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MEDIDA DA PENA
Sumário
É indefensável o entendimento de que, se se mostrarem respeitados os critérios legais de fixação concreta da pena, o tribunal de recurso não pode sindicar o quantum exacto da pena fixado pelo tribunal recorrido.
Texto Integral
Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
1.Relatório
No .º juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetida a julgamento a arguida B………., devidamente identificada nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-la, pela prática, em concurso, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº1, e de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº 1, ambos preceitos do C. Penal, nas penas parcelares de 240 e 60 dias de multa à taxa diária de 6 €, e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 280 dias de multa àquela taxa diária, num total de 1.680 €, bem como, na procedência parcial do pedido de indemnização civil contra ela deduzido pela assistente C………., a pagar à demandante a quantia de 220,90 €.
Inconformada com a sentença, dela interpôs recurso a arguida, pugnando pela redução da medida da pena que lhe foi aplicada, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª A arguida vinha acusada pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º do Código Penal e Injúria previsto e punido pelo artigo 181º n.o 1 do Código Penal.
2.ª O Meritíssimo Juiz a quo concluiu pela culpa da recorrente e consequentemente na sua condenação na pena de 240 dias de multa à razão diária de 6 €, o que perfaz o montante de 1.440€, pela prática do crime de ofensa à integridade física e na pena de 60 dias de multa à razão diária de 6 €, o que perfaz o montante de 360 €, pela prática do crime de Injúria.
3.ª Em cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de 280 dias de multa, à razão diária de 6 €, perfazendo o montante global de 1.680 €.
4.ª Entende a recorrente existirem, por um lado, do conjunto dos factos provados e não provados e bem assim das circunstâncias contemporâneas e posteriores ao crime, elementos que diminuem a necessidade da pena e justificam a redução da pena aplicada.
5.a No que concerne aos crimes em causa nos autos, o Tribunal fica reconduzido, no crime de ofensa à integridade física simples, à moldura penal de 10 a 360 dias e no crime de injúria à moldura de 10 a 120 dias de multa.
6.a Dos factos dados como provados, resulta que a arguida não tem antecedentes criminais, é doméstica, vive em casa própria, tem como habilitações literárias a quarta classe e o seu agregado familiar, com dois filhos a cargo, tem como rendimentos mensais 510 €.
7.ª Mais se provou que a arguida é vista pelos seus vizinhos e pessoas que a conhecem como pessoa de bem e de bom relacionamento.
8.ª Os danos resultantes da conduta da arguida, causados à assistente, não assumiram particular gravidade, sendo disso expressão o que vem descrito no parágrafo 7, da página 3 da douta sentença, onde se diz, além do mais que "pareceu evidente ao Tribunal que a assistente relatava o sucedido com algum prazer, o que era visível pelas expressões de cara que fazia, quase sempre acompanhadas de um sorriso aberto".
9.ª No parágrafo 5 da página 9 da douta sentença, o Tribunal a quo refere-se ao facto de não ter sido feita qualquer prova credível sobre o abalo psicológico que os factos possam ter causado à assistente.
10.ª Referindo o Exmo. Tribunal: "Na verdade, não só isso não transpareceu das declarações da assistente, parecendo que estava completamente recuperada do ponto de vista mental dos factos que aqui se discutem, se é que alguma vez não esteve, pois não se encontrou qualquer pesar ou sombra nas suas declarações à medida que falava, antes pelo contrário, pois falava demonstrando algum gozo."
11.ª Atentando-se no montante atribuído à assistente, a título de dano não patrimonial - 150 € - se poderá alcançar que o Exmo. Tribunal a quo não considerou muito relevante o dano não patrimonial causado à assistente, não sendo por isso, graves, as consequências dos factos praticados pela arguida.
12.ª Na fixação da medida da pena, deverá ser atendido e ponderado, também, a conduta da assistente, que apesar de saber que a arguida se encontrava muito nervosa, vem em direcção a esta, descendo as escadas onde se encontrava sentada, e aproximando-se da rua onde a mesma se encontrava, conforme também se pode alcançar da douta sentença - Cfr. parágrafo 6 da página 3.
13.ª Ponderando as exigências de prevenção geral e especial e todas as circunstâncias, traduzindo a inexistência de perigo na prática de novos crimes, justifica-se que seja aplicada à arguida, ora Recorrente, uma pena inferior, àquela douta mente determinada pelo Exmo. Tribunal a quo, sem que a mesma desvirtue a protecção de bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade.
14.ª Ponderando ainda, o facto de a arguida não ter antecedentes criminais, se encontrar plenamente inserida socialmente, ser considerada como pessoa de bem e de bom relacionamento, e o entendimento do Exmo. Tribunal que considerou que o conjunto dos factos não são reconduzíveis a uma tendência criminosa mas tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade da arguida",
15.ª Não poderá deixar de considerar-se que tanto a ilicitude como a culpa da arguida ln casu, não justificaria a concreta pena que lhe foi aplicada, mas antes, uma pena menos gravosa, mais próxima do limite mínimo da moldura abstracta aplicável, tanto no caso do crime de ofensa à integridade física, como no crime de Injúria.
16.ª Salvo o devido respeito, que é muito, andou mal o Tribunal a quo, impondo-se a revogação da douta Sentença recorrida quanto à medida da pena de multa, aplicada por cada um dos crimes referidos, devendo esta ser reduzida e situada mais próxima do limite mínimo da respectiva moldura abstracta, devendo também ser reduzido o respectivo quantitativo diário, atendendo às condições económicas e sociais da recorrente, por forma a adequar-se à efectiva culpa do seu agente, à ilicitude dos factos e às concretas necessidades de prevenção.
17.ª Considera a Recorrente que a pena de multa, no que concerne ao número de dias fixados - 240 -, pela prática do crime de ofensa à integridade física, deverá ser reduzida para um número não superior a 120 dias, à razão diária de 4 €.
18.ª No que se refere ao crime de Injúria, deverá fixar-se a pena de multa em número de dias não superior a 40, à razão diária de 4 €.,
19.ª Devendo, pois, em cúmulo jurídico ser fixada uma pena única não superior a 140 dias, à razão diária de 4 €., perfazendo o montante de 560 €.
20.ª Ao não decidir assim, violou a douta sentença recorrida, o disposto nos artigos 40°, 47° e 71° do Código Penal.
O recurso foi admitido.
Na sua resposta, o MºPº defendeu o não provimento do recurso e a integral confirmação da decisão recorrida, que entende não ter violado qualquer disposição legal, nomeadamente as citadas pela recorrente, defendendo ainda que, tendo sido respeitados os critérios legais de fixação concreta da pena, a margem de liberdade do juiz é insindicável, ou dificilmente insindicável, em recurso.
Também a assistente apresentou resposta, defendendo a manutenção da decisão recorrida.
Nesta Relação, o Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer aderindo à resposta do MºPº na 1ª instância.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P.P., sem que tivesse havido resposta.
Colhidos os vistos, procedeu-se à audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
No dia 25 de Junho de 2005, cerca das 10,20 horas, na Rua ………., em ………., nesta comarca, a arguida, na sequência de um dos muitos desentendimentos que vem mantendo com a assistente C………. entrou em acesa discussão com esta, muniu-se de um tubo de cartão canelado e desferiu-lhe diversas pancadas.
Quando a arguida se dirigia para a assistente disse-lhe, em voz alta, “minha filha da puta. Não me vingo do teu filho, vingo-me em ti”, estando presentes pessoas que ouviram.
Em consequência a assistente sofreu as lesões descritas nos registos clínicos de fls. 22, 40 e 41, melhor avaliadas no relatório pericial de fls. 85 e seguintes, concretamente fractura diafisária oblíqua do 4.º metacarpiano, sem limitação funcional, que lhe determinaram, por forma directa e necessária, noventa dias de doença, com quarenta e cinco dias de incapacidade para o trabalho geral e profissional.
A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção conseguida de molestar fisicamente a assistente C………. e de ofender a assistente na sua honra, bom nome e consideração, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei.
A assistente sentiu dores por força da agressão de que sofreu. Foi assistida no Hospital ………., em Penafiel, onde despendeu a quantia de 70,90 €.
A assistente sentiu-se envergonhada.
A arguida é casada, tem três filhos, dois maiores e um menor, com 14 anos de idade, sendo que um dos primeiros ainda estuda.
A arguida é doméstica, o marido é marceneiro, mas recebe um subsídio da Segurança Social no montante de 510 €, vive numa casa própria e tem a 4.ª classe.
A arguida é vista pelos seus vizinhos e pessoas que a conhecem como uma pessoa de bem e de bom relacionamento.
A arguida não tem antecedentes criminais registados.
Quanto à matéria de facto não provada, consignaram-se como não provados os seguintes factos:
Os factos passaram-se na Rua ……… .
A arguida continuou a desferir pancadas na assistente mesmo quando esta estava prostrada no solo.
Na altura a assistente estava a trabalhar, fazendo cortinados, no que auferia cerca de 200 € por mês.
A assistente é uma pessoa digna e respeitada por todos no meio onde vive.
A expressão que a arguida dirigiu à assistente provocou-lhe grande abalo psicológico, angústia e inquietação no seu espírito.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a única questão que importa decidir é a de saber se, na fixação da medida concreta da pena, foi violado o disposto nos arts. 40º, 47º e 71º do C. Penal.
Entende a recorrente que existem, no conjunto de factos provados e não provados e nas circunstâncias contemporâneas e posteriores ao crime, elementos que diminuem a necessidade da pena e justificam a redução da medida aplicada, considerando que a medida justa se deveria encontrar em não mais de 120 e 40 dias de multa quanto aos crimes de ofensa à integridade física e injúria, respectivamente, devendo a pena única ser fixada em não mais de 140 dias. E que, tendo em conta as condições económicas e sociais da recorrente, o quantitativo da taxa diária deveria fixar-se em 4 €.
São as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, que justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral, enquanto prevenção positiva ou de integração, i. e. “como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida”, assume o primeiro lugar como finalidade da pena[3].
Por outro lado, o princípio da culpa, acolhido no nosso ordenamento jurídico-penal e cujo fundamento axiológico radica no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal, implica que a culpa seja condição necessária da aplicação da pena e, simultaneamente, que a medida da pena não possa ultrapassar a medida da culpa[4].
Estes princípios encontram expressão nos nº 1 e 2 do art. 40º do C. Penal, nos termos dos quais as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e não podem em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
E, bem assim, no nº 1 do art. 71º do C. Penal, de acordo com o qual a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, operação na qual, e de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, o tribunal terá de atender àquelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Entre as circunstâncias aí exemplificativamente enumeradas incluem-se, na al. d), “as condições pessoais do agente e a sua situação económica”.
O equilíbrio desejável entre as finalidades relativas à prevenção geral e à prevenção especial não obsta a que, perante as especificidades do caso concreto, uma dessas finalidades haja de prevalecer sobre a outra.
Nos casos em que a lei preveja, em alternativa, a aplicação de pena preventiva e não preventiva da liberdade, antes da determinação da medida concreta da pena haverá que proceder à escolha da pena seguindo o critério definido no art. 71º do C. Penal, ou seja, dar preferência à pena não privativa da liberdade sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (indicadas no art. 40º, como já acima referimos).
São estes os parâmetros pelos quais se rege esta matéria. No entanto, há uma questão levantada na resposta do MºPº, sobre a qual há que tomar posição. Com efeito, defende o MºPº que, no caso de se mostrarem respeitados os critérios legais de fixação concreta da pena, não pode (ou dificilmente poderá) o tribunal de recurso sindicar o quantum exacto da pena fixado pelo tribunal a quo, sob pena de interferir na margem de liberdade de que este goza nesse particular.
Tal posição é, no entanto, indefensável, pois a subtracção, ainda que parcial, da decisão sobre a medida concreta da pena a qualquer controlo por parte de um tribunal superior afectaria, directa e irremediavelmente, o direito ao recurso consagrado no nº 1 do art. 32º da C.R.P.[5]
Aliás, e embora se possa admitir a existência de diferenças, nessa matéria, relativamente aos poderes de cognição dos tribunais superiores (Relação e STJ), sempre “o Tribunal de 2ª instância pode fazer, em recurso, um reexame de toda a matéria de facto respeitante à medida da pena, e eventualmente avaliar diversamente o seu significado, quer em relação a cada parâmetro, quer em relação à imagem global do facto e da personalidade do agente, invadindo a margem de liberdade que, no nosso direito, assiste ao julgador na medida da pena e fixando, dentro dela, nova quantificação precisa, ou seja nova pena”[6].
Isto posto, vejamos se a decisão recorrida observou os critérios legais atinentes e se as penas fixadas se mostram ajustadas.
A recorrente foi condenada pela prática, em concurso, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº1, e de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº 1, ambos preceitos do C. Penal, nas penas parcelares de 240 e 60 dias de multa à taxa diária de 6 €, e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 280 dias de multa àquela taxa diária, num total de 1.680 €, sem que tenha posto em causa quer a prática desses ilícitos criminais, quer a sua qualificação jurídica.
Qualquer dos ilícitos criminais em referência é punível, em alternativa, com pena de prisão ou de multa: o primeiro, com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias, e o segundo, com pena de prisão de 1 mês até 3 meses ou pena de multa de 10 a 120 dias.
O tribunal recorrido, considerando que, no caso, a condenação da recorrente numa pena não detentiva assegura suficientemente os objectivos da punição, optou pela aplicação de penas de multa, observando escrupulosamente o disposto no art. 70º do C. Penal.
Na determinação das penas parcelares concretas ponderou, quanto à ofensa à integridade física simples, “o grau de ilicitude do facto, que se revela mediano/elevado, face às lesões que a ofendida sofreu, o dolo directo que presidiu a toda a actuação da arguida, a ausência de antecedentes criminais, bem como a situação familiar estável e económica da arguida” e, quanto à injúria, “o grau médio de ilicitude do facto, atento o teor do insulto proferido (puta), o dolo directo com que a arguida agiu, o seu grau de instrução, a circunstância de não ter antecedentes criminais, bem como a situação familiar estável e económica da arguida”.
Por sua vez, na determinação da pena unitária, levou em consideração “o conjunto dos factos, que não são reconduzíveis a uma tendência criminosa mas tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade da arguida e a situação pessoal”.
Vejamos.
A agressão praticada pela recorrente traduziu-se em diversas pancadas com um tubo de cartão, e dela resultou para a assistente uma fractura diafisária oblíqua do 4º metacarpiano (osso da parte média da mão), sem limitação funcional.
Quanto à injúria, traduziu-se no epíteto de “filha da puta”.
O grau de ilicitude é médio quanto à ofensa corporal, tendo em conta o tipo de lesões causadas, e baixo quanto à injúria, tendo em conta que a expressão em causa, embora inequivocamente pejorativa, em contextos de discussão como é o caso, constitui, mais do que propriamente uma referência à honestidade sexual da visada, uma forma de agressão verbal.
A agressão foi perpetrada com um tubo de cartão canelado, instrumento que cremos não ter potencialidade para causar lesões mais graves que aquelas que uma agressão com as mãos ou os pés teria causado.
As consequências da ofensa à integridade física (dores e um período de doença de 90 dias, dos quais 45 de incapacidade para o trabalho geral e profissional), se bem que não se possam considerar despiciendas, também não são muito relevantes. Quanto à injúria, apenas causou vergonha à assistente em relação à qual, curiosamente, nem se provou que fosse uma pessoa digna e respeitada por todos no meio onde vive.
A recorrente agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção conseguida de molestar fisicamente a assistente e atingi-la na sua honra, bom nome e consideração, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. O dolo é, pois, directo e intenso.
Tais factos foram praticados na sequência de uma acesa discussão entre recorrente e assistente, entre as quais já existiam muitos desentendimentos anteriores. Portanto, e embora se ignorem os reais motivos que estiveram por detrás do ocorrido, não se pode dizer que o motivo tenha sido fútil.
A recorrente tem uma boa imagem pública no meio em que se insere e não tem antecedentes criminais.
São estas as circunstâncias que se respigam da matéria de facto provada, e só elas se devem levar em consideração, não havendo que chamar à colação factos que não constam daquela matéria e que apenas foram utilizados na motivação da decisão de facto para explicar o percurso lógico seguido pelo tribunal na formação da convicção acerca do modo como os factos ocorreram, como o pretendeu fazer a recorrente. Se a assistente relatou os factos em tribunal demonstrando alguma satisfação – como parece que o terá feito -, esta não corresponde certamente ao sentimento por ela experimentado quando sofria a agressão e a injúria, sendo mais plausível que se devesse a um reprovável, mas ainda assim humano, desejo de, através da punição da recorrente, obter desforço do sofrimento que lhe foi infligido. Por outro lado, se não se fez prova credível de que os factos causassem abalo psicológico à assistente, esse facto é irrelevante e não deve ser valorizado, havendo apenas que levar em consideração os padecimentos que a assistente, efectivamente, sofreu.
Assim, sopesando todas as circunstâncias acima referidas, bem como as exigências de prevenção geral, de grau médio, e o facto de não existirem particulares exigências de prevenção especial, já que o bom comportamento e a primariedade da recorrente apontam para uma situação ocasional, e confrontando-as com as molduras penais aplicáveis (10 a 360 dias quanto à ofensa à integridade física e 10 a 120 dias quanto à injúria), entendemos que se mostram ajustadas as penas de 120 e 40 dias em correspondência com os crimes de ofensa à integridade física e injúria, respectivamente, penas com as quais se satisfazem as exigências preventivas sem que se ultrapasse a medida da culpa da recorrente.
Procedendo ao cúmulo jurídico destas penas, na ponderação conjunta dos factos (praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar e num mesmo contexto de confronto) e a personalidade da recorrente (primária, com bom comportamento e inserção social), como estabelecido no nº 1 do art. 77º do C. Penal, entre os limites máximo de 180 dias e mínimo de 120 dias (cfr. nº 2 do mesmo preceito), justifica-se a fixação da pena unitária em 140 dias de multa.
Resta verificar se deve ser alterada a taxa diária, fixada pelo tribunal recorrido em 6 €, e que a recorrente entende dever ser fixada em 4 €.
De acordo com o disposto no nº 2 do art. 47º do C. Penal, o montante diário da multa pode variar entre 1 e 498,80 €, sendo fixado “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Como é entendimento corrente, a taxa diária da multa deve ser fixada de forma a que mesma represente um sacrifício real para o condenado, para que mantenha a sua característica de verdadeira pena, pois de outro modo não será possível, através da sua aplicação, realizar as finalidades da punição.
Na ponderação do quantitativo ajustado ao caso concreto não entram unicamente em linha de conta os rendimentos mensais, apurados ou declarados, mas também todos os outros rendimentos, bens e encargos que definem uma situação económica e que permitem avaliar a repercussão que nela vai ter a pena encontrada, de forma a poder-se concluir se a mesma é, efectivamente e como deve ser, adequada para sancionar a concreta gravidade do facto.
Ora, relativamente à condição económica da recorrente, foram dados como provados os seguintes factos: “A arguida é casada, tem três filhos, dois maiores e um menor, com 14 anos de idade, sendo que um dos primeiros ainda estuda. A arguida é doméstica, o marido é marceneiro, mas recebe um subsídio da Segurança Social no montante de 510 €, vive numa casa própria e tem a 4.ª classe”.
Ponderando a condição económica apurada, o tribunal recorrido fixou a taxa diária em 6 €, taxa esta que pouco ultrapassa o limite mínimo fixado na lei e que, no caso e ponderando a condição económica da recorrente, não se pode considerar desajustada.
De facto, o montante mínimo da taxa diária da multa remonta à versão originária do C. Penal, tendo sido mantido na revisão operada pelo DL nº 48/95 de 15/3, que elevou o montante máximo de 10.000$00 para 100.000$00, e só sofreu uma ligeiríssima elevação resultante da conversão de escudos em euros concretizada pela alteração ao nº 2 do art. 47º do C. Penal introduzida pelo DL nº 323/01 de 17/12. É assim manifesta a desactualização do montante mínimo da taxa diária da multa, tendo em conta os valores da inflação dos 24 anos que medearam entre a data em que foi instituído e a actualidade. O sacrifício que uma taxa diária de 200$00 constituía então não tem qualquer correspondência com aquele que uma taxa diária de 1 € representa nos dias de hoje. Cabe à jurisprudência, enquanto não acontecem alterações legislativas que se prevêem para breve, introduzir alguns factores correctivos no sentido de evitar que a aplicação de montantes ridiculamente baixos redunde no descrédito e ineficácia da pena de multa. Assim, e sem pretender revogar por via jurisprudencial uma lei que se mantém em vigor, e enquanto se mantiver, entendemos que os escalões mais baixos da taxa diária da pena de multa devem ser aplicados exclusivamente a situações económicas de indigência ou de graves dificuldades económicas.
Decorre das considerações acabadas de fazer que se deve manter a fixação da taxa diária da multa em 6 €, que de modo nenhum se apresenta como passível de pôr em risco as disponibilidades indispensáveis ao suporte das necessidades da recorrente e do respectivo agregado familiar, sendo certo que a própria lei prevê mecanismos que permitem facilitar o pagamento da multa em casos justificados.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte referente à medida das penas aplicadas à recorrente, que agora vai condenada:
a) pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº1 do C. Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 6 €;
b) pela prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181º, nº 1, do C. Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa à mesma taxa diária;
c) em cúmulo jurídico, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) €, o que perfaz 840 €, a que correspondem 93 dias de prisão subsidiária
No mais, mantêm a decisão recorrida.
Vai a recorrente condenada em 3 UC, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.
Honorários da tabela.
Porto, 20 de Junho de 2007
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias (Voto Decisão, conforme declaração que junto)
António Augusto de Carvalho
José Manuel Baião Papão
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[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, págs. 72-73.
[4] Idem, Ibidem, pág. 73.
[5] cfr. Ac. TC nº 505/2003 de 28/10/2003, D.R., IIª s., de 5/1/04, que julgou inconstitucional a norma do artigo 432.º alínea d), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer da medida concreta da pena nos casos de desrespeito dos respectivos parâmetros (culpa do arguido, exigências de prevenção, moldura penal abstracta e tipo legal de crime em causa), violação de regras da experiência ou desproporção da quantificação efectuada, sem que tal restrição dos seus poderes de cognição implique a remessa do processo para outro tribunal de recurso.
[6] cfr. Acs. STJ de 4/3/04, procs. nº 02P4411 e 03P4331.
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Voto a decisão mas, demarco-me do argumento utilizado, para julgar adequada a taxa fixada para a pena de multa, quando se invoca a “manifesta desactualização do montante mínimo da taxa diária de multa” aludido no art. 47 nº 2 do CP e, a esse propósito, se afirma a necessidade de a jurisprudência “enquanto não acontencem alterações legislativas (...) introduzir alguns factores correctivos”.
No contexto daquela argumentação[1], tais afirmações (que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, nos parecem “gratuitas” uma vez que a margem actual entre € 1 e € 498,80 - art. 47 nº 2 do CP - permite perfeitamente ao julgador fixar o montante diário da pena de multa, sem retirar a “eficácia” que deve ser exigida à pena de multa), na sua singeleza, podem criar a tentação de o julgador se sentir legitimado, através de pretensas "interpretações correctivas”[2], transformar o seu papel de intérprete da lei em legislador , violando os princípios da separação de poderes e da legalidade (neste sentido, também, entre outros, Ac. do STJ de 25/10/2006, proferido no processo nº 06P2810, relatado por Sousa Fonte, consultado no site do ITIJ - Bases Jurídicas Documentais).
Por isso, sem esse argumento do qual discordo, apenas tendo em atenção os critérios enunciados no art. 47 n° 1 e 2 do CP (tendo presente que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1,00 e € 498,80”) e os factos apurados neste caso concreto, quanto à situação económica da arguida e encargos pessoais, entendo que se mostra ajustada e adequada a taxa fixada para a pena de multa imposta à arguida.
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[1] Com implícita referência ao Projecto de alteração ao Código Penal – proposta de lei nº 98/X – que, no art. 47 nº 2, preconiza o limite mínimo de € 5.
[2] Ainda que simultaneamente se afirme algo contraditória, que não se pretende “revogar por via jurisprudencial uma lei que se mantém em vigor, e enquanto se mantiver”.