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DIREITO DE REGRESSO
AVALISTA
TÍTULO EXECUTIVO
RESSAQUE
Sumário
Sumário (do relator):
I - Assiste direito de regresso ao avalista que pagou a dívida titulada na livrança relativamente aos demais coavalistas do mesmo subscritor avalizado, quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva (artºs. 516º e 524º do Cód. Civil), depois de excutidos todos os bens do devedor (art. 650º/3 do CC), salvo acordo em contrário dos co-avalistas.
II – Nas relações dos coavalistas entre si não há nexo cambiário, sendo a relação obrigacional entre eles existente regulada pelo direito comum.
III- Assim, se um dos co-avalistas pagar a letra ou livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a letra ou livrança avalizadas.
IV- Ou seja, este direito de regresso entre co-avalistas não pode ser exercido através de simples execução, utilizando a letra ou livrança como título executivo, por estas não possuírem a virtualidade de título para o efeito, dado não poderem conter a determinação da responsabilidade de cada um daqueles co-obrigados, que poderá ser mais ou menos abrangente e, no limite, até inexistir.
V- Todavia, o direito de regresso do coavalista sobre os demais coavalistas não tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como resulta do artigo 52º da LULL, onde expressamente se prescreve que “qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio deste.”
VI- De tudo resulta que, enquanto coavalista que pagou o valor do título, pode exercer o seu direito de regresso directamente, sacando uma letra à vista, efectuando um ressaque, constituindo tal letra um título executivo nos termos do artigo 703º no 1 alínea d) do CPC, pois que, a letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo porque se trata de documento a que o artigo 52º da LULL, atribui esse valor ou natureza.
Texto Integral
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: António (…)
Recorrido: Pedro (…).
António (…), residente na Avenida (…), Lote …, … em Viana do castelo, instaurou a presente acção executiva, contra o Executado, Pedro (…), residente na Rua da (…), (…), Ponte de Lima, com os fundamentos expostos no requerimento inicial, sendo que, por despacho proferido nos autos foi indeferido o requerimento inicial.
Inconformado com o assim decidido, apela o Requerente, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões:
I. O Recorrente e Exequente nos presentes autos, conquanto avalista e em processo de execução que com o número …, correu termos no Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, … – Instância Local Secção de Competência Genérica – J2, pagou ao (…), SA, o valor integral da livrança subscrita pela sociedade (…), Investimentos Financeiros, Lda. Livrança que se encontrava avalizada pelo exequente, pelo aqui Executado Pedro (…), e ainda por João (…). Todos executados no mesmo processo.
II. Nem a devedora subscritora da livrança, nem nenhum dos coavalistas realizaram qualquer pagamento da livrança. O valor pago ascendeu a um total de 54.454,76 euros (€ 44.120,20 correspondentes ao valor da livrança, juros no valor de € 4.786,70, bem como despesas decorrentes do processo judicial e com a Agente de Execução, que ascenderam a 3.934,93 euros e 1.612,93 euros de despesas exigidas e pagas ao banco beneficiário).
III. Nos termos do artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques e Livranças, assiste ao Executado, na sua qualidade de coavalista, o direito de regresso quer sobre a subscritora da livrança, quer, na medida em que lhe corresponda, sobre os restantes avalistas, entre os quais se encontra o aqui Recorrido e Executado. Em tais circunstâncias, o Recorrente tem o direito de haver do Recorrido e Executado um terço do valor acima referenciado, que pagou ao banco, 18.151,58 euros. Valor que o Executado não liquidou quando instado formalmente, por carta registada com aviso de recepção, para tal por parte do Recorrente.
IV. Em tais circunstâncias foi lícito ao Recorrente usar da faculdade prevista no artigo 52º da LULL, o ressaque de letra sacada à vista contra os coavalistas. Tendo sido por este sacada letra à vista, que apresentada à cobrança através do Banco ..., não foi paga, nem objecto de qualquer reclamação ou contestação. Porque título comprovativo suficiente da dívida existente, a letra sacada é título executivo que ora serve de base à presente execução.
V. Foram juntos ao requerimento executivo a letra que serve de base à presente execução, com respectivo comprovativo do não pagamento desta e das despesas efectuadas; requerimento executivo no qual constam os factos alegados acima e respectiva livrança; comprovativo do montante pago ao banco pelo Exequente e conta da Agente de Execução e ainda a carta formalizando o pedido de pagamento ao coavalista aqui Executado, com respectivo comprovativo de recebimento.
VI. A presente Acção de execução foi recebida pela secretaria, e presente ao Juiz do processo, o mesmo que ora proferiu a sentença recorrida, nos termos do artigo 726º do CPC e a 18 de Maio de 2017 foi por este proferido despacho liminar, nos termos do n.º 6 de tal artigo, que, sem qualquer objecção, ordenou o prosseguimento dos autos e ordenou a que se procedesse à citação do Executado, aqui Recorrido.
VII. Os autos de execução prosseguiram e foram realizadas múltiplas diligências de penhora sobre os bens do Recorrido e Executado, tendo este apresentado oposição à Execução a 30 de Novembro de 2017, invocando várias razões pelas quais entendia que não deveria ser obrigado a pagar a quantia peticionada, mas nunca tendo invocado qualquer falta ou insuficiência de título executivo.
VIII. A 21 de Fevereiro de 2018, o Tribunal recorrido proferiu sentença, agora indeferindo o requerimento executivo e determinando a extinção da presente execução, por duas razões: Por, alegadamente, a letra dada à execução não ser título executivo por o Executado a não ter aceite, e por se entender que entre avalistas cambiários não existiria direito de acção cambiária, sendo a obrigação regulada pelo direito comum, e ainda porque o direito de regresso existir apenas contra a pessoa a quem foi dado o aval e os obrigados para com esta em virtude do título. O despacho recorrido invocou o Acórdão do TRC de 03-06-2014, processo 18/12.0TJCBR-A.C1, supostamente como fundamentador desses seus entendimentos.
Pretende o Recorrente recorrer da integralidade da sentença, com base em três fundamentos:
- Existe título executivo suficiente para a execução, nos termos das alíneas c) e d) (duplamente), do número 1 do artigo 703º ainda do CPC, quando conjugado com o disposto no artigo 52º da LULL. - A sentença proferida viola o disposto no artigo 620º do C.P.C. ao julgar de novo o que era já caso julgado formal, e consequentemente é nula. - A sentença proferida é nula por consequência do disposto no artigo 615º nº 1 alínea e) do mesmo CPC, ao condenar o exequente por objecto diverso do pedido.
IX. A letra sacada à vista nas condições em que o foi, ressaque nos termos do artigo 52º da LULL é título executivo suficiente, o aceite do sacado não sendo necessário, como dispõe tal artigo: “Qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo disposição em contrário, embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados”.
X. O recorrente sendo um dos vários coavalistas da livrança, e se apenas ele a pagou na sua totalidade, assiste-lhe o direito de regresso sobre os outros coobrigados nesta, os outros avalistas com quem assumiu uma obrigação solidária (nos termos dos artigos 32º e 47º da LULL), veja nesse sentido o acórdão do STJ de 27.11.1962, Bol STJ 131 pág. 355, citado por Abel Delgado na LULL, em anotação 5 ao artigo 31º, aval coletivo e que citamos “O co-avalista do sacador que pague a totalidade da letra só tem o direito de regresso contra os outros co-avalistas se o pagamento lhe houver sido pedido judicialmente ou se o devedor principal tiver sido declarado falido.”. Aplicando-se assim nas relações entre os co-avalistas o mesmo regime que será aplicável à fiança e consagrado no artigo 649º do Código Civil.
XI. Sendo que nas obrigações solidárias, o direito de regresso é consagrado com muita clareza no artigo 524º do CC: “ O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores na parte que a estes compete:”, veja-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência datado de 5 de Junho de 2012, com o número 7/2012 proferido no processo 2493.05.0TBBCL.G1.S1: «Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias.»
XII. Pelo que existe direito de regresso do recorrente sobre o recorrido.
XIII. E esse seu direito de regresso não tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como resulta do artigo 52º da LULL: “ qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio deste.”
XIV. E como bem o interpretou o Dr. Abel Delgado, na sua LULL Anotada, 5ª Edição, Petrony, anotação 1 a tal artigo que se transcreve: “O ressaque é o ato pelo qual o provador, em vez de recorrer aos tribunais, para tornar efectivo o direito de regresso, saca uma nova letra à vista sobre um dos obrigados cambiários (arte. 52, I.) (….) Não é mais do que uma nova letra (relacionada com a primeira, pois que é emitida para obter o reembolso desta, mas dela independente), em que o portador ou o credor da letra primitiva toma a posição de sacador, figurando como sacado o garante sobre quem se exerce o direito de regresso.” Sublinhado nosso.
XV. Pelo que o Recorrente tem o direito de regresso sobre o Recorrido, e pode exercer esse seu direito directamente, sacando uma letra à vista, um ressaque, como o fez, constituindo tal letra um título executivo nos termos do artigo 703º nº 1 alínea d) do CPC. A letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo porque se trata de documento a que a disposição especial que se acabou de referir, o artigo 52º da LULL ( dispensando-nos de arguir o porque é especial tal preceito) lhe dá tal valor ou natureza.
XVI. Até porque o requerimento executivo apresentado pelo Recorrente retracta suficiente e fielmente as condições em que a ordem de pagamento através de título cambial foi emitida.
XVII. Permitindo facilmente a distinção entre a situação presente nos autos e aquela a que se refere o acórdão citado na sentença. Neste se contemplando a situação em que o exequente utilizou a própria livrança por si avalizada e paga, instaurando execução contra os outros co-avalistas. O que certamente não é o caso dos presentes autos.
XVIII. O direito do exequente existindo com a segurança necessária para constituir título executivo, independentemente do reconhecimento da dívida por parte do executado, que por si já teria reconhecido suficientemente a sua obrigação na livrança original, pelo que o aceite não é necessário.
XIX. Como resulta dos factos 11 a 18, existiram duas decisões diametralmente opostas proferidas no âmbito do mesmo processo, e tendo a decisão proferida nos termos do artigo 726º do CPC, e que entendeu que o título executivo era suficiente e consequentemente mandou prosseguir a acção executiva ordenando-se a citação do executado, transitado em julgado.
XX. Não obstante, na sentença recorrida, o Juiz a quo, tornou a pegar no tema e decidiu em sentido diametralmente oposto ao que tinha decidido e voltou agora a pronunciar-se sobre o mesmo documento, entendendo agora que este já não era título executivo.
XXI. O artigo 620º do CPC visa evitar juízos contraditórios no âmbito do mesmo processo, ao estabelecer que “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.”
XXII. O artigo 734º do CPC sendo de aplicação apenas quando o requerimento executivo não tenha sido presente ao Juiz do processo. O que não foi o caso dos autos. Pelo que a sentença recorrida violou a força de caso julgado formal do despacho liminar já proferido e transitado em julgado.
XXIII. Nem tendo o Executado invocado a falta ou insuficiência do título executivo na oposição à execução apresentada e apensa aos presentes autos, na qual constam os seguintes pedidos:
“I) Deve a presente acção executiva ser julgada improcedente, por não provada, e em consequência ser o exequente absolvido do pedido; II) Para a hipótese de assim não se entender, sempre teria de ser efectuada a compensação do crédito do executado sobre o exequente, pelo que não haveria lugar a qualquer pagamento ao exequente, havendo que absolver o executado do pedido; III) Deve o exequente ser condenado como litigante de má fé, e, em consequência, ser condenada no pagamento de uma multa a fixar por este douto Tribunal, bem como no pagamento de indemnização ao executado por todos os prejuízos por este sofridos, nomeadamente honorários de mandatário e demais despesas com os presentes autos, em montante não inferior a € 2.806,00 (mil e quinhentos euros).”
XXIV. Ficando assim reforçada a situação de caso julgado formal no que respeita à existência e suficiência do título executivo, e delimitado o âmbito do poder de julgamento do tribunal recorrido.
XXV. Pelo que ao sentenciar como sentenciou o meritíssimo Juiz a quo ultrapassou o que lhe foi pedido pelo oponente na sua oposição, e a tal estava impedido pelo disposto no artigo 615º nº 1 alínea d). O que causaria a nulidade da sentença, o que se alega.
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Os Apelados apresentaram contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Delimitação do objecto do recurso.
Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir:
- Analisar da eventual nulidade da decisão por violação de caso julgado formal; - Analisar da eventual nulidade da decisão por condenação do exequente por objecto diverso do pedido, em manifesta violação do disposto no artigo 615º nº 1 alínea e) do mesmo CPC. - Analisar da existência e do modo de efectivação do eventual direito de regresso do co-avalista contra os demais co-avalistas da mesma obrigação.
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III – FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…) Constatou agora o signatário, a propósito do presente termo de conclusão (momento em que teve pela primeira vez contacto com os autos de execução, ainda que não com os embargos), que o título dado à execução não constitui, contra o executado, título executivo, pela simples razão de que o executado identificado como sacado na letra, não é aceitante, pois não após a sua assinatura nos termos do artigo 25.º da LULL.
E só pelo aceite é que o sacado se obriga a pagar a quantia inscrita na letra à data do vencimento, ou à vista.
Na realidade, se é certo que o título apresentado nos autos vale como título de crédito, não menos certo é que o único obrigado cambiário que dele consta é o próprio exequente, que é o sacador. De facto, da letra só consta a obrigação do obrigado inicial – a do sacador – que consiste numa obrigação de garantia, a garantia (que presta ao tomador, se diferente) de que tudo fará para que o sacado assuma a responsabilidade cambiária do pagamento (ou seja, que aceite a letra) e de que, na falta do aceite do sacador (ou, havendo aceite, na falta de pagamento) ele próprio a pagará ao tomador.
Não pode é o sacador accionar o sacado com base em letra que este não aceitou.
E, salvo melhor opinião, tudo o que se disse é válido para a letra de recâmbio (a apresentada após o ressaque previsto no artigo 52.º da LULL, e admitindo-se como possível um ressaque de letra por referência a uma livrança), já que tendo em vista o direito de regresso extrajudicial, apenas visa a circulação do novo título no comércio, na mesma expectativa de aceite ou pagamento pelo sacado. Não sendo aceita por este, não constitui, contra ele, título executivo, já que a letra de recâmbio, ainda que vise o reembolso de outra, é dela independente.
Acresce, por fim, em abono da tese que se vem sufragando da inexistência de título executivo válido, que entre avalistas cambiários não há direito de acção cambiária, sendo a obrigação regulada pelo direito comum. O direito de regresso é apenas contra a pessoa a quem foi dado aval e os obrigados para com esta em virtude da letra. Estes são os obrigados precedentes, pois os co-avalistas não são obrigados para com a pessoa avalizada, mas apenas perante terceiros – cfr. artigo 32.º, 3 da LULL e, também, o Ac. do TRC de 3.6.2014, relatado por Jorge Arcanjo.
Assim sendo, e apesar de ter sido já proferido despacho liminar de citação, não pode o Tribunal permitir que a execução prossiga.
Trata-se de insuficiência de título e consequente excepção dilatória que é impossível de suprir e que é de conhecimento oficioso (já que é apreciável em despacho liminar).
Atento o exposto, nos termos do disposto no artigo 726.º, 2, a) do CPC, indefiro o requerimento executivo e, em consequência, determino a extinção da execução.
(…) Fundamentação de direito.
Como fundamento da sua pretensão recursória alega o Recorrente, em síntese, uma tríplice de fundamentos encadeados entre si, ou seja, alegando a existência de um título executivo suficiente para a execução, nos termos das alíneas c) e d) (duplamente), do número 1 do artigo 703º ainda do CPC, quando conjugado com o disposto no artigo 52º da LULL, conclui que a sentença proferida viola o disposto no artigo 620º do C.P.C. ao julgar de novo o que era já caso julgado formal, e consequentemente é nula, como nula será também por consequência do disposto no artigo 615º nº 1 alínea e) do mesmo CPC, ao condenar o exequente por objecto diverso do pedido.
Ora, estando todas estas questões dependentes na sua solução do que se considere ser o conteúdo do direito que se entenda possuir um co-avalista que cumpre integralmente uma obrigação, sobre os demais co-avalistas efectuar-se-á o tratamento conjunto de todas elas, já que se não vislumbra necessidade ou sequer utilidade expositiva no seu tratamento autónomo.
Assim, na presente situação, alega o Recorrente, em síntese, enquanto avalista e em processo de execução que com o número (…), correu termos no Tribunal de Comarca de Viana do Castelo, (..) – Instância Local Secção de Competência Genérica – J2, pagou ao Banco ..., SA, o valor integral da livrança subscrita pela sociedade (…) Investimentos Financeiros, Lda. Livrança que se encontrava avalizada pelo exequente, pelo aqui Executado Pedro (…), e ainda por João (…). Todos executados no mesmo processo.
Sucede que, nem a devedora subscritora da livrança, nem nenhum dos co-avalistas realizaram qualquer pagamento da livrança, sendo que, o valor pago ascendeu a um total de 54.454,76 euros (€ 44.120,20 correspondentes ao valor da livrança, juros no valor de € 4.786,70, bem como despesas decorrentes do processo judicial e com a Agente de Execução, que ascenderam a 3.934,93 euros e 1.612,93 euros de despesas exigidas e pagas ao banco beneficiário).
Ora, nos termos do artigo 32º da Lei Uniforme sobre Cheques e Livranças, assiste ao Executado, na sua qualidade de co-avalista, o direito de regresso quer sobre a subscritora da livrança, quer, na medida em que lhe corresponda, sobre os restantes avalistas, entre os quais se encontra o aqui Recorrido e Executado.
Em tais circunstâncias, o Recorrente tem o direito de haver do Recorrido e Executado um terço do valor acima referenciado, que pagou ao banco, 18.151,58 euros, já que o Executado não o liquidou quando instado formalmente, por carta registada com aviso de recepção, para tal por parte do Recorrente.
E assim seno, foi lícito ao Recorrente usar da faculdade prevista no artigo 52º da LULL, o ressaque de letra sacada à vista contra os co-avalistas.
Tendo sido por este sacada letra à vista, que apresentada à cobrança através do Banco ..., não foi paga, nem objecto de qualquer reclamação ou contestação, porque título comprovativo suficiente da dívida existente, a letra sacada é título executivo que ora serve de base à presente execução.
Acresce que, foram juntos ao requerimento executivo a letra que serve de base à presente execução, com respectivo comprovativo do não pagamento desta e das despesas efectuadas; requerimento executivo no qual constam os factos alegados acima e respectiva livrança; comprovativo do montante pago ao banco pelo Exequente e conta da Agente de Execução e ainda a carta formalizando o pedido de pagamento ao co-avalista aqui Executado, com respectivo comprovativo de recebimento.
Na verdade, ao Recorrente sendo um dos vários co-avalistas da livrança, e se apenas ele a pagou na sua totalidade, assiste-lhe o direito de regresso sobre os outros co-, aplicando-se assim nas relações entre os co-avalistas o mesmo regime que será aplicável à fiança e consagrado no artigo 649º do Código Civil, sendo que nas obrigações solidárias, o direito de regresso é consagrado com muita clareza no artigo 524º do CC, onde se prescreve que “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores na parte que a estes compete:”.
E esse seu direito de regresso não tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como resulta do artigo 52º da LULL: “qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio deste.”
Assim, conclui pela procedência da apelação com a consequente revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que confirme o já proferido despacho liminar de prosseguimento da execução.
De tudo resulta que a primeira questão que urge esclarecer a de saber se ao avalista que tenha pago dívida titulada em livrança assiste direito de regresso relativamente aos demais co-avalistas do mesmo subscritor avalizado, quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva (artes. 516º e 524º do Cód. Civil), dispensando-se consequentemente a necessidade de existência de qualquer convenção extra-cartular entre co-avalistas, dado que a lei presume que esse acordo existe e que a responsabilidade entre eles é igualitária.
E a propósito desta questão. Como pode ler-se no acórdão da Relação do Porto, de 7/11/2016, ”É consabido que tal questão tem sido largamente debatida na doutrina e na jurisprudência pátrias, perfilando-se, essencialmente, dois posicionamentos sobre tal temática.
Assim, para os sequazes da tese afirmativa, argumenta-se que na falta de relações cambiárias entre a pluralidade de avalistas de um mesmo avalizado - que a Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) não regula -, existe direito de regresso entre os diversos avalistas, por recurso ao instituto da fiança, o qual remete, por sua vez, para o regime jurídico da solidariedade passiva entre fiadores.
Advoga-se, em favor dessa tese, a similitude entre as garantias em confronto - o aval e a fiança -, assim como o facto de ambas se destinarem a reforçar a garantia dos credores, mediante a multiplicação dos patrimónios susceptíveis de serem objecto de execução coerciva.
Além disso, a aceitação, como regra geral, da existência de direito de regresso entre avalistas não coloca em crise qualquer aspecto específico do aval, deixando intactos todos os motivos que justificaram o tratamento desta garantia pessoal na LULL, maxime o privilégio conferido ao credor cambiário de accionar directa, imediata e solidariamente os avalistas e outros devedores, sem qualquer limitação.
Argumenta-se ainda não se descortinarem motivos de ordem racional para que, nos casos em que o pagamento da dívida tenha sido feito apenas à custa de algum ou de alguns dos avalistas, o exercício do direito de regresso contra os demais avalistas fique dependente da alegação e prova da existência de uma convenção que o legitime e que defina o seu conteúdo.
Razões de justiça relativa são também apontadas para defesa da tese em análise, e que levam à aplicação do regime da solidariedade aos co-avalistas do mesmo avalizado.
Assim, com recurso ao instituto da solidariedade passiva entre fiadores, presume-se que foi entre eles convencionada a repartição igualitária da responsabilidade (art. 516º do Cód. Civil), ficando o avalista que pagou dispensado da alegação e prova de qualquer convenção extracambiária celebrada entre os demais avalistas (art. 344º, nº 1 do Cód. Civil).
Tal ónus ficará, pelo contrário, a cargo do avalista demandado, de que existia - no caso de ter existido -, convenção firmada entre eles a regular, de forma diferente, a repartição entre eles da respectiva responsabilidade.
Registe-se outrossim que, ultimamente, alguma doutrina vem mesmo defendendo a aplicação directa do regime jurídico da solidariedade passiva (arts. 516º e 524º[5] do Cód. Civil) ao direito de regresso entre avalistas (sem recurso, portanto, ao instituto da fiança).
Advoga-se que a solidariedade entre os diversos avalistas tem índole legal, consagrada, desde logo, no artº 47º da LULL, mas também no art. 100º do Cód. Comercial, que estabelece a solidariedade como o regime regra das obrigações comerciais, categoria onde se incluem as obrigações cambiárias (deixando o art. 2º do Cód. Comercial subentendido que as obrigações cambiárias são obrigações comerciais, por emergirem dos actos de comércio objectivos que são os negócios jurídicos cambiários).
Nega-se, portanto, nesta variante da tese afirmativa, qualquer proximidade ou afinidade entre o aval e a fiança susceptível de justificar, do ponto de vista metodológico, o apelo ao regime da pluralidade de fiadores para enquadrar (sequer por analogia e muito menos directamente) as relações extracamarárias entre a pluralidade de avalistas do mesmo avalizado.
Mais correcto será, portanto, à luz da tese acabada de expor, a aplicação directa do regime da solidariedade passiva entre co-avalistas, sem recurso ao instituto da fiança.
Por seu turno, a tese negatória, comungando embora da posição de que a lei cambiária não regula as relações internas entre os diversos avalistas do mesmo avalizado - sendo ao direito comum que deverá ir buscar-se a regulamentação daquelas relações -, não consente a aplicação ao caso do instituto da fiança, que considera distinto do aval.
Baseia-se a referida tese na autonomia do aval - e nos actos cambiários em geral - em relação à obrigação avalizada, a justificar, de per si, o pagamento integral da obrigação a cargo do avalista demandado.
Advoga-se que o direito de acção pelo avalista que pagou contra os demais avalistas, a título de direito de regresso, não encontra assento na LULL, nomeadamente nos normativos insertos nos artigos 30.º, 32.º e 47.º, uma vez que as obrigações dos coavalistas são autónomas, exaurindo-se, no âmbito da acção cambiária, com o seu cumprimento.
Defende-se ainda que apenas existindo uma convenção extracambiária entre coavalistas, a prever e a regular a repartição da responsabilidade entre eles, é que pode o avalista demandado accionar, em via de regresso, e com recurso aos meios comuns, os demais coavalistas.
Essa convenção extracamarária não se presume e terá de ser invocada pelo avalista solvens contra os demais avalistas para os poder demandar em acção de regresso.
Em resultado da divergência que se vinha registando, mormente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, foi despoletada a intervenção do pleno das secções cíveis desse Tribunal que, no acórdão nº 7/2012[6], decidiu uniformizar jurisprudência nos seguintes moldes: «sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias».
Questão que se coloca é a de saber qual a influência deste último aresto na decisão do presente recurso.
É certo que o acórdão de uniformização, contrariamente ao que sucedia com os assentos no domínio do direito pregresso, não é dotado de carácter geral e abstracto, sendo que, por mor do disposto no nº 1 do art. 4º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a sua força vinculativa é limitada ao processo onde foi prolatado.
Apesar disso, conforme tem sido sublinhado pela doutrina pátria[7], esse acórdão constitui precedente judicial qualificado, porquanto, nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 629.º, o seu não acatamento suscita sempre, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, a possibilidade de recurso.
Esta possibilidade, constitui, pois, um decisivo factor de redução da margem de incerteza e de insegurança quanto à resposta jurisdicional a dar a uma determinada questão jurídica que já tenha sido alvo de apreciação em acórdão uniformizador, ante a mais que provável revogação da decisão que venha a decidir em sentido diverso, se acaso for interposto recurso da mesma.
De facto, traduzindo a posição assumida pelo órgão de cúpula da ordem jurisdicional relativamente a determinada questão, o acórdão de uniformização implica, como enfatiza ABRANTES GERALDES, uma “natural adesão dos demais órgãos jurisdicionais (efeito persuasivo) e do próprio Supremo se e enquanto a respectiva doutrina não caducar por via da modificação legislativa ou por elaboração de outro acórdão da mesma natureza”.
Portanto, pese embora no plano dos princípios, desde logo constitucionais (art. 203.º da Constituição da República), não esteja qualquer tribunal obrigado a decidir no sentido indicado por um acórdão uniformizador de jurisprudência editado pelo Supremo Tribunal de Justiça, perante a sua assinalada força persuasiva, o respectivo sentido decisório deve ser tendencialmente observado, maxime pelos tribunais comuns de hierarquia inferior.
Daí que somente razões muito ponderosas poderão justificar desvios da interpretação adoptada (v.g. por violação de determinados princípios que firam a consciência jurídica ou manifesta desactualização da jurisprudência face à evolução da sociedade), ou seja, “para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo devem valer razões fortes ou outras especiais circunstâncias que, porventura, ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.
A doutrina dum acórdão uniformizador mantém, no descrito contexto, a sua força vinculativa na ordem jurisdicional, enquanto a norma interpretada não for alterada pelo legislador ou a jurisprudência não for modificada por outro acórdão uniformizador do STJ”.
(…) Como assim, aderimos à doutrina nele acolhida, ao reconhecer a existência de um direito de regresso do avalista que pagou a dívida titulada na livrança relativamente aos demais coavalistas do mesmo avalizado, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva (arts. 516º e 524º do Cód. Civil), dispensando-se consequentemente a necessidade de existência de qualquer convenção extracartular entre avalistas, posto que a lei presume que esse acordo existe e que a responsabilidade entre eles é igualitária (em parte iguais)”. (1)
Todavia, reconhecido esse direito de regresso, uma vez que as relações entre os co-avalistas não têm natureza cambiária, como inelutável resulta que a livrança não constitui título executivo, enquanto título cambiário.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/06/2014, “esta problemática tem sido objecto de duas correntes jurisprudenciais:
Uma, no sentido de que a letra, livrança ou cheque que não reúnam condições para valer como título de crédito, não podem ser constitutivos ou certificativos de uma obrigação, logo, não podem servir de título executivo.
Argumenta-se, em síntese, que as livranças, letras e cheques já eram títulos executivos antes da reforma processual de 1995/96, pelo que nunca esteve na mente nem nos propósitos do legislador alterar a LULL e LUC, nem bulir no regime aí consagrado, ou sequer modificar os requisitos de exequibilidade desses títulos (cf., por ex., do STJ de 29/2/00, C.J., ano VIII, tomo I, pág. 124, de 16/10/01, C.J., ano IX, tomo III, pág. 89, de STJ de 20/11/03, C.J. ano XI, tomo III, pág. 154 , Ac RC de 6/2/01, C.J., ano XXVI, tomo I, pág. 28 ).
Outra, partindo da ampliação dos títulos executivos resultante a nova redacção do art. 46 alínea c) do CPC, defende que extinta a obrigação cartular incorporada na letra, livrança ou cheque, mantém a sua natureza de título executivo, por se tratar de documento particular assinado pelo devedor, desde que neles se mencione a causa da relação jurídica subjacente ou que tal causa de pedir seja invocada no requerimento executivo ( cf., por ex., Ac do STJ de 18/1/01, C.J. ano IX, tomo I, pág.71, de 29/1/02, C.J. ano X, tomo I, pág.64, de 30/10/03, de 16/12/04, www dgsi.pt/jstj ).
Muito embora seja de adoptar esta segunda orientação (aliás, prevalecente), o certo é que a exequibilidade do documento (título de crédito), como quirógrafo, fica “limitada às situações em que do respectivo texto resulte a assunção de uma obrigação de pagamento da quantia nela inscrita de que seja beneficiária a pessoa nele indicada” (ABRANTES GERALDES, Títulos Executivos, Themis ano IV, nº 1 (2003), pág.64 ).
Pois bem, tal não sucede aqui, desde logo, porque os documentos dados à execução não importam a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária dos avalistas entre si. Depois, porque os documentos nem sequer podem conter a determinação da responsabilidade de cada um dos co-obrigados ( cf. Ac RL de 11/10/07, proc. nº81792007, www dgsi.pt ).
Por isso, se um dos co-avalistas pagar a livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a livrança avalizada, quer como título de crédito, quer como quirógrafo” (…). (2)
De tudo resulta que, entendendo-se aplicáveis aos co-avalistas, os direitos previstos na lei civil para os condevedores, nomeadamente o benefício da excussão prévia, nas relações entre os co-avalistas de letra ou livrança, o que satisfizer o direito do credor tem direito de regresso contra o outro co-avalista mas apenas na quota-parte que a este compete, situação que pode inclusivamente conduzir à discussão da medida de responsabilidade de cada um deles.
Assim, se o co-avalista pagar voluntariamente a letra ou a livrança, apenas terá direito de regresso contra os outros co-avalistas depois de excutidos todos os bens do devedor (art. 650º/3 do CC), salvo acordo em contrário dos co-avalistas, o que serve para demonstrar que este direito de acção entre co-avalistas não pode ser exercido através de simples execução, utilizando a letra ou livrança como título executivo, por estas não possuírem a virtualidade de título para o efeito, dado não poderem conter a determinação da responsabilidade de cada um daqueles co-obrigados, que poderá ser mais ou menos abrangente e, no limite, até inexistir.
Todavia, e sendo certo que se um dos co-avalistas pagar a livrança não pode executar os demais co-avalistas, erigindo como título executivo a livrança avalizada, quer como título de crédito, quer como quirógrafo, nem por isso o co-avalista que tenha pago dívida titulada em livrança e ao qual assiste direito de regresso relativamente aos demais co-avalistas do mesmo subscritor avalizado, quanto à importância que pagou a mais, através da aplicação ao caso das regras da responsabilidade solidária passiva, tem necessariamente que recorrer a instauração de uma acção declarativa estando-lhe vedado o recurso a uma acção executiva para efectivar esse seu direito.
O que não pode é instaurar acção executiva erigindo como título executivo a livrança avalizada, e tão só.
No entanto, e como bem expende o Recorrente, o direito de regresso do recorrente sobre o recorrido não tem de ser objecto de uma acção declarativa prévia à interposição da acção executiva, como resulta do artigo 52º da LULL, onde expressamente se prescreve que “qualquer pessoa que goze do direito de acção pode, salvo estipulação em contrário embolsar-se por meio de uma nova letra (ressaque) à vista, sacada sobre um dos co-obrigados e pagável no domicílio deste.”
E, como é consabido, “O ressaque é o acto pelo qual o provador, em vez de recorrer aos tribunais, para tornar efectivo o direito de regresso, saca uma nova letra à vista sobre um dos obrigados cambiários (art. 52, I.) (….) Não é mais do que uma nova letra (relacionada com a primeira, pois que é emitida para obter o reembolso desta, mas dela independente), em que o portador ou o credor da letra primitiva toma a posição de sacador, figurando como sacado o garante sobre quem se exerce o direito de regresso.” (3)
De tudo resulta que, como bem expende o Recorrente, enquanto co-avalista que pagou o valor do título assiste-lhe o direito de regresso sobre o Recorrido, e pode exercer esse seu direito directamente, sacando uma letra à vista, um ressaque, como o fez, constituindo tal letra um título executivo nos termos do artigo 703º no 1 alínea d) do CPC, pois que, a letra sacada à vista por avalista pagante sobre os restantes coavalistas não pagantes, é título executivo porque se trata de documento a que o artigo 52º da LULL, lhe dá tal valor ou natureza.
Situação que é diversa da abordada na decisão recorrida, já que, contrariamente ao que sucede na pressente situação, naquela contempla-se uma situação em que o exequente utilizou a própria livrança por si avalizada e paga, instaurando execução contra os outros co-avalistas, o que aqui, assim não sucede,
Na verdade, foi efectuado um ressaque e foram juntos ao requerimento executivo a letra que serve de base à presente execução, com respectivo comprovativo do não pagamento desta e das despesas efectuadas; requerimento executivo no qual constam os factos alegados acima e respectiva livrança; comprovativo do montante pago ao banco pelo Exequente e conta da Agente de Execução e ainda a carta formalizando o pedido de pagamento ao co-avalista aqui Executado, com respectivo comprovativo de recebimento.
Assim, sem face da existência e suficiência do título executivo cumpre agora analisar do vício de que enferma a decisão recorrida. Sendo que, em termos substanciais, invoca o Recorrente a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no art. 615º, nº 1, als. e), do C.P.C., que abrange o caso de nulidade por conhecimento de objecto diverso do pedido.
Como é consabido, para que o tribunal possa dirimir um concreto conflito de interesses necessário se torna que as partes deduzam certa pretensão de tutela jurisdicional com a menção do direito a tutelar e os respectivos fundamentos.
Nisso se traduz o princípio do pedido, também designado princípio da iniciativa da parte, que está na base da atribuição do direito de acção á pessoa directamente interessada, significando que a invocação da tutela jurisdicional, em matéria civil, representa o conteúdo de um direito estritamente individual, cabendo ao respectivo titular a livre determinação do seu exercício em defesa dos seus próprios interesses.
Assim, estando limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar.
O objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.
Todavia, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.89, a causa de pedir é o facto produtor de efeitos jurídicos oferecido pela parte e não a valoração jurídica que lhe atribua, que não é vinculativa para o juiz. (4)
A liberdade do juiz, de indagar, interpretar e aplicar o direito, autoriza-o a qualificar juridicamente os factos apurados de modo diverso do efectuado pelas partes, mas não a alterar qualitativamente as pretensões destas, sob pena de nulidade da sentença.
Como é consabido, para que o tribunal possa dirimir um concreto conflito de interesses necessário se torna que as partes deduzam certa pretensão de tutela jurisdicional com a menção do direito a tutelar e os respectivos fundamentos.
Nisso se traduz o princípio do pedido, também designado principio da iniciativa da parte, que está na base da atribuição do direito de acção á pessoa directamente interessada, significando que a invocação da tutela jurisdicional, em matéria civil, representa o conteúdo de um direito estritamente individual, cabendo ao respectivo titular a livre determinação do seu exercício em defesa dos seus próprios interesses.
Assim, estando limitado pelos pedidos das partes, o juiz não pode, na sentença, deles extravasar.
O objecto da sentença coincide assim com o objecto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.
Todavia, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.89, a causa de pedir é o facto produtor de efeitos jurídicos oferecido pela parte e não a valoração jurídica que lhe atribua, que não é vinculativa para o juiz. (5)
A liberdade do juiz, de indagar, interpretar e aplicar o direito, autoriza-o a qualificar juridicamente os factos apurados de modo diverso do efectuado pelas partes, mas não a alterar qualitativamente as pretensões destas, sob pena de nulidade da sentença.
Aqui chegados, vejamos então se a decisão recorrida enferma ou não deste invocado vício, ou seja, se conheceu de objecto diverso daquele que constituía a pretensão formulada, como pretendem os Recorrentes, sendo certo que, atento o princípio dispositivo, à parte compete formular a sua pretensão em juízo, bem como escolher o circunstancialismo em que faz assentar o seu pedido formulado, isto é, a causa de pedir.
Esta deverá, assim, ser entendida como o facto produtor de efeitos jurídicos, mas não juridicamente qualificado, isto é, e explicitando, reporta-se, tão só ao facto sob o ponto de vista material, e não à sua possível qualificação jurídica, sabendo-se que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, contrariamente ao que acontece quanto à matéria de facto - art.º 5, do CPC -, sem prejuízo do disposto no art.º 412 e 612, do mesmo diploma legal.
Desta forma, ao determinar-se no art.º 608, do CPC que o juiz não deve ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, importará que retenha as conclusões formuladas pela parte no seu articulado, mas também os fundamentos fácticos em que se estribam, procedendo ao seu enquadramento jurídico conforme o direito aplicado.
E parece-nos incontroverso que ao decidir indeferir o requerimento executivo com os fundamentos em que o fez, ou seja, com fundamento em insuficiência do título, que se não verifica, pois que, contrariamente ao que aí se considera, na presente situação o exequente não utilizou a própria letra por si avalizada e paga, instaurando execução com fundamento nela contra os outros co-avalistas, tendo antes efectuado um ressaque e a emissão de um nova letra à vista, que é aquela que é pagável no momento da sua apresentação a pagamento, e a qual apresentou como título na presente execução.
E assim sendo, parece-nos que não está perante nulidade por conhecimento de objecto diverso do pedido, mas antes perante uma errada subsunção dos factos às normas jurídicas, bem como, uma errada interpretação delas, que configuram o erro de julgamento (6).
Na verdade, não deve confundir-se tal nulidade com o erro na de subsunção dos factos à norma jurídica: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante situação geradora de nulidade. (7)
O erro de julgamento (seja no que concerne à apreciação da matéria de facto, seja no que concerne à aplicação do direito) não constitui causa de nulidade da sentença, devendo ser atacado através de recurso, para que o tribunal de categoria hierarquicamente superior o colmate.
Este vício, porém, nada tem a ver com uma eventual errada escolha das normas jurídicas aplicáveis aos factos, à sua incorrecta interpretação e aplicação (subsunção jurídica), apesar de tal também viciar o resultado do julgamento e a correspondente decisão. Tal erro não afecta a validade da sentença, mas sim a correcção e bondade do respectivo juízo. Pode é, em caso de ser reconhecido, levar, aí sim, à sua alteração ou revogação.
Assim sendo, e pelo exposto, embora por diversos fundamentos, na procedência da apelação, decide-se revogar a decisão recorrida, e, em consequência, determina-se que seja substituída por outra e substituída por outra que confirme o já proferido despacho liminar de prosseguimento da execução.
IV- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, e, em consequência, determina-se que seja substituída por outra e substituída por outra que confirme o já proferido despacho liminar de prosseguimento da execução.
Custas pelo Recorrido
Guimarães, 24/ 01/ 2019.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.
1. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 7/11/2016, proferido no processo nº 842/11.1TVPRT.P1, in www.dgsi.pt. 2. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/06/2014, proferido no processo nº 18/12.0TJCBR-A.C1, www.dgsi.pt. 3. Cfr. Abel Delgado, LULL Anotada, 5ª Edição, Petrony, anotação 1. 4. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.89 in C.J., tomo 1, pag 141. 5. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.02.89 in C.J., tomo 1, pag 141. 6. Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 56. 7. Cfr. Lebre de Freitas CPC anotado, 2008, vol II, pag. 704.