RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Sumário


Sumário (da relatora):

I. Pese embora a lei não exija o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, o facto é que tal solução deve ser encontrada de acordo com o interesse do menor e ponderando todas as circunstâncias relevantes.

II. De entre essas circunstâncias relevantes, há a considerar nomeadamente a idade do menor, e a distância entre as residências dos progenitores.

Texto Integral


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

L. T., divorciada, farmacêutica, residente no Largo ..., Vila Flor, veio iniciar contra P. M., divorciado, militar da GNR, residente no Posto da GNR …, a presente acção de jurisdição voluntária de regulação de responsabilidades parentais, nos termos do disposto nos arts. 17º, 34º e ss e 43º do RGPTC, requerendo a regulação das responsabilidades parentais da menor M. F..

Tendo as partes sido notificadas para a tentativa de conciliação a que se refere o art. 35º do RGPTC, as responsabilidades parentais em relação à menor foram provisoriamente reguladas nessa diligência (fls. 28/30).

O acordo a que se refere o ponto anterior foi objecto de dois complementos, constantes das actas de fls 75/76 e 352/353.
Foram juntos diversos relatórios sociais aos autos (cfr. fls. 79/83, 113/115, 178/183, 193/196, 298/299, 311/312, 338/348, 485/491, 529/531).

Tendo-se inviabilizado a tentativa de conciliação e a audição técnica especializada (fls 113/115), as partes foram notificadas para apresentarem as suas alegações tendo dito, em suma, o seguinte:

A progenitora L. T. alega que em resultado da regulação provisória das responsabilidades parentais, a menor foi entregue à Mãe e tem estado a residir junto desta, na aldeia de ..., em Vila Flor, fazendo parte do agregado familiar igualmente os avós maternos da menor; durante o dia, enquanto a progenitora está a trabalhar na farmácia de ..., concelho de Mirandela, a menor fica aos cuidados da avó, os quais são proprietários de um café na aldeia sendo a avó quem dedica mais tempo à exploração do negócio, dedicando-se o avô ao trabalho no campo e nas obras; o café sita no centro da aldeia, sendo maioritariamente frequentado por pessoas da localidade, com quem a família se relacionada há anos; o movimento no café é fraco e calmo, o que permite que a avó preste os cuidados necessários à neta sem agitações; o espaço comercial mantém boas condições de higiene e de organização, dispondo de uma cozinha para confeção de pequenas refeições, não sendo permitido fumar no café; a família ocupa casa própria, localizada a poucos metros do café, com excelentes condições de habitabilidade e de conforto; a menor dorme no quarto da progenitora, num berço junto à cama desta, a fim de ser mantida uma maior vigilância; o agregado mantém condição financeira desafogada, sendo que os avós apoiarão a filha e a neta em caso de necessidade; trata-se de uma família estruturada, tendo tanto a progenitora da menor como os avós competências para cuidar de uma criança de tenra idade; a menor tem sido levada a consultas médicas regulares e da especialidade de pediatria, encontrando-se a cumprir o plano nacional de vacinação, apresentando um desenvolvimento normal para a idade; é convenientemente alimentada, limpa e cuidada, sendo todos os elementos do agregado competentes para dar adequadamente as refeições à menor, de acordo com as suas necessidades e orientações do pediatra; a menor é alvo da atenção dos vizinhos, com quem interage socialmente de forma positiva; quando chega do trabalho, a progenitora acompanha a menor; existe uma ligação forte entre a menor e a progenitora e os avós; a menor encontra-se devidamente protegida no agregado materno, sendo este idóneo para promover o seu desenvolvimento integral, pelo que deverá continuar entregue à progenitora; pretende ainda limitar o direito de visitas do progenitor, cingindo-o às visitas a casa da menor, em como a actualização da pensão de alimentos, a suportar pelo progenitor, para a quantia de €200,00 mensais.

O progenitor P. M. alega desde que se encontram separados, o progenitor apenas consegue privar com a sua filha em fins de semana alternados, conforme acordado bem como em pequena parte das férias, de acordo com a decisão do Tribunal, atendendo à falta de receptividade por parte da progenitora para permitir uma maior abrangência nos contactos; durante o curto espaço de tempo em que a menor frequentou a creche, a harmonização dos contactos ficou facilitada em virtude de o progenitor contactar diariamente com a creche para obter informações sobre o estado geral da menor e ia buscar a menor à creche; atendendo à decisão unilateral da progenitora em retirar a menor da creche, o progenitor viu-se obrigado a ir buscar a menor à residência dos avós paternos, tendo aumentado os atritos; considera ter melhores condições pessoais e materiais para ter a guarda da filha; com efeito, até à separação do casal, o progenitor foi sempre quem cuidou da menor, lavando e passando as suas roupas a ferro, preparando-lhe as sopas e papas, dando-lhe banho e refeições, atendendo à tendência da progenitora em se isolar e confinar-se no quarto; cuidava ainda das roupas e da alimentação do casal, apesar de a progenitora se encontrar desempregada e ele a trabalhar; considera que a progenitora não se encontra no pleno das suas capacidades, colocando em risco a menina em virtude de recusar sistematicamente a integração da menina na creche, se ter verificado um atraso no crescimento e na evolução do peso desde que a menina passou a estar à guarda da progenitora, tendo estado internada com indicações de anorexia e anemia, provenientes de uma desadequada dieta alimentar para a idade da criança, não tendo igualmente os cuidados necessários com a alimentação e descanso da menor; a progenitora não comunica ainda o estado de saúde da filha, não permite que o mesmo acompanhe as consultas médicas, que se apresente no centro de saúde para ter conhecimento do estado de saúde da filha, os boletins de saúde terem surgido rasurados; refere ainda residir em casa dos progenitores, que lhe prestam todo o apoio de que necessita, em casa que possui todas as condições de habitabilidade, incluindo um quarto preparado para a menor, aufere um salário mensal de €1000,00, tem pago mensalmente a pensão de alimentos, tem horários mais flexíveis do que os da progenitora; termina peticionando que a regulação das responsabilidades parentais em termos tais que – em suma – a guarda da menor lhe seja atribuída a si (ao progenitor), sem prejuízo dos direitos de visita da progenitora sempre que o entender e passando fins de semana alternados com esta; a progenitora pagaria mensalmente a quantia de €75,00 a título de pensão de alimentos, acrescida de 50% das despesas médicas, medicamentosas e escolares.
Foram juntos os relatórios sociais peticionados.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

VI. Dispositivo
Termos em que o Tribunal decide regular da seguinte forma as responsabilidades parentais em relação à menor M. F.:

1. A menor deverá residir alternadamente com cada um dos progenitores durante períodos de quinze dias; o progenitor com quem a menor deverá passar o respectivo período deverá ir buscá-la à residência do outro progenitor, conforme as disponibilidades profissionais, assegurando sempre a maior discrição e reserva, evitando qualquer exposição pública.
2. Durante o período em que a menor estiver a residir com um dos progenitores, o outro progenitor tem o direito de a visitar a qualquer altura, mediante pré-aviso, com respeito pelos horários de descanso e actividades lúdicas da menor.
3. A menor deverá passar metade das férias com cada um dos progenitores, de acordo com as marcações de férias destes; cada um dos progenitores obriga-se a informar o outro, atempadamente, da marcação das suas férias a fim de permitir estabelecer os dias que passará com a menor.
a. A Páscoa, o Natal e o fim de ano serão passados alternadamente com cada um dos progenitores; a Véspera de Natal com um progenitor e o Dia de Natal com outro progenitor.
b. No dia de aniversário da menor, deverá tomar uma refeição com cada um dos progenitores;
c. Os aniversários dos progenitores, assim como o dia da Mãe e o dia do Pai, serão passados com o progenitor respectivo;
4. O exercício de responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância deverão sempre ser exercidas de comum acordo entre os progenitores; em relação a actos da vida corrente, as mesmas deverão competir ao progenitor com que a menor estiver a residir naquele momento; todavia, no exercício das responsabilidades parentais, deverão sempre tomar em contemplação as instruções educativas do outro (art. 1906º, n.º 1 e nº 3 do Cód Civil).
5. Cada um dos progenitores deverá prestar ao outro todas as informações solicitadas e consideradas necessárias relativas ao estado de saúde e de educação da menor e permitir ao mesmo a participação integral e efectiva nesse processo, se necessário assinando as autorizações consideradas imprescindíveis para que tenha conhecimento de todos os actos relevantes e de autorizar a sua presença.
6. Cada um dos progenitores deverá contribuir exclusivamente com as despesas habituais (alimentares, vestuário, lúdicas) da menor durante o tempo em que a mesma esteja consigo; todavia, havendo despesas médicas, medicamentosas e educacionais, os progenitores deverão participar nas mesmas em partes iguais, mediante apresentação de recibo.

*
Custas em partes iguais (art. 527º, n.º 1 e n.º 2 do Cód. de Processo Civil).
*
Registe, notifique e, transitada, comunique a decisão à CRCivil competente (art. 1920º-B, al. a), do Cód. Civil).”
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Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“Conclusões

I. A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo tribunal a quo, quer de facto, quer de direito, daí o presente recurso.
II. Porque discorda da forma como a prova produzida nos presentes autos foi avaliada pelo Tribunal a quo, pretende-se que este Tribunal proceda à reapreciação da prova produzida, mormente no que concerne aos documentos carreados nos autos e as ilações que dali se devem retirar; assim se assentará o erro notório de julgamento do tribunal a quo.
III. O objecto do litígio consistia na regulação das responsabilidades parentais da menor, M. F..
IV. Nas suas alegações, ambos os progenitores requereram para si a atribuição da guarda da menor. Nenhum requereu o regime de residência alternada.
V. Por não haver acordo entre as partes, procedeu-se à realização de Audiência de discussão e julgamento e, posteriormente, notificados da douta sentença.
VI. A autora não se conforma com a mesma, basicamente, pelo o facto de ter sido decidido que a menor M. F. passa a “residir alternadamente com cada um dos progenitores durante períodos de quinze dias”, isto é, ficar sujeita ao regime da residência alternada – e aqui reside a principal razão de discordância da Autora.
VII. Ao abrigo da “livre apreciação” da prova o Julgador, na ponderação a haver, deverá pautar-se por regras lógicas e de racionalidade, de modo tal que, quando confrontados terceiros com o decidido, possam estes aderir ou afastar-se, também racionalmente, da valoração feita.
VIII. Entende a Autora, ora Recorrente, que deverá ser aditada à matéria de facto dada como assente, o seguinte facto: “A Autora reside em ..., Vila Flor e o Réu na Guarda, localidades que distam entre si cerca de 120Km”. Tal facto, para além de vir elencado no intróito das peças jurídicas apresentadas pelas partes, é complemento ou concretização dos factos que as partes alegaram e que resultam da instrução da causa, tendo sobre eles tido a possibilidade de se pronunciar, como aconteceu (art. 5.º, n.º 2, al. a) e b) do CC).
IX. Para dar como provados e não provados os factos, o Tribunal assentou a sua convicção na prova produzida, tendo valorado, em particular, a extensa prova documental constante dos autos – em particular os relatórios sociais constantes de fls. 79/83, 113/115, 178/183, 193/196, 311/312, 485/491, 529/531 e 534/535 – bem como os depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.
X. Todavia, não foram tomados em conta, alguns factos, reais e notórios (e facilmente observáveis nos diferentes relatórios sociais existentes nos autos) que, no caso concreto destes autos (e é isso que aqui interessa) desaconselham a solução indicada pelo Tribunal, pelo simples facto de ir ao arrepio do superior interesse da criança:

a) o factor de distância da residência entre os progenitores: cerca de 120Km;
b) a relação conflituante entre progenitores;
c) apesar de desavindos, nenhum dos progenitores ter requerido tal regime!
XI. Como se pode apreciar no texto da sentença enquanto a mãe da menor reside em ..., Vila Flor, o pai reside na Guarda. Trata-se de duas localidades que distam entre si cerca de 120Km (facto notório nos termos do art. 412.º, do CPC).
XII. Desconsiderando este facto, fica o raciocínio do decisor incompleto, o julgamento hipotecado e, no caso, a decisão desacertada. Dito de outro modo, salvo o devido respeito e melhor opinião, há erro de julgamento porque o juiz decide mal, na exacta medida em que decide contrariamente aos factos apurados e, nesse sentido, contra lei expressa (interesse superior da criança/menor – art. 1906.º, n.º 7, do CC).
XIII. É notório um clima de conflito e hostilidade entre os progenitores (passando mesmo por apresentação de queixas crime contra a progenitora e familiares). Contudo, salvo melhor entendimento, ela é desconsiderada na solução mencionada na sentença, ao apontar o regime de residência alternada como o mais adequado a servir o superior interesse da criança – esta, a repetida razão de discordância da Autora.
XIV. Não que fosse determinante, mas o certo é que nenhum dos progenitores configurou tal solução (da guarda alternada) no pedido apresentado ao Tribunal. Nem um, nem outro dos progenitores preconizou ou vislumbrou essa possibilidade, razão pela qual nunca chegou a configurá-la nos seus requerimentos (nem como pedido alternativo).
XV. Facilmente se pode reconhecer que o regime provisório servia completamente o superior interesse da criança. Isso pode ser constatado nos relatórios técnicos existentes dos autos (da SS e da CPCJ) oficiosamente requeridos pelo Tribunal. Resumidamente, pode ler-se:
“Tudo indica que a requerida reúne condições adequadas para o exercício da responsabilidade, denotando possuir características e princípios que permitem tê-la em conta, como uma mãe zelosa e seriamente interessada no bem-estar da filha, que tem conseguido até ao momento garantir a satisfação das necessidades básicas e um desenvolvimento equilibrado da menor, demonstrando assim as suas competências parentais.
(...) Apesar de tudo, a requerida revela abertura e disponibilidade para facilitar o direito e convivência da menor com o pai, pois considera que a relação convívio pai/filha irá contribuir de forma positiva para o processo de desenvolvimento, educação e formação da filha.
No contacto estabelecido com a criança em contexto de visita domiciliária, efectuada em 4 de outubro de 2016, apresentava-se cuidada e limpa. Constatamos tratar-se de uma criança com um desenvolvimento aparentemente normal face à faixa etária, bem desenvolvida em termos cognitivos, e muito comunicativa, na relação mãe/filha e avó/neta nota-se uma relação afectiva muito forte.
A criança estabeleceu uma relação empática com a técnica durante o tempo da visita.
(in Relatório Técnico da Segurança Social, de 13/09/2016)
“A criança encontra-se aparentemente saudável, apresenta comportamentos e competências de aprendizagem adequados à sua idade, encontrava-se limpa, alegre, sem qualquer marca de qualquer tipo de mau trato físico.
Concluindo, da observação/diálogo que estabelecemos com a menor e a sua avó, verificamos que a menor é muito bem tratada pela mãe, avós maternos e vizinhos.
A criança é feliz e no que se refere ao seu desenvolvimento psico-motor, encontra-se dentro dos parâmetros considerados normais para a sua idade.”
(In Relatório Técnico da CPCJ, 12/10/2017)
“Face às informações recolhidas, é nosso entender que a requerida dispõe de condições objectivas e necessárias à manutenção do exercício das responsabilidades parentais à menor em causa(...)
Ao nível da supervisão parental a menor dispõe de apoio da progenitora e paralelamente dos avós maternos, os quais cuidam da menor nos períodos de ausência da mãe por motivos profissionais.
Face às informações recolhidas, parece-nos que a requerida reúne boas condições sócio-económicas e competências para o exercício das responsabilidades parentais, referindo ser seu desejo que a menor permaneça à sua guarda e cuidados de forma a continuar a acompanhar o processo de desenvolvimento e educação da filha onde ao que tudo indica a menor desfruta de uma inserção sociofamiliar ajustada nas diferentes esferas da vida em sociedade sob a supervisão da progenitora e apoio dos avós maternos.”
(in Relatório Técnico da Segurança Social, de 26/06/2018)
XVI. Estando em causa uma decisão que radica essencialmente na apreciação da prova documental, corroborada pela testemunhal, produzida em audiência de julgamento, impõe-se uma reapreciação da mesma, uma melhor articulação entre ela, com vista à demonstração do erro de julgamento do tribunal a quo (o juiz decide mal, porque decide contrariamente aos factos apurados e, nesse sentido, contra lei expressa: interesse superior da criança/menor – art. 1906, n.º 7 do CC).
XVII. O primeiro passo a dar passa por determinar se era de fixar a guarda conjunta (com residência junto de um dos progenitores e com um regime de visitas ao outro) ou a guarda compartilhada (com residência alternada junto de cada um dos progenitores).
XVIII. Uma passagem pela jurisprudência dos tribunais superiores permite-nos concluir ser posição dominante a admissibilidade da guarda compartilhada, colocando, contudo, como requisito que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os pais possam ser de algum modo amenizados (requisito que aqui se não verifica).
XIX. A solução da residência alternada tem ganhado força, mas para tanto, haverá que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc..
XX. Segundo os princípios do direito europeu da família relativos às responsabilidades parentais, a autoridade decisora competente deve levar em consideração factores como: a) a idade e a opinião da criança; b) a capacidade e a vontade dos titulares das responsabilidades parentais de cooperar entre si em todas as questões relativas à criança, bem como a sua situação pessoal; c) a distância entre as residências dos titulares das responsabilidades parentais e a distância para a escola da criança.
XXI. O regime da residência alternada só é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro (no caso, residem a cerca de 120Km) porquanto a menor, em idade escolar, não pode ser obrigada a mudar de escola todos os quinze dias ou, eventualmente, a realizar longos percursos para não faltar às aulas.
XXII. Embora ambos possuam condições económicas e de habitabilidade, já as relações conflituosas entre progenitores e a grande distância entre as residências dos progenitores, são requisitos que impedem de todo a atribuição do regime da residência alternada, uma vez que tornam o seu funcionalmente prático deficiente, senão mesmo impossível, quando no valor último a ter em conta, está sempre o superior interesse do menor.
XXIII. O problema que mais desaconselha no caso o regime da residência alternada é, para lá do acentuado conflito que permanece entre os progenitores, a distância que separa a residência um do outro: o pai mora na Guarda, a mãe em ..., Vila Flor.
XXIV. Não é assim praticável que a menor frequente um estabelecimento escolar numa cidade quinze dias, para nos quinzes dias seguintes alternar com outro estabelecimento escolar noutro local; ou sequer que a menor realize ao longo de duas semana uma longa viagem diária para não faltar a aulas. Por isso, considera-se que esta circunstância obsta, decisivamente, ao sucesso da decisão respeitosamente censurada.
XXV. Aquele regime que foi pacificamente estabelecido na decisão provisória é, para já, o que melhor serve os interesses da menor e lhe permite efectuar os seus estudos de modo sereno e estável.
XXVI. Da decisão que se ousa censurar, discorda a Autora (para além das razões já explanadas) também por considerar que foi violado o disposto no art.º 40.º, n.º 9, do RGPTC, sendo evidente a animosidade entre os progenitores, originando inclusive a apresentação de queixas policiais (sendo pai GNR) que, por sua vez, deram origem a processos-crime normalmente participados pelo Réu contra a Autora, ou de participação anónima(!) (P. 95/18.0GAVFL; P. 62/18.4T9VFL; P. 151/17.2T9VFL [onde incorporou o P. 159/17.8GAVFL]; P. 117/17.2 T9VFL; P91/12.2T9VFL) – processos estes que na sua maioria já obtiveram despacho de arquivamento ou não pronúncia. Isto para lá dos intermináveis incidentes de incumprimento por ele suscitados, como é (repete-se) indicado na sentença a fls. 13, remetendo para as folhas dos autos “ 47/50, 58/62, 67/69, 72/73, 90/91, 106/107, 120/121, 135, 476/477, 493/494).
XXVII. Nestas condições, uma solução deste tipo (residência alternada) prejudica a formação da personalidade do menor devido à sensação de insegurança, ansiedade, nervosismo e instabilidade que provoca, sobretudo, em crianças com idade pré-escolar, aquelas que mais necessitam da estabilidade das condições externas para se desenvolverem (Prof. Maria Clara Sottomayor).
XXVIII. Nos AC do TRL de 7/8/2017 (Pedro Martins); e de 14/2/2015 (Catarina Arêlo Manso) pode constar-se que, “Não havendo acordo dos pais, não podem beneficiar de guarda conjunta nem alternada de responsabilidades parentais. No mesmo sentido Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Carvalho Batista, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade d’Oliveira, autores que apenas admitem a residência alternada se houver acordo dos progenitores.
XXIX. Independentemente de se entender que a determinação de residência alternada não pode ser judicialmente fixada em caso de desacordo dos progenitores, o que só por si conduz à procedência deste recurso nesta parte, a verdade é que, no caso sub judice, não é a solução que salvaguarde os superior interesse desta criança.
XXX. Perante a factualidade apreciada e o enquadramento legal mencionado, é evidente que a solução de residência alternada é incompatível, neste momento, com o superior interesse da M. F., atenta a sua tenra idade, sendo mesmo bastante duvidosa (para não se referir impossível) que tal regime possa apaziguar ou atenuar os conflitos entre os progenitores.
XXXI. Tendo em conta o objeto do recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida na parte que fixou a residência alternada, mantendo-se em vigor o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais provisoriamente acordado que vinha a ser praticado, determinando-se um aumento da presença do pai na vida da menor e mantendo-se os pontos 3 a 5 da sentença recorrida.
XXXII. Normas violadas: art. 5.º e 412.º, do CPC; art. 1906.º, n.º 7 do CC ; art. 43.º, n.º 6 e n.º 9; art.º 40.º, do RGPTC

Pedido

Nestes termos e nos melhores de direito que serão por V. Ex.as doutamente supridos, deve o recurso interposto obter provimento, alterando-se a decisão, nos termos sobreditos, sendo decido manter o regime de guarda conjunta, ficando a menor entregue à progenitora e com ela a residir, mantendo-se os pontos 3 a 5 da sentença e aumentando o número de dias de contactos entre o progenitor e a menor. Tudo no superior interesse da criança,
Assim se fazendo inteira e sã justiça.”.
*
O réu apresentou contra-alegações, as quais terminou com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

“Conclusões

PRIMEIRA – Um café não é o local adequado ao desenvolvimento, formação da personalidade e convício de uma criança com a idade da M. F..
SEGUNDA – A recorrida sonega os contactos e convívio da M. F. com o pai aqui recorrido, nomeadamente nas consultas médicas.
TERCEIRA – A frequência de jardim-de-infância na Guarda, com a companhia e interação de outros meninos e com a supervisão de educadores profissionais salvaguarda melhor os interesses da M. F. do que a sua permanência o dia inteiro num café.
QUARTA – “O regime de residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias”.
QUINTA – “Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em suas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas”.
SEXTA – “É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais esocioeconómicas de ambos os progenitores”.
SÉTIMA – Em suma e em síntese, o regime fixado é aquele que mais salvaguarda o desenvolvimento físico, intelectual e emocional da M. F., ou seja aquele que mais defende o seu bem e o seu interesse.

Não se mostram assim violados os normativos constantes dos arts. 5º e 412º do C.P.Civil, 1906º nº7 do C. Civil, 43º nº6 e nº9, e 40º do R.G.P.T.C., pelo que mantendo-se in totum a decisão recorrida farão
Vossas Excelências
Justiça.”
*
O Digno Magistrado do Ministério Público também apresentou contra-alegações, pugnando pela revogação da decisão proferida e pela conversão em definitivo do regime provisório que vinha vigorando nos autos.
*
O recurso foi admitido, por despacho de 04/10/2018, como de apelação, a subir nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 – Da alteração da matéria de facto;
2 – Da residência alternada.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

a) factos provados

1. A menor M. F. nasceu em …, na freguesia e concelho da Guarda, sendo filha de P. M. e de L. T..
2. P. M. e de L. T. contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em …, após um namoro de cerca de dois meses; este casamento foi dissolvido por divórcio por mútuo consentimento em …, na tentativa de conciliação a que se refere o art. 931º do Cód de Proc Civil, tendo os ex-nubentes declarado prescindir do prazo de recurso.
3. Em 12/04/2016, as responsabilidades parentais em relação à menor M. F. foram reguladas provisoriamente, conforme resulta da acta de conferência de fls 28/30, tendo sido acordado, resumidamente, o seguinte:

a. A menor ficaria entregue à progenitora, ficando determinada a sua residência junto da mesma, a quem competiriam os actos relativos à vida corrente;
b. As questões de particular importância na vida da menor seriam decididas em conjunto pelos dois progenitores;
c. O progenitor ficaria com a menor de 15 em 15 dias, devendo o progenitor ou alguém da sua confiança vir buscar a menor à residência da progenitora às 18h00 da sexta-feira e a progenitora vir buscar a menor à residência do progenitor às 18h00 de Domingo;
d. O progenitor pagaria a quantia de €125,00 a título de pensão, sujeito à actualização anual nos termos do INE; havendo despesas extraordinárias, seriam pagas por ambos os progenitores em partes iguais mediante apresentação de recibo;
4. O agregado familiar da progenitora L. T. é composto pela mesma e pelos seus Pais A. T. e Manuel.
5. Os avós da menor são proprietários de um café na aldeia onde residem; a avó dedica mais tempo à exploração do negócio, sendo que o avô se dedica ao trabalho no campo e nas obras.
6. O café sita no centro da aldeia, sendo essencialmente frequentado por pessoas da localidade, com quem a família se relaciona há anos.
7. O movimento do café é fraco e calmo, permitindo que a avó preste os cuidados necessários à neta sem agitações.
8. O espaço comercial mantém boas condições de higiene e de organização, dispondo de uma cozinha para confecionar pequenas refeições e de uma sala resguardada, onde a menor tem alguns brinquedos.
9. No café não é permitido fumar.
10. O agregado familiar de L. T. reside em casa própria, a poucos metros do café, pertencente aos progenitores da requerente, com boas condições de habitabilidade e de conforto, sendo composta por:
a. Três quartos;
b. Duas casas de banho;
c. Uma cozinha;
d. Uma sala;
e. Uma garagem;
11. O agregado mantém uma situação financeira desafogada, composta pelos seguintes rendimentos:
a. L. T.: licenciada em Ciências Farmacêuticas, exerce funções na farmácia ..., auferindo o vencimento mensal de €1118,30;
b. Manuel: trabalha »à jeira« (i.e: designação local para um trabalhador pago ao dia) na construção civil e na agricultura; aufere o quantitativo diário de €55,00 muito embora conste da informação da Segurança Social que o mesmo desconta por 11 dias mensais pela remuneração base de €194,08;
c. A. T.: efectua descontos desde 2003 como trabalhadora independente pelo salário mínimo nacional; actualmente desconta somente por €206,61;
d. Prédios rústicos e urbanos arrendados por quantitativo não-especificado;
e. Abono de família a favor da menor: €40,59;
f. Pensão de alimentos a favor da menor: €125,00;
12. Despesas mais relevantes para o agregado familiar:
a. Contribuição de L. T. para alimentação: €200,00 mensais;
b. Deslocações com combustível para o trabalho: €150,00 mensais;
c. Dispêndios de L. T. com a menor: €300,00 mensais;
13. A menor dorme no quarto da progenitora, num berço junto à cama desta, a fim de ser mantida uma maior vigilância.
14. A menor tem sido levada pela progenitora L. T. às consultas médicas regulares e da especialidade de pediatria, encontrando-se a cumprir com o plano nacional de vacinação, apresentando um desenvolvimento normal para a idade.
15. A progenitora acompanha, vigia e cuida da menor quando chega do trabalho; até essa altura, a menor é acompanhada pela avó no café, levando-a a casa para refeições e dormir a sesta nos momentos de menor movimento.
16. A menor apresenta-se limpa, asseada e bem alimentada, sendo todos os elementos do agregado familiar de L. T. competentes para dar as refeições à menor, de acordo com as suas necessidades e orientações do médico de família.
17. A progenitora L. T. não comunica ao progenitor P. M. o estado de saúde da filha, não permite que o mesmo acompanhe as consultas médicas ou sequer se apresente no centro de saúde e/ou médico pediatra para ter conhecimento do estado de saúde da filha.
18. O progenitor P. M. reside em casa dos seus progenitores, avós paternos da menor M. F., a qual possui todas as condições de habitabilidade, sendo composta por três quartos, um para os seus progenitores, outro para P. M. e um terceiro para a M. F..
19. O progenitor P. M. possui ainda habitação própria na cidade da Guarda, a qual possui todas as condições de habitabilidade.
20. O progenitor trabalha como militar da GNR, auferindo um salário mensal de €1000,00;
21. O progenitor tem um horário flexível, que oscila entre as 08:00 e as 16:00 (normal), podendo prestar serviço entre 09:00-17:00 ou entre as 16:00-24:00.
22. O progenitor tem pago a quantia mensal de €125,00 a título de pensão de alimentos, conforme acordado.
23. Durante um curto espaço de tempo, a menor frequentou uma creche em Macedo de Cavaleiros, tendo, contudo, sido retirada unilateralmente pela progenitora; não frequenta actualmente qualquer creche ou jardim de infância.

Mais resulta dos autos que:

24. O agregado familiar da progenitora L. T. manifestou disponibilidade para apoiar a mesma na educação da menor e em suprir qualquer necessidade.
25. O agregado familiar do progenitor P. M. manifestou disponibilidade para apoiar o mesmo na educação da menor e em suprir qualquer necessidade.
26. Foi perceptível, da visita dos técnicos da Segurança Social, que ambos os progenitores e respectivos agregados familiares alargados têm ligação íntima e afectiva com a menor, possuindo igualmente capacidades e apetência para cuidar da menor.
27. Do relatório clínico forense junto aos autos relativo à pessoa da progenitora, consta não ter sido perceptível a presença de qualquer psicopatologia ou distúrbio da personalidade na pessoa da progenitora L. T. idónea a limitar ou interferir na sua capacidade para exercício da sua função parental; mostra-se atenta às necessidades da filha, boa capacidade afectiva e empática, um processo organizativo do seu futuro em que a filha se encontra presente; considera-a ainda responsável pelo seu comportamento pela ausência de qualquer alteração que a possa inibir de avaliar ou autodeterminar-se.
28. Do relatório clínico forense junto aos autos relativo à pessoa do progenitor, consta que o mesmo possui um funcionamento cognitivo global superior à média esperada para a população geral, garantindo a capacidade de pensar em termos racionais e proceder de forma eficaz; apresenta uma estrutura de personalidade com traços de extroversão e de estabilidade emocional; não foi detectada qualquer sintomatologia psicopatológica que consubstancie um transtorno de personalidade; possui capacidade de insight, empatia e de boa ressonância afetiva; revelou capacidade de implementar regras e estratégias para promovera educação da menor, nomeadamente a nível da higiene, alimentação, lazer segurança; revela capacidade para desempenhar o papel de Pai, não se prevendo risco de se desenvolverem comportamentos disfuncionais em relação ao exercício da parentalidade; evidencia uma vida bastante estruturada e favorável a um bom ajustamento e desenvolvimento da menor.
29. Existe ausência de capacidade relacional entre os progenitores, de forma a conseguirem manter um nível de comunicação interpessoal suficiente e aceitável, que os leve a ultrapassar os diferendos pessoais de forma mais equilibrada e no superior interesse da menor, evitando envolver a criança em situações de grande complexidade emocional geradoras de sofrimento psicológico e ambivalência afectiva.”
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:

30. Que tenha sido o progenitor P. M. a cuidar da menor desde o seu nascimento e até à separação do casal, nomeadamente:
a. Lavando e passando a roupa a ferro;
b. Preparando as papas e as sopas;
c. Dando banho e refeições;
31. Que a progenitora tenha passado por uma fase complicada de exaustão, isolamento e tendência a manter-se no escuro, confinada ao quarto, onde permanecia com a filha e animais de estimação quando se encontrava ausente da habitação.
32. Que o progenitor P. M. cuidasse da casa, das roupas e da alimentação do casal, pelos motivos referidos no ponto anterior, apesar de a progenitora L. T. se encontrar desempregada e ele a trabalhar.
33. Que a menor tenha verificado um atraso no crescimento na evolução do peso desde que se encontra à guarda da progenitora.
34. Que a menor tenha estado internada com indicações de anorexia e de anemia, provenientes de uma dieta alimentar desadequada para a idade da criança.
35. Que a progenitora L. T. não tenha o cuidado necessário com a alimentação e o descanso da menor, introduzindo alimentos que a mesma não deveria ingerir, tais como chupa-chupas, bacalhau à brás, coca-cola, água gaseificada.
36. Que o boletim de saúde da menor não apresenta os resultados das consultas de pediatria a que a menor terá sido levada pela progenitora nem indicação do pediatra.
37. Que o boletim de saúde se apresente rasurado e alterado nas medidas ali registadas em consultas de rotina no centro de saúde, com valores incongruentes entre si e com os reais.”
*
IV. Do objecto do recurso.

1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

No caso dos autos, verifica-se que a recorrente indica qual o facto que pretende que seja aditado nos factos dados como provados, bem como os meios probatórios que na sua ótica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.

Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
*
1.2. Preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que tem por epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados:

- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
Quanto a este último objectivo dos recursos da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pp. 291/29 que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.

Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.

Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.

Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.
*
1.3. Resulta das conclusões da recorrente que esta pretende que seja aditada à matéria de facto dada como assente, o seguinte facto:
“A autora reside em ..., Vila Flor e o réu na Guarda, localidades que distam entre si cerca de 120Km”.

Invoca para tal, que, tal facto, para além de vir elencado no intróito das peças jurídicas apresentadas pelas partes, é complemento ou concretização dos factos que as partes alegaram e que resultam da instrução da causa, tendo sobre eles tido a possibilidade de se pronunciar.

Estabelece o art. 607º, n.º 4 do CPC, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”.

Este comando legal carece, contudo, de ser conjugado com o estatuído nos arts. 5º, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC.

Preceitua aquele art. 5º que: “1- Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”.

Já o art. 552º, n.º 1, al. d) reza que “Na petição, com que propõe a ação deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”.

Por último, o art. 572º, al. c) estatui que “Na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”.

Decorre da conjugação destes normativos que com o intuito de aumentar os poderes do tribunal sobre a matéria de facto e de flexibilizar a sua alegação pelas partes, a actual lei processual civil partiu de uma distinção entre factos essenciais, instrumentais e complementares ou concretizadores.

Os “factos essenciais” são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da excepção e cuja falta determina a inviabilidade da acção ou da excepção.
Já os “factos instrumentais, probatórios ou acessórios” são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.

Finalmente, são “factos complementares e factos concretizadores” aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da acção ou da excpeção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção (Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70.)

Seguindo a lição de Teixeira de Sousa (Ob. cit., pág. 70), “a cada um destes factos corresponde uma função distinta: os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da exceção deduzida pelo réu; sem eles não se encontra individualizado esse direito ou exceção, pelo que a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir; os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de que são complemento, a procedência da ação ou da exceção: sem eles a ação ou exceção não pode ser julgada procedente; por fim os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares”.

Quanto aos factos essenciais, ou seja, os factos que integram a causa de pedir do direito que o autor exerce nos autos, ou que integram a excepção que o réu pretenda opor ao exercício desse direito pelo autor, com vista a impedir, modificar ou extinguir esse direito, os mesmos carecem de ser alegados pelo autor e pelo réu, respectivamente, na petição inicial ou na contestação (cfr. arts. 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC).

Considerando as premissas referidas, temos que, pretende a autora/recorrente que seja aditada à matéria de facto dada como assente, o seguinte facto:

“A autora reside em ..., Vila Flor e o réu na Guarda, localidades que distam entre si cerca de 120Km”.

Invoca para tal, que, tal facto, para além de vir elencado no intróito das peças jurídicas apresentadas pelas partes, é complemento ou concretização dos factos que as partes alegaram e que resultam da instrução da causa, tendo sobre eles tido a possibilidade de se pronunciar.

Ora, vista a prova documental dos autos, temos que, resulta da mesma que a autora reside com a menor em ..., Vila Flor, e o pai da menor reside na Quinta ..., Guarda.
Tal facto (complementar) mostra-se relevante para a decisão a proferir, considerando a distância que existe entre tais localidades (que é facto notório), e a importância do mesmo na ponderação dos factores relevantes para a fixação da residência da menor.

Em consequência, dando-se procedência ao recurso da autora, nesta parte, altera-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:

Adita-se aos factos provados o seguinte:

30. A autora reside com a menor em ..., Vila Flor, e o pai da menor reside na Quinta ..., Guarda, localidades que distam entre si cerca de 120Km.”.
*
Acresce, nos termos dos art.º 607.º/4, ex vi art.º 663.º/2 do C. P. Civil e como resulta da consulta da prova documental dos autos (fls. 520), que se considera como provado ainda o seguinte facto:

31. A autora L. T., entregou no dia 27 de Abril de 2018, pelas 11h 42m, um pedido de matrícula da menor M. F., registado através do Portal das Escolas, tendo como ordem de preferência dos estabelecimentos de ensino, em 1º lugar a Escola Básica de ..., em 2º lugar, a Escola Básica … e em 3º lugar o Jardim de Infância de …”.
*
V. Reapreciação de direito.

A questão de fundo a decidir consiste em saber se deve manter-se a residência alternada da menor, com três anos de idade, com cada um dos progenitores, com a periodicidade quinzenal.

Com efeito, a sentença recorrida, alterando a regulação anteriormente estabelecida provisoriamente, em que a menor havia ficado a residir com a mãe, ora recorrente, decidiu fixar a residência da menor em períodos de 15 dias alternados com cada um dos progenitores.

De tal decisão discorda a recorrente, considerando a tenra idade da menor, a distância existente entre as casas dos progenitores, e a evidente animosidade entre estes, originando inclusive a apresentação de queixas crime.

Prescreve o art. 1901º, n.º 1, do Cód. Civil, que “na constância do matrimónio, o exercício das responsabilidades parentais pertence a ambos os pais” e, “se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro (…).” – cfr. o n.º 1, 1ª parte do art. 1902º do mesmo diploma.

Prevendo acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o art. 1906º do Cód. Civil que:

"1 – As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 – O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o filho reside habitualmente.
4 – O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 – O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 – Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.
7 – O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

Decorre destas normas que a regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objecto decidir quanto ao destino dos filhos (com a inerente fixação da residência da criança), fixar os alimentos que lhes são devidos e a forma da respectiva prestação, fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem os menores a seu cargo e ainda a atribuição do exercício das responsabilidades parentais.

Estipulando especificamente acerca dos alimentos em tais situações de ruptura, aduz o 1905º do CC que “os alimentos devidos ao filho e forma de os prestar serão regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor”.

Relativamente ao conteúdo das responsabilidades parentais, prescreve o art. 1877º do Cód. Civil que “os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação”, competindo aos pais, “no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” – cf. o n.º 1 do artº. 1878º.

E, no que respeita aos deveres dos pais e filhos por efeitos da filiação, aduz o art. 1874º do Cód. Civil que:

1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.
2. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.

Na previsão do regime adjectivo do presente processo tutelar cível, refere o n.º 1 do art. 40º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) – aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08/09 –, aplicável “ex vi” do n.º 5 do art. 42º do mesmo diploma, que o exercício das responsabilidades parentais será “regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiado a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela”, acrescentando o n.º 2 que “é estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interessa desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal”.

Assim, no que respeita à determinação da residência do filho, o tribunal decidirá de acordo com o interesse deste, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro, como vem prescrito nos n.ºs 5 e 7 do art.º 1906.º do C. Civil.

A jurisprudência tem vindo a aceitar a possibilidade de fixação de residência alternada.

Tal admissibilidade tem vindo a ser reconhecida em vários arestos, pese embora, em alguns deles, se admita a necessidade de acordo dos progenitores nesse sentido (cfr. Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/6/2012 e de 07/08/2017; do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18/10/2011 e da Relação do Porto, de 13/05/2014).

Também Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo, Luís Carvalho Batista, Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade d’Oliveira, in “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2.ª edição, Quid Juris, 2010, págs.86-87, admitem a residência alternada desde que haja acordo dos progenitores, afirmando, “Para além de constituir uma solução excecional, é, no nosso entender, pressuposto essencial a existência de acordo de ambos os progenitores quanto a esta questão.”

Idêntica orientação expressa Tomé d’Almeida Ramião (in “O Regime Geral do Processo Tutelar Cível” Anotado e Comentado, Quid Juris, 2017, 2.ª Edição, págs.109) quando afirma: “Apesar disso, continuamos a entender que essa opção só se justifica desde que haja acordo dos pais nesse sentido, o qual é imprescindível, e desde que essa solução defenda os superiores interesses da criança. Sem o acordo dos pais, parece estar vedado ao juiz fixar um regime de residência alternada.

Até porque uma solução desta natureza não pode prescindir da existência de capacidade de diálogo, entendimento, cooperação e respeito mútuo por banda dos pais, da partilha de um projeto de vida e de educação comuns em relação ao filho, para além de residirem em área geográfica próxima, que não implique alteração constante do estabelecimento de ensino do filho, beneficiem ambos de adequadas condições habitabilidade e que a criança manifeste opinião concordante, entre outros elementos relevantes. Daí que nas situações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 do art.º 40.º, não seja aconselhável, por contrário ao superior interesse da criança, a aceitação de residência alternada”.

No sentido da desnecessidade de acordo dos progenitores e da irrelevância de princípio da existência de um qualquer litígio entre eles, pronunciaram-se outros acórdãos, nomeadamente os seguintes:

O Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/10/2017, onde se escreveu: “Mesmo não existindo acordo dos pais, a alternância de residências é uma solução adequada ao exercício conjunto das responsabilidades parentais – artigo 1906º do CC –, salvo se o desacordo se fundamentar em razões factuais relevantes ou se mostrar que a medida não promove os interesses do filho”.

O Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/11/2017, citado na decisão recorrida, onde se afirma:

“5. Não obstante a boa relação que o menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação que ambos lhe dispensem, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse dos menores (n°s 5 e 7 do artigo 1906°, do CC);
6. É importante avaliar, na escolha do regime, se é esse o que, na prática, os pais vêm seguindo com sucesso, se é essa a vontade manifestada pelos próprios filhos, se estes mantêm uma relação afetiva sólida com ambos os pais e se as residências são próximas da escola/jardim-de-infância dos filhos;
7. Se todos estes fatores se conjugarem é, indubitavelmente, de defender que a residência alternada é o regime que mais evita conflitos de lealdade e sentimentos de abandono ou de rutura afetiva. Só a residência alternada conclama os progenitores para a participação mútua na vida dos filhos, porque permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, ou seja, tal regime permite concretizar o princípio da igualdade de ambos os progenitores, no exercício das responsabilidades parentais;
8. Apesar de uma das três crianças ainda não ter autonomia - dado ter apenas 2 anos de idade – e de ser do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o regime da residência alternada mostra-se viável por os progenitores, pessoas cultas, manterem uma relação que privilegia o interesse dos filhos, os avós e tia-avó paternos continuarem a auxiliar (como já vinha acontecendo antes de cessar a coabitação dos progenitores) e o pai contar com auxílio de empregada doméstica, serem três os menores, sendo os outros dois mais velhos (com 8 e 5 anos de idade) e o progenitor ter fixado residência na cidade onde as crianças frequentam o colégio (escolhido pelos progenitores quando coabitavam, por ambos trabalharem nessa cidade);
9. O regime da residência alternada é o regime de regulação do exercício do poder paternal mais conforme ao interesse da criança porque lhe possibilita contactos em igual proporção com o pai, a mãe e respetivas famílias;
10. Não se deve exagerar o facto de a mudança de residência criar instabilidade e, por isso, representar inconveniente para a criança, pois que a instabilidade é uma realidade na vida de uma criança com pais separados, que, sempre, terão de se integrar em duas residências, sendo essa mais uma adaptação a fazer nas suas vidas, sendo certo que as crianças são dotadas de grande aptidão para se integrarem em situações novas;
11. É de primordial interesse para a criança poder crescer e formar a sua personalidade na convivência em termos de plena igualdade com a mãe e com o pai, sendo, como é o caso, em tudo idênticas as condições afetivas, materiais, culturais e sócio-económicas de ambos os progenitores”.

O Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09/11/2017, onde se diz:

“Residindo ambos os pais na mesma localidade, tendo ambos condições económicas e de habitabilidade para terem o filho consigo, dando ambos garantias de velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento do filho e inexistindo quaisquer razões ponderosas que o desaconselhem, é de fixar a residência alternada, com ambos os pais, a um menor de 12 anos, por ser a solução que melhor defende o seu interesse”.
E o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 07/06/2018, onde se afirma:

“1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. Mas esta solução apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro, porquanto os menores em idade escolar não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.”.
Pese embora propendamos a seguir esta segunda corrente jurisprudencial, no sentido da desnecessidade de acordo dos pais na fixação da residência alternada do filho, pelos fundamentos constantes das decisões supra citadas, o facto é que, como resulta de todas elas, tal solução deve ser encontrada de acordo com o interesse do menor e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
E uma das circunstâncias relevantes é de facto a distância das residências dos progenitores.

Com efeito, entendemos, como se entendeu na jurisprudência supra citada, que a fixação da residência alternada do filho apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro, porquanto os menores em idade escolar não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas (ou quinzenalmente) ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.

Assim, independentemente de se entender que a determinação de residência alternada pode ser judicialmente fixada em caso de desacordo dos progenitores, a verdade é que, no caso concreto dos autos, não é a solução que melhor salvaguarda os superiores interesses desta criança.

De facto, ambos os progenitores reúnem as necessárias condições económicas e de habitabilidade para ter a menor consigo, e não existem elementos de facto que permitam concluir que qualquer deles não pretenda velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento da sua filha.

O problema é o acentuado conflito que permanece entre ambos (questão que estes têm o dever de resolver entre si) e a distância a que residem um do outro, o pai na Guarda e a mãe em Vila Flor.
Com efeito, tendo a menor 3 anos de idade, iniciando este ano a sua actividade pré-escolar, não é praticável que frequente um estabelecimento escolar numa localidade numa quinzena, para na quinzena seguinte alternar com outro estabelecimento escolar noutra localidade, ou sequer que a menor realize numa quinzena uma viagem diária de cerca de 240 kms (ida e volta) para não faltar às aulas, ou ainda que seja colocada num estabelecimento de ensino a meia distância de ambas as localidades.

Assim, considera-se que esta circunstância obsta decisivamente à solução a que se chegou na decisão recorrida.

Se de facto se reconhece o amor que o pai/recorrido devota à sua filha, a longa distância a que vive da mãe obriga a soluções de compromisso.

Acresce que, alternar a residência da menor, afastando a mesma da presença quotidiana da mãe, do espaço que constituía o respectivo lar, elemento securizante na sua vida, é, em nosso entender, pouco razoável, pois que está por demonstrar que a anterior perda de contacto por alguns dias com o pai seja comparável à perda de contacto por quinze dias com a mãe.

Ora, perante a factualidade supra descrita e o quadro legal mencionado, entendemos que a solução de residência alternada é incompatível, neste momento, com o superior interesse da M. F., atenta a sua tenra idade, bem como a distância entre as residências dos progenitores.

Em consequência, e tendo em conta o objecto do recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida na parte que fixou a residência alternada, convertendo-se antes em definitivo o regime provisório que vinha vigorando nos autos, regulando-se as responsabilidades parentais da M. F. nos moldes seguintes:

1. O exercício de responsabilidade parentais relativas a questões de particular importância deverão sempre ser exercidas de comum acordo entre os progenitores; em relação a actos da vida corrente, as mesmas deverão competir ao progenitor com que a menor estiver a residir naquele momento; todavia, no exercício das responsabilidades parentais, deverão sempre tomar em contemplação as instruções educativas do outro (art. 1906º, n.º 1 e nº 3 do Cód Civil).
2. A residência da menor será fixada junto da progenitora L. T..
3. O progenitor poderá visitar a menor sempre que entender, mediante pré-aviso, com respeito pelos horários de descanso e actividades lúdicas da menor.
4. O progenitor poderá ter consigo a menor aos fins-de-semana, de 15 (quinze) em 15 (quinze), devendo o progenitor ou alguém da sua confiança recolher a menor junto à residência da progenitora, às sextas-feiras pelas 18:00H da tarde e entregará a menor à progenitora ou alguém da sua confiança às 18:00H domingo, devendo a entrega ser feita na residência do progenitor.
5. A menor deverá passar metade das férias com cada um dos progenitores, de acordo com as marcações de férias destes; cada um dos progenitores obriga-se a informar o outro, atempadamente, da marcação das suas férias a fim de permitir estabelecer os dias que passará com a menor.
a. A Páscoa, o Natal e o fim de ano serão passados alternadamente com cada um dos progenitores; a Véspera de Natal com um progenitor e o Dia de Natal com outro progenitor.
b. No dia de aniversário da menor, poderá tomar uma refeição com cada um dos progenitores;
c. Os aniversários dos progenitores, assim como o dia da Mãe e o dia do Pai, serão passados com o progenitor respectivo;
6. Cada um dos progenitores deverá prestar ao outro todas as informações solicitadas e consideradas necessárias relativas ao estado de saúde e de educação da menor e permitir ao mesmo a participação integral e efectiva nesse processo, se necessário assinando as autorizações consideradas imprescindíveis para que tenha conhecimento de todos os actos relevantes e de autorizar a sua presença.
7. O progenitor pagará a título de pensão de alimentos, a quantia de € 125,00 (cento e vinte cinco euros) mensais, quantia que deverá ser actualizada anualmente conforme a taxa de inflação publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior.
8. Os progenitores contribuirão na proporção de metade no pagamento de quaisquer despesas médicas, medicamentosas e escolares, mediante apresentação de recibo.
Procede, pois, a apelação.
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VI. Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o interposto recurso de apelação e, em consequência, revogam a decisão proferida, regulando-se agora o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

1. O exercício de responsabilidade parentais relativas a questões de particular importância deverão sempre ser exercidas de comum acordo entre os progenitores; em relação a actos da vida corrente, as mesmas deverão competir ao progenitor com que a menor estiver a residir naquele momento; todavia, no exercício das responsabilidades parentais, deverão sempre tomar em contemplação as instruções educativas do outro (art. 1906º, n.º 1 e nº 3 do Cód Civil).
2. A residência da menor será fixada junto da progenitora L. T..
3. O progenitor poderá visitar a menor sempre que entender, mediante pré-aviso, com respeito pelos horários de descanso e actividades lúdicas da menor.
4. O progenitor poderá ter consigo a menor aos fins-de-semana, de 15 (quinze) em 15 (quinze), devendo o progenitor ou alguém da sua confiança recolher a menor junto à residência da progenitora, às sextas-feiras pelas 18:00H da tarde e entregará a menor à progenitora ou alguém da sua confiança às 18:00H domingo, devendo a entrega ser feita na residência do progenitor.
5. A menor deverá passar metade das férias com cada um dos progenitores, de acordo com as marcações de férias destes; cada um dos progenitores obriga-se a informar o outro, atempadamente, da marcação das suas férias a fim de permitir estabelecer os dias que passará com a menor.
a. A Páscoa, o Natal e o fim de ano serão passados alternadamente com cada um dos progenitores; a Véspera de Natal com um progenitor e o Dia de Natal com outro progenitor.
b. No dia de aniversário da menor, poderá tomar uma refeição com cada um dos progenitores;
c. Os aniversários dos progenitores, assim como o dia da Mãe e o dia do Pai, serão passados com o progenitor respectivo;
6. Cada um dos progenitores deverá prestar ao outro todas as informações solicitadas e consideradas necessárias relativas ao estado de saúde e de educação da menor e permitir ao mesmo a participação integral e efectiva nesse processo, se necessário assinando as autorizações consideradas imprescindíveis para que tenha conhecimento de todos os actos relevantes e de autorizar a sua presença.
7. O progenitor pagará a título de pensão de alimentos, a quantia de € 125,00 (cento e vinte cinco euros) mensais, quantia que deverá ser actualizada anualmente conforme a taxa de inflação publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior.
8. Os progenitores contribuirão na proporção de metade no pagamento de quaisquer despesas médicas, medicamentosas e escolares, mediante apresentação de recibo.
Custas da apelação e na 1.ª instância pelos progenitores, em partes iguais.
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade