PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
INFILTRAÇÕES
CULPA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário


SUMÁRIO (DO RELATOR)

I- O condomínio, vinculado que está ao dever de vigiar, manter, conservar e reparar as partes comuns do edifício, reunidos que estejam os pressupostos legais da responsabilidade civil, está obrigado a indemnizar o condómino dos danos que lhe sobrevierem como consequência direta da sua omissão, ilícita e culposa, de tais deveres.

II- Não obstante, comprovado que seja que este condómino lesado não cumpre atempadamente com as suas obrigações de pagamento das quotas mensais de condomínio que lhe são devidas, mormente para fazer face a obras de reparação das partes comuns anteriormente aprovadas, criando assim ao próprio condomínio dificuldades acrescidas na disponibilização de meios financeiros para a realização das mesmas obras, aquele dever de indemnização do condomínio deverá ser reduzido por “culpa do lesado” (art. 570º, n.º 1, do C. Civil).

Texto Integral


Recorrente: Condomínio do Edifício (…)
Recorridos: António (…) e Sandra (…)

*
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

António (…) e mulher Sandra (…) intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) Lda.; e António (…) e mulher Carla (…), através do qual pedem a condenação dos réus:

· A realizarem, a suas expensas e no prazo de trinta dias, as obras de reparação e impermeabilização das paredes comuns e dos terraços que servem de cobertura à fração “L” do prédio urbano sujeito ao regime de propriedade horizontal atrás identificado, por forma a pôr termo às infiltrações de água que invadem a identificada fração, repondo a situação existente antes da ocorrência das infiltrações;
· A realizarem, a suas expensas e no prazo de sessenta dias, contados depois do términus das obras referidas no ponto anterior, todas as obras necessárias à eliminação definitiva de todos os problemas/patologias existentes na fração “L”, bem como aqueles que surjam na pendência da presente ação;
· A repararem quaisquer danos que venham a ser provocados na fração “L” por causa da realização das obras necessárias à eliminação definitiva de todos os problemas/patologias existentes e consequentes danos provocados pela substituição de materiais e/ou danos causadores de diferenças que resultem para o imóvel, nomeadamente, a nível da cor das paredes e tetos da casa;
· A substituírem todos os móveis de madeira existentes na fração “L” que se encontram deteriorados;
· A pagarem a título de sanção pecuniária compulsória o montante de 100,00 euros (cem euros) por dia, por cada dia que passe desde os prazos estipulados para as respetivas obras a realizar, sem que os Réus concluam as mesmas;
· A indemnizarem os Autores pelos prejuízos sofridos no caso de as obras não serem concluídas naqueles prazos, a liquidar em execução de sentença; e
· A darem-lhes habitação gratuita, na mesma área de residência, enquanto se realizarem as obras na fração “L”;

Ou caso assim não se entenda
· A pagarem aos Autores quantia a estipular em execução de sentença, correspondente ao valor que os mesmos terão de pagar para eliminar as patologias/problemas da identificada fração.
· A pagarem aos Autores quantia nunca inferior a 5.000,00 euros (cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
· A pagarem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação, sobre quaisquer quantias em que vierem a ser condenados.

Para o efeito, alegaram, em suma, que são donos e legítimos possuidores da fração autónoma, designada pela letra “L”, tipo T3, que faz parte integrante do prédio urbano, afeto ao regime da propriedade horizontal, situado no lugar de … Lote n.º …, …, Guimarães, descrito na 2ª Conservatória do registo Predial sob o n.º …-….

Por sua vez, a 1ª ré “(…)” é administradora do condomínio do identificado prédio onde se integra a indicada fração “L”, pertencente aos autores; e os 2ºs réus são donos e legítimos possuidores da fração “M”, igualmente integrante do mesmo prédio, sendo que a mesma fração é provida de dois terraços contínuos que constituem a cobertura da dita fração “L”.

Sucede, porém, que, em finais de 2015, na fração dos autores começaram a surgir e a alastrar fissuras e densas manchas de humidade no teto e paredes da sala, assim como na cozinha e nos três quartos, as quais foram provocadas por extensas e abundantes infiltrações de águas pluviais que provinham e provêm das partes comuns do edifício, superiores à fração “L”, designadamente dos referidos dois terraços da fração “M”, que servem de cobertura à fração “L”; infiltrações essas também agravadas pela construção por parte dos 2ºs réus de duas floreiras, uma em cada terraço, e que vem causando danos na fração dos autores.

Não obstante instados a procederem às reparações necessárias nas referidas partes comuns (terraços), a fim de eliminarem as apontadas infiltrações, os réus ainda não o lograram fazer, causando por essa via danos patrimoniais e não patrimoniais aos autores.

Os réus contestaram, invocando, desde logo, a exceção de ilegitimidade processual dos réus, impugnando ainda a factualidade alegada pelos autores, tendo concluído pela procedência da exceção dilatória suscitada, absolvendo os réus da instância ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação; e, ainda, pela condenação dos autores, a título de litigância de má fé, em multa e ao pagamento aos réus de todas as despesas e encargos com o processo e honorários da mandatária dos réus.

Por despacho proferido em audiência prévia, realizada a 05.04.2018, foi admitido o incidente de intervenção principal provocada do Condomínio do Edifício … a fim de contra ele prosseguirem igualmente os termos da demanda.

Este interveniente veio declarar aderir à contestação apresentada pelos restantes réus.

Foi proferido despacho saneador, seguido da fixação do objeto do litígio e da seleção dos temas de prova.

Procedeu-se à realização da audiência final.

Na sequência, por sentença de 26.09.2018, veio a julgar-se parcialmente procedente a ação e, em consequência, decidiu-se:

- Condeno o réu Condomínio do Edifício … a realizar as obras descritas nos factos provados, tendentes a eliminar as anomalias no exterior do edifício e no interior da fracção pertencente à autora (incluindo a reparação do mobiliário danificado), identificada em 1., dos factos provados, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença.
- Condeno o réu Condomínio do Edifício … a pagar aos autores a quantia de € 2 500,00 (dois mil e quinhentos) a título de danos morais já actualizado com referência à data desta decisão, sendo a ré Condomínio responsável por satisfazer essa quantia, com excepção do montante proporcional à fracção dos autores (atendendo à existência de culpa do lesado). Os juros serão devidos apenas desde a data da presente decisão nos termos do art.º 805.º n.º 3, na interpretação do AUJ n.º 4/2002, in DR I-Série A de 27 de Junho de 2002.
- No mais, vai o réu absolvido.
- Absolvo os réus António …. e Carla … dos pedidos contra si formulados, com excepção da responsabilidade que os mesmos têm na feitura das obras e na reparação dos danos, atenta a sua qualidade de condóminos e na proporção do valor da sua fracção.
- Absolvo a ré … – Administração e gestão de condomínios, Lda., de todos os pedidos contra si formulados.
- Absolvo os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé. (…).

Inconformado com o assim decidido, veio o interveniente (réu) Condomínio do Edifício (…) interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1. Vem o presente recurso interposto: da douta Sentença de fls. …, na parte em que, julgando parcialmente procedente, por provada, a ação declarativa, condena o Condomínio do Edifício … : a) a realizar as obras descritas nos factos provados, tendentes a eliminar as anomalias no exterior do edifício e no interior da fracção pertencente à autora, identificada em 1., dos factos provados, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, e b) a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos morais já atualizados com referência à data desta decisão, sendo a Ré Condomínio responsável por satisfazer essa quantia, com exceção do montante proporcional à fração dos autores (atendendo a existência de culpa do lesado) e absolve os autores da condenação por litigância de má- fé.
2. Tal como explanado na sentença ora em crise, são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário; a ilicitude; a culpa dos lesantes, sob a forma de dolo ou negligência; o dano e o nexo de causalidade (adequada) entre o facto e o dano. A mera ausência de um dos pressupostos referidos acarreta a inexistência de responsabilidade civil extracontratual delitual (ou aquiliana), não sendo então devida qualquer obrigação de indemnizar.
3. Salvo o devido respeito por opinião contrária, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provada a existência de ilicitude e de culpa do recorrente.
4. Quanto à ilicitude: Não houve omissão do Condomínio de proceder à manutenção e reparação do telhado (manifestação de pouco zeloso, agindo com negligência). Tal como resulta dos factos dados como provados, não atou o recorrente Condomínio com omissão do dever de manutenção e reparação dos terraços, não havendo manifestação de pouco zelo ou negligência, e como tal, não houve ilicitude no seu comportamento.
5. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se concebe, sempre se dirá que, perante os factos provados no que à atuação dos autores diz respeito, estes atuaram com manifesto abuso de direito, excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e mesmo pelo fim social desse direito, constituindo esse abuso de direito uma causa de exclusão da ilicitude (Art. 334º CC), o que desde já se invoca.
6. Quanto à culpa: Não agiu o recorrente Condomínio com culpa, na modalidade de mera culpa ou negligência, nem foi omisso na diligência que lhe era exigível em face das suas capacidades e circunstâncias concretas da situação. Aliás, não compreende o recorrente Condomínio a tese plasmada pelo Tribunal a quo ao considerar que o recorrente podia e devia ter agido de outra forma, sem, contudo, explicar, concretizar, quais as ações que o recorrente deveria realizado e não realizou, que outra forma de agir era essa. Como também foi omisso quanto aos factos concretos dos quais resultam a omissão de diligência e a negligência.
7. Assim sendo provada a inexistência dos pressupostos da ilicitude (por não provada ou por exclusão resultante de abuso de direito) e da culpa (por não provada), não há responsabilidade civil extracontratual e por consequência, não é devida qualquer obrigação de indemnizar, não podendo o recorrente ser condenado na reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelos autores, devendo ser absolvido.

Sem prescindir,
8. Resulta da sentença recorrida, ter o Tribunal a quo dado como provada a existência de culpa do lesado nos termos do disposto no Art. 570º do CC, mais determinando que a proporção da culpa do lesado é proporcional ao valor da sua fração.
9. Ora, sempre ressalvando o devido respeito por opinião diversa, considera-se que mal andou o Tribunal a quo ao aferir a proporção de culpa do lesado com recurso ao Art. 1424º n.º 1 do CC, porquanto, este preceito legal determina, apenas, a forma como é feito o cálculo das despesas das partes comuns do edifício a pagar por cada condómino: – em proporção do valor da fração, vulgo, permilagem, sendo que para a determinação da proporção da culpa do lesado deve atender-se ao disposto no Art. 570º n.º 1 do CC, mais concretamente, à gravidade da culpa do lesado e às consequências dela resultantes.
10. Ora, atendendo ao facto dos autores durante 10 anos nunca terem cumprido as suas obrigações para com o condomínio, nunca pagando as quotas nem comparticipações especiais para obras já realizada ou a realizar, será de considerar ser muito grave a sua culpa pela sua não realização, bem como, muito graves as consequências do seu comportamento culposo, devendo a obrigação de indemnizar ser pura e simplesmente excluída, absolvendo-se o recorrente.

Ainda sem prescindir,
11. É injusta e não equitativa a decisão do Tribunal a quo que condena o recorrente a realizar as obras descritas nos factos dados como provados, tendentes a eliminar as anomalias no exterior de edifício e no interior da fração pertencente aos autores, no prazo de 90 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.
12. Atendendo à forma de funcionamento de um condomínio, exigência de assembleia geral de condóminos para aprovação de deliberação (ainda que resultante de condenação transita em julgado a decisão de realização das obras tem de ser aprovada pelos condóminos), Art. 1430º do CC e prazos legais para convocação de assembleia geral Art. 1432º do CC, o prazo de 90 dias após trânsito apresenta-se como curto e desproporcional aos procedimentos necessários à tomada de decisão, deliberação de executar as obras, devendo ser largado para 120 dias.
13. Mas, mais importante que o alargamento do prazo para realização das obras é a necessária e justa sujeição da condenação a uma condição suspensiva, a saber, terem os autores pago na íntegra e no prazo definido na deliberação que aprove a realização das obras, o montante que é da sua responsabilidade enquanto condóminos.
14. Atendendo ao longo historial de incumprimento por parte dos autores da sua obrigação de pagamento de verbas destinadas a obras no edifício, é justo, proporcional e equitativo que a eficácia e exigibilidade/executabilidade do direito a reparação os danos das partes comuns do prédio e na sua habitação, seja condicionada, pelo efetivo e pontual cumprimento do pagamento do valor dessas obras que é da sua inteira e exclusiva responsabilidade.
15. Pelo exposto, nesta parte, deverá a sentença em crise ser revogada e substituída por outra que alargando o prazo de realização das obras de 90 para 120 dias após trânsito em julgado, condicione os efeitos condenatórios, a sua exigibilidade/executabilidade ao pagamento pelos autores na íntegra e no prazo definido em Assembleia de Condóminos, o montante para a realização das mesmas que é da sua responsabilidade enquanto condómino.
16. O Tribunal a quo condenou ainda o recorrente a pagar aos autores a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, já atualizados à data da decisão, sendo o recorrente responsável por satisfazer essa quantia, com exceção do montante proporcional à fração dos autores, atendendo à existência de culpa do lesado.
17. Se, como resulta da fundamentação do Tribunal a quo os autores residem numa fração insalubre e desconfortável, a ponto de ser hoje extremamente incómodo e difícil usá-la para fins de habitação, acarretando riscos para a saúde dos autores e agregado, constituindo fonte de preocupação e desgosto, tal situação não se deve a negligência, inércia, falta de diligência, ou mesmo, má vontade do recorrente, mas sim porque desde 2011 até 2018 os autores nunca estiveram na disponibilidade de pagar a parte que lhes cabia, no valor das obras a realizar ou mesmo das já realizadas.
18. Todos os danos não patrimoniais alegados pelos autores devem-se, única e exclusivamente, ao seu comportamento com relapso não pagamento das suas obrigações, total irresponsabilidade face às suas obrigações enquanto condóminos e total desrespeito e até desprezo pelos restantes condóminos que sempre cumpriram as suas obrigações para com o condomínio.
19. Por tudo o que se expôs, deve nesta parte a sentença ser revogada e substituída por outra que, considerando como muito grave a culpa do lesado nos danos não patrimoniais verificados, determine seja a obrigação de indemnizar totalmente excluída, absolvendo o recorrente.
20. Considerou o Tribunal a quo não ser a conduta dos autores passível de condenação como litigância de má-fé, fundamentando tal decisão no facto de ter não ter ficado provado que foi a conduta dos autores (por lapso evidente escreveu-se na sentença réus) a única causa responsável para a não realização de obras.
21. Salvo o devido respeito por opinião diversa, facto de não ter ficado provado que os autores não foram os únicos a contribuir para a não realização das obras, em nada invalida a possibilidade destes serem condenados como litigantes de má-fé, porquanto, o que releva para efeitos de condenação como litigante de má-fé é saber se existiu boa-fé processual quando os autores intentaram a ação contra o recorrente. Saber se os autores, na sua relação processual com o recorrente, atuaram com a probidade e retidão exigidos e se a sua pretensão tinha fundamento.
22. Ora, se pelo menos desde Outubro de 2015, os autores sabiam que a realização de obras estava dependente destes pagarem as dívidas que tinham para com o recorrente, bem como, o pagamento integral e pontual das verbas aprovadas para a realização de obras, e nunca o fizerem, litigaram, objetivamente, com má-fé.
23. Quando os autores intenção ação de condenação contra o recorrente, sabendo que durante 10 anos nunca pagaram as quotas ou verbas extra das obras realizadas, ou mesmo verbas extra aprovadas para realização de novas obras, litigam, objetivamente, com má-fé.
24. Os autores sempre souberam qual a solução para se realizarem as obras que reclamam, mas em vez de cumprirem as suas obrigações, intentaram ação judicial, pretendendo assim ludibriar os Tribunais e o recorrente, peticionando a condenação deste na realização das obras nas partes comuns e na sua habitação, pretendendo assim eximir-se mais uma vez ao pagamento das suas obrigações enquanto condóminos.
25. Por último, ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, a censurabilidade da conduta dos autores (no não pagamento das contribuições) não encontra o eco necessário e suficiente na culpa do lesado. A existência de culpa do lesado é mais um argumento a ter em conta para a existência e condenação como litigantes de má-fé.
26. Se tal como considera o Tribunal a quo os autores contribuíram com comportamento culposo para a não realização das obras, então, determina a boa-fé processual, probidade e retidão não terem os autores direito/fundamento para intentarem a ação de condenação contra o recorrente.
27. Por tudo o que se expôs, deve nesta parte a sentença ser revogada e substituída por outra que, considerando como provada a litigância de má-fé, condene os autores em multa, bem como, no pagamento de todas as despesas e encargos com o processo e honorários da mandatária.
28. E é nestes precisos termos que, está a sentença do Tribunal a quo ferida dos apontados vícios de erro de aplicação do Direito e violação, entre outras disposições, das normas contidas nos artigos 334º, 483º, 570º e 1424º, todos do CC e 542º do CPC, pelo que não poderá manter-se.

Nestes termos, finaliza o recorrente, pugnando pela procedência do presente recurso e, em consequência, deverá ser:

a) Julgada procedente, por provada, a inexistência dos pressupostos da ilicitude (por não provada ou por exclusão resultante de abuso de direito) e da culpa (por não provada), não existindo responsabilidade civil extracontratual e por consequência, absolver-se o réu da obrigação de indemnizar por danos patrimoniais e não patrimoniais;

Sem prescindir,
b) Julgada procedente, por provada, a culpa grave do lesado, bem como, as consequências do seu comportamento culposo, em consequência seja a obrigação de indemnizar excluída, absolvendo-se o recorrente da mesma;

Ainda sem prescindir,
c) A sentença revogada e substituída por outra que alargando o prazo de realização das obras de 90 para 120 dias após trânsito em julgado, condicione os efeitos condenatórios, a sua exigibilidade/executabilidade ao pagamento pelos autores na íntegra e no prazo definido em Assembleia de Condóminos, o montante para a realização das mesmas que é da sua responsabilidade enquanto condómino;
d) A sentença revogada e substituída por outra que, considerando como muito grave a culpa do lesado nos danos não patrimoniais verificados, determine seja a obrigação de indemnizar totalmente excluída, absolvendo o recorrente;
e) Julgada, procedente, por provada, a litigância de má-fé, condenando os autores em multa, bem como, no pagamento de todas as despesas e encargos com o processo e honorários da mandatária.
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Os autores apresentaram contra-alegações, constando das mesmas as seguintes

CONCLUSÕES

1) O Apelante pretende, com o presente recurso, ver alterada a decisão do Tribunal a quo, censurando o mesmo por ter dado como provado a existência de ilicitude e de culpa do ora Recorrente.
2) O Recorrente sustenta que o Tribunal recorrido considerou que o presente caso enquadra-se numa situação de responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, nos termos do disposto dos artºs. 483.º e seguintes do Código Civil, julgando como provados os requisitos para a existência dessa responsabilidade.
3) No entanto, o Recorrente não cumpriu qualquer um dos ónus de impugnação acima referidos, ou seja, não cumpriu o ónus de impugnação da matéria de direito, nem o ónus de impugnação da matéria de facto.
4) O Recorrente não indica, no presente recurso, os concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar; os concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; nem retira qualquer consequência de uma eventual alteração produziria na matéria de facto dada como provada e/ou não provada na sentença ora recorrida.
5) Acresce que o Recorrente também não cumpre o ónus imposto no n.º 3, do art. 639.º, do C.P.C., relativamente ao recurso sobre matéria de direito, já que não invoca, nas suas conclusões, as normas jurídicas violadas; o sentido que no seu entender as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; e, finalmente, invocando erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que deveria ter sido aplicada.
6) O Recorrente manifestamente não cumpriu qualquer um dos ónus de impugnação que o Legislador expressamente lhe impôs, pelo que, no caso concreto, a Impugnação pretendida da decisão proferida pelo Tribunal a quo tem que ser necessariamente rejeitada nos termos dos art.°s 639.º, n.º 2 e 640.º n.ºs 1 e 2, ambos do C.P.C.
7) Sem prescindir, o Mmo. Juiz a quo fundou a sua convicção no conjunto de toda a prova produzida no processo e em audiência de julgamento, como seja, o depoimento de parte da representante do Apelante e dos ora Recorridos, a prova documental, prova pericial e respetivos esclarecimentos prestados pelo perito na audiência de discussão e julgamento e na prova testemunhal -, prova que no global foi analisada de forma crítica e conjugada à luz das regras da experiência comum.
8) Assim, a livre apreciação e a valoração da prova feita pelo Tribunal a quo foi objetiva, racional e crítica, resultando das regras comuns da lógica, da experiência e do bom senso, sendo que a resposta à matéria de facto foi a adequada e razoável perante a prova produzida, já que o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado.
9) O mesmo sucedendo quanto à fundamentação de Direito da Douta Sentença, em que depois de discriminados os factos que considera provados indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes, entendendo, desta forma, o Tribunal a quo que, no presente caso a responsabilidade do Recorrente assenta no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos, nos termos do disposto dos art.°s 483.º e ss. do C.C.
10) O Recorrente, no entanto, veio impugnar a decisão proferida pelo Tribunal a quo ao dar como provada a existência de ilicitude de culpa, porque, no seu entendimento, não atuou com omissão do dever de manutenção e reparação dos terraços, não havendo manifestação de pouco zelo ou negligência, concluindo que não houve ilicitude da sua conduta.
11) Efetivamente, bem andou o Tribunal a quo ao considerar na sentença ora recorrida que houve ilicitude por parte da atuação do recorrente, que se traduziu na clara abstenção de atos de conservação e manutenção do sistema de escoamento de águas pelo telhado e, posteriormente, de reparação atempada do mesmo, o que provocou danos na fração dos Recorridos, conforme decorre do conteúdo do relatório pericial junto aos autos e que serviu de fundamento à Douta sentença recorrida. Assim, dúvidas não restam sobre a ilicitude do comportamento do Recorrente.
12) O Recorrente alegar que não agiu com culpa, no entanto, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que aquele poderia e deveria ter agido de outra forma, uma vez que os Recorridos por diversas vezes alertaram para a existência de anomalias no edifício, conforme decorre da prova documental junta aos presentes autos e que foi considerada pelo Tribunal a quo na decisão recorrida e não mereceu qualquer impugnação por parte do recorrente.
13) Decorre, também, de confissão da representante legal do Recorrente, que desde 2011 tinha conhecimento da existência de anomalias no prédio e da necessidade de realizar tais obras, reputando-as mesmo como urgentes. No entanto, nessas obras de 2011 estavam contempladas as fachadas e juntas de dilatação, mas não estavam contempladas obras nos terraços, sendo que foram estes que provocaram as anomalias no interior da fração dos Recorridos, conforme resulta do teor do relatório pericial, pelo que bem andou o Tribunal a quo a considerar verificada a culpa do Recorrente, na modalidade de mera culpa ou negligência.
14) Quanto à culpa do lesado, entende o Recorrente que a mesma não deveria ter sido fixada pelo Tribunal a quo nos termos do disposto no art. 1421.º, n.º 1, do C.C., mas sim, apenas e só com base no disposto no art. 570.º, n.º 1 do C.C., excluindo-se, assim a atribuição de qualquer montante indemnizatório aos Recorridos. Com o devido respeito não assiste qualquer razão ao Recorrente.
15) Efetivamente considerou o Tribunal recorrido na sentença agora posta em causa como mais adequada a aplicação do artigo 1424.º, n.º 1, do C.C. Nos termos do disposto nas al.s a), e b), do n.º 1 do art. 1421.º do C.C., as fachadas e o telhado são partes comuns, pelo que caberá aos condóminos suportar todas as despesas necessárias à sua conservação e fruição, conforme decorre do estatuído no n.º 1, do art. 1424.º do C.C.
16) A verificação da violação de tais deveres acarreta a responsabilidade que radica na norma do art. 493.º, n.º 1, do C.C., que estabelece uma modalidade especial de responsabilidade delitual.
17) Da matéria de facto provada pelo Tribunal a quo – e não impugnada pelo Recorrente - resulta que os danos verificados na casa dos Recorridos existem na sala, nos quartos e na cozinha e têm origem na deficiente impermeabilização e má manutenção do piso superior, onde se localizam os terraços do prédio - partes comuns do edifício - que servem de cobertura à fração dos Recorridos.
18) Não obstante se ter demonstrado que durante 10 anos os Recorridos não pagaram as quotas do condomínio, a verdade é que ficou demonstrado que não foram os únicos condóminos a não cumprir as suas obrigações para com o condomínio. Mais, ao longo do período de tempo referido, nunca foi aprovada qualquer deliberação pelos Recorrentes relativa à realização de obras no interior da fração dos Recorridos, pelo que é claro que não foi apenas e só por culpa do lesado que tais obras não foram realizadas.
19) De facto, só na última reunião, realizada já no decorrer do ano de 2018, é que foi deliberado a realização de obras no interior dos apartamentos, sendo que até essa data nunca houve consenso entre os condóminos para a realização de tais obras, sendo aprovada uma quota-extra para esse efeito, que os Recorridos se encontram a pagar.
20) No que se refere à não condenação dos Recorridos em litigância de má-fé, entende o Recorrente que não podiam estes desconhecer que a responsabilidade pela reparação de defeitos existentes nas partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal é da responsabilidade do condomínio e que para a realização das mesmas era imperioso que cada um dos condóminos precedesse ao pagamento atempado da sua quota-parte.
21) No entanto, o que dizer das sucessivas recusas do Recorrente em assumir a reparação dos danos existentes no interior da fração dos Recorridos, válida e atempadamente comunicados e, judicialmente reconhecidos pelo teor do relatório pericial junto aos autos, aceite na íntegra pelo Recorrente, uma vez que nunca foi impugnado, nem foram solicitados quaisquer esclarecimentos ao mesmo. Portanto, bem andou o tribunal recorrido em absolver os Recorridos do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artºs. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex. vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se ocorre a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual para efeitos de condenação do interveniente apelante nos moldes constantes da sentença recorrida.
- Saber se cumpre alargar o prazo para a execução das obras, sujeitando-se ainda a sua exigibilidade/executabilidade ao pagamento pelos autores o montante da sua responsabilidade enquanto condóminos para a execução das mesmas.
- Saber se ocorre culpa grave do lesado nos danos não patrimoniais verificados e se esta deverá ser reduzida ou excluída.
- Saber se ocorre litigância de má fé por parte dos autores.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS

O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. Encontra-se registado a favor dos autores o direito de propriedade sobre a fração “L” – quarto andar, do lado direito – para habitação – Tipo T3 – com garagem, n.º 1, na subcave, descrita na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de … sob o número … “L”, da freguesia da … e inscrita na respetiva matriz sob o artigo …, …, localizada naquele prédio urbano.
2. O negócio de compra e venda foi titulado por escritura outorgada em … de … de 2002 e exarada de fls. … a … do Livro de Escrituras Diversas …
3. Os Autores fizeram inscrever esta aquisição na Conservatória do Registo Predial de …, achando-se a mesma inscrita pela Ap. ….
4. Por si e ante possuidores, há mais de dez, vinte, trinta e mais anos, estão ininterruptamente na posse dela, pagando as respetivas contribuições, usando e fruindo todas as suas utilidades e fazendo-o à vista de todos, com a consciência de a ninguém com isso prejudicar, como verdadeiros donos que efetivamente são.
5. A identificada fração de que os Autores são proprietários faz parte do prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, correspondente ao Lote número …, edifício composto por subcave, cave, rés-do-chão e cinco andares, dividido em quinze frações autónomas – de A a P -, descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis de … sob o número … , estando através da Ap. 1 de … inscrita a mencionada constituição de propriedade horizontal.
6. A Primeira Ré é administradora do condomínio do prédio em que se integra a indicada fração “L”, cabendo-lhe, consequentemente, representá-lo.
7. Os Segundos Réus são donos e legítimos possuidores da fração “M” – … andar - para habitação – Tipo T3 – com uma garagem, n.º 3, e arrecadação situada na caixa de escadas, na subcave, descrita na Conservatória do registo Predial de … sob o número … “M”.
8. A referida fração “M” é provida de dois terraços contínuos que constituem a cobertura da fração de que os Autores são proprietários.
9. Pelo menos desde finais do ano de 2015, na fração de que os Autores são proprietários – fração “…” - começaram a surgir e a alastrar fissuras e densas manchas de humidade, no teto e paredes da sala, da cozinha e dos três quartos.
10. Tais manchas vinham e vêm sendo provocadas por extensas e abundantes infiltrações de águas, designadamente das águas pluviais que provinham e provêm das partes comuns do edifício superiores à fração “…”, designadamente dos dois terraços que servem de cobertura à dita fração e que dessas partes comuns superiores se propagavam e propagam ao teto interior dela.
11. Nos referidos terraços os Segundos Réus construíram duas floreiras – uma em cada terraço.
12. Tais infiltrações provocaram e provocam ainda pingos de água e escorridos de água que caem no interior da fração e a molham, bem como as coisas que no interior dela se encontram.
13. No dia … de … de …, às 16.23mn a ré enviou à autora Sandra o email que consta de fls. 24 verso e seguintes e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
14. A autora Sandra … respondeu também por email constante de fls. 25 com o teor que ora se dá por reproduzido.
15. No dia 28 de Dezembro de 2015 a autora Sandra … enviou novo email à , constante de fls. 25 verso e cujo teor ora se dá por reproduzido.
16. No dia 25 de Outubro de 2016 a ré enviou à autora Sandra o email constante de fls. 26 e cujo teor ora se dá por reproduzido.
17. No dia 04 de Fevereiro de 2017 a autora Sandra enviou à ré o email que consta de fls. 28 verso e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
18. No dia 16 de Fevereiro de 2017 a autora Sandra enviou à ré o email que consta de fls. 29 e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
19. No dia 06 de Março de 2017 a autora Sandra enviou à ré o email que consta de fls. 29 verso e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
20. Em Outubro de 2015 a enviou aos condóminos a missiva que consta de fls. 26 verso e seguintes e cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido.
21. Em Março de 2016, foram realizadas obras num dos terraços do 5.º andar, o que se situa por cima da sala da fração propriedade dos Autores.
22. Em Fevereiro de 2017 verificaram-se novas infiltrações de água naquela divisão, situação que foi prontamente comunicada à Primeira Ré.
23. O problema das infiltrações de água foi levado à assembleia de condóminos realizada em 21 de Março de 2017, na qual esteve presente o Segundo Réu.
24. Os Autores no ano de 2016 solicitaram à Câmara Municipal de … a realização de vistoria ao prédio.
25. A referida vistoria foi realizada no dia 12 de Abril de 2016.
26. A zona afetada por humidade em tetos e paredes daquela mesma fração está localizada por baixo dos referidos terraços.
27. As manchas de humidade existente na fração dos autores foram provocadas, direta ou indiretamente, por infiltração de água proveniente dos terraços contíguos devido a deficiente impermeabilização dos mesmos.
28. A floreira existente no terraço sudeste foi removida e a existente no terraço este foi desativada.
29. Na presente data, a cozinha apresenta fissuras e manchas no teto resultantes da presença da humidade e deficiente impermeabilização e má manutenção do piso superior.
30. Os móveis da cozinha não se encontram deteriorados, sendo apenas visíveis algumas anomalias, aparentemente normais devido ao uso, como, por exemplo, o destacamento do perfil de remate inferior junto a um canto e a ausência do perfil de remate superior junto a janela. Não são visíveis quaisquer danos por água nos móveis de cozinha.
31. Na sala, os tetos e paredes apresentam-se com fissuras, buracos e manchas resultantes da presença de humidade, estando em alguns locais a tinta empolada.
32. O pavimento flutuante existente encontra-se, na sua generalidade, em boas condições, normais para o uso. Não são visíveis quaisquer sinais de podridão ou qualquer outro dano por água.
33. As guarnições de madeira da sala, junto à porta da varanda, encontram-se deterioradas e a precisar de substituição, mais propriamente o aro vertical do lado esquerdo e a respetiva guarnição, assim como a guarnição horizontal. O rodapé da parede contígua à janela também precisa ser substituído. Não foi detetada água a escorrer nem quaisquer vestígios de tal.
34. Nos dias de chuva, os autores têm de colocar baldes em alguns pontos da sala para apanhar parte da água que escorre de um buraco existente no teto.
35. Na suite existem fissuras e extensas manchas de humidade, nas paredes e no teto.
36. Em alguns locais a tinta está empolada e noutros a humidade já se converteu em bolor e a tinta e o estuque estão a cair.
37. O pavimento flutuante existente encontra-se, na sua generalidade, em boas condições, normais para o uso. Não são visíveis quaisquer sinais de podridão ou qualquer outro dano por água.
38. Os aros da janela não se apresentam deteriorados, contrariamente à guarnição vertical esquerda (ombreira) e horizontal superior que se apresenta empenada e deve ser substituída.
39. O elemento de madeira entre o aro inferior da janela e o móvel sob a mesma apresenta-se enegrecido e empenado e deverá, também, ser substituído.
40. Apesar do intenso cheiro a mofo no interior dos armários, localizados sob a janela, estes não se apresentam deteriorados, não sendo visíveis quaisquer danos por água.
41. No quarto contíguo à suite, as manchas de humidade foram provocadas, direta ou indiretamente, por infiltração de água proveniente do terraço adjacente devido a deficiente impermeabilização do mesmo.
42. A acrescer às manchas provocadas de forma direta pela infiltração de água, outras terão sido provocadas por condensação.
43. Tanto os aros e as guarnições quanto o pavimento flutuante existente encontram-se, na sua generalidade, em boas condições, normais para o uso, exceto no quarto contíguo à suite, onde se pode observar que o elemento de madeira entre o aro inferior da janela e o móvel sob a mesma se apresenta enegrecido e empenado e deverá ser substituído.
44. Na parede da varanda do alçado principal existe uma fenda com abertura acentuada e, devido à sua extensão e largura, poderá configurar uma cunha de deslizamento, podendo, assim, destacar-se e projetar-se na rua, representando um perigo para pessoas e bens localizados nas imediações.
45. A resolução do problema referido no artigo anterior poderá obrigar à demolição parcial do referido muro e sua reconstrução, anulando a aludida cunha de deslizamento.
46. Nunca foram feitas no prédio obras de conservação com exceção das referidas em 21.
47. As infiltrações vão penetrando no interior da fração “…” e vão-se intensificando e gravando à medida que o tempo passa e vêm gradual e progressivamente provocando a degradação do teto, paredes e pavimentos da fração “…”.
48. Por via disso a fração “…” passou a ser um local húmido, insalubre e desconfortável, a ponto de ser hoje extremamente incómodo e difícil usá-la para os fins de habitação a que ela se destina, obrigando, sobretudo na época das chuvas, a constantes mudanças das coisas situadas no interior da fração.
49. As infiltrações e presença de águas diminuem o valor locativo da fração “…”.
50. Face ao estado do seu apartamento, os autores sentem preocupação, desgosto e angústia.
51. Com a realização de obras de reparação, nomeadamente a renovação do sistema de impermeabilização e a colocação de isolamento térmico os problemas relacionados com a infiltração de água proveniente dos terraços e as manchas de condensação ficarão sanados.
52. Existe infiltração de água no teto junto ao WC da suite (também visível no andar adjacente inferior) proveniente, muito provavelmente, da deficiente vedação da junta de dilatação entre os Lotes … e ….
53. A junta de dilatação entre os Lotes … e … e todas as fendas existentes na fachada terão que ser vedadas.
54. É suficiente o prazo de 30 dias para a realização das reparações referidas supra.
55. Os trabalhos de reparação no interior da fração “…” poderão ser feitos num prazo de 30 dias desde que os problemas externos do prédio tenham sido resolvidos.
56. No período de duração das obras a realizar na fração “…”, os Autores ficarão impossibilitados e privados de a usarem e fruírem.
57. Desde 2008 até 2018 os autores não pagaram as quotas mensais de condomínio, de fundo de reserva, de seguro das partes comuns, ou de obras já realizadas no prédio.
58. Em Abril de 2017, o valor em débito pelos Autores ao condomínio ascendia a € 7.680,88 (sete mil seiscentos e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos).
59. Tal débito levou o condomínio a intentar ação executiva que correu termos na Comarca de Braga – Instância Central de Guimarães- 1ª Secção de Execução – J2 com o nº 7108/15.6T8GMR.
60. No âmbito dessa ação foi celebrado um acordo de pagamento em prestações.
61. A necessidade de obras nas partes comuns do prédio foi já discutida e deliberada em assembleia de condóminos, Acta nº 5 de 15-06-2011, onde no ponto 5 da ordem de trabalhos consta: Infiltrações da água no Edifício- análise e aprovação de orçamento de fachada do Edifício, documento de fls. 73 verso e seguintes.
62. Foi aprovado, em assembleia de condóminos um orçamento no valor total de € 14.610,18, repartido pelas respetivas frações em função da sua permilagem, ficando decidido que o início das obras estaria dependente do pagamento, por todos os condóminos, das respetivas verbas até 15-07-2011.
63. Os Autores não pagaram a verba que lhe cabia de € 1.504,85.
64. E o mesmo se verifica nas Actas nº 6 de 31-05-2012 e Acta nº 7 de 30- 05-2013, Acta nº 8 de 04-06-2014 e Acta nº 9 de 26-05-2015, documentos de fls. 70 verso e seguintes, 83 e seguintes, 86 verso e seguintes e 89 verso e seguintes, onde são aprovadas obras cuja execução está dependente do pagamento por todos os condóminos das verbas de sua responsabilidade e mais uma vez os Autores não cumpriram com o pagamento a que estavam obrigados.
65. Em 31-05-2016, primeira assembleia de condóminos em que os Autores compareceram, conforme cópia de Acta nº 10, documento de fls. 95 e seguintes dos autos, no ponto da ordem de trabalhos referente a obras no edifício, consta a realização de obras urgentes em Outubro de 2015 no terraço da fachada frontal.
66. Tais obras só foram feitas porque houve contribuições suplementares dos restantes condóminos, nomeadamente dos 2ºs. Réus, para que o condomínio tivesse recursos financeiros para as executar.
67. Foi deliberado pelos condóminos, na assembleia de 31-05-2016, “face a discussão supra e elevados valores em débito ao condomínio, entendem os presentes não existir condições para que se avance com nova intervenção no edifício, mesmo sendo urgente e necessária. Assim, deve aguardar-se termo de ações em curso e recebimento das verbas em aberto de forma a aprovar orçamento para as intervenções urgentes a realizar no prédio.
68. As principais anomalias existentes nas partes comuns do prédio são:
-Fissuração com abertura significativa existente no topo do edifício na ligação da platibanda à laje do terraço este.
- Fissuração com abertura menos expressiva que a referida em 1.1, também na ligação da platibanda à laje do terraço, em toda a zona rebocada da fachada.
- Fissura na parte da fachada cega revestida com cerâmico orientada a este, aproximadamente vertical e localizada próxima do pilar da galeria do R/C. Esta fissura envolve tanto o cerâmico como a junta de argamassa envolvente e apenas é visível a olho nu até cerca de metade da altura da parede.
- Apesar de serem visíveis pontos de drenagem da caixa-de-ar da parede dupla de tijolo na parte das fachadas revestida com material cerâmico, localizados na zona inferior das paredes, os respetivos tubos de drenagem não foram devidamente prolongados para o exterior.
- Fissuração dos peitoris exteriores em pedra das janelas ao longo de toda a fachada Este. Esta anomalia é generalizada e foi verificada tanto no 3º Direito como no 4º Direito e pressupõe-se que ocorre em todos os peitoris das janelas da fachada Este.
- Deficiente impermeabilização pontual da cobertura, originando infiltração de água na zona da chaminé da cozinha e na clarabóia do WC completo do 5º andar.
- Deficiente vedação da junta de dilatação entre os Lotes … e ….
- Deficiente vedação da junta de dilatação entre os Lotes … e ….
- Deficiente estanquidade na zona de interface entre os materiais constituintes da parede referida em 1.3 do relatório de peritagem, entre o pano de parede rebocado de cor branca e o pano contíguo, revestido com material cerâmico.
- Elementos pétreos de remate da testa da laje das varandas com sinais de falta de aderência ao suporte, podendo, caso se verifique o seu destaque, provocar danos materiais e aos transeuntes localizados nas imediações.
- Fenda com abertura acentuada na parede da varanda do 4º Direito que, devido à sua extensão e largura, poderá configurar uma cunha de deslizamento, podendo, assim, destacar-se e projetar-se na rua, representando um perigo para pessoas e bens localizados nas imediações. Recomenda-se uma rápida resolução do problema.
- Deficiente estanquidade dos terraços do 5º andar que provocaram e provocam infiltrações de água no apartamento adjacente (4º Direito).
- Deficiente estanquidade da parede sul recuada revestida com material cerâmico e/ou caixilharia adjacente, causando infiltrações de água na lavandaria do 3º Direito.
69. As principais causas e soluções de reparação das anomalias existentes nas partes comuns do prédio são:
- A fissuração referida foi causada por deficiente ligação entre a laje e a platibanda, executada, muito provavelmente, em tijolo cerâmico. A zona envolvente da fissura deverá ser removida para alargar a fissura e, assim, permitir a remoção do material desagregado. Seguidamente, a platibanda em tijolo deverá ser agrafada à laje e, posteriormente, toda a zona a tratar deverá ser regenerada com uma argamassa de reparação com polímeros e armada.
- O tratamento da anomalia referida em 1.1.3 do relatório pericial obriga à remoção do cerâmico na zona em causa e ao alargamento da fissura existente para, posteriormente, se avaliar com maior precisão acerca da solução a adotar. O suporte deverá, muito provavelmente, estar fissurado, o que obrigará ao tratamento das respetivas fissuras. As fissuras com espessura igual ou superior a 1 mm deverão ser convenientemente reparadas, de acordo com o seguinte procedimento:
i) alargamento das fissuras, por exemplo por intermédio de um disco rotativo com 5 mm de espessura. Se as fissuras apresentarem um desenvolvimento irregular, devem abrir se em forma de V;
ii) na zona de tratamento das fissuras deve picar-se ligeiramente e proceder-se ao seu preenchimento.
- A anomalia referida em 1.1.4 do relatório pericial obriga à remoção do material cerâmico e abertura de locais para sondagem e avaliação do estado dos elementos referidos, nomeadamente referentes ao funcionamento dos tubos de drenagem e do caleiro da caixa-de-ar. Posteriormente, deverão ser colocados novos tubos de drenagem, devidamente prolongados para o exterior e deverá, também, ser assegurada a necessária ventilação da caixa-de-ar, por intermédio da colocação de tubos para ventilação na zona superior dos panos de parede. A anomalia terá sido causada devido a deficiente execução, podendo, também, haver problemas de conceção, caso a ventilação não tenha sido prevista em projeto. Os documentos de projeto consultados são omissos sobre esta questão.
*
FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, o tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:

· As floreiras também contribuíram para a existência de infiltrações de água nos tetos e paredes da fração “…”.
· Logo que apareceram as infiltrações os Autores comunicaram à gerência da Primeira Ré e aos Segundos Réus a ocorrência delas tendo solicitado à gerência da Primeira Ré que, no exercício das suas funções de administração, desse andamento ao assunto provendo as reparações que fossem necessárias.
· Por diversas vezes em 2015, 2016 e já em 2017 a gerência da Primeira Ré esteve no local para se inteirar in loco da situação e assumiu a responsabilidade pela realização das obras necessárias.
· Todavia, nenhuma destas solicitações surtiu qualquer efeito, mantendo-se a administradora do condomínio e os Segundos Réus totalmente inertes, alheados e desinteressados do assunto, apesar de saberem muito bem que se agravavam a cada dia que passa os efeitos das infiltrações de água.
· Os resultados da omissão do dever de reparação foram ainda agravados pela pressão exercida pelas duas floreiras e diversas plantas que, para desfrute dos Segundos Réus, estão colocadas sobre os dois terraços e que estes regam permanentemente.
· Ora, tanto as águas pluviais como a água utilizada para a rega das plantas existentes nos terraços de cobertura se infiltraram e infiltram, pelas fendas e porosidades que com o decurso do tempo se foram abrindo nos terraços.

Mais se consignou que o tribunal não respondeu à restante matéria constante dos articulados, quer porque se trata de alegações conclusivas ou de direito, quer porque são factos repetidos nos dois articulados, quer porque são circunstâncias factuais sem qualquer relevo para a boa decisão da causa.
*
IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Questão prévia

Desde logo, cumpre dizer que não há motivos para rejeitar liminarmente o presente recurso, com fundamento no disposto nos artºs. 639º, n.º 2 e 640º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil, conforme o invocado pelos apelados, porquanto, por um lado, o recorrente não veio impugnar a decisão recorrida que incidiu sobre a matéria de facto, que assim se deverá considerar como definitivamente assente; e, por outro, no que se refere ao mérito da decisão recorrida, cuidou de explicitar as normas jurídicas que no seu entendimento considera violadas (cf. n.º 28 das conclusões de alegações de recurso).
*
B). Dos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual de que depende a condenação da interveniente apelante

Desde logo, cumpre dizer que, nos termos do artigo 1420º do C. Civil, na propriedade horizontal – regime jurídico a que está submetida a dita fração “…” dos autores – cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

Neste direito real coexistem, assim, a propriedade singular do proprietário de cada fração que integra a propriedade horizontal e a propriedade em comunhão dos titulares do conjunto dessas frações sobre as partes restantes do edifício.

Por conseguinte, pode-se dizer que a propriedade horizontal desdobra-se em dois interesses, muitas vezes, conflituantes: i) o interesse respeitante às partes comuns, devido à partilha do gozo comum desses mesmos bens; ii) e o interesse autónomo, individual e exclusivo relativo à fração.

Por isso, nas relações entre si, os condóminos estão sujeitos, quer quanto às frações que exclusivamente lhe pertencem, quer quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis (art. 1422º do C. Civil).

Os condóminos participam no direito sobre a coisa comum, exercendo em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular e separadamente participam nas vantagens e encargos da coisa na proporção das suas quotas (art. 1405º, n.º 1, do C. Civil).

Por isso, devem os condóminos contribuir na proporção das respetivas quotas para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e pagar os serviços de interesse comum na proporção do valor das suas frações, sem prejuízo de as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum poderem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovado sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação (art. 1424º, nºs 1 e 2, do C. Civil).

Outrossim, o proprietário de cada fração autónoma do edifício é assim titular exclusivo de um direito real, de natureza absoluta, que lhe permite exigir de qualquer terceiro que se abstenha de atos que perturbem o pleno gozo e fruição da sua fração.

Isso mesmo resulta do disposto no artigo 1305º do C. Civil, segundo o qual o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

Sucede que, nos termos do disposto no art. 483º, do C. Civil, a violação de um direito subjetivo, no que se inclui evidentemente o direito real de propriedade, pode importar a obrigação de o agente da violação indemnizar o lesado, caso se verifiquem os demais pressupostos do instituto da responsabilidade civil ali consagrado.

De facto, tal como é referido no Ac. RP de 16.01.2014 (1), esta obrigação, tal como se pode constituir nos casos em que o objeto do direito de propriedade do lesado não se integra em propriedade horizontal e o agente da violação é totalmente alheio ao imóvel, igualmente se pode constituir, nos mesmos termos, quando esse bem se integra numa propriedade horizontal e o autor da violação é outro dos condóminos (danos provindos de outras frações autónomas) ou o próprio condomínio (danos provindos de partes comuns).

Para o efeito, o que releva é que tenha sido violado o direito de propriedade exclusiva ou singular, ou seja, afectada a fracção autónoma, e que o autor da lesão seja alguém estranho a esse direito de propriedade singular, independentemente de se tratar de um não condómino, de um condómino ou do próprio condomínio, os quais, em qualquer dos casos, são terceiros em relação ao direito real sobre o bem afectado e, portanto, estão sujeitos ao dever de non facere que a natureza do direito real do lesado lhe impõe.”

Significa isto que o titular de uma das frações do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fração afetada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respetiva responsabilidade do condomínio ou do próprio administrador, a título pessoal, mas para tanto é suposto que ocorram todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, quais sejam: a) o facto (ação ou omissão); b) a ilicitude (violação de um direito subjetivo ou de qualquer disposição legal dirigida à proteção de interesses alheios); c) a culpa (enquanto juízo de censura); d) o dano; e) e o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. (2)

Dito isto, em função do objeto do recurso e das pretensões dos autores, a questão central que se nos coloca é a de saber se existe da parte do condomínio um dever geral de atuação no sentido de conservar e reparar as partes comuns, cuja violação (por omissão) importe a violação de um dever de agir e torne essa omissão ilícita.

No caso em apreço, em face da factualidade dada como assente resulta evidente que a aludida fração dos autores vem sofrendo vários danos, designadamente fissuras e densas manchas de humidade, as quais decorrerem de infiltrações de águas, designadamente de águas pluviais, que provêm das partes comuns do edifício superiores à fração dos autores, designadamente dos dois terraços que servem de cobertura à dita fração, os quais não se encontram devidamente impermeabilizados, sendo certo que tais infiltrações provocam ainda pingos de água que caem no interior da fração dos autores (cf. designadamente nºs 9 a 12 e 26, 27, 29, 31, 34, 35, 41 e 42 dos factos provados).

Os aludidos dois terraços que servem de cobertura à fração dos autores, muito embora estejam afetos à fração “…”, constituem “partes comuns” do edifício (art. 1421º, n.º 1, al. b), do C. Civil).

Com efeito, como sustenta a maioria da doutrina e jurisprudência, em relação aos terraços a obrigatoriedade da sua comunhão verifica-se desde que eles sejam de cobertura, fazendo parte da estrutura integral do edifício e servindo o interesse de proteção do mesmo perante os fatores climatéricos ou atmosféricos, independentemente de assentarem sobre o último piso ou um piso intermédio e de estarem afetos ao uso exclusivo de uma fração. (3)

Nestes termos, o órgão condomínio, entendido como o conjunto de todos os condóminos, enquanto titular dos direitos relativos às partes comuns do edifício responde concomitantemente pelas obrigações relativas a essas mesmas partes.

É que cabe ao condomínio, no fundo ao conjunto dos condóminos, reparar os danos produzidos numa fração autónoma e provenientes de uma parte comum, sendo até aplicável in casu a presunção de culpa a que alude o disposto no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, para os danos causados por coisas. Esta norma estabelece uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de uma coisa, móvel ou imóvel.

Neste âmbito, como já vimos, os autores lograram provar que foi a deficiente impermeabilização dos terraços que servem de cobertura à sua fração, que causou os demonstrados danos no interior da mesma.

De facto, nos termos do artigo 1421º, n.º 1, al. b), do C. Civil, estando a origem dos prejuízos dos autores na ausência de vigilância e de manutenção de terraços de cobertura, como partes comuns do edifício, incumbia ao condomínio proceder à sua vigilância e assegurar a sua manutenção, por forma a evitar a ocorrência de quaisquer danos.

Realce-se que, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (art. 350º, n.º 1, do C. Civil).

O condomínio não observou esses deveres de cuidado e zelo, em que se traduzem a vigilância, que são prévios à ocorrência do dano, visando obstar a sua produção, emergindo o resultado, precisamente, do processo causal que teve o seu início nessa omissão. (4)

Pelo contrário, não provou o condomínio, como lhe competia (art. 342º, n.º 2, do C. Civil), quaisquer factos que poderiam excluir a correspondente responsabilidade, demonstrando que não houve culpa da sua parte ou que os danos sempre se teriam produzido ainda que não houvesse culpa (art. 493º, n.º 1 do C. Civil).

Aliás, a reparação de uma anomalia de uma fração autónoma, causada pela deficiente manutenção de uma parte comum, tem a natureza de uma obrigação propter rem, em que o respetivo sujeito passivo está vinculado por ser titular de um direito real.

Por sua vez, a relação creditória propter rem prescinde da noção de culpa, quanto à prova do direito real e dos atos que o ofendem, mas não prescinde dessa mesma culpa quanto à existência de danos e direito a indemnização. (5)

Por conseguinte, o simples facto de os autores não cumprirem com as suas quotizações de condomínio, por si só, não servem de causa de exclusão de culpa por parte do condomínio, tomado no conjunto de todos os condóminos, cuja responsabilidade na vigilância, manutenção e reparação das partes comuns lhe compete.

O requisito da ilicitude está igualmente demonstrado, violado que foi o direito de propriedade dos autores sobre a sua identificada fração.

O apelante ainda veio ainda invocar que os autores atuam com abuso de direito.

O abuso do direito – art. 334º, do C. Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”. (6)

Para Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede. (7)
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.(8)
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante. (9)
O instituto do abuso de direito visa “obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que, na normalidade das situações seria ajustada, numa específica situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante.(10)
Trata-se de uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o legislador pode obtemperar à injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido. (11)

No entanto, aceitamos que para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador. (12)

Isto não significa, porém, que ao conceito de abuso do direito sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes fatores pode relevar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito. (13)

No caso em apreço, os autores pretendem que o condomínio realize as obras de reparação das partes comuns que lhe vêm causando danos no interior da sua fração, dos quais pretendem igualmente ser indemnizados dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados nos termos gerais.

É certo que resultou demonstrado que os autores não cumprem com as suas obrigações de condóminos, designadamente não pagando as quotas mensais de condomínio, de fundo de reserva, de seguro das partes comuns, ou de obras já realizadas no prédio, entre os anos de 2008 e 2018, ascendendo o valor global em débito a € 7.680,88 (cf. factos provados nºs 57 e 58).

Não obstante, não sabemos em concreto quais os motivos que levaram ao não pagamento de tais quotizações por parte dos autores, sendo certo que contra os mesmos já foi instaurada a competente ação executiva para pagamento de tal montante em débito, tendo inclusivamente já existido um acordo para pagamento em prestações do montante exequendo em dívida (cf. factos provados nºs 59 e 60).

Como já afirmámos, o abuso de direito visa sancionar comportamentos clamorosamente ofensivos da boa fé, do fim económico e social do direito ou dos bons costumes: comportamentos clamorosos no sentido de intoleráveis, inadmissíveis, chocantes do sentido de justiça, que o direito e a ética negocial não podem tolerar.

Pelo que fica dito, e em face da factualidade dada como assente, afigura-se-nos que tal situação não ocorre no caso em análise.

Destarte, é de concluir que o condomínio, vinculado que está ao dever de vigiar, manter, conservar e reparar as referidas zonas comuns do edifício, incumpriu esse dever por omissão negligente do zelo e cuidado que lhe eram exigíveis e possíveis na perspetiva e segundo o critério do bom pai de família (art. 487º, n.º 2 do Cód. Civil), e que por isso está obrigado a indemnizar os condóminos autores dos danos que lhe sobrevieram como consequência direta da sua omissão ilícita e culposa quanto à realização das obras em causa.

Por conseguinte, deverá soçobrar, neste segmento, a pretensão recursiva do apelante.
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C). Do alargamento do prazo para a execução das obras e sujeição das mesmas quanto à sua exigibilidade/executabilidade ao pagamento pelos autores do montante da sua responsabilidade enquanto condóminos para a execução das mesmas.

No que se refere ao alargamento do prazo para a execução das obras, desde já, se considera legítima a pretensão do apelante no que se refere ao alargamento do respetivo para 120 dias, tendo em atenção, designadamente, que as mesmas comportam, em princípio, a marcação de uma assembleia geral de condóminos para o efeito e estão ainda normalmente dependentes de adequadas condições climatéricas para o efeito.

No que se refere ao condicionamento da exigibilidade/executibilidade das mesmas ao prévio pagamento dos autores do montante da sua responsabilidade para o efeito, o mesmo não encontra respaldo legal, sendo certo que tal pretensão também se traduz numa “questão nova”, que, como tal, não chegou a ser sindicada pelo tribunal a quo, estando, por conseguinte, este tribunal ad quem impossibilitado, nesta fase, de o fazer, tanto mais que não se trata de uma questão de conhecimento oficioso.

De facto, o condomínio, na contestação apresentada, nada refere ou pede neste sentido, sendo certo que tal seria o momento processual adequado para o fazer.

Consideramos, pois, que tal atuação do apelante, nesta fase de recurso, não se compagina com os princípios estruturantes do processo civil da estabilidade da instância, do dispositivo e do contraditório, o que não é legalmente admissível, mormente por ser violador do disposto nos artºs. 3º, 4º, 5º, 265º, n.º 1, 552, n.º 1, al. d), 573º, 583º e 607º, n.ºs 4 e 5, todos do C. P. Civil.

Com efeito, como se sabe, no sistema processual nacional os recursos são os meios de impugnação de decisões judiciais, através dos quais se visa a eliminação ou correção de decisões inválidas, erradas ou injustas, pela devolução do seu julgamento a um órgão jurisdicional hierarquicamente superior (no caso de recursos ordinários), tratando-se, por isso, de meios que visam modificar as decisões recorridas e não criar decisões sobre matéria nova, não podendo assim neles ser versadas questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido, salvo as questões de natureza adjetivo-processual e substantivo-material que sejam do conhecimento oficioso. (14)

Procede, pois, parcialmente a pretensão recursiva do apelante, ainda que limitada ao prazo fixado para a execução das obras, que deverá ser alargado para 120 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão final, conforme pretensão do apelante.
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D). Da indemnização por danos morais

Na sentença recorrida, o tribunal a quo deu como demonstrada a culpa do lesado, de acordo com o disposto no art. 570º, do C. Civil, considerando, pois, que os autores, igualmente enquanto condóminos, são responsáveis pelos danos que lhe advieram no interior da sua própria fração, sendo que a proporção da sua culpa deverá ser equivalente à proporção do valor (permilagem) da sua fração (art. 1424º, n.º 1, do C. Civil).

Na sequência, em sede de condenação do condomínio na indemnização de € 2.500,00, a título de danos morais, o tribunal a quo excluiu de tal condenação o montante proporcional à fração dos autores (considerando a culpa do lesado).

Insurge-se o apelante quanto a tal proporção adotada pelo tribunal a quo, defendendo antes que, atendendo a que os autores 10 anos nunca terem cumprido as suas obrigações para com o condomínio, nunca pagando as quotas nem comparticipações especiais para obras já realizadas ou a realizar, será de considerar ser muito grave a sua culpa pela sua não realização, bem como muito graves as consequências do seu comportamento culposo, devendo a obrigação de indemnizar ser pura e simplesmente excluída.

Vejamos então.

Como é consabido, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito, conforme decorre do art. 496º, n.º 1, do C. Civil, consequência do princípio geral da tutela geral da personalidade previsto no art. 10º, do mesmo Código.

A gravidade mede-se por um padrão objetivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns.

Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências dos danos existentes no interior da fração dos autores, provocadas pelas referidas infiltrações, assumem gravidade, com evidente repercussão no bem-estar habitacional e vivência diária dos autores, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.

Na realidade, temos como provado que as descritas infiltrações vão penetrando no interior da fração “…” e vão-se intensificando e gravando à medida que o tempo passa e vêm gradual e progressivamente provocando a degradação do teto, paredes e pavimentos da fração.

Por via disso a fração “…” passou a ser um local húmido, insalubre e desconfortável, a ponto de ser hoje extremamente incómodo e difícil usá-la para os fins de habitação a que ela se destina, obrigando, sobretudo na época das chuvas, a constantes mudanças das coisas situadas no interior da fração.

Nesta medida, face ao estado do seu apartamento, os autores sentem preocupação, desgosto e angústia. (cf. factos provados nºs 47, 48 e 50).

Por sua vez, importa referir que, nos termos sobreditos, o tribunal a quo considerou igualmente culpados da descrita atuação omissiva, culposa e ilícita, do condomínio, os aqui autores.
Tal culpabilidade dos autores não se encontra posta em causa pelas partes, apenas se diverge quanto ao grau de culpabilidade que deve ser atribuído aos mesmos.

Nos termos do disposto no art. 570º, do C. Civil, “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

No entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela (15)a culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como diretamente aos danos provenientes desse facto.

Analisemos então em que medida é que podemos aferir a culpabilidade dos próprios autores na lesão do seu direito verificada.

Neste particular, temos como provado que, desde 2008 até 2018, os autores não pagaram as quotas mensais de condomínio, de fundo de reserva, de seguro das partes comuns, ou de obras já realizadas no prédio.

Assim, em Abril de 2017, o valor em débito pelos autores ao condomínio ascendia a € 7.680,88, o que levou o condomínio a intentar a respetiva ação executiva para pagamento coercivo de tal montante (cf. factos provados nºs 57, 58 e 59).

Adiante-se ainda que, já em sede de assembleia de condóminos realizada em 15.06.2011, foi aprovado, para efeitos de reparação da fachada do edifício, em resultado de infiltrações verificadas, um orçamento no valor total de € 14.610,18, repartido pelas respetivas frações em função da sua permilagem, ficando decidido que o início das obras estaria dependente do pagamento, por todos os condóminos, das respetivas verbas até 15.07.2011.

Não obstante, os autores não pagaram a verba que lhe cabia de € 1.504,85 (cf. factos provados nºs 61, 62 e 63).

O mesmo se passou nos anos seguintes (2012-2015), onde, em sede de assembleia de condóminos são aprovadas obras cuja execução está dependente do pagamento por todos os condóminos das verbas de sua responsabilidade e mais uma vez os autores não cumpriram com o pagamento a que estavam obrigados (cf. facto provados n.º 64).

Realce-se ainda que, em 31.05.2016, primeira assembleia de condóminos em que os autores compareceram, no ponto da ordem de trabalhos referente a obras no edifício, consta a realização de obras urgentes em Outubro de 2015 no terraço da fachada frontal.

Não obstante, cabe dizer que, tais obras só foram feitas porque houve contribuições suplementares dos restantes condóminos, para que o condomínio tivesse recursos financeiros para as executar (cf. factos provados n.ºs 65 e 66).

Resulta, assim, desta factualidade dada como assente que, os autores não cuidaram de cumprir atempadamente com as suas obrigações de pagamento das quotas mensais de condomínio que lhe eram devidas, sendo certo que, sem que possamos aquilatar em que medida proporcional é que o não pagamento destas quotas dificultaram a realização das necessárias obras no dito terraço, não podemos deixar de concluir que a sua atuação inadimplemente assume, neste particular, especial gravidade, conquanto se prolongou durante vários anos (cerca de 10 anos), assumindo a dívida dos autores a este título um valor bastante considerável, em Abril de 2017 (€ 7.680,88), criando como é óbvio ao próprio condomínio dificuldades acrescidas na disponibilização de meios financeiros para a realização das mesmas obras.

Disso, aliás, se deu conta na dita assembleia de condóminos realizada a 31.05.2016, fazendo-se constar que, “face a discussão supra e elevados valores em débito ao condomínio, entendem os presentes não existir condições para que se avance com nova intervenção no edifício, mesmo sendo urgente e necessária. Assim, deve aguardar-se termo de ações em curso e recebimento das verbas em aberto de forma a aprovar orçamento para as intervenções urgentes a realizar no prédio.”

Por último, afigura-se-nos evidente que, a atuação culposa dos aqui autores, em nada contribuírem para obras de reparação, já inicialmente aprovadas e previstas para o ano de 2011, conduziu necessariamente para um agravamento dos danos verificados, ao longo destes anos, no interior da sua fração.

Por seu turno, não nos podemos olvidar igualmente que as obras em causa são necessariamente urgentes e indispensáveis, cabendo ao condomínio, como já salientámos, o dever de suprir, prontamente, as apontadas deficiências detetadas no edifício, designadamente de modo a permitir uma adequada conservação do edifício, respeitando igualmente o direito de propriedade e de bem-estar habitacional individual que é conferido legalmente aos diversos condóminos.

Tudo visto e ponderado, consideramos que a culpa dos lesados, aqui autores, na produção dos danos verificados, se deverá cifrar em 30%; e a do condomínio, no conjunto dos restantes condóminos claro está, em 70%.

Outrossim, a indemnização fixada pelo tribunal a quo neste âmbito afigura-se-nos ainda excessiva, sobretudo tendo em atenção a gravidade dos danos em causa na esfera jurídico-pessoal dos autores.

Nestes termos, julgamos como justo e equitativo fixar em € 750,00, para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, tendo por referência a data da sentença de 1ª instância (26.09.2018), tal como igualmente consta da mesma.
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E). Da litigância de má fé

Na sentença recorrida, absolveu-se os autores apelados do pedido de condenação como litigante de má fé contra si formulado, designadamente por se considerar que não existe qualquer fundamento legal para esta condenação.

Mais uma vez, veio a apelante sustentar, nesta fase de recurso, que os autores deveriam ser condenados como litigantes de má fé, conquanto, havendo culpa dos lesados, aqui autores, determina a boa fé processual, probidade e retidão não terem os autores direito para intentarem a ação de condenação contra o apelante.

Adiantemos, desde já, que julgamos que não assiste razão ao apelante.

Dispõe o art. 542º, n.º 2, do C. P. Civil, que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

A doutrina tem classificado a má fé de que trata o referido preceito em duas variantes: a má fé material e a má fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do n.º 2, e a segunda os das alíneas c) e d) do mesmo número.

A má fé material ou substancialrelaciona-se com o mérito da causa: a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual”. Por sua vez, a má fé instrumentalabstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental.(16)

Verifica-se uma situação de “negligência grave” naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida. (17)

Não obstante, cumpre dizer que, neste particular, o julgador deverá agir com cautela de modo a que nela não se incluam casos de manifesto lapso, de lide meramente ousada, de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio apenas por fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e de os interpretar, de diversidade de versões sobre determinados factos ou até de defesa convicta e séria de uma posição que não logrou convencer. (18)

Acresce que a doutrina e a jurisprudência têm entendido, sem discrepância, que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má-fé. (19)

No caso, em face da factualidade apurada, dúvidas não subsistem que os autores apelados não litigam de má fé em nenhuma das vertentes acima enunciadas, tanto quanto é certo que, em bom rigor, os autores se limitaram a pedir, no essencial, a realização de obras de conservação e de reparação de partes comuns do edifício em que se integra a sua fração, pedido esse que, como já referimos supra, encontra respaldo legal, sendo certo que o não cumprimento atempado e integral das suas obrigações de condomínio não constituem, por si só, fundamento minimamente válido para que possamos concluir que os autores vieram litigar de má fé, em qualquer das modalidades acima apontadas.

Consequentemente, bem andou o tribunal a quo ao absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má fé contra si deduzido.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo condomínio apelante, nos termos sobreditos, e consequentemente, decide-se:

- Condenar o réu Condomínio do Edifício (…) realizar as obras descritas nos factos provados, tendentes a eliminar as anomalias no exterior do edifício e no interior da fração pertencente aos autores (incluindo a reparação do mobiliário danificado), identificada em 1., dos factos provados, no prazo de 120 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão final.
- Condenar o réu Condomínio do Edifício (…) (no conjunto dos restantes condóminos) a pagar aos autores a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta mil euros), a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão da 1ª instância.

No mais, julga-se improcedente a apelação apresentada, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas, em ambas as instâncias, pelos autores e réu Condomínio na proporção de 40% e 60%, respetivamente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil).
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Guimarães, 10.01.2019

Relator: António José Saúde Barroca Penha.
1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Marinho da Cunha.
2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.


1. Proc. n.º 1046/08.6TBVLG.P1, relator Aristides Rodrigues de Almeida, acessível em www.dgsi.pt.
2. Sobre os pressupostos da responsabilidade civil, vide, por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 1987, pág. 470-476.
3. Vide, neste sentido, por todos, Luís Menezes Leitão, Direitos Reais, Almedina, 2009, pág. 312; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição, pág. 74. Ao nível da jurisprudência, vide, por todos, neste sentido, Ac. STJ de 12.10.2017, proc. n.º 1989/09.0TVPRT.P2. S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, disponível em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, cfr., por todos, Ac. RP de 18.10.2010, proc. n.º 5166/06.3TBVNG.P1, relatora Ana Paula Carvalho; e Ac. RP de 12.07.2017, proc. n.º 17/14.8THPRT.P1, relatora Maria Cecília Agante, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
5. Neste sentido, cfr. Manuel Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, Coleção Teses, Almedina, 1990, pág. 310.
6. Teoria Geral das Obrigações, Almedina, 3ª edição, págs. 63-64.
7. Abuso de Direito, BMJ n.º 85, pág. 253.
8. Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 5ª edição, pág. 499.
9. Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 299.
10. Cf. Ac. STJ. de 15.01.2013, proc. n.º 600/06.5TCGMR.G1. S1, relator Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt.
11. Manuel de Andrade, ob. citada, pág. 63.
12. Cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 298.
13. Neste sentido, cf. Antunes Varela, ob. cit. pág. 499.
14. Neste sentido, cf. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 5ª edição, págs. 395-396.
15. Ob. citada, Vol. I, pág. 588.
16. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pág. 457.
17. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 4ª ed., pág. 48; Lebre de Freitas, Código Processo Civil Anotado”, 2001, Coimbra Editora, págs. 194 e 195.
18. Neste particular, cf. entre outros, o Ac. STJ. de 11.09.2012, proc. n.º 2326/11.09.TBLLE.E1.S1, relator Fonseca Ramos, acessível em www.dgsi.pt, onde se refere que “a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável”, exigindo a “litigância de má fé a consciência de quem pleiteia de certa forma ter a consciência de não ter razão.
19. Cf. Acs. STJ. de 24/01/2002, Rev. n.º 4047/01-7ª Sumários, 1/2002; de 28/02/2001, Ag. n.º 211/02.2ª Sumários, 2/2002.