter tido conhecimento do comportamento dos referidos Réus em 17.07.2017, quando lhes foi entregue uma certidão da 2ª Repartição das Finanças de Guimarães, sendo que, de qualquer modo, não se aplica ao caso o normativo referido por aqueles Réus.

Na sequência de tais articulados, foi designada diligência para tentativa de conciliação e inspeção ao local, no âmbito da qual foi exarado despacho onde se mostra consignado ter ficado esclarecido que a parcela de terreno, reclamada pelos Autores, descrita na p.i. e no subsequente requerimento de aperfeiçoamento, “está englobada no caminho que esteve em discussão na Ação nº 206/12.0TBGMR, concretamente, tal parcela de terreno faz parte do caminho descrito nas alíneas j) e s) dos factos dados como provados na sentença proferida naquele processo”. (cfr. fls. 220)

Foi, de seguida, proferido saneador-sentença que:

- julgou os Réus P. L. e O. M. partes ilegítimas no que concerne ao pedido formulado na alínea e) e, em consequência, os absolveu da instância quanto ao referido pedido;
- julgou improcedentes os pedidos formulados sob as alíneas a) a i) do petitório da petição inicial e absolveu os Réus dos mesmos.

Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões:

O despacho saneador sob recurso absolveu os réus do pedido julgando verificada a exceção dilatória do caso julgado por erradamente sustentar que a decisão produzida num anterior processo (Proc. n.º 206/12.OTBGMR do então 4º juízo cível do mesmo Tribunal), faz caso julgado na presente ação (Proc. n.º 5629/17.5T8GMR – Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz 1), se não por verificação da tríplice identidade a que se refere o art. 581º do Código de Processo Civil, por se dever verificar a autoridade do caso julgado dessa anterior decisão, em relação ao presente processo, impeditivo aqui de reapreciação dos pedidos agora formulados.
A decisão é formal e substancialmente inadmissível, desde logo porque, tendo a anterior ação sido tramitada como uma ação popular, na legislação a que esse tipo de ações está submetida, existe uma norma própria e expressa quanto às regras de funcionamento do caso julgado – o art. 19º da Lei n.º 83/95, de 31/08 – o que exclui a possibilidade de aplicação das regras do Código de Processo Civil, uma vez que a lei especial derroga a lei geral.
Com efeito, o referido art. 19º estabelece expressamente que os efeitos das sentenças transitadas em julgado nesse tipo de ações, só abrangem os titulares dos direitos e interesses que não tiverem exercido o direito de autoexclusão da representação na ação popular, nos termos do art. 16º, em relação aos processos que tenham por objeto “interesses individuais homogéneos”, ou seja, aqueles interesses que respeitam aos casos em que os indivíduos de uma determinada categoria são titulares de direitos diversos, mas dependentes de uma mesma questão de facto e de direito que exigem um provimento judicial de caráter idêntico, como é o caso do direito à reparação de danos dos consumidores do serviço telefónico público, da prevenção, perseguição judicial de infrações contra a saúde pública, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e o património cultural, isto é, quando se puder falar de “lesões de massas” (cfr. Acórdão do STJ de 23/09/1997, BMJ 469, 432, Doutor José Eduardo Figueiredo Dias, Cedova, 4764 de 02/01/1999).
Não sendo, por isso, o referido regime do caso julgado aplicável ao caso que se discute na ação – cujo objeto é a defesa da propriedade privada, e as consequências do incumprimento, ou do cumprimento defeituoso de um contrato de compra e venda – também, no caso concreto, nunca poderia formar-se caso julgado, uma vez que na ação foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada da Freguesia Ré, o que significa que a mesma não foi parte na ação, e não sendo parte não pode beneficiar nem ser prejudicada pelo que nela se decidiu, e ainda porque foram cobrados preparos às partes, em violação do disposto no art. 20º da Lei, e a decisão final não foi publicada, em violação do art. 19º, n.º 2, não podendo, por isso, provocar quaisquer efeitos fora do universo dos sujeitos que aí litigaram.
A sentença produzida na anterior ação, porém, não inclui nem os seus fundamentos nem na sua parte decisória qualquer segmento que refira que o caminho discutido no processo é público e, considerando as regras próprias das ações populares – nas quais o autor popular tem de ter legitimidade própria (ser titular de interesses seus, individuais), e uma legitimidade supletiva (representar os interesses de uma coletividade cujos órgãos decisores não agiram oportunamente na sua defesa) – nunca se pode sustentar que a decisão dessa ação é oponível ou beneficia a Ré União de Freguesias de (...), porque nem sequer estão em causa interesses próprios desta Ré que ela não tenha oportunamente defendido.
- Para assim decidir, o despacho saneador, sem apreciar sequer o possível enquadramento do problema à luz do disposto no art. 581º do Código de Processo Civil (isto é, sem discutir se no caso se repete uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir), descreve o alegado na petição inicial da presente ação, transcreve o pedido, sem qualquer alusão à causa de pedir, considera assentes os factos que foram julgados provados na anterior ação, reproduzindo-os ipsis verbis, transcreve a decisão dessa mesma anterior ação, extrai factos da petição inicial, de forma absolutamente acrítica, e, com base nesse acervo, julga os Réus P. L. e mulher O. M., partes ilegítimas no que respeita aos pedidos formulados na alínea e), absolvendo-os da instância e julga improcedentes os demais pedidos formulados sobre as alíneas a) a i) da petição inicial, absolvendo todos os Réus dos mesmos.
É absolutamente inadmissível o aproveitamento pela sentença recorrida, supondo que os mesmos fazem caso julgado na presente ação, do conjunto de factos que foram dados como provados na precedente ação, e que nesta nunca podiam ser considerados desde já provados, por força do caso julgado, porquanto, como doutrinou o acórdão do STJ de 02-03-2010 (Proc. n.º 690/09.9YFLSB.dgsi.net) “os fundamentos de facto nunca por nunca formam por si só caso julgado de modo a poderem impor-se extraprocessualmente”, e quando se fala nos factos que fundamentam a ação, apenas falamos, quando muito, de factos integradores da causa de pedir.
Entre as duas ações não há, porém, nem identidade de sujeitos, nem identidade de causas de pedir, nem identidade de pedidos:
a) Os sujeitos da anterior ação são, M. L. e mulher M. M., como Autores, e os agora Autores, então Réus, J. T. e mulher M. F. e B. R., enquanto na presente ação são sujeitos como Autores J. T. e mulher M. F., B. R., e J. F., e como Réus P. L. e mulher O. M. e a União de Freguesias de (...), pelo que entre ambas há identidade parcial dos Autores (apenas dois são Réus da anterior ação), mas não há qualquer identidade entre os Réus de uma e outra das ações, uma vez que eles são completamente alheios à ação precedente;
b) Na presente ação os Autores formulam o pedido de condenação dos Réus P. L. e mulher O. M. e da União de Freguesias de (...) a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre o prédio que reivindicam, e que lhes foi transmitido, enquanto rústico, e com uma área determinada por esses primeiros Réus, a condenação destes a reconhecerem que o prédio dos Autores não confina numa das suas confrontações com qualquer caminho público, mas sim com José; a reconhecerem que a Freguesia de (...) jamais adquiriu por cedência dos primeiros Réus ou por qualquer outra forma o caminho que se diz agora ser público; que a parcela de terreno ocupada por esse dito caminho sempre esteve integrada no prédio dos Autores, pelo que lhes deve ser entregue livre de pessoas e coisas, e de condenação a pagarem uma indemnização de perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, jamais perdurando no futuro a posse dos Autores; e, subsidiariamente, a não ser reconhecida a propriedade dos Autores sobre a parcela de terreno, a condenação dos primeiros Réus a pagarem-lhes uma indemnização correspondente à diferença de valor entre a área que foi vendida e a efetivamente entregue;
c) Na presente ação, os Autores invocaram como causa de pedir a aquisição do prédio enquanto rústico, por aquisição derivada translativa e por usucapião, a ocupação que fizeram do mesmo, o contrato de compra e venda celebrado, com as áreas efetivas confessadas documentalmente pelos primeiros Réus.
d) Na anterior ação, de apreciação negativa, como vimos, os sujeitos eram outros, quer porque os Autores eram outros, quer porque os Réus eram apenas alguns dos aqui Autores, o pedido era de declaração de que os Réus não são proprietários da faixa de terreno que reivindicam, porque esta nunca pertenceu ao terreno que compraram, e a causa de pedir, o facto de alegadamente os Réus se terem apropriado da parcela de terreno em questão destinada ao uso da população de (...) e demarcada lateralmente.
Assim, a decisão recorrida quanto à ocorrência de caso julgado entre as duas ações é inaceitável e não pode manter-se pois entre as duas referidas ações não há identidade de sujeitos, como não há identidade de causa de pedir, nem de pedidos, mas também não pode sequer falar-se do efeito impositivo ou reflexo do caso julgado, pois este efeito só poderia ter-se por verificado, se, ocorrendo a tríplice identidade, de sujeitos de causa de pedir e de pedido, a que alude o art. 581º do Código de Processo Civil, ainda pudesse sustentar-se qualquer efeito reflexo, e não pode, porque a autoridade do caso julgado só poderia configurar-se se se desse o caso de os factos alegados e discutidos na nova ação já terem sido apreciados na precedente, ou se os Autores, aquando da participação na anterior ação pudessem, devessem tivessem obrigação de os conhecer, e não os tivessem alegado (cfr. os Acórdãos da Relação do Porto, de 19/10/1993 e de 02/04/1998, disponíveis em www.dgsi.pt).
10º A “exceção do caso julgado” visa impedir que, sob pena de contradizer uma decisão já transitada, a segunda ação possa ter uma outra decisão de mérito, assim devendo nesta, verificada a exceção, absolver-se o Réu da instância, - o que no caso não pode suceder pois a nova decisão, seja qual for, não pode contradizer a precedente.
11º O caso julgado “preclude todos os meios da defesa do réu” (Manuel de Andrade, apud J. A. dos Reis, op. cit. vol. V, pág. 174) abarca “todo o objecto da causa” (Ac. STJ de 24/11/77 in BMJ 271, 172), o que significa que, “são abrangidos pela força do caso julgado apenas os factos que estão “coenvolvidos na pretensão da mesma e cuja verificação é necessária, mas não suficiente para a procedência da mesma”, solução imposta pela “economia processual o prestígio das instruções judiciárias e a estabilidade e certeza das relações jurídicas” (Acórdão. STJ de 10/7/97 in Col. Jurisp. STJ V, 2, 165) - e não aqueles factos ou consequências que estão fora da pretérita pretensão do A. e são até consequência da pretérita decisão, como no caso sucede.
12º Acresce que “do princípio da preclusão dos meios que sustentam a ação ou a defesa, conjugado com o princípio da preclusão da sentença e da extensão e da força do caso julgado resulta que o que é inadmissível é propor uma ação repondo os mesmos factos e argumentos (...) sem invocar novos factos nem novos fundamentos que pudessem ter sido deduzidos na precedente (cfr. Acórdão do Tribunal Rel. Porto de 2/4/98, in www.dgsi.pt), o que no caso não ocorre.
13º Nunca seria, aliás, possível considerar coberta pela eficácia do caso julgado uma situação em que os sujeitos não fossem precisamente os mesmos, pois, aquilo a que se chama a autoridade do caso julgado tem como causa a aplicação do princípio da preclusão, ou seja, a circunstância de um determinado sujeito processual não ter usado numa ação precedente todos os argumentos e meios de defesa que devia ter utilizado: “estando o Réu obrigado a deduzir toda a sua defesa, designadamente por exceção na contestação, de tal princípio da preclusão, conjugado com o princípio da preclusão da sentença, e da extensão e força do caso julgado resulta que aquele mesmo Réu não pode propor uma acção repondo os mesmos factos e argumentos deduzidos na defesa por exceção da primeira ação, nem invocar novos factos nem novos fundamentos que pudesse, devesse, tivesse a obrigação de deduzir aquando da apresentação da exceção da primeira ação” (cfr. o Acórdão da Relação do Porto, de 02/04/1998, disponível em www.dgsi.pt).
14º Por último, mesmo cotejando as duas ações e o decidido na precedente, não há qualquer possibilidade de ocorrer uma contradição de julgados, uma vez que, ao contrário do que falsamente os Réus vêm referindo, a sentença do anterior processo não condenou os aqui Autores a reconhecerem a existência de qualquer caminho público, nem isso constava da causa de pedir da ação precedente: o que na ação precedente os aqui Réus foram condenados foi a ver declarado que a parcela de terreno em causa não faz parte do seu prédio porque não têm a sua posse única e exclusiva, com consciência de verdadeiros proprietários, e nunca por nunca foram condenados a reconhecer que o caminho em causa é público.
15º Do mesmo passo, os primeiros Réus são partes legítimas para a ação, ao contrário do que foi decidido, pois, têm de responder em sede de responsabilidade civil contratual, pelas condições que garantiram aos Autores aquando da venda do prédio, e, na medida em que os Autores sustentam que o caminho não pertence ao domínio público, são também responsáveis últimos pela atual e indevida utilização da parcela de terreno reivindicada, pelo que devem ser condenados a entrega-la aos Autores.
16º O despacho saneador recorrido violou, deste modo os comandos dos arts. 289º, n.os. 1 e 2 do Código Civil e dos arts. 619º, 621º, 580º e 581º do Código de Processo Civil e não pode manter-se, devendo ser revogado.

Terminam pedindo que seja dado provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida para se julgar inverificada a exceção dilatória do “caso julgado”, quer na sua vertente do que a sentença chama a sua função negativa (exceção dilatória), quer no que a sentença chama a sua função positiva (autoridade do caso julgado) e, bem assim, para se julgar que os primeiros Réus são partes legítimas para a ação, e, por isso, ordenar-se se sigam os ulteriores termos do processo.

Os Réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir são as seguintes:

- Saber se não estando alegada a ocupação por alguns dos réus da parcela em litígio podem tais réus ser demandados relativamente ao pedido de entrega aos autores da dita parcela;
- Saber se a ação popular tem ou não eficácia subjetiva geral;
- Saber da autoridade do caso julgado de decisão que pôs termo a ação popular intentada por particulares declarando que os ali réus não são proprietários de determinada parcela, relativamente aos pedidos que integram ação de reivindicação da dita parcela que aqueles (ou quem ocupa a sua posição substantiva) intentaram contra entidade pública e outros particulares, que não tiveram intervenção direta na precedente ação popular;
- Saber da autoridade do caso julgado de decisão que pôs termo a ação popular declarando que os ali réus não são proprietários de determinada parcela relativamente a pedido de indemnização, por aqueles, formulado contra os vendedores de imóvel por alegada venda de bem parcialmente alheio na parte respeitante a tal parcela.
*
III. FUNDAMENTOS

Os Factos

Na primeira instância foi considerada assente a seguinte factualidade:

1.
Correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães o processo n.º 206/12.0TBGMR.
2.
Essa acção foi intentada por M. L. e mulher M. M. contra B. R., solteiro, maior, e J. T. e mulher M. F..
3.
Nesses autos os autores pediram:
“1. Seja declarado que os Réus não são proprietários da parcela de terreno com 5 metros de largura e 80 metros de comprimento, não tendo estes título legal e legítimo que lhes permita vedar ou praticar qualquer acto de posse na referida parcela;
2. Seja declarado que a referida parcela nunca fez parte do terreno pertencente aos Réus;
3. Seja declarado que a parcela de terreno nunca foi utilizada única e exclusivamente pelos Réus contínua e ininterruptamente, com a consciência e ânimo de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas as pessoas e sem oposição de ninguém e com a consciência de não lesar direitos de terceiros.”
4.
Nesse mesmo processo foi proferido despacho a 24.07.2012 com o seguinte teor:

“Na situação dos autos, apesar da especialidade do pedido formulado, a acção instaurada tem as características vindas de enunciar: os Autores pretendem o reconhecimento de que os Réus não são titulares de direitos de natureza jurídico-real, e por conseguinte, excludentes de terceiros, relativamente ao caminho, com o fundamento de que este é público, dado que aquele sempre foi utilizado pelos moradores da freguesia.
Ou seja, não obstante existir coincidência parcial entre os interesses dos próprios e os demais moradores da freguesia, a razão última que fundamenta a acção é a pertença do caminho ao domínio público.
Nesta esteira, entende-se que os Autores pretendem que a decisão a tomar extravase o círculo das relações entre aqueles e os Réus, tendo eficácia pluriindividual. O artigo 14º, da LAP, estabelece que nos processos de acção popular, o autor representa por iniciativa própria, com dispensa de mandato ou autorização expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão previsto no artigo seguinte, com as consequências constantes da presente lei.
Daqui resulta que inexiste qualquer situação de litisconsórcio activo entre o cidadão isolado e os demais ou com qualquer ente público, o que entronca na questão do incidente de intervenção suscitado.
Não existe, no caso dos autos, qualquer ilegitimidade do lado activo que careça de ser suprida através do mecanismo de intervenção de terceiros, devendo antes ser dado cumprimento aos comandos prescritos no artigo 15º/1/2/3, da LAP, sendo, na sequência da realização da citação, que os interessados, querendo, deverão formular a sua declaração de adesão à acção, para efeitos de intervenção principal.

Nestes termos, indefiro o incidente de intervenção principal formulado pelos Autores, condenando-os nas custas do respectivo incidente, cuja taxa de justiça se reduz ao mínimo legal (cfr. artigo 453º/1, do CPCiv).
Notifique.
*
Dê conhecimento da presente acção ao D.M. do Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13º, da LAP.

Nada sendo requerido no prazo de 10 dias, com vista ao cumprimento do disposto no artigo 15º/1/2/3, da LAP, determino que se publicite e cite os interessados para a presente acção mediante afixação de editais na porta de freguesia de (...), na porta do Tribunal e mediante anúncio em jornal concelhio, a ser publicado num número de fim de semana.
Os titulares a citar deverão ser identificados como sendo os cidadãos da freguesia de (...).”
5.
Foram então citados por editais os titulares dos interesses mas ninguém se juntou à lide.
6.
Foi proferida sentença com conclusão datada de 23.04.2014, com os seguintes factos provados e não provados:

“Com relevância para a decisão de mérito sobre a causa, resultaram provados os seguintes factos:

- Oriundos da matéria assente:

A. Por escritura pública celebrada a 07.09.2007,M. B., intervindo na qualidade de procurador de L. B., e M. B., declararam vender a M. L. e M. M. o prédio urbano composto por terreno para construção, com área de 2.595 m2, sito no lugar …, freguesia de (...), concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº (...), (...) – cfr. al. A. da matéria assente.
B. A aquisição do prédio descrito sob o nº (...), encontra-se inscrita a favor de M. L., casado com M. M., pela Ap. 19 de 2007/08/16 – cfr. al. B. da matéria assente.
C. A aquisição do prédio descrito sob o nº (...) encontra-se inscrita a favor de B. T. pela Ap. 23 de 2007/07/30 – cfr. al. C. da matéria assente.
D. O 1º e os 2ºs Réus residem no prédio identificado em C. – cfr. al. D. da matéria assente.
E. Os 2ºs Réus foram os responsáveis pelo projecto de construção da casa que existe no prédio identificado em C. e pela execução das obras respectivas – cfr. al. E. da matéria assente.

- Oriundos da base instrutória:
F. Por si e antepossuidores, os Autores sempre estiveram na posse do prédio identificado em A. e B., ocupando-o, transformando-o, colhendo todos os seus frutos e utilidades e suportando os respectivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal – cfr. resposta ao artigo 1º da base instrutória.
G. Praticando todos estes actos ao longo de 10, 15, 20, 40 e 50 anos, contínua e ininterruptamente, com a consciência e ânimo de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas as pessoas e sem oposição de ninguém e com a consciência de não lesar direitos de terceiros – cfr. resposta ao artigo 2º da base instrutória.
H. O prédio identificado em A. e B. confronta do lado poente, em toda a sua extensão, com um caminho – cfr. resposta ao artigo 3º da base instrutória.
I. Tal caminho separa o prédio identificado em A. e B. do prédio identificado em C. – cfr. resposta ao artigo 4º da base instrutória.
J. O referido caminho tem 4,90 metros de largura e 72,20 de comprimento, sendo que faz a ligação da estrada municipal, situada a sul do prédio identificado em A) e B) – cfr. resposta parcial ao artigo 5º da base instrutória.
K. O prédio identificado em C., a nascente encontrava-se delimitado com estacas e lauros, que confrontam com o caminho indicado em H. e I. – cfr. resposta ao artigo 6º da base instrutória.
L. Desde há mais de 5, 15, 20, 30, 50 anos, ininterruptamente, nunca a referida parcela de terreno fez parte do prédio identificado em C. – cfr. resposta ao artigo 7º da base instrutória.
M. Os Réus nunca estiveram na posse da mesma faixa de terreno, ocupando-a, transformando-a, colhendo todos os seus frutos e utilidades e suportando os respectivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal – cfr. resposta ao artigo 8º da base instrutória. N. Nem nunca praticaram actos dessa natureza ao longo de 10, 15, 20, 40 e 50 anos, contínua e ininterruptamente, com a consciência e ânimo de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas as pessoas e sem oposição de ninguém e com a consciência de não lesar direitos de terceiros – cfr. resposta ao artigo 9º da base instrutória.
O. A parcela de terreno em questão sempre foi utilizada por todas as pessoas, nomeadamente moradores da freguesia, por qualquer pessoa que quisesse aceder da estrada municipal para os prédios localizados a norte, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém – cfr. resposta ao artigo 10º da base instrutória.
P. Os Réus, em meados de Agosto de 2008, sem possuir autorização ou qualquer título para tanto e contra a vontade dos Autores restantes moradores da freguesia, ocuparam o caminho situado a nascente do prédio identificado em C., em toda a extensão/comprimento do mesmo prédio – cfr. resposta ao artigo 11º da base instrutória.
Q. Para tanto, na extrema sul do caminho, situada junto à estrada municipal, colocaram uma rede, a toda a largura do caminho – cfr. resposta ao artigo 12º da base instrutória.
R. E, na extrema norte do prédio dos Réus, colocaram outra rede a toda a largura do caminho, vedando assim o caminho em apreço – cfr. resposta ao artigo 13º da base instrutória.
S. Com tal actuação, os Réus têm impedido a circulação de pessoas e coisas e o acesso através do caminho, numa extensão de 43,80 metros – cfr. resposta (explicativa) ao artigo 14º da base instrutória.
T. Os Réus retiraram as estacas que delimitavam o seu prédio a nascente e faziam a separação do caminho – cfr. resposta ao artigo 15º, da base instrutória.
U. A vedação referida foi retirada em meados de Novembro de 2010 – cfr. resposta ao artigo 17º da base instrutória.
V. Cerca de 3 semanas depois, os Réus voltaram a vedar a parcela de terreno em questão, da mesma forma – cfr. resposta ao artigo 18º da base instrutória.
W. Vedação essa que permanece, impedindo o acesso e a circulação de pessoas e coisas pela aludida parcela de terreno – cfr. resposta ao artigo 19º da base instrutória.
X. O local onde se encontram implantadas, entre outras, as casas dos Autores e do 1º Réu, era, em tempos, constituído por uma única e só propriedade ou quinta, que foi alvo de loteamento por parte dos seus anteriores proprietários – cfr. resposta ao artigo 20º da base instrutória.

2. Factos não provados:

Com relevância para a decisão de mérito sobre a causa, não resultaram provados os seguintes factos:

A. O caminho referido em J. tem largura ou comprimento superior ao ali mencionado – cfr. resposta (parcial) ao artigo 5º, da base instrutória.
B. Tudo isto fazendo ameaçando que, se alguém se aproximasse ou retirasse a vedação, ia haver sangue – cfr. resposta ao artigo 15º da base instrutória.
C. Ainda se mantêm no mesmo mesmo local os lauros – cfr. resposta (parte) ao artigo 16º, da base instrutória.
D. Desde 26.01.1999, data em que adquiriram o lote de terreno, delimitaram a propriedade, tendo colocado portões de vedação e edificado a moradia – cfr. resposta ao artigo 20º da base instrutória.
E. Todos bem sabem que o terreno em causa é pertença de particulares, nomeadamente, do 1º Réu – cfr. artigo 21º da base instrutória.”
7.
Nessa sentença decidiu-se do seguinte modo:

“Em face de todo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência:

1. Declaro que os Réus não são proprietários da parcela de terreno aludida em J.. da fundamentação de facto, não tendo estes título que lhes permita vedar ou praticar qualquer acto de posse exclusiva;
2. Declaro que essa parcela de terreno não faz parte do prédio pertencente aos Réus;
3. Declaro que essa parcela de terrena não foi utilizada única e exclusivamente pelos Réus, contínua e ininterruptamente, com a consciência de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas as pessoas e sem oposição de ninguém e com a consciência de não lesar direitos de outrem.”
8.
Foi apresentado recurso de apelação e proferido o Acórdão transitado em julgado datado de 28.05.2015 que “confirmou integralmente a decisão recorrida”.

Factos extraídos da petição inicial:

9.
Encontra-se registada a favor dos autores na competente Conservatória de Registo Predial o direito de propriedade sobre o prédio urbano situado na Rua (...), da União de Freguesias de (...), deste concelho de Guimarães, composto por casa de rés-do-chão e logradouro, à qual corresponde, documentalmente, a área coberta total de 1438 m2, a área coberta de 359,55 m2, destinado a habitação, a confrontar no seu conjunto de Norte com A. C., do Sul e Poente com a estrada municipal e do Nascente com sucessor de José, inscrito na matriz urbana da referida União de Freguesias sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis actualmente sob o número (...) (cfr. certidão predial junta a fls. 30 verso e seguintes dos autos).
10.
Através de documento escrito intitulado “contrato promessa de compra e Venda” outorgado em 09/01/1998, os primeiros réus P. L. e mulher O. M., então residentes no lugar …, na freguesia de …, deste concelho prometeram vender ao primeiro autor J. T., e este prometeu comprar, pelo preço de 3.500.000$00, um prédio rústico, situado no Lugar … da freguesia de (...), que corresponde ao solo do prédio urbano supra referido, uma vez que os autores, após a aquisição formal do prédio, no uso do seu direito de transformação, construíram nele o prédio urbano referido e actualmente nele existente.
11.
O prédio rústico em causa denominava-se, aquando da celebração desse contrato promessa, Leira da …, e estava descrito na Conservatória de Registo Predial deste concelho sob o n.º … - (...), daí constando que confrontava a Norte com A. C., a Sul e Poente com a estrada municipal e a Nascente com José, tinha o valor venal de 950.000$00, estava omisso à matriz respectiva e fora desanexado do prédio n.º … (cfr. certidão predial junta a fls. 20 verso e seguintes).
12.
Após a outorga do referido contrato promessa, e em cumprimento das obrigações nele assumidas, os primeiros réus P. L. e mulher O. M., através de escritura pública celebrada em 26/01/1999, declararam vender, pelo preço de 950.000$00 esse mesmo prédio rústico ao primeiro autor, tendo então e aí identificado esse prédio do modo seguinte, conforme declararam:
Prédio rústico denominado Leira da ..., com a área de 1550 m2, a confrontar do Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José, situado no Lugar ... ou ..., freguesia de (...), do concelho de Guimarães, omisso na matriz, mas declarando os vendedores que em 19/01/1999 tinham feito participação para a sua inscrição na 2ª Repartição de Finanças de Guimarães.
13.
No dia 01/06/2007, no Cartório Notarial, mediante escritura pública outorgada perante a respectiva ajudante principal e primeira substituta do Cartório, em exercício, os autores J. T. e mulher M. F. venderam a R. M., residente na Rua …, freguesia de ..., do concelho de Vila do Conde, pelo preço de 80.000,00€, o prédio urbano destinado a habitação entretanto construído no solo do referido prédio rústico, declarando que esse prédio se compunha de edifício de cave, rés-do-chão e logradouro, se situava no Lugar ... ou ..., na freguesia de (...) do concelho de Guimarães, estava descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ... de (...) e aí registado a favor dos vendedores pela inscrição G, inscrito na matriz sob o artigo 398.
14.
No dia 27/07/2007, no Cartório Notarial sito na Rua …, freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Gaia, o referido R. M., em escritura pública então aí outorgada declarou vender agora ao autor B. R., e este declarou comprar, pelo preço de 82.500,00€, o referido prédio urbano, que assim identificou: casa de cave, rés-do-chão e logradouro, sito no Lugar ... ou ..., freguesia de (...) do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … - (...) e nela registado em nome do vendedor pela inscrição G-apresentação 23 de 16/11/2006, inscrito na matriz sob o artigo 398.
15.
No dia 26/11/2015, perante a notária do Cartório sito na Praceta …, em Vizela, o autor B. R. declarou vender pelo preço de 35,337,50€, ao co autor J. F., com reserva do direito ao uso e habitação de todo o prédio a favor dos também coautores J. T. e M. F., metade da raiz ou nua propriedade do referido prédio urbano que aí assim identificou: prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, sito no Lugar ... ou ..., da freguesia de (...) do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Guimarães sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo 207º da freguesia de (...), correspondente ao anterior artigo ... da extinta freguesia de (...).
*
No final do elenco de factos considerados assentes, mostra-se ainda exarado o seguinte:

Consigna-se que os factos supra transcritos foram dados como provados porquanto resultam da certidão judicial junta aos autos, das certidões prediais dos prédios, também juntas aos autos e ainda das cópias dos contrato e escrituras públicas que os autores juntaram ao processo.
Pensamos que na alínea B) dos factos provados na sentença supra transcrita existe um mero lapso de escrita quanto se refere “prédio sob o n.º (...)” uma vez que esse facto vem no seguimento do facto antecedente, alínea A) e refere-se ao prédio (...), (...).
*
O Direito.

Começando pela questão da ilegitimidade dos primeiros Réus relativamente ao pedido de entrega aos Autores da parcela de terreno em questão.

Defendem os Autores/Recorrentes que os primeiros Réus são partes legítimas para a ação, ao contrário do que foi decidido, pois, têm de responder em sede de responsabilidade civil contratual, pelas condições que garantiram aos Autores aquando da venda do prédio, e, na medida em que os Autores sustentam que o caminho não pertence ao domínio público, são também responsáveis últimos pela atual e indevida utilização da parcela de terreno reivindicada, pelo que devem ser condenados a entregá-la aos Autores.

Fazem-no, porém, sem razão.

É pacífico que em ação de reivindicação tem legitimidade passiva quem for o detentor da coisa reivindicada, não podendo exigir-se a entrega de um bem a quem não o possui ou detém.

Sobre essa questão prescreve expressamente o nº1 do art. 1311º que o proprietário pode exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

Assim sendo, só tem legitimidade ativa para pedir a restituição da coisa com aquele fundamento quem seja titular de um direito real que atribua a posse da coisa, mas que, ao contrário do que era suposto, não tenha essa posse e, por sua vez, tem legitimidade passiva face a tal pedido quem seja possuidor ou detentor da coisa, mas não seja titular do correspondente direito real.

No caso, os pedidos formulados pelos Autores a título principal (exceção feita ao segmento da alínea a) a que infra nos referiremos) integram-se, claramente, numa ação de reivindicação, sustentando-se o pedido de entrega da parcela no facto de aqueles terem adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre a dita parcela que se mostra ocupada pela Ré Freguesia, com a justificação de que o mesmo integra domínio público, servindo, por seu turno, a relação contratual estabelecida com os primeiros Réus – ou, melhor dito, a falta de legitimidade dos Réus/vendedores para realizar a venda, por (ao contrário do garantido ao comprador) a coisa lhes não pertencer na sua totalidade – de fundamento do pedido subsidiário formulado.

Improcede, pois, a apelação no que à questão da ilegitimidade dos primeiros Réus relativamente ao pedido formulado na alínea e).

Passando, agora, à questão de saber se a ação popular tem ou não eficácia subjetiva geral.

Defendem os Recorrentes que, tendo a anterior ação sido tramitada como uma ação popular, na legislação a que esse tipo de ações está submetida, existe uma norma própria e expressa quanto às regras de funcionamento do caso julgado – o art. 19º da Lei n.º 83/95, de 31/08 – o que exclui a possibilidade de aplicação das regras do Código de Processo Civil, uma vez que a lei especial derroga a lei geral, mais defendendo que o referido art. 19º estabelece expressamente que os efeitos das sentenças transitadas em julgado nesse tipo de ações, só abrangem os titulares dos direitos e interesses que não tiverem exercido o direito de autoexclusão da representação na ação popular, nos termos do art. 16º, em relação aos processos que tenham por objeto “interesses individuais homogéneos”, pelo que, no caso concreto, nunca poderia formar-se caso julgado, uma vez que na ação foi indeferido o incidente de intervenção principal provocada da Freguesia Ré, o que significa que a mesma não foi parte na ação, e não sendo parte não pode beneficiar nem ser prejudicada pelo que nela se decidiu,

Vejamos.

Nos termos do nº 3 do art. 52º da Constituição da República Portuguesa:

“É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para:

a) Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural;
b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.”

E é a Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que define os casos e termos em que são conferidos e pode ser exercido o direito de ação popular (nº 1), podendo ser defendidos através de tal ação, designadamente, a saúde pública, o ambiente, a qualidade de vida, a proteção do consumo de bens e serviços, o património cultural e o domínio público (nº 2).

Como se frisa no Acórdão da Relação do Porto de 25.05.2010, citando Carlos Adérito Teixeira, in Acção Popular – Novo Paradigma, págs. 7 e ss., estudo que pode ser encontrado em http://siddamb.apambiente.pt/publico/documentoPublico: “a acção popular, “como ingrediente de democracia directa e, nessa medida, como verdadeiro direito político”, “representa um novo princípio de legitimidade traduzido no alargamento desta numa dupla perspectiva, do interesse e do sujeito”, admitindo a defesa de interesses difusos (que são aqueles que apresentam, no plano da sua titularidade, uma pluralidade de sujeitos, tendencialmente indeterminada) e colectivos (são aqueles cuja titularidade pertence a uma categoria de pessoas, normalmente ligadas por um vínculo jurídico) que se caracterizam pela insusceptibilidade de apropriação individual do bem em questão”.

"Em termos gerais, deve entender-se que, nos casos de acção popular, a legitimidade é conferida ao cidadão uti civis (ou uti universis) e já não uti singuli, pois a sua atribuição opera-se, então, a partir da integração dos sujeitos numa categoria-universo, abstracta e objectivamente definida, não havendo lugar à indagação ou especificação do interesse desse sujeito em cada caso concreto". (Sérgio Nuno Marques Antunes, "O Direito de Acção Popular no Contencioso Administrativo Português", Lisboa, 1997, pág. 72).

Na primeira das ações em confronto, inegavelmente já transitada em julgado, o interesse cuja defesa estava em causa era, indubitavelmente, o domínio público: os ali Autores formularam pretensão no sentido do reconhecimento judicial de que os ali Réus não eram titulares, usando as palavras do juiz titular do processo em causa, de “direitos de natureza jurídico-real” relativamente a caminho onde se insere a parcela de terreno ora também em causa, invocando para efeito da sua legitimação, muito embora sem chegar a pedir o reconhecimento de que o dito caminho se integrava no domínio público, a natureza pública do mesmo, não havendo, pois, dúvidas que os ali Autores agiram inseridos numa das referidas “categoria-universo” – e não como meros titulares de um interesse específico relativamente a tal caminho –, tendo, pois, intentado uma verdadeira ação popular.

Vejamos, então, o que nos diz a Lei n.º 83/95 a respeito da eficácia destas ações.
Em primeiro lugar, importa recordar que o art. 19.º, nº 1, da Lei n.º 83/95, na redação vigente à data da tramitação da ação popular ora em causa tinha redação distinta da que lhe é atribuída pelos Recorrentes (e correspondente àquela que atualmente está em vigor).

Na verdade, o aludido normativo estabelecia que as sentenças proferidas em ações cíveis desse tipo, “salvo quando julgadas improcedentes por insuficiência de provas, ou quando o julgador decidir por forma diversa fundado em motivações próprias do caso concreto, têm eficácia geral, não abrangendo, contudo, os titulares de direitos ou interesses que tiverem exercido o direito de se autoexcluírem da representação”,

Isto relembrado, cremos ser pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o aludido preceito visava uma extensão subjetiva dos limites do “caso julgado” e não, como pretendem os Recorrentes, estabelecer um regime restritivo relativamente ao regime geral do dito “caso julgado”.

Na verdade, dizia-se, então, que o referido “regime autónomo e específico previsto no artigo 19º da Lei 83/95, sob a epígrafe “efeitos do caso julgado”, “atribuiu como regra geral a eficácia erga omnes da sentença, seja em acção do foro cível ou administrativo, seja em recurso administrativo”.

E explicitava-se, já nessa altura, que “tal eficácia geral mais sentido fará nas situações em que o recurso à LAP tem a sua razão de ser na tutela de posições jurídicas supra-individuais ou pluri-subjectivas e em que a situação trazida a juízo tem um alcance claramente objectivo e comunitário: como afirma GRASSO, “é co-natural a uma jurisdição de direito objectivo a eficácia erga omnes da sentença”. Se alguém vem a juízo defender uma posição jurídica que é sua, mas apenas pela circunstância de pertencer a uma comunidade de cidadãos mais ou menos ampla, nada mais natural do que a aplicação da decisão a essa comunidade de cidadãos. Neste sentido são elucidativas as palavras de LANDI: “A unidade da situação substancial reclama uma decisão jurisdicional única, que discipline a relação na sua integralidade objectiva, para exprimir a própria eficácia em face de todos os sujeitos, partes e terceiros interessados” (Paula Cristina Pereira Amorim, in A Lei da Acção Popular e o Regime das Contra-Ordenações Ambientais/ Os Labirintos da “Law in Action”, pág. 77).

Daí que sem motivo para espanto, atualmente, já no quadro do preceituado no art. 19º, nº 1, na redação dada pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, a jurisprudência continue a afirmar “a eficácia subjectiva geral” das sentenças transitadas em julgado, proferidas em ação popular cível ou administrativa, como “um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo actor popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais” (Ac. da Relação de Lisboa de 15.02.2018).

Deve, aliás, sublinhar-se que a não admissão de intervenção direta da Freguesia ora Ré no anterior processo – circunstância invocada em seu favor pelos ora Recorrentes – mais não é do que o corolário lógico do reconhecimento da referida eficácia subjetiva geral da ação popular: representando o autor da ação popular, nos termos preceituados no citado art. 14º, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão, “inexiste” – nas palavras da decisão relativa ao incidente de intervenção suscitado pelos Autores da anterior ação que, com a devida vénia, aqui fazemos nossas – “qualquer situação de litisconsórcio activo entre o cidadão isolado e os demais ou com qualquer ente público”, inexistindo, pois, “qualquer ilegitimidade do lado activo que careça de ser suprida através do mecanismo de intervenção de terceiros”, tendo sido essa a razão de ser do sentido da decisão tomada a respeito do incidente de intervenção provocada de terceiros suscitado no âmbito do anterior processo.

Por outro lado, como se nos afigura óbvio, o que resulta do art. 15º da citada lei, não é, como defendem os Recorrentes, a necessidade de uma declaração de adesão para vincular os titulares dos interesses em causa na ação popular à decisão que aí vier a ser proferida, mas, pelo contrário, a necessidade de uma declaração para efeito da exclusão da representação legalmente prevista no art. 14º do mesmo diploma, com vista a não ficarem por ela vinculados.

Na verdade, segundo o nº 1 do referido art. 15, “recebida petição de acção popular, serão citados os titulares dos interesses em causa na acção de que se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo fixado pelo juiz, passarem a intervir no processo a título principal, querendo, aceitando-o na fase em que se encontrar, e para declararem nos autos se aceitam ou não ser representados pelo autor ou se, pelo contrário, se excluem dessa representação, nomeadamente para o efeito de lhes não serem aplicáveis as decisões proferidas, sob pena de a sua passividade valer como aceitação, sem prejuízo do disposto no n.º 4”, sendo que, de acordo com este último, “a representação referida no n.º 1 é ainda susceptível de recusa pelo representado até ao termo da produção de prova ou fase equivalente, por declaração expressa nos autos”.

Isto para dizer que, ao contrário do propugnado pelos Recorrentes, a questão do caso julgado (quer na sua vertente negativa, quer na sua vertente positiva) se pode e deve colocar quando o julgador se confronta com o problema dos reflexos de uma decisão sobre outra, integrando-se a primeira numa ação popular de defesa do domínio público e a segunda numa ação que, face aos pedidos principais formulados, se configura como de reivindicação de uma parcela do terreno objeto da primeira ação, intentada por um particular, réu naquela primeira ação, contra uma freguesia e outros particulares, não obstante nenhum destes últimos ter tido intervenção direta na aludida ação popular, a tal nada obstando o pertinente regime da lei que regula aquelas ações.

E tal questão deve colocar-se tendo, para o efeito, presente a supra mencionada extensão subjetiva dos limites do dito caso julgado inerente à própria configuração legal da ação popular.
Analisemos, então a aludida questão à luz do que se acabou de dizer.

O caso julgado constitui exceção dilatória que, uma vez verificada, tem como consequência a absolvição do réu da instância – cfr. art. 577º, i), do Código de Processo Civil.
Esta exceção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (cfr. art. 580º, nº 2, do CPC).
Além dum objetivo manifesto de economia processual, a exceção do caso julgado visa evitar que a causa seja julgada mais do que uma vez, salvaguardando-se a coerência e prestígio da atividade jurisdicional.
O caso julgado, tornando a decisão em princípio imodificável, visa exatamente garantir aos particulares o mínimo de certeza do Direito ou de segurança jurídica.
O caso julgado pressupõe a repetição de um litígio já decidido por sentença que não admita recurso ordinário (cfr. art. 580º, nº 1, 2ª parte), sendo que, nos termos do artigo 581.º, nº 1, do CPC repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do citado artigo)

Na síntese do Acórdão da Relação de Coimbra, de 06.09.2011: “A determinação da identidade dos sujeitos não oferece dificuldades particulares: “as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial”.

As partes não têm, pois, que coincidir do ponto de vista físico.

Isso mesmo se frisa no Ac. do STJ de 22.06.2017, onde se pode ler: “Para a identidade de sujeitos, como pressuposto da exceção de caso julgado, nos termos do artigo 581.º, n.º 1 e 2, do CPC, o que é essencial não é a sua identidade física, mas a mesmidade da posição ou da qualidade jurídica na titularidade dos direitos e obrigações contemplados pelo julgado”.

Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 4ª edição, pág. 98, dá como exemplo de que a identidade subjetiva depende essencialmente da identidade jurídica e não da identidade física, o caso em que determinada ação é proposta por determinada pessoa que depois transmite a outra, por qualquer modo, o direito objeto de ação, sublinhando que se o adquirente propuser mais tarde a mesma ação, há identidade de partes não obstante os autores serem diversos fisicamente, “porque estão em juízo na mesma qualidade jurídica”.

E, numa outra perspetiva, é também indiferente a posição que as partes assumam em ambos os processos: “o que conta para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, e não a sua posição quanto à relação jurídica processual” (obra e autor citados no parágrafo que antecede, pág. 101).
No caso, os ora Autores foram Réus na precedente ação popular, exceção feita ao ora Autor J. F..

Todavia, este último, face ao alegado pelos próprios Autores, surge nestes autos, ao lado dos demais, como alegado co-titular do direito de propriedade sobre a parcela em litígio, por transmissão de metade da raiz ou nua propriedade do prédio que, ainda segundo os mesmos, engloba a dita parcela, sucedendo, pois, a título singular, em parte da posição de B. R., que na precedente ação popular se arrogara proprietário da parcela ora em litígio.
É, pois, indiferente que o ora Autor J. F. não tivesse estado presente na anterior ação. Ele é portador do mesmo interesse substancial (ou, melhor dito, de parte do mesmo interesse substancial) do ali Réu B. R..

E os Réus naqueloutra ação – contra eles intentada em razão da ocupação por todos levada a cabo, sem que tivessem legitimidade para o efeito, do caminho onde se integra a parcela ora em litígio – portadores do mesmo interesse substancial dos aqui Autores, os quais, como se sabe, visam, nesta ação, a entrega dessa mesma parcela, com fundamento no reconhecimento de que são seus donos.

Por outro lado, no que toca aos aqui Réus, como já antes se frisou, muito embora não tenham eles intervindo diretamente na referida ação popular, é inegável que os mesmos ali foram representados por quem demandou em seu nome, ao abrigo do preceituado no referido artigo 14º da LAP, ficando, nessa medida, vinculados à decisão naquele âmbito proferida.

Demonstrada está, pois, a identidade dos sujeitos.

Passando, agora, à questão da identidade dos pedidos, sabe-se que há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do citado artigo 581º), devendo sublinhar-se que a mesma é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.

A identidade de pedidos ocorrerá “se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a acção, se pretende obter” (Acórdão da Relação de Coimbra de 22.01.2008), havendo mesmo quem admita que esta identidade do pedido pode ser apenas tendencial, referindo-se, nomeadamente, que tal identidade existirá quando o objeto essencial de uma ação constitui, por si só, a negação do objeto da outra, caso em que a apontada diversidade de pedidos é meramente aparente (nesse sentido Miguel Teixeira de Sousa, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Dezembro de 1986, pág. 844, citado no Acórdão do STJ de 29.09.2009).

Por outro lado, há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, sendo, no que para o caso interessa, de sublinhar que, nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (nº 4 do citado artigo) – facto jurídico esse que, no caso, corresponde à matéria que integra a usucapião, certo que a simples aquisição derivada não comprova a receção do direito alienado atento o princípio nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet –, bem como que, de acordo com a teoria da substanciação, acolhida na lei adjetiva portuguesa e que encara a causa de pedir como o próprio facto jurídico genético do direito, resulta ainda que se integram no conceito de caso julgado os factos invocados que forem injuntivos da decisão, porquanto “a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito” (Acórdão da Relação de Coimbra de 07.09.2013).

Deve, por último, recordar-se que, como se lê no Acórdão do STJ de 22.06.2017, “A aferição da identidade do pedido e da causa de pedir, para os efeitos do artigo 581.º, n.º 1, 3 e 4, do CPC, deverá ser feita não de um modo global, mas sim em função de cada pretensão parcelar em que se possa decompor o objeto das causas em confronto e dos correspetivos segmentos decisórios”.

No caso em apreço, nenhum dos pedidos formulados pelos Autores na presente ação corresponde a pretensão formulada na ação popular pelos ali então Réus.

Todavia, não estaria incorreto dizer-se que o objeto essencial dos pedidos principais formulados na presente ação constitui, por si só, a negação do objeto da ação popular, pelo que este seria um dos casos em que se poderia afirmar que a apontada diversidade de pedidos é meramente aparente.

Não foi, porém, esse o entendimento do juiz da primeira instância, o que se deduz do facto de não ter o mesmo absolvido os réus da instância, com fundamento na verificação da exceção dilatória do caso julgado – aparentemente por não se verificar a tríplice identidade exigida pelo art. 580º do CPC –, mas sim absolvido os réus dos pedidos, apelando, para o efeito, à autoridade do caso julgado, não tendo ninguém, como se sabe, colocado em crise a bondade do decidido quanto à não integração da situação em apreço na exceção dilatória referida.

Vejamos, então, se não tendo sido julgada verificada a referida exceção dilatória, conducente à absolvição da instância, se justificava ou não a tomada decisão de improcedência de todos os pedidos “com base na dimensão positiva de que se reveste a autoridade do caso julgado”.

Como se sublinha no Acórdão do STJ de 24.04.2013, de que é Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, o fenómeno da indiscutibilidade do julgamento constante de decisão judicial transitada em julgado pode revelar-se, na prática, através de diferentes vertentes ou modalidades.

“Assim, em primeiro lugar, essa imutabilidade ou indiscutibilidade da decisão judicial definitiva impede que a questão que foi objecto da decisão proferida e inimpugnável (ou não tempestiva e adequadamente impugnada) possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação do tribunal: se tal ocorrer, por força da figura da excepção de caso julgado – que reflecte a chamada função negativa da figura do caso julgado - deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objecto de uma anterior acção.

A figura da excepção de caso julgado – que a reforma de 1995/96 qualificou expressamente (art. 494º, al. i) como dilatória - tem, pois, que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objecto processual perfeitamente individualizado nos seus aspectos subjectivos e objectivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado”.

“Pelo contrário”, como se frisa no citado acórdão, “a figura da autoridade do caso julgado tem a ver com a existência de relações – já não de identidade jurídica – mas de prejudicialidade entre objectos processuais: julgada, em termos definitivos, certa matéria numa acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre o objecto desta primeira causa, sobre essa precisa questio judicata, impõe-se necessariamente em todas as outras acções que venham a correr termos entre as mesmas partes – incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na segunda acção. Ou seja, estamos aqui confrontados com a chamada função positiva do caso julgado (perspectivada no CC de 1867 como conduzindo a uma inclusão do caso julgado entre os meios de prova – arts. 2407, nº4, e 2502º e segs.), mediante a qual a vinculatividade própria do instituto do caso julgado impõe que o objecto da primeira decisão funcione como pressuposto indiscutível da nova decisão de mérito, a proferir na segunda causa, incidente sobre relação jurídica diversa, mas dependente ou condicionada pela anteriormente apreciada, em termos definitivos, pelo tribunal.”

Nas palavras do Acórdão desta Relação de 07.08.2014:

“Os efeitos do caso julgado material projectam-se no processo subsequente necessariamente como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior, ou como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior.

A autoridade de caso julgado, pressupondo esta a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta a que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo neste caso a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 498º do Código de Processo Civil.

O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.”

Em suma, “mesmo não ocorrendo completa identidade do âmbito objectivo na relação entre a acção em que foi proferida a decisão transitada e a acção subsequente, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o mesmo objecto vale entre as mesmas partes de ambas as acções como autoridade de caso julgado e, quando tal suceda, o tribunal da acção posterior está vinculado à decisão proferida na causa anterior, mesmo sem a tríplice homotropia de sujeitos, pedido e de causa de pedir. O que significa que, mesmo sem essa completa identidade, o tribunal está vinculado na acção subsequente a tudo o que esteja coberto pela autoridade do caso julgado formado pela decisão proferida na causa anterior” (Relação de Coimbra de 22.09.2015, Relator – Alexandre Reis).

A questão que se coloca é, pois, a de saber se, no caso concreto, a decisão proferida na anterior ação tem ou não um valor vinculativo nesta ação que obste a que a decisão a proferir contrarie a definição da relação jurídica naqueloutra efetuada.

Analisemos, então, as duas ações e os pedidos, em cada uma delas, formulados para verificar em que medida se pode – ou não – dizer que o objeto da primeira funciona como pressuposto indiscutível da nova ação (ou de alguns dos pedidos nela formulados).

A antecedente ação popular foi configurada como ação de simples apreciação negativa, tendo a sentença ali proferida considerado que esse tipo de ação importa, de acordo com o art. 343º, n.º 1, do CC, a transferência para o demandado do ónus da prova dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer ver declarada inexistente ou insubsistente.

Assim tendo sido considerado, como se recorda no Acórdão da Relação de Évora de 16.12.2010, para que a ação viesse a improceder, como eles pretendiam, os ali Réus teriam que ter alegado os factos constitutivos da situação jurídica de que se queriam prevalecer e que os demandantes queriam ver declarada inexistente. Neste sentido, como se diz no citado acórdão, tais factos constitutivos “são os factos essenciais à apreciação do mérito da causa e, assim, são inerentes à causa de pedir, integrando-a ou ao menos complementando-a”, pelo que, “de algum modo, o princípio da substanciação tem que estender-se a esses factos”.

A verdade, porém, é que os ali Réus não os alegaram, tendo-se limitado a afirmar conclusivamente a pertença da parcela em litígio ao ali Réu B. R. e a impugnar a matéria, alegada pelos ali Autores, tendente à integral demonstração da inexistência da situação jurídica de que os primeiros se arrogavam titulares.

Assim, na perspetiva daquela que se afigura ser a posição maioritária da jurisprudência, poderia dizer-se que ao não invocarem os tais factos constitutivos que deveriam ter invocado na ação de simples apreciação negativa, os ali Réus e aqui Autores, deixaram precludir tal meio de defesa, preclusão, essa, equiparável aos efeitos da autoridade do caso julgado.

Como se frisa no claríssimo Acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2012, que também tratou de um caso em que não se configurava a tríplice identidade pressuposta pelo caso julgado, “o trânsito em julgado de uma qualquer sentença de mérito é susceptível de produzir outros efeitos, mais difusos, mas não menos importantes quando se trata de relevar os valores da certeza e da segurança jurídica que qualquer sistema deve buscar e proteger”, concretamente, o que se reporta à “eficácia preclusiva dos fundamentos de defesa que, em regra, se esgotam com o decurso do prazo para a dedução da contestação” e que decorre da previsão contida no art. 573º do CPC, que impõe ao demandado o ónus de oportuna e cumulativa dedução de todos os meios de defesa de que considere dispor no confronto da pretensão do autor.

Assim, em princípio, todos os fundamentos de defesa que não sejam apresentados na primeira ação fiquem cobertos pela autoridade do caso julgado formado pela sentença (cfr. neste sentido os Acs. do STJ, de 13.12.07 e de 23.11.11).

Como recorda o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no já citado Acórdão do STJ de 24.04.2013, “este efeito preclusivo – que a doutrina - Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 178 e segs.) -, tende a aproximar e equiparar à vinculatividade própria da figura do caso julgado - implica que certas questões (particularmente as que se conexionam com os meios de defesa do demandado, ainda que reportados a um contradireito autónomo, por este invocável mediante reconvenção, com o fito de paralisar a pretensão do autor – veja-se o recente Ac. do STJ de 10/10/12, proferido no P. 1999/11.7TBGMR.G1.S1) apesar de não abordadas e decididas, de modo explícito, no âmbito de certa acção, não possam voltar a ser recolocadas em acções futuras que corram entre as mesmas partes, em termos de afectarem potencialmente o direito já reconhecido com força de caso julgado, em consequência da existência de um ónus de suscitação, no momento próprio, pela parte interessada, não adequadamente cumprido por esta”, “não se admitindo que o réu, depois de ter sido atingido pelos efeitos definitivos de uma sentença de mérito proferida no âmbito de um processo em que teve ampla possibilidade de se defender, faça uso autónomo do direito de acção para, em boa verdade, provocar o esvaziamento daquela sentença, com prejuízo para o direito que pela mesma foi reconhecido”.

Neste mesmo sentido se decidiu nos Acórdãos desta Relação de 07.08.2014, 22.05.2014, 17.09.2013 e 21.05.2013 (foca este último, em particular, a extensão da autoridade do caso julgado).

Por força do referido princípio da preclusão, fica excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada” (Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586).

Nesta perspetiva, revertendo ao caso em apreço, forçoso é concluir que tendo os ora Autores e Réus na ação de simples apreciação negativa optado por se abster de invocar, na dita ação, a aquisição por usucapião, que agora invocaram e que, a ser invocada e julgada procedente na aludida ação teria conduzido à improcedência do pedido, impedidos se encontram agora, os referidos Réus (e o Réu J. F. que, como já se frisou antes, passou a ocupar parte da posição jurídica do Réu B. R.), de, depois de transitada a sentença proferida na mencionada ação, vir invocar supostos factos já existentes e deles conhecidos – ao contrário do quem defendem no recurso – à data em que contestaram a dita ação, “e que, sem qualquer inconveniente ou prejuízo para o direito material, poderiam ter sido alegados, discutidos e apreciados em toda a sua extensão na primeira acção” e dos quais, voluntariamente, os mesmos, então, não fizeram uso.

Mas, no caso, outra perspetiva nos leva ainda à mesma conclusão.

Não obstante a supra referida posição expressa na sentença a respeito do ónus da prova, a ação de simples apreciação negativa em causa acabou por ser julgada procedente, na parte que para agora interessa, não pela ausência de alegação dos tais factos constitutivos da situação jurídica de que os ali Réus se tivessem querido prevalecer, mas sim, como resulta do elenco dos factos provados na referida ação e de toda a fundamentação da sentença, por ter havido demonstração direta e integral da própria inexistência da situação jurídica que, agora, em conjunto, os Réus invocam como fundamento dos seus pedidos principais.

Assim sendo, cumpre concluir que, ao julgar a anterior ação procedente, o tribunal negou – por tal ter sido diretamente demonstrado – a existência da situação jurídica invocada como causa de pedir da reivindicação da parcela peticionada nestes autos a título principal, reivindicação essa à qual também se encontra associado o pedido de indemnização formulado sob a alínea f), pelo que aquela decisão forçosamente vincula as partes nestes autos, conclusão que parece valer mesmo para quem, como Teixeira de Sousa, considera que “o autor tem o ónus de alegar – e, em caso de impugnação pelo réu, provar – os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que constituem a causa de pedir do seu pedido de declaração da inexistência de um direito ou facto” (Blog do IPPC, entrada de 18.03.2014).

E, como se nos afigura evidente, ao contrário do defendido pelos Recorrentes, a possibilidade de ocorrer uma contradição de julgados não dependia de na anterior ação ter havido reconhecimento da natureza pública do caminho em que se insere a parcela em litígio: a possibilidade de contradição entre uma ação em que se declara que quem é sujeito passivo nessa ação não é proprietário de determinada parcela e que relativamente a tal parcela não ocorreram os factos constitutivos da posse tendente à aquisição, por esses mesmos sujeitos passivos, do direito de propriedade por usucapião, e uma ação, como a presente, em que os aqueles sujeitos passivos (ou por quem ocupa a sua posição substantiva) vêm pedir o reconhecimento do dito direito de propriedade exatamente com fundamento na usucapião é, a nosso ver, inequívoca.

Não podendo, como também se nos afigura óbvio, “a identidade perfeita da causa de pedir” “ser requisito necessário da autoridade do caso julgado, sob pena da sua negação” (Mariana França Gouveia, in A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina 2004, pág. 396 e 415).

Por uma via ou por outra, respondendo à questão acima colocada, deve aceitar-se que a decisão de procedência da precedente ação popular, vale ainda, entre as mesmas partes, nesta ação, por força da autoridade do caso julgado, cumprindo, apenas, verificar se tal vinculação afeta todos os pedidos formulados nos autos como entendeu o julgador da primeira instância.

Vejamos.

Olhando os pedidos principais formulados nos autos – do primeiro excluída, pelas razões que infra se esclarecerão, a parcela referente ao “reconhecimento” de que o prédio foi vendido “sob compromisso expresso por estes (réus) e aceite pelos compradores de que lhe era transmitida uma área real de terreno rústico de 1550 m2, a confrontar do Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José –, facilmente se verifica que todos eles assentam num pressuposto que, como se viu, já foi julgado e expressamente negado na anterior ação, qual seja, o de que os aqui Autores e ali Réus (conjunto a que acresce, em substituição parcial do Réu B. R., nos termos acima explicitados, o Autor J. F.) adquiriram por usucapião o direito de propriedade relativo à parcela de terreno reivindicada, só nesse pressuposto sendo ilícitas (por violadoras do dito direito de propriedade) as atuações descritas na petição inicial, bem como, também, só nesse pressuposto assistindo aos Autores direito a ver reconhecida a ausência de direitos de terceiro sobre a dita parcela e a pedir a abstenção de terceiros relativamente a tal parcela, mostrando-se, pois, impedida a renovação no presente processo da discussão sobre esse mesmo pressuposto, sob pena de ser posta em causa a própria segurança jurídica.

Assim sendo, face ao anteriormente decidido que com aquela autoridade se impõe, forçosamente improcedem tais pedidos.

Deste modo, bem andou a primeira instância ao julgar improcedentes os pedidos principais formulados nos autos.


Já não assim quanto ao pedido subsidiário exclusivamente formulado contra os Réus P. L. e O. M. Meira, para a hipótese de improcedência do pedido de reconhecimento da propriedade da parcela em questão.

Na alínea h) pede-se a condenação dos referidos Réus a pagarem aos Autores uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente à diferença entre o valor real do prédio vendido e aquele que lhe for atribuído, após a amputação da área dita ter sido cedida ao domínio público.

Alegaram os Autores, para efeito deste pedido subsidiário, que o Réu P. L. informou o primeiro Autor que o prédio tinha 1550 m2 e que tinha as confrontações que constam da escritura pública, informações estas que, para o referido Autor, foram essenciais para a decisão de contratar, tendo na escritura os primeiros réus declarado vender ao primeiro Autor (J. T.) um prédio com a dita área de 1500 m2 – recebendo o preço correspondente a essa área – só lhes (?) tendo vendido, de facto, 1389 m2, o que consubstanciaria venda de bem parcialmente alheio (art. 902º do Cód. Civil).

Com este pedido está interligado o pedido de reconhecimento de que o prédio “foi vendido pelos primeiros réus sob compromisso expresso por estes e aceite pelos compradores de que lhes era transmitida uma área real de terreno rústico de 1550 m2, a confrontar de Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José” que se mostra indevidamente “enxertado” no pedido formulado na alínea a) e que mais não é do que um pressuposto do pedido formulado na alínea h).

Isto clarificado, deve dizer-se que a respeito do pedido subsidiário – e do referido “enxerto” constante da alínea a) – não podemos de nenhum modo acompanhar o afirmado pela primeira instância: com efeito, não se pode dizer que também quanto a estes pedidos a autoridade de caso julgado se impõe porquanto se provou na referida lide que a parcela de terreno em causa nunca pertenceu ao prédio ora pertencente aos autores.

Na verdade, independentemente de quaisquer outras considerações sobre a extensão da autoridade do caso julgado àquele concreto facto, certo é que o mesmo em nada contribui para o insucesso do aludido pedido de indemnização porquanto, convém recordar, o fundamento do aludido pedido é a alegada falta de legitimidade dos vendedores para venderem parte do terreno vendido, precisamente por essa parcela ser alheia.

Cumpre, porém, desde já, julgar por outra razão, manifestamente improcedente tal pedido no que toca aos Autores M. F., B. R. e J. F., pela simples razão de que, face ao alegado na petição inicial e à escritura junta, estes não são parte do invocado contrato de compra e venda de bem parcialmente alheio, não lhe assistindo, pois, direito a qualquer indemnização/redução de preço com tal fundamento.

Face ao exposto, só se deve julgar procedente a parte do recurso relativa ao pedido formulado sob a alínea h) e ao pedido de reconhecimento do compromisso assumido referido em a) do petitório ao mesmo associado, restringidos, ainda assim, ao que respeita ao primeiro Autor (J. T.), devendo os autos prosseguir, pois, para apreciação de tais pedidos.
*
Sumário:

I – Numa ação de reivindicação em que não está alegada a ocupação por alguns dos réus da parcela em litígio não podem tais réus ser demandados relativamente ao pedido de entrega da dita parcela;
II – A ação popular tem eficácia subjetiva geral, a qual encontra a sua razão de ser na circunstância de, naquele tipo de ação, estar em causa a “tutela de posições jurídicas supra-individuais ou pluri-subjectivas e em que a situação trazida a juízo tem um alcance claramente objectivo e comunitário”, sendo tal eficácia um efeito decorrente do regime especial de representação processual, previsto no artigo 14º do LAP, nos termos do qual, salvo exercício de um direito de auto-exclusão de representação, todos os titulares de direitos ou interesses cujo ator popular faz valer em juízo se consideram automaticamente representados por este em termos processuais;
III – A decisão que pôs termo a ação popular intentada por particulares declarando que os ali réus não são proprietários de determinada parcela, tem autoridade de caso julgado relativamente aos pedidos que integram ação de reivindicação da dita parcela que aqueles (ou quem ocupa a sua posição substantiva) intentaram contra entidade pública e outros particulares, que não tiveram intervenção direta na precedente ação popular;
IV – A referida decisão não tem autoridade de caso julgado relativamente a pedido de indemnização por aqueles réus formulado contra os vendedores de imóvel por alegada venda de bem parcialmente alheio na parte correspondente à dita parcela.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida no que tange à improcedência do pedido formulado na alínea h) e do pedido de reconhecimento do “compromisso expresso” dos vendedores “de que lhes era transmitida uma área real de terreno rústico de 1550 m2, a confrontar de Norte com A. C., do Sul e Poente com estrada municipal e do Nascente com José”, relativamente ao Autor J. T., devendo os autos prosseguir para apreciação de tais pedidos, confirmando em tudo mais a referida decisão.
Custas da ação na proporção a fixar a final e custas do recurso pelos Recorrentes e pelos Recorridos P. L. e O. M. na proporção de 80% e 20%, respetivamente.
Guimarães, 22.11.2018

Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues