PEDIDO CÍVEL
REJEIÇÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
ARTº 107º-A DO CPP
Sumário


I) O artigo 107.º-A do Código de Processo Penal prevê a possibilidade da prática do ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa sancionatória, com intuito de evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.

II) A ratio do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e a sua conjugação com o instituto do justo impedimento impedem a hipótese de cumulação destas duas prerrogativas para a prática do ato fora do prazo normal legalmente previsto.

Texto Integral


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.
Secção penal.

Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.

I. RELATÓRIO

No processo comum coletivo n.º 4123/16.6JAPRT, do Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, Juiz 2, da Comarca de Bragança, por despacho judicial datado de 26 de setembro de 2017, foi rejeitado liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido por C. C. e C. B., com os demais sinais dos autos, por inexistência de justo impedimento e consequente extemporaneidade do ato.

*
Inconformados, C. C. e C. B. interpuseram recurso, apresentando a competente motivação que rematam com as seguintes conclusões:

«1- O prazo para deduzir o PIC é de 20 dias, podendo ser praticado nos três dias úteis seguintes, com a cominação do que vai disposto no art.º 107-A do C.P.P.
2- O que significa que o prazo terminava no dia 10.08.017.
3 — Acontece que a Advogada em causa no dia 10.08.017, se encontrou doente e por isso impossibilitada de cumprir com as suas obrigações profissionais por um período previsível de cinco dias, cfr. Declaração Médica junta aos autos com o PIC, e bem assim conforme se alcança do Certificado de incapacidade Temporária para o Trabalho, onde se refere que a mesma se encontra em estado de doença incapacitante para a sua actividade profissional por um período de doze dias, de igual modo junta aos autos, reproduzidas nesta sede para os devidos e legais efeitos.
4 — O que significa que desde 10.08.017 até 31.08.017, esteve doente, doença esta, grave, súbita, incapacitante, que a impediu de praticar o acto, dedução da PIC, avisar os seus constituintes, de substabelecer num Colega, e constitui Justo impedimento.
5 — Tendo praticado o acto, dedução do PIC, logo que a doença, impedimento, cessou.
6 –Não se verificou qualquer situação de negligência, assacada.
7- Conclui-se pois, pela existência e verificação de Justo impedimento, por parte da Advogada, e em consequência a prática atempada da dedução do PIC, que deveria ter sido admitido.
8 — Assim sendo, a despacho recorrido violou disposições legais, artº 107- A do C.P.P. e 14º.º do C.P.P.»
*
O recurso, inicialmente rejeitado por extemporâneo, veio a ser admitido após procedência da reclamação desse despacho.

Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, no sentido do não provimento do recurso.

Foi cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (1).

1. Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, as questões a apreciar e decidir são, em primeiro lugar, a de saber se o justo impedimento é invocável no prazo dos três dias úteis a que se reporta o n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 145.º) ex vi artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e, em caso afirmativo, se a não apresentação, dentro do prazo, do pedido de indemnização civil, se ficou a dever a justo impedimento.

*
2. Ocorrências processuais com interesse para a decisão:

A. Os presentes autos reportam-se a um processo comum coletivo em que o arguido F. B. se encontra em prisão preventiva, situação que já se verificava em 11 de julho de 2017;
B. Os lesados C. C. e C. B. foram notificados por intermédio de cartas registadas com aviso de receção, expedidas em 11 de julho de 2017, do despacho de acusação para, querendo, deduzirem pedido de indemnização civil, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias;
C. No mesmo dia 11 de julho de 2017, por via postal registada, foi a mandatária daqueles lesados notificada de que havia sido proferido despacho de acusação.
D. No dia 1 de setembro de 2017 deu entrada em juízo pedido de indemnização cível deduzido por C. C. e C. B.;
E. No final do pedido cível consta a seguinte declaração da senhora advogada subscritora: «Advogada impedida por doença desde 10-8-2017 inclusive a 31-8-2017 inclusive», com junção de declaração médica e certificado de incapacidade temporária para o trabalho comprovativos de que a mesma esteve doente e incapacitada para o exercício da sua atividade profissional durante aquele período;
F. Na sequência do que o Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, datado de 26 de setembro de 2017, no qual rejeitou liminarmente o pedido de indemnização civil deduzido por C. C. e C. B., nos seguintes termos:

«PIC:
Considerando a declaração feita a final do PIC deduzido (“Advogada impedida por doença desde 10-8-2017 inclusive a 31-8-2017 inclusive”);
Considerando o sentido normal da declaração (artigo 236° Código Civil);

Temos por adquirida a invocação do justo impedimento.

Considerando, porém, que:

- a doença que impossibilitou a distinta causídica de cumprir os seus afazeres profissionais surgiu já depois do prazo «normal», ou seja, depois do prazo de 20 dias (que não se suspendeu em férias, pois arguido está preso preventivamente), mais precisamente no 3° dia útil posterior;
- nessa fase, face ao tempo já decorrido (20 dias seguidos mais 2 dias úteis) já não se colocava, nem podia razoavelmente colocar-se a questão da elaboração da peça processual PIC, nem consequentemente, se pode sustentar que a falta de elaboração atempada do PIC se deveu á impossibilidade causada pela doença;
- a única impossibilidade que se colocou á distinta advogada dizia respeito ao pagamento da multa correspondente ao 3° dia útil ou, mais precisamente, á impossibilidade de se deslocar ao tribunal, o que era facilmente ultrapassável, pelo que não era grave, não necessitando para tanto, sequer de substabelecer — pois nem era necessária a ida de um causídica, qualquer pessoa podendo pagar a multa;
- ao actuar assim, a mandatária foi duplamente negligente: não elaborou a peça processual no prazo normal, quando nada o impedia; não se preocupou com o pagamento da multa;
- a jurisprudência vem exigindo, para considerar a doença como justo impedimento, que dela decorra grave impossibilidade e que ela seja inopinada (porque não o sendo, i., é., não sendo imprevisível, a sua não atempada tomada em consideração já é em si mesma negligente) — já assim, o acórdão RG de 23-06-2004, P.1107/04-l, dgsi: “A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato”; cfr. ainda entre outros, o acórdão RP de 1-6-2011, P. 841/06.5PIPRT.P1, dgsi: “As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento”;
- no caso, não só não se mostra comprovado o carácter inopinado da doença, como, ainda que se demonstrasse, nunca teria a virtualidade de tomar gravemente impossível a prática do acto — como se viu.

Conclui-se, pois, pela inexistência de justo impedimento, e em consequência, pela extemporaneidade do acto processual — dedução do PIC — que por isso não é de admitir.

Termos em que, rejeito liminarmente o PIC deduzido, por extemporâneo e ordeno o seu oportuno desentranhamento.

Custas do incidente anómalo pelos demandantes com taxa de justiça que fixo no mínimo.
Notifique.»
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Os recorrentes insurgem-se com a decisão recorrida por entenderem ter ocorrido justo impedimento para a apresentação, dentro do prazo, do pedido de indemnização civil, cuja causa circunscrevem ao facto de no terceiro terceiro dia útil após o terminus do prazo normal de 20 dias previsto para a prática daquele ato, a sua mandatária ter ficado temporariamente incapacitada, por doença, para o exercício da sua atividade profissional, o que alegou e provou logo que cessou tal impedimento, nesse mesmo dia apresentando também o pedido cível.

Vejamos.

Resulta claramente do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal que o prazo para apresentação do pedido cível varia conforme a qualidade de quem o deduz.

A situação em apreço nos autos é a prevista no n.º 2 da citada norma, que para tal estabelece o prazo de 20 dias após a notificação ao lesado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir pedido cível, em requerimento articulado, naquele prazo.

No caso, tendo em atenção os elementos constantes deste apenso de recurso e o referenciado na decisão recorrida – que nesse particular não sofeu qualquer contestação – os recorrentes consideram-se notificados do despacho de acusação no dia 18 de julho de 2017.

Nessa data se iniciando o prazo de 20 dias para deduzirem pedido cível, sob pena de precludir o direito de o apresentarem no âmbito do respetivo processo penal.

Tal prazo processual é contínuo, só se suspendendo e interrompendo nos termos da lei, como prescrevem os artigos 104.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 138.º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Sendo que no caso – e como também decorre do disposto no artigo nº 2 daquele artigo 104.º– o prazo não se suspendeu nas férias, por se tratar de um processo em que o arguido se encontrava (e encontra) preso preventivamente.

Terminou pois aquele prazo de 20 dias para os recorrentes deduzirem pedido cível no dia 7 de agosto de 2017.

Contudo, apenas no dia 1 de setembro do mesmo ano foi apresentado o pedido cível, no qual é invocado justo impedimento para a prática do ato dentro do prazo, cuja causa é circunscrita a doença da senhora advogada mandatária dos demandante/recorrentes, que a incapacitou para o exercício da respetiva atividade profissional entre os dias 10 e 31 de agosto de 2017 (ambos inclusive), com junção de declaração médica e certificado de incapacidade temporária para o trabalho comprovativos.

O início da doença da mandatária que é apontado como causa do justo impedimento é assim situado pela própria apenas no terceiro dia útil após o terminus do prazo normal de 20 dias concedido aos recorrentes seus constituintes para deduzirem o pedido cível.

Prevê efetivamente o artigo 107.º-A do Código de Processo Penal a possibilidade da prática do ato dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.

Essa multa assume a clara natureza de sanção para um comportamento processual que se presume menos diligente ou negligente (2), aumentando inclusive o respetivo montante conforme o ato for praticado no 1º, no 2º ou no 3º dia posterior ao termo do prazo, para sancionar graus de negligência sucessivamente mais intensos.

Este prazo suplementar de 3 dias é pois um período excecional que decorre para além do prazo para praticar o ato, do qual a parte só pode valer-se pagando uma multa sancionatória, com intuito de evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.

Neste contexto, em que a parte protelou a prática do ato para os três dias seguintes e está já a usufruir de uma condescendência legal, não se compreende que ainda assim mantivesse a salvaguarda da invocação do justo impedimento previsto e regulado nos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 107º do Código de Processo Penal.

A ratio do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal e do artigo 139.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 145.º) e a sua conjugação com o instituto do justo impedimento impedem pois a hipótese de cumulação destas duas prerrogativas para a prática do ato fora do prazo normal legalmente previsto.

Como a propósito se pode ler no Acórdão do STJ de 04.05.2006, proc. n.º 2786/05 (3):

«Deixando a parte escoar o prazo peremptório de que legalmente dispunha, só não verá extinto o direito de praticar o acto se, excepcionalmente, o fizer - se bem que dependentemente do pagamento de determinada multa - nos três dias úteis seguintes.

Mas, se protelar a prática do acto (apesar de não haver qualquer impedimento à sua prática em tempo) para os três dias úteis seguintes, perderá a salvaguarda do “justo impedimento”.

Pois que este só vale para o “impedimento”surgido no decurso do prazo peremptório, hipótese em que a parte, alegados e provados o impedimento e a sua justeza, será admitida a praticar o acto “no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento” (art. 107.º, n.ºs 2 e 3 do CPP).»

Nenhuma censura nos merece pois a decisão recorrida, que considerando precisamente a inadmissibilidade de invocação de justo impedimento motivado por doença da mandatária com início no terceiro dia útil após o termo de um prazo perentório, rejeitou o pedido cível apresentado pelos recorrentes, por extemporaneidade.

Ficando naturalmente prejudicado o conhecimento do fundamento invocado para o justo impedimento.

***
III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 4 (quatro) UCs a taxa de justiça.
*
Guimarães, 17 de dezembro de 2018
(Elaborado e revisto pela relatora)


1. Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
2. Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-11-2008, proc. n.º 08B2372, disponível em www.dgsi.pt.
3. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=22385&stringbusca=&exactawww.dgsi.pt.