Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE SENTENÇA
SEGUNDA PERÍCIA COLEGIAL
Sumário
1- Na fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho não é de admitir uma segunda perícia colegial.
2- A anulação prevista no artº 662º, nº 2, alª c), do CPC ocorre se os elementos probatórios forem insuficientes para imporem a alteração da decisão sobre a matéria de facto considerada obscura ou deficiente.
3- A sentença ao fixar a matéria de facto assente optando sem mais pelo laudo pericial e, assim, decidindo com o mesmo grau de deficiência, não contem todos os elementos de facto necessários a essa decisão devendo ser anulada.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães
Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é beneficiário P. M. e entidade responsável a Companhia de Seguros X Portugal, Sa foram realizados exame médico, no qual foi atribuída uma IPP de 20,00% e sequelas que são causa de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, e tentativa de conciliação que se frustrou.
Na fase contenciosa, ambos requereram exame por junta médica.
Realizada esta o sinistrado requereu:
“1º O Requerente foi vítima de acidente de trabalho, do qual resultaram as lesões constantes do relatório do Instituto de Medicina Legal, que se encontra a fls , dos autos. 2º De acordo com o mesmo relatório médico e atendendo às sequelas que o aqui requerente apresenta, foi atribuída uma Incapacidade Permanente Parcial de 20,00%. 3º O qual, o requerente não aceitou, tendo requerido exame por junta medica. 4º Vindo agora a ser completamente surpreendido pelo teor do relatório de Junta médica, em especial quanto às declarações de alegadas incongruências das queixas apresentadas com os resultados dos exames juntos aos autos. 5º Declarando os senhores peritos que os exames não justificam as queixas apresentadas, quando na verdade foram os mesmos exames que suportaram a avaliação medico legal que deu origem ao relatório do senhor perito do INML. 6º Questiona-se os Srs. peritos se não é pertinente a realização de novos exames para se apurar com elevado grau de certeza quais as efectivas lesões que o sinistrado apresenta. 7º Questiona-se ainda aos Srs. peritos para que esclareçam porque não foi considerada a rubrica do capítulo III - 7 da TNI considerada para efeitos do relatório do INML.
TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA DOUTAMENTE SUPRIRÁ SE REQUER A JUNÇÃO DESTE AOS AUTOS, PARA TODOS OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS.”
Foi proferido despacho sobre este requerimento e logo de seguida sentença:
“Fls. 181 e ss.: o requerimento apresentado pelo sinistrado configura uma reacção ao resultado da junta médica e não propriamente uma reclamação contra qualquer imprecisão obscuridade ou omissão de que alegue enfermar. As questões colocadas foram debatidas na junta médica realizada e o auto de junta médica responde às mesmas. Assim, no que toca aos exames médicos juntos aos autos, os Ex.mos Peritos que compuseram a junta médica analisaram-nos e, no confronto com o exame direto e objetivo do sinistrado, foram unânimes em concluir que as queixas que este apresentou no momento da junta não eram de modo algum justificadas face ao que consta de tais exames. No exame médico (a que o signatário presidiu) todos os peritos insistentemente solicitaram ao examinado que executasse determinados movimentos e gestos, tendo este de forma notória sido pouco colaborante na sua execução e apresentando queixas que os médicos presentes referiram não serem adequadas às lesões e sequelas sofridas. Além disso, verificou-se no final do exame que o sinistrado conseguia realizar sentado com facilidade movimentos que – a serem verdade as queixas que relatou quando lhe foi pedido que efectuasse esses mesmos movimentos noutra posição – seria impossível que realizasse, o que em muito contribuiu também para a conclusão a que unanimemente chegaram os Ex.mos Peritos após o debate. Por todos os peritos foi descartada a necessidade de realização de quaisquer outros exames, sendo que o enquadramento que fizeram na tabela é o que corresponde ao resultado da sua observação e discussão e que consta nas respostas aos quesitos – o sinistrado apresenta como sequela uma radiculalgia residual consequente à cirurgia à coluna vertebral a que foi submetido (capítulo I, ponto I, 1.1.1., alínea b) da TNI) e não uma radiculalgia persistente (capítulo III, ponto 7 da TNI). Por último, a divergência entre o resultado da junta e o do exame realizado na fase conciliatória é uma consequência normal da faculdade que assiste às partes de discordarem do primeiro exame e requererem a realização da junta, sendo que esta resulta de uma discussão entre os médicos das partes e aquele nomeado pelo tribunal, ao passo que o primeiro não beneficia de tal discussão prévia.
Assim, e pelo exposto, indefiro o requerido a fls. 181 e ss..
*
(…) Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho (…). (…)
Realizada esta (fls. 175) consideraram os Ex.mos peritos por unanimidade que por força do acidente sofrido, o sinistrado é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06), tendo estado afetado dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
(…) Atenta a conclusão unânime a que chegaram os Ex.mos Peritos que formaram a junta médica, as respostas aos quesitos e os demais elementos dos autos, entendo não haver motivos para discordar de tal entendimento, valendo aqui o que supra se referiu na apreciação do requerimento entretanto apresentado pelo sinistrado quanto ao ocorrido na junta médica e às conclusões da discussão ali efetuada. Assim, considero: - o sinistrado clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06) desde o dia imediato ao da alta (alta que ocorreu em 02/01/2017); (…)
*
Além da incapacidade e da data da alta, igualmente resulta dos autos que:
(…) Fixados os factos relevantes para a decisão a proferir, cumpre enquadrá-los juridicamente.
As partes desde logo acordaram na caracterização do acidente como sendo acidente de trabalho, nos termos do disposto no art.º 8.º do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho (RJAT), aprovado pela da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Por força do acidente sofrido, o sinistrado tem direito a receber:
(…) - uma pensão pela incapacidade permanente de que ficou afectado; (…)
No que diz respeito à incapacidade permanente parcial, a reparação deve consistir na entrega do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, vencida desde o dia seguinte à alta, nos termos do disposto no art.º 48.º, n.º 1, alínea c) do RJAT. O capital de remição é o que corresponde à pensão de RA x 0,7 x IPP, ou seja, e atendendo aos factos apurados, à pensão de 539,93€ (quinhentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).
*
DISPOSITIVO
Nestes termos, e pelo exposto, condeno a ré Companhia de Seguros X Portugal, S.A. no pagamento ao autor P. M., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), das seguintes quantias:
(…) c) o capital de remição correspondente à pensão anual, devida em 03/01/2017, no montante de 539,93€ (quinhentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos). (…) Uma vez que o sinistrado deverá receber um capital de remição, proceda ao cálculo do capital e, após, remeta os autos ao Ministério Público para entrega – arts. 148.º, n.os 3 e 4 e 149.º do Código de Processo do Trabalho.”.
O sinistrado recorreu.
Conclusões:
“A - O Recorrente foi vítima de acidente de trabalho, do qual resultaram as lesões constantes do Relatório do Instituto de Medicina Legal, o qual lhe atribuiu uma Incapacidade Permanente Parcial de 20,00%; B - Considerando as sequelas existentes como causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual (IPAPH); C - Vindo a junta médica realizada em 08/05/2018, volvidos cerca de 12 meses, a considerar, por unanimidade, que, por força do acidente sofrido, o sinistrado é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06); D - Deixando em observação que o exame do estado actual revela incongruências com os resultados dos exames juntos aos autos, não justificando estes as queixas que o sinistrado apresenta; E – Não se pronunciando quanto à necessidade de o sinistrado manter o apoio auxiliar técnico de canadianas; F - Questiona-se como pode um trabalhador, na área da construção civil, com a categoria de marteleiro que exerce actividade essencialmente em perfurações e escavações de solo com martelos pneumáticos, continuar a exercer as mesmas funções com o uso de canadianas? G - Razão pela qual, o sinistrado não concorda com a fixação de uma IPP de 6%; H – Sendo o sinistrado completamente surpreendido pelo teor do relatório de junta médica, em especial quanto às declarações de alegadas incongruências das queixas apresentadas com os resultados dos exames juntos aos autos; I – Pelo que, mediante o resultado da perícia médica e face à incongruência entre os dois relatórios médicos nos autos, requereu esclarecimentos mediante a realização de novos exames para se apurar com elevado grau de certeza quais as efectivas lesões que o sinistrado apresenta; J - Tal requerimento foi indeferido e proferida de imediato a douta sentença recorrida e colocando termo ao processo; K - Salvo o devido e merecido respeito, mal andou o tribunal na sua convicção uma vez que a prova produzida, nomeadamente os relatórios médicos e clínicos, se mostra contraditória e por isso, insuficiente, e teria de ser realizado um terceiro exame, imparcial, para averiguar com precisão as lesões sofridas pelo Reclamante; L – Devendo ser ordenada a realização de novos exames e posteriormente ser efectuada uma junta médica complementar para aferir com elevado grau de certeza acerca da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) do sinistrado quer ainda quanto à alegada Incapacidade Permanente Absoluta para a Actividade Profissional Habitual (IPAPH); M – O exame por junta médica está sujeito à livre apreciação do julgador, conforme o disposto no artigo 389.º do CC e no artigo 489.º do CPC, sendo livremente apreciada pelo juiz, que em princípio será leigo nas matérias em apreço, deve reunir-se das mais variadas cautelas de modo a que essa inequivocidade seja tangível; N - Para isso, “a lei prevê a solicitação de esclarecimentos aos senhores peritos por eficiência, obscuridade ou contradição do relatório pericial como modo de superação de dúvidas suscitáveis pelo mesmo (art.ºs 1.º, n.º 1 e 2, al.ª a), do CT e 413º e 485º CPC)” conforme se pronuncia o AC. TRL de 13.07.2016, Processo n.º 1491/14.8T2SNT.L1-4, relator Eduardo Azevedo; O - No mesmo sentido de conjugação ponderada do princípio da verdade material, se pronuncia também o AC. TRG de 04.02.2016, Processo n.º 233/13.0TTGMR.1.G1, relator Alda Martins; P – Está ferido de nulidade por violação do art.º 485º, n.º 2 e 3 e art.º 195º, n.º 1 do CPC, ex vi art.º 1º, n.º 2 alínea a) do CPT, o Douto despacho do Meritíssimo juiz a quo e prévio á sentença de 06/06/2018, que indefere o pedido de esclarecimentos e realização de novos exames médicos; Q - Porquanto omite a prática de um ato processual prescrito na lei, sendo a prestação dos esclarecimentos dos Srs Peritos uma diligência susceptível de influir no exame ou decisão da causa; R – Estando ainda ferida de nulidade a sentença proferida, que assenta nas respostas dadas pelos Srs Peritos, isentas de critérios de objectividade e em conclusões periciais obscuras, imprecisas, deficientes e incongruentes que deveriam ter sido sindicadas pelo tribunal a quo, obrigando os Srs Peritos a conjugar o interrogatório com elementos processuais e exames médicos actuais; S – Pelo que, a prova pericial que sustenta a referida decisão não atende à situação médicoclínica actual e objectiva do sinistrado, pelo que não deveriam ser consideradas pelo tribunal como elemento válido de prova pericial; T – E o Meritíssimo Juiz a quo na decisão proferida ao decidir pura e simplesmente que o sinistrado está afeto a uma IPP de 6%, aderindo à posição manifestada num dos meios de prova juntos aos autos, a junta médica, nada mais acrescenta que permita descortinar as razões da sua real motivação; U – Resultando claro erro na apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo, pois salvo melhor e mais douta opinião, deveria, nos termos do art. 145º n.º 5, em conjugação com a n.º 7 do art.º 139º ambos do CPT, ordenar, a concretização de novos exames e após concretização destes a realização de junta médica complementar, bem como as diligências que se mostrassem necessárias para o conhecimento da causa. V - Pelo que devem todas as nulidades do douto despacho, ser conhecidas e declaradas, dando-se o mesmo sem efeito, anulando-se todo o processado posterior e em consequência anulando-se a decisão proferida para efeito de repetição de junta médica, a fim de a mesma suprir as deficiências e insuficiências verificadas, seguindo-se os ulteriores termos processuais até à prolação de nova sentença;”.
Termina, pretendendo, em síntese conclusiva, que “a sentença de 1ª instância ser revogada, e ordenada a clarificação de junta médica efectuando-se para o efeito novos exames médicos ao sinistrado, fixando-se novamente decisão”.
Não se contra-alegou.
Aquando da admissão do recurso ainda foi proferido despacho mediante requerimento da recorrida:
“Rectificação da sentença (…) Nestes termos, e de acordo com o disposto nos arts. 613.º, n.º 2 e 614.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, corrijo a sentença proferida a fls. 187 e ss. nos seguintes termos: (…)
C) na fundamentação de direito deve ler-se:
“O capital de remição é o que corresponde à pensão de RA x 0,7 x IPP, ou seja, e atendendo aos factos apurados, à pensão de 521,32€ (quinhentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos).”;
Onde actualmente se lê:
“O capital de remição é o que corresponde à pensão de RA x 0,7 x IPP, ou seja, e atendendo aos factos apurados, à pensão de 539,93€ (quinhentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).”;
D) no dispositivo da sentença deve ler-se:
(…) c) o capital de remição correspondente à pensão anual, devida em 03/01/2017, no montante de 521,32€ (quinhentos e vinte e um euros e trinta e dois cêntimos)”; onde atualmente se lê: (…) c) o capital de remição correspondente à pensão anual, devida em 03/01/2017, no montante de 539,93€ (quinhentos e trinta e nove euros e noventa e três cêntimos).”; E) o valor da ação passa a ser de 8.571,45€ e não o de 9.194,60€ indicado na sentença.
*
Notifique, podendo as partes no prazo de 10 (dez) dias alegar perante o tribunal superior o que tiverem por conveniente quanto à retificação ora ordenada.”.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar, cumpre decidir.
Indagar-se-á das nulidades do despacho prévio à sentença e desta bem como da sua anulação em virtude da matéria de facto considerada assente.
Os factos a considerar são os que resultam objectivamente do anterior relatório e que o recorrente não questiona directamente.
Vejamos.
O despacho que decidiu o requerimento do recorrente em resultado da sua notificação do laudo pericial do colégio de peritos e a sentença apesar de serem adjacentes têm autonomia formal.
O recorrente unicamente interpõe recurso da sentença.
Não recorrendo também do despacho no recurso é inconsequente arguir no recurso pretensa nulidade do despacho nos termos conjugados dos artºs 195º e 485º, nº 2 e 3 do CPC, pelo que nada mais haverá que referir quanto a esse despacho e ao que a seu respeito se alegou estritamente, designadamente a eventual anulação do demais tramitado.
Por seu turno, o recorrente sustenta que o laudo da perícia por junta médica sofrendo de insuficiência de fundamentação, padece de igual vício a sentença recorrida que aderiu à mesma. Daí pretender, mediante o reconhecimento da nulidade da sentença que decorre da insuficiência da fundamentação dos peritos médicos às respostas constante do laudo pericial à qual aí aderiu, que seja ela anulada “para efeitos de repetição de junta médica, a fim de a mesma suprir as deficiências e insuficiências verificadas, seguindo-se os ulteriores termos processuais até à prolação de nova sentença”, referindo ainda que “teria de ser realizado um terceiro exame, imparcial, para averiguar com precisão as lesões sofridas pelo Reclamante”.
Acontece, essa adesão à perícia colegial imputada à sentença não basta para que se conclua por qualquer nulidade desta no plano formal ou substantivo. O acto em si é admissível legalmente, a fundamentação, mal ou bem, sempre existe sendo que nestes termos a lei não declara a nulidade (artº 195º do CPC) e o mais que pode acontecer é haver julgamento incorrecto da matéria de facto face aos meios de prova em que o laudo pericial é um deles.
E não é de admitir a dita pretensão a uma outra perícia colegial.
Conforme se decidiu no acórdão deste tribunal de 19.01.2017 (procº 447/12.0TTBRG-B.G1, www.dgsi.pt):
“De tudo o exposto resulta evidente tal com afirma o Exmo. Procurador – Geral Adjunto, no douto parecer que junta, que “…a lei adjectiva laboral contém um quadro normativo próprio, completo e não lacunoso, relativo à regulação da avaliação da incapacidade no âmbito dos processos emergentes de acidente de trabalho, de natureza urgente, ligada à protecção de interesses de ordem pública, que não admite o recurso à disciplina do CPC nos termos do artigo 1º n.º 2, alínea a) do CPT.”
Ora, encontrando-se de forma concisa, precisa e completa o quadro normativo referente à avaliação da incapacidade no âmbito do processo especial de acidente de trabalho estabelecido no Código do Processo do Trabalho, nomeadamente no que respeita à realização e disciplina a observar na realização da perícia médica não se vislumbra a existência de qualquer lacuna ou omissão que imponha o recurso às normas do processo civil, nomeadamente ao disposto no artigo 487º do CPC.
Neste tipo de acção especial a tramitação que temos de observar é efectivamente a prevista no CPT, afigurando-se-nos para além de desnecessária, uma vez que não constatamos qualquer omissão, até incompatível com a tramitação prevista.
Na verdade, resulta da análise da própria tramitação deste tipo de acção especial a possibilidade de realização de duas perícias médicas: uma singular (exame médico, com relatório a elaborar nos termos previstos no artigo 106º do CPT), outra colegial quando haja discordância relativamente à primeira (junta médica, que se traduz num segundo exame ao sinistrado em que as sequelas resultantes do acidente voltam a se examinadas), com regras precisas decorrentes de tal tramitação, razão pela qual, caso entendêssemos que seria aplicável a este tipo de processo especial o previsto no citado artigo 487º, teria de ser entendido como a realização de uma terceira perícia que não é prevista nem consentida quer pelo CPC., quer pelo CPT. Acresce dizer que atenta a sua natureza urgente deste tipo especial de processo também por esta via seria de considerar de todo incompatível a realização de uma terceira perícia.
O Código do Processo do Trabalho no que respeita ao processo especial emergente de acidente de trabalho não só não prevê a realização de uma segunda perícia colegial, quer a requerimento das partes, quer por determinação oficiosa do juiz, como a sua realização se revela de inadmissível ao prever no artigo 140º do CPT que o juiz profere decisão sobre o mérito, uma vez realizadas as perícias referidas no artigo 139º, sendo certo que esta disposição legal apenas prevê a realização de uma perícia colegial por junta médica.
Por fim, importa ainda salientar que o art. 139º do CPT., prevê que o juiz preside à perícia por junta médica e prevê também o rumo a seguir, que não a realização de uma segunda perícia colegial, quando a junta médica suscite dúvidas, não se conseguindo captar as razões e o processo lógico que conduziu ao resultado do exame por junta médica, ou à resposta a algum dos quesitos.
Em suma, no âmbito da acção especial emergente de acidente de trabalho em face da disciplina especialmente prevista no CPT para a realização da perícia médico-legal, com vista à avaliação da incapacidade para o trabalho de que poderá ser portador o sinistrado revela-se de inadmissível a realização de uma 2ª perícia colegial, não havendo assim lugar a aplicação do previsto no artigo 487º do CPC.”.
Em consequência, se questões houver ainda para serem esclarecidas sê-lo-ão no âmbito da junta médica realizada.
Doutro passo, a sentença padecendo de insuficiência de fundamentação em virtude disso e a matéria de facto que se fixou de deficiência ou obscuridade, então, esta irregularidade deve antes ser suprida nos termos do artº 662º, nºs 1 e 2, alª c), do CPC, revogando-a e determinando-se que a junta médica, mediante a realização de novos exames e pareceres se assim for entendido (artºs 139º, nº 7, 140º, nº 1 do CPT, 21º da Lei 98/2009 de 04.09, 2º, nº 2 do DL 352/2007, de 23.10, instruções gerais 5 e 13 da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo último diploma) aprecie a situação médica de novo, aclarando-a.
Segundo o artº 662º do CPC (aplicável ex vi 87º nº 1 do CPT):
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)”.
Como se constata deve anular-se a sentença se os elementos probatórios forem insuficientes para imporem a alteração da decisão sobre a matéria de facto considerada obscura ou deficiente, nomeadamente.
A aquisição de nova prova tem, então, uma razão finalística que é antes do mais superar a patologia da decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
Ainda que o tribunal o possa fazer oficiosamente, certo é também que nada impedia que se convolasse a pretensão da recorrente segundo estes parâmetros que neles tem ainda cabimento.
Assim sendo
Face ao alegado no recurso o que deve ser entendido como deficiência da decisão sobre a matéria de facto reporta-se à circunstância de se considerar o sinistrado “portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06)”.
Na sentença, para o efeito, aderiu-se ao dito laudo pericial por inteiro:
“Realizada esta (fls. 175)consideraram os Ex.mos peritos por unanimidade que por força do acidente sofrido, o sinistrado é portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06), tendo estado afetado dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- de 30/04/2016 a 30/11/2016 (215 dias) – ITA; - de 01/12/2016 a 02/01/2017 (33 dias) – ITP a 30%.
Atenta a conclusão unânime a que chegaram os Ex.mos Peritos que formaram a junta médica, as respostas aos quesitos e os demais elementos dos autos, entendo não haver motivos para discordar de tal entendimento, valendo aqui o que supra se referiu na apreciação do requerimento entretanto apresentado pelo sinistrado quanto ao ocorrido na junta médica e às conclusões da discussão ali efectuada. Assim, considero:
- o sinistrado clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,00% (0,06) desde o dia imediato ao da alta (alta que ocorreu em 02/01/2017);”.
No complemento justificativo refere-se:
“As questões colocadas foram debatidas na junta médica realizada e o auto de junta médica responde às mesmas. Assim, no que toca aos exames médicos juntos aos autos, os Ex.mos Peritos que compuseram a junta médica analisaram-nos e, no confronto com o exame direto e objetivo do sinistrado, foram unânimes em concluir que as queixas que este apresentou no momento da junta não eram de modo algum justificadas face ao que consta de tais exames. No exame médico (a que o signatário presidiu) todos os peritos insistentemente solicitaram ao examinado que executasse determinados movimentos e gestos, tendo este de forma notória sido pouco colaborante na sua execução e apresentando queixas que os médicos presentes referiram não serem adequadas às lesões e sequelas sofridas. Além disso, verificou-se no final do exame que o sinistrado conseguia realizar sentado com facilidade movimentos que – a serem verdade as queixas que relatou quando lhe foi pedido que efectuasse esses mesmos movimentos noutra posição – seria impossível que realizasse, o que em muito contribuiu também para a conclusão a que unanimemente chegaram os Ex.mos Peritos após o debate. Por todos os peritos foi descartada a necessidade de realização de quaisquer outros exames, sendo que o enquadramento que fizeram na tabela é o que corresponde ao resultado da sua observação e discussão e que consta nas respostas aos quesitos – o sinistrado apresenta como sequela uma radiculalgia residual consequente à cirurgia à coluna vertebral a que foi submetido (capítulo I, ponto I, 1.1.1., alínea b) da TNI) e não uma radiculalgia persistente (capítulo III, ponto 7 da TNI).”
No laudo pericial referente a exame de 08.05.2018 consta:
“SITUAÇÃO ACTUAL Por unanimidade os Srs. Peritos médicos respondem aos quesitos formulados da seguinte forma: Quesitos de fls. 140. (Seguradora): Quesito 11º [11-Quais as sequelas correspondentes à patologia resultante do AT?] – Radiculalgia residual consecutiva operação da hérnia discal L4-L5 direita Quesito 12º – [12- Qual a IPP que lhes corresponde e com base em que artigos da TNI] IPP de 6%, conforme quadro anexo Quesitos de fls. 147. (Sinistrado): Quesito 1º [1) Quais são as lesões sofridas pelo Requerente resultantes do acidente de trabalho em 29 de Abril de 2016? ] – Hérnia discal L4-L5 direita Quesito 2º [2) Das lesões resultaram sequelas? Quais?] – Sim, as acima do quesito 11 de fls.140 Quesito 10º [10) Qual a Incapacidade Parcial Permanente (IPP) que daí resulta atendendo a que o sinistrado à data do acidente tinha 36 anos de idade?] – Conforme quadro anexo Quesitos de fls. 149vº: Quesito 1º [1 – quais os períodos de incapacidade temporária e respectivos graus que as lesões sofridas determinaram para o sinistrado?] – Os referidos a fls.22 Quesito 2º [2 – qual a data de consolidação das lesões?] – 2/01/2017 Quesito 3º [3 – as sequelas que o sinistrado apresenta determinam que esteja afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual?] – Não
Pelos peritos ainda foi dito: o exame do estado actual revela incongruências com os resultados dos exames juntos aos autos, não justificando estes as queixas que o sinistrado apresenta. Alem disso, no exame objectivo hoje realizado foi notória alguma incongruência entre as queixas apresentadas e o exame feito, nomeadamente quando o sinistrado afirmava não conseguir efectuar alguns movimentos na posição Ortoestática, mas verificando-se que os conseguia fazer quando sentado.
Foi por nós constatado nesse exame físico a presença de contractura muscular paravertebral consequente a cirurgia efectuada.”.
O quadro anexo evidencia tal quantificação da IPP e a rúbrica da TNI mencionada (Cap. I Aparelho locomotor -1.1.1.-B, 1 - Coluna vertebral, Traumatismos raquidianos sem fractura, ou com fracturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante: (…) b) Apenas com raquialgia residual ... 0,02-0,10).
A recorrente chama à colação elementos clínicos e nosológicos do processo (consultas, assistência e exames) assim como o exame singular efectuado na fase conciliatória do processo.
Na tentativa de conciliação, para além do modo como ocorreu o acidente (no seu local de trabalho, numa obra sita no Porto, engatava cintas numas pedra para serem puxadas por uma grua, sentiu uma dor súbita na região lombar), o sinistrado referiu: “Aceita a descrição do acidente, a retribuição anual ilíquida acima referida, os períodos de incapacidades temporárias, data da alta e a PATH, com IPP de 30% (20%x1.5), atribuída pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado.”. A seguradora declarou: “Aceita a descrição do acidente e a caracterização deste como de trabalho. Aceita o nexo de causalidade entre o acidente e as seguintes lesões: lombalgia residual. Não aceita as lesões descritas no exame médico efectuado no Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, bem como a data da alta, os períodos de incapacidade temporárias e a IPATH.”.
O resumo da informação médica (diário médico) da responsabilidade da seguradora, em resultado do acidente evidencia a apresentação do sinistrado a consulta em tempo contínuo, a ministração de fisioterapia, a intervenção cirúrgica em 01.08.2016 (discectomia) e a realização de sucessivos exames de RX, TAC, EMG e RMN. Nas sucessivas consultas iniciadas em 06.05.2016 o sinistrado aparentou atitude escoliótica e claudicação do membro inferior direito (o sinistrado foi sujeito a cirurgia ao joelho há cerca de quinze anos), em 06.06 é-lhe diagnosticado lombociatalgia direita confirmado na consulta de 14.06.2016 através de TAC da coluna lombar (protrosão discal L4-L5 e L5-S1 centrolateral direita com provável compromisso radicular (dor)). Mas já na consulta de 16.05 o sinistrado referiu dor intensa e bloqueio ao nível de coluna lombar e na consulta de 29.06 mencionou-se agudização da sintomatologia quanto à ciatalgia direita, mantendo-se esta nas consultas de 11.07 e 15.07.
Em consulta de neurocirurgia mediante RMN e conducente a tal cirurgia estabelece-se o mesmo diagnóstico e singulariza-se a dor e dificuldade da marcha na flexão da coxa sobre a bacia a 40º:
Após a dita cirurgia em consulta da mesma especialidade e médico, de 22.09.2016, refere-se a degeneração de disco intervertebral lombar, sendo definitivo:
Noutra consulta da mesma especialidade:
Na consulta seguinte de neurocirurgia considera-se tratar-se de um “quadro clinico algo dissidente da realidade do exame neurológico e dos exames subsidiários”:
Em 30.11.2016 foi decidida a retoma de trabalho com 30% de ITP e, pedida reavaliação em neurocirurgia, na respectiva consulta mencionou-se:
Em consulta de neurocirurgia de 05.01.2017:
Em consulta de neurocirurgia em 23.02.2017:
Por último, em consulta de neurocirurgia, em 02.03.2017:
Na carta deste último médico, dirigida a médico de família em papel timbrado datado de 10.05.2017 destaca-se que o sinistrado “apresentava lombociatalgia direita com distribuição por L5”; no exame objectivo “apresentava dificuldade na marcha por dificuldade na flexão da coxa. Parestesias no dorso do pé direito. Lasegue positivo a 40°. Sem deficit sensitivo. Limitação motora por dor”, em RMN da coluna lombar “L4-L5, para além da desidratação do disco, constata-se uma protrusão discal circunferencial, de predomínio póstero-lateral direito, que oblitera parcialmente a gordura epidural anterior e molda o saco dural, condicionando provável compromisso da raiz L5 direita no recesso lateral. Artrose das facetas articulares. Ligeira redução da amplitude dos buracos de conjugação”; foi realizada a dita cirurgia; e, em Novembro de 2016, foi reavaliado por dificuldade na marcha, sendo que ao exame objectivo estava “sem défices neurológicos focais nomeadamente sem deficit motor, sem alterações de tónus, com RCPs em flexo, com ROTs despertáveis, sem alterações de sensibilidade, sem dismetrias, marcha autónoma bizarra, com canadianas faz apoio nos MSs e lança os Mis avançando no plano.”. Segundo ainda a mesma carta era um “Quadro não relacionado com a cirurgia prévia pelo que deverá ser orientado em contexto de Medicina Geral e Familar".
Constatamos estar perante debate clínico extenso segundo o qual, no final, o diagnóstico formulado em torno da lombociatalgia direita através dos exames neurológicos e subsidiários não justificavam as queixas de bloqueio ao nível da coluna lombar sem a conseguir flectir e de limitações na marcha com referência à perna direita, designadamente. Na consulta de 03.11 referenciam-se défices neurológicos mas, segundo esse debate, sem serem confirmados por meio de diagnóstico realizado entretanto, na carta referindo-se até que o sinistrado apresentava-se “sem défices neurológicos focais nomeadamente sem défice motor”, assim contrariando anteriores conclusões desse debate.
Neste contexto certo é também que na consulta de 17.11 os sinais de lesão do nervo peronial direito atribuem-se a lesão antiga com cirurgia ao joelho, descrevendo-se na consulta de 23.02.2017 que o sinistrado “de pé não tem dor. Caminha com canadianas e balança as pernas de trás para a frente sem dores. Quando tira as canadianas tem dor no mesmo movimento” num quadro que não tem a ver com a cirurgia a que foi submetido em Agosto, como se sublinha na mesma carta e, segundo a dita consulta de 17.11, em que o RMN não tem imagens de compressão radicular: “parece-me tratar-se de quadro clinico algo dissidente da realidade do exame neurológico e dos exames subsidiários”, menciona o clinico.
Pois bem, se nesta discussão clinica se alcança a pretensão de excluir as manifestações de défice motor e de bloqueio da coluna não justificadas pelos exames e observação directa nas sucessivas consultas entendemos também que esse objectivo não é conseguido inteiramente para além de permanecerem dúvidas em dois planos: se são ou não plausíveis essas outras manifestações não assimiláveis ou enquadradas por esses meios de diagnóstico; sendo plausíveis se, pelo menos, as suas causas estão relacionadas com lesões e sequelas resultantes do acidente sendo agravadas por estas.
Estas dúvidas são acentuadas pelo exame singular realizado em 05.07.2017, cerca de dez meses antes da realização da junta médica.
No respectivo relatório, depois de se referenciar objectivamente a história do evento, os dados documentais e os antecedentes comenta-se das ditas consultas que “delas releva-se a dificuldade que os médicos expressam para entenderem o quadro clínico em apreço, tendo em conta as queixas referenciadas pelo sinistrado, as observações médicas efectuadas e o resultado dos exames”.
Sobre as queixas aí consignadas destacam-se as dificuldades em permanecer de pé, deambulação com auxílio de duas canadianas apresentado marcha paraparético sem canadianas e os fenómenos dolorosos na região lombar com irradiação para ambos os membros inferiores, embora predominante à direita.
No exame objectivo menciona-se: “Ráquis: cicatriz de localização lombar, de tipo cirúrgico, medindo 4cm; Lasegue bilateral aos 60º; reflexo rotuliano praticamente ausente à esquerda; ambos os reflexos aquilianos ausentes. Quadro de radiculalgia com marcha de tipo paraparético. Não consegue fazer marcha apoiado em bicos de pé e calcanhares”.
E na discussão afirma-se, genericamente: “o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha relativamente ao traumatismo e se exclui a pré-existência do dano corporal. (…) A incapacidade permanente parcial resultante do acidente actual, tendo em conta as sequelas atrás descritas e a consulta da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, Dec. Lei n 352/07 de 23 de Outubro), é de 20,0000% . A taxa atribuída tem em conta o(s) artigo(s) da Tabela referido( s) no quadro abaixo indicado. (…) As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual.”. O quadro anexo evidencia tal quantificação da IPP do capítulo III da TNI: “Neurologia e neurocirurgia, 7 - Nevralgias e radiculalgias. Persistentes e segundo a localização e a impotência funcional ... 0,10-0,20.”.
Sem perder de vista o predito e o circunstancialismo de tempo em que foi realizada a perícia colegial em relação ao exame singular tem de se concluir forçosamente que são limitados os elementos informativos do relatório desta perícia ao descrever as queixas do sinistrado e o resultado da respectiva observação directa sem distinguir as queixas plausíveis das demais bem como sem aludir a existência ou não de relação entre todas as queixas.
Correctamente observado é o que consta também no parecer:
“Acresce que o laudo da junta médica é ainda obscuro, incompleto, insuficiente e infundamentado, por outras razões: - na perícia alude-se a incongruência entre as queixas do sinistrado e os exames, sem que se concretize e especifique, quais as queixas e quais os exames, de modo a poder sindicar-se a incongruência invocada; - também não se explicita quais os movimentos que o sinistrado não conseguiu efectuar na posição "Orta estática" e os que conseguia fazer sentado; - não se precisa se foi valorizada, face à TNI, a constatada contractura muscular paravertebral consequente a cirurgia, a valorizar nos termos do art. 11º, nº 5, da Lei nº 98/2009, de 04.09; - não se explicitam devidamente as razões da divergência com o resultado da perícia singular, em que se considerou o sinistrado afectado de IPATH.”.
A deficiência o laudo, ademais quanto à IPATH, é sobretudo adensada por não se referir sobre a possibilidade ou não de reversão das lesões pelo tempo decorrido entretanto.
Ora, se o veredicto dos peritos não carece em regra do acompanhamento da indicação de exames para serem validados já em face dos elementos disponíveis dos autos a sua forma sintética impede que se detecte em cada um deles a sua plena autojustificação ou a justificação de uns nos outros e perturba a aquisição do percurso lógico do juízo técnico-científico emergente da sua razão de ciência. Ainda que, em contrapartida, as qualidades técnicas daqueles (assumindo relevo não despiciendo o saber e a experiencia profissional, a percepção da leges artis, a intuição e a casuística de cada um) possam ser uma garantia da determinação adequada do desfecho da perícia para a apreciação das partes e do tribunal da prova disponível dos autos segundo a sua prudência e bom senso.
Deste modo pode concluir-se igualmente pela existência de uma fundamentação deficiente ou obscura nessa medida contaminando a decisão da matéria de facto que nela se baseou.
Para a dilucidação das dúvidas que suscitamos este tribunal não poderá fazer uso do descrito no despacho prévio à sentença quanto à circunstância de “No exame médico (a que o signatário presidiu) todos os peritos insistentemente solicitaram ao examinado que executasse determinados movimentos e gestos, tendo este de forma notória sido pouco colaborante na sua execução e apresentando queixas que os médicos presentes referiram não serem adequadas às lesões e sequelas sofridas. Além disso, verificou-se no final do exame que o sinistrado conseguia realizar sentado com facilidade movimentos que – a serem verdade as queixas que relatou quando lhe foi pedido que efectuasse esses mesmos movimentos noutra posição – seria impossível que realizasse, o que em muito contribuiu também para a conclusão a que unanimemente chegaram os Ex.mos Peritos após o debate. Por todos os peritos foi descartada a necessidade de realização de quaisquer outros exames, …”. Com efeito, se é relevante devia constar no auto/relatório do exame colegial dada a fé pública de que beneficia enquanto documento autêntico, nos termos do artº 371º do CC.
Deste modo, a sentença optando, sem mais, pelo laudo pericial para fixar a matéria de facto assente, decidindo, assim, com o mesmo grau de deficiência, não contém todos elementos de facto necessários a essa decisão.
Daí que mediante a anulação da sentença a fim de ser colmatada a deficiência apontada no que concerne ao apuramento da matéria de facto em falta e com interesse para a decisão fundamentada da causa, deste modo superando-se a dúvida sobre se estamos perante uma radiculalgia residual ou uma radiculalgia persistente, devem os peritos médicos da junta pronunciarem-se de novo numa análise sintética mas criteriosa para esclarecerem as questões acima colocadas a titulo quer da análise da documentação clinica quer do relatório dessa junta, sendo que face ao tempo decorrido deve ser ordenada a realização de exames médicos de natureza e incidência a indicar por esses peritos.
Para além disto, atento ao disposto no artº 21º, nº 4 da Lei 98/2009, previamente deve ser ordenada também a obtenção do parecer aí referido (instrução 13 da TNI) a ser contemplado pelos peritos médicos na sua fundamentação quanto aos aspectos profissionais e o posto de trabalho do sinistrado.
Como se refere igualmente no parecer:
“E, revisitando o processado, facilmente se detecta não ter sido junto, antes da junta médica, o Inquérito profissional e a Análise do posto do trabalho.
Consequentemente, no que se refere à resposta a dar ao quesito 3º de fols. 149 verso, os srs. Peritos não dispunham de indispensáveis elementos informatórios, atinentes à concreta actividade profissional desenvolvida pelo sinistrado, no momento do acidente, nem sobre o específico posto de trabalho e os concretos movimentos e posturas corporais que implicavam, o que acarreta a deficiência da fundamentação do seu laudo.
Nesse sentido v. Acórdão da RP de 27.02.2012, Processo nº 261/10.7TTMAI.P1, onde escreveu, em sumário:
"( ... ) II- Não se mostrando junto o inquérito profissional e o estudo do posto de trabalho, a que se reportam as alíneas a) e b) do n.º 13 das Instruções gerais da Tabela nacional de incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, não dispunham os Srs. Peritos Médicos dos elementos de cariz profissional. III- O exame por junta médica é deficiente se a sua fundamentação não contemplar os aspetos profissionais e do posto de trabalho do sinistrado, mas apenas as suas lesões e enquadramento na tabela, quando todos os aspectos da situação do sinistrado devem ser levados em conta, em tal perícia. (...)".”.
Por todo o exposto procede o recurso sendo anulada a sentença e, em consequência, deve o tribunal a quo determinar em conformidade.
Sumário, da única responsabilidade do relator
1- Na fase contenciosa do processo emergente de acidente de trabalho não é de admitir uma segunda perícia colegial.
2- A anulação prevista no artº 662º, nº 2, alª c), do CPC ocorre se os elementos probatórios forem insuficientes para imporem a alteração da decisão sobre a matéria de facto considerada obscura ou deficiente.
3- A sentença ao fixar a matéria de facto assente optando sem mais pelo laudo pericial e, assim, decidindo com o mesmo grau de deficiência, não contem todos os elementos de facto necessários a essa decisão devendo ser anulada.
Decisão
Acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso anulando a sentença e, em conformidade, ordenam ao tribunal a quo mediante a realização de novos exames médicos de natureza e incidência a indicar pelos mesmos e a obtenção de pareceres e inquéritos a que aludem o artº 21º, nº 4 da Lei 98/2009 e a instrução 13 da TNI, determine aos senhores peritos médicos a prestação de esclarecimentos, segundo o contexto acima suscitado, sobre as queixas do sinistrado não enquadráveis nos elementos clínicos dos autos e na observação directa do sinistrado, a relação entre as causas das queixas plausíveis e as lesões/sequelas do acidente e a existência ou não de IPATH, reformulando-se as repostas aos quesitos se for caso disso.
Custas pela parte vencida a final.
*****
O acórdão compõe-se de 20 folhas com os versos não impressos.