INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
INDEMNIZAÇÃO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
Sumário


I - Em sede de liquidação prévia à execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela conduta do réu, devidamente fundamentado na ação declarativa, a autora não tem de provar no incidente de liquidação, quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano.
II - O que a autora tem de demonstrar é o montante efetivo da indemnização.
III – No incidente em causa não cabe discutir a questão da excessiva onerosidade da indemnização.

Texto Integral



Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA, S.A. veio deduzir incidente de liquidação de sentença, nos termos do disposto no art. 358º, nº 2, do CPC, pedindo que se proceda à liquidação da responsabilidade do réu resultante da condenação deste, no valor de € 30.000,00
Contestou o réu alegando, em síntese, que o montante da reparação invocado ultrapassa em dobro o valor do mercado do veículo e da grua, o que constitui abuso de direito ou enriquecimento sem causa da autora, impugnando, em qualquer caso, o valor peticionado para a reparação.
Foi proferido despacho saneador com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, e determinou-se a realização de perícia com o objeto fixado a fls. 378.
Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
«Pelo exposto, declara-se procedente, por provado, o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixa-se o valor que o réu foi, por sentença proferida nestes autos, condenado a pagar à autora em € 30.000,00 (trinta mil euros).
Custas pelo réu (artigo 527º, 1 do CPC».
Inconformado, o réu apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formulou as seguintes conclusões:
«A) Tendo em conta o objeto da condenação genérica vertido na sentença judicial proferida em 2 de Junho de 2014, a Recorrida apresentou Requerimento Inicial de Incidente de Liquidação de sentença, no qual, deveria ser apurado e determinado o “quantum” resultante da reparação do veículo e grua de matrícula 78-97-RJ;
B) Da sentença ora recorrida e quanto à matéria de facto, não resulta provado que, a Recorrida tenha feito prova da reparação da grua e do chassis do veiculo com a matricula 78-97-RJ,
C) Bem como, dos custos que efetivamente tenha tido com essa reparação, conforme lhe competia e de acordo com a sentença genérica;
D) Salvo devido respeito e melhor entendimento, das premissas de facto e de direito que foram apuradas e valoradas, o Tribunal a quo extraiu uma decisão oposta à que, logicamente, deveria ter extraído, considerando o teor da sentença genérica e os parâmetros do despacho saneador no âmbito do Incidente de Liquidação de Sentença, bem como,
E) Não valorou, não julgou e nada decidiu quanto à impugnação dos factos e do documento e ainda da exceção deduzida na Oposição do ora Recorrente;
F) Pelo que, a sentença recorrida, é nula nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do Art. 615.º do Código de Processo Civil, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
G) No dia 11 de Janeiro de 2013, no exercício das suas funções de motorista de pesados, e por ordem expressa da Autora, manobrou e operou um camião com grua, com a matrícula – 78-97-RJ, tendo sido interveniente em acidente de viação, tendo configurado um ato isolado na relação laboral entre as partes, uma vez que, habitualmente o Recorrente não conduzia o veículo e grua acidentados, conforme decorre dos factos provados da sentença judicial - 2 de Junho de 2014;
H) À data do acidente, a grua e o veículo possuíam uma antiguidade de doze anos conforme consta teor dos documento n.º 1 e 2 juntos na Oposição ao Incidente de Liquidação;
I) No âmbito da ação de processo comum, emergente de acidente de viação e com interesse para o presente recurso, o Tribunal de 1ª Instância, veio a final decidir pela parcial procedência da ação, condenando o Réu, ora Recorrente, a transcrever: “a) Condenar o réu no montante que se liquidar em execução de sentença, até ao montante máximo de € 30.000,00 (trinta mil euros), resultante da reparação do veículo e grua em virtude do acidente ocorrido, nomeadamente os chassis do veiculo de matricula 78-97-RJ, as três lanças danificadas da grua, os dois macacos empenados da grua, os chassis empenados da grua e parafusos retorcidos da grua, a deduzir nos termos dos arts. 358º, n.º 2, e 609º, n.º 2, ambos do CPC.”.
J) Após o trânsito em julgado da supra referida sentença, a Recorrida deduziu Incidente de Liquidação de Sentença, apresentando prova documental e testemunhal, conforme consta dos autos a fls.294 a 298;
K) Por despacho judicial datado de 30 de Outubro de 2015, o Tribunal a quo, admitiu o incidente e determinou a renovação da instância atento o disposto no Art. 358.º n.º 2 do Código de Processo Civil ;
L) Notificado do teor do Incidente de Liquidação de Sentença deduzido pela Recorrida, veio o Réu, ora Recorrente, apresentar Oposição, defendendo-se por impugnação e exceção, atento o dispositivo legal constante no Art. 360.º n.º 3 ex vi Art. 571.º n.º 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil ;
M) Com primordial interesse para o presente recurso de Apelação, em 10 de Dezembro de 2015 foi proferido despacho saneador, fixando o Mmo. Juiz do tribunal a quo à data, o objeto do litigio – “a quantificação do montante resultante da reparação dos danos que na sentença de fls. 121 e seguintes” – fixando os temas de prova e os meios de prova e programação da sua prova;
N) Visando a boa decisão da causa, nas várias soluções de direito admitidas, o Mmo. Juiz determinou a realização de prova pericial, prova essa que veio a ser realizada, tendo-se apurado, todas as questões formuladas no objeto da perícia conforme consta dos autos a fls. 381;
O) A final, vem o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, julgar o Incidente de Liquidação de Sentença procedente, considerando que, a transcrever: “3. Decisão § Pelo exposto, declara-se procedente, por provado, o presente incidente de liquidação e, em consequência, fixa-se o valor que o réu foi, por sentença proferida nestes autos, condenado a pagar à autora em €30.000,00 (trinta mil euros).
§ Custas pelo réu (artigo 527.º,1 do CPC).”;
P) Não pode o Recorrente conformar-se com tal decisão, porquanto, em conformidade com o teor da sentença genérica, e na parte que respeita ao Incidente de Liquidação, competia à Recorrida fazer prova do valor resultante da reparação da grua e do chassis do veiculo com a matricula – 78-97-RJ;
Q) Da matéria de facto, não resulta provada quer a reparação da grua e do chassis do veiculo em causa, bem como, o custo resultante da respetiva reparação;
R) O tribunal a quo, formou a sua convicção considerando os factos provados, baseando-se nos meios de prova postos à sua disposição, nomeadamente, sentença judicial (genérica) e relatório pericial;
S) Não obstante a impugnação apresentada pelo Recorrente na sua Oposição e relativamente ao teor do Documento 1 junto no Requerimento Inicial da Recorrida, e pese embora a mesma, não tenha feito prova em conformidade, o Tribunal a quo, valorou o referido documento, considerando o custo referente aos danos no chassis do veiculo com a matricula 78-97-RJ no valor de – 6.800,00 € – Vide item 2. Fundamentação – Factos Provados – alínea F e Motivação de facto e de Direito do referido item;
T) Salvo devido respeito e melhor entendimento, da sentença judicial recorrida, não resulta que, o tribunal a quo, tenha decidido de acordo com os princípios básicos do processo civil, existindo contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo a mesma ambígua e obscura factos que a tornam ininteligível, existindo omissão de pronuncia quanto a questões que deveriam ter sido apreciadas e conhecimento de questões que não poderiam ter sido apreciadas, existindo a condenação do Recorrente em quantidade superior e em objeto diverso do pedido;
U) Tais fundamentos, geram a nulidade da sentença judicial ora recorrida, atento o Art. 615.º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do Código de Processo Civil, o que desde já se invoca para os devidos efeitos legais;
V) Sem prescindir, sempre se dirá que, considerando a inexistência de qualquer prova quanto ao valor resultante da reparação da grua e do chassis do veículo com a matricula 78-97-RJ, não poderá haver lugar à quantificação do Incidente de Liquidação de Sentença, pelo que deverá a sentença ora recorrida ser revogada;
W) Caso assim não se entenda e à cautela de patrocínio, sempre se dirá que, tendo em conta os factos provados na sentença ora recorrida, a obrigação da reconstituição natural em sede indemnizatória só cede perante a indemnização pecuniária em caso de excessiva onerosidade daquela;
X) Salvo devido respeito e melhor entendimento, o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação da prova produzida, assim como, uma menos precisa interpretação da lei, violando assim o disposto nos Artigos 562.º, 564.º 566.º , todos do Código Civil;
Y) A propósito e com acolhimento jurisprudencial cita-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça publicado em 5 de Junho de 2008 publicado em www.dgsi.pt a transcrever: “ A inadequação da reconstituição natural por via da excessiva onerosidade para o devedor apenas surge no caso de manifesta ou flagrante desproporção entre o interesse do lesado, que importa repor e o custo que ela envolve para o lesante, em termos de representar para este um sacrifício manifestamente desproporcionado, de tal sorte que se deva considerar abusivo por contrário à boa fé o valor decorrente da reconstituição natural”;
Z) Bem como os Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça – Proc. n.º 17/07.4TBCBR, 21 de Abril de 2010, Supremo Tribunal de Justiça Proc. n.º 4135/07.0 TBVRF, 22 de Maio de 2014 e do Tribunal da Relação de Guimarães – Proc. n.º 313/15.7T8MAC, 09 de Fevereiro de 2017, ambos publicados em www.dgsi.pt .
TERMOS EM QUE,
Deverá o presente recurso de Apelação ser julgado procedente por provado e, em consequência, serem declaradas e reconhecidas as nulidades ora invocadas, com as devidas consequência legais, devendo ser revogada a douta sentença judicial proferida no âmbito do Incidente de Liquidação de Sentença, em que decidiu julgar procedente o respetivo Incidente e, em consequência, condenar o ora Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de 30.000,00 €, e caso assim não se entenda, deverá a respetiva sentença judicial ser revogada, tendo em conta que o valor da grua à data do acidente era de – 3.000,00 € a 5.000,00 €, fixando-se assim, nesse patamar o valor indemnizatório, assim se fazendo JUSTIÇA!»
A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se é nula a sentença:
- se o valor a fixar no presente incidente de liquidação deveria corresponder ao valor de mercado do bem em causa (€ 3.000,00 a € 5.000,00) e não à quantia de € 30.000,00 fixada na sentença.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
A. Na sentença de fls. 121 e seguintes, já transitada em julgado, pode ler-se o seguinte dispositivo: “Nestes termos, pelo exposto, decide-se declarar parcialmente procedente a acção e, em conformidade, decide-se: a) Condenar o réu no montante que se liquidar em execução de sentença, até ao montante máximo de € 30.000,00 (trinta mil euros), resultante da reparação do veiculo e grua em virtude do acidente ocorrido, nomeadamente os chassis do veiculo de matricula 78-97-RJ, as três lanças danificadas da grua, os dois macacos empenados da grua, os chassis empenados da grua e parafusos retorcidos da grua, a deduzir nos termos dos arts. 358º, n.º 2, e 609º, n.º 2, ambos do CPC. b) Absolver o réu do demais peticionado.”
B. Os custos da reparação das três lanças/braço danificados, parafusos retorcidos, dois macacos empenados e chassis danificados da grua PK 11080, número de série 0510778, que se encontrava equipada no veículo referido em A), ascende a €31.872,40;
C. O preço em novo da grua equivalente à referida em A) é de € 25.800,00 acrescido de IVA.
D. Uma grua PK 11080 tem um valor de mercado que oscila entre os € 3.000,00 e os € 5.000,00.
E. A grua PK 11080, número de série 0510778, tem o valor atual de € 250,00.
F. A reparação do chassis do camião marca MAN matrícula 78-97-RJ importa em € 6.800,00.
Não há factos não provados a considerar.

O DIREITO
Da nulidade da sentença
Diz o recorrente que na sentença recorrida existe “contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo a mesma ambígua e obscura factos que a tornam ininteligível, existindo omissão de pronuncia quanto a questões que deveriam ter sido apreciadas e conhecimento de questões que não poderiam ter sido apreciadas, existindo a condenação do Recorrente em quantidade superior e em objeto diverso do pedido”, o que gera a sua nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, alíneas c), d) e e) do Código de Processo Civil (CPC) – cfr. conclusões T) e U).
Vejamos se assiste razão ao recorrente.
A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615º do CPC.
De acordo com a alínea c) do nº 1 deste preceito, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Fundamento esse, de nulidade da sentença, que bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Pelo que constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
Nada disto, porém, se passa com a sentença recorrida, bastando uma simples leitura da mesma para se perceber que os fundamentos de facto e de direito invocados suportam perfeitamente a decisão proferida, não enfermando esta também de qualquer ambiguidade, sucedendo apenas que o recorrente discorda da decisão proferida, o que nos reconduz ao erro de julgamento, o qual não se confunde com a nulidade da sentença.
Vejamos, de seguida, a invocada omissão de pronúncia.
De acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, temos que a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Como é jurisprudência unânime, não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido[1].
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º, nº 1, al. d), do CPC. Daí que, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«(…) no presente incidente de liquidação não caberá aferir se a reparação do chassis do camião e da grua é, ou não, excessivamente onerosa para o réu e se, por via dessa onerosidade, o autor incorre com a presente liquidação em abuso de direito ou em enriquecimento sem causa. Decorre do dispositivo da sentença que o réu foi condenado no pagamento do montante necessário, até ao limite de €30.000,00, à reparação do veículo (camião) e grua em virtude do acidente ocorrido, nomeadamente os chassis do veículo de matricula 78-97-RJ, as três lanças danificadas da grua, os dois macacos empenados da grua, os chassis empenados da grua e parafusos retorcidos da grua.
Ora, a liquidação da sentença só visa concretizar o objeto da condenação, com respeito pelo caso julgado decorrente da ação declarativa. Ou seja, visa tão-somente apurar em que montante importa a realização das despesas necessárias à reparação do veículo e grua.
Toda e qualquer liquidação que importasse a alteração do conteúdo da decisão (de que seria exemplo a limitação do valor da reparação ao preço do valor de mercado do camião e grua danificados) redundaria numa inadmissível violação do caso julgado.
Alegar que a liquidação do valor da reparação sem mais constitui abuso de direito é o mesmo que dizer que a condenação genérica, apesar de transitada em julgado, é ilícita, o que a nosso ver é incompreensível.
Dito isto: demonstrado que o custo da reparação do chassis do camião e da grua é muito superior ao valor limite até ao qual o autor foi admitido a liquidar o dano, facilmente se conclui pela procedência da ação, devendo ser a condenação genérica liquidada em € 30.000,00.»
Daqui se vê, pois, que o Mm.º Juiz a quo se pronunciou sobre todas as questões que devia apreciar e, ademais, não emitiu pronúncia sobre questões de que não podia conhecer.
Por último, carece de total fundamento dizer que a sentença recorrida é nula, nos termos da alínea e) do nº 1 do art. 615º do CPC, por ter condenado o recorrente/réu “em quantidade superior e em objeto diverso do pedido”.
A sentença respeitou integralmente a decisão anteriormente proferida, na qual o réu foi condenado no pagamento necessário, até ao limite de € 30.000,00, para reparação da grua e do veículo, pois não obstante terem sido apurados valores que no seu conjunto ultrapassavam aquele montante, a liquidação foi feita com respeito integral pelo referido montante.
Percebe-se, lendo o corpo das alegações, que aquilo que o recorrente imputa à sentença recorrida é afinal um erro de julgamento, pois segundo ele, os factos apurados haveriam de conduzir a decisão diversa da proferida.
Em suma, a sentença recorrida não enferma de nenhuma das nulidades invocadas pelo recorrente.

Do montante da liquidação
Sustenta o recorrente que «tendo em conta os factos provados na sentença ora recorrida, a obrigação da reconstituição natural em sede indemnizatória só cede perante a indemnização pecuniária em caso de excessiva onerosidade daquela», sendo que «o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação da prova produzida, assim como, uma menos precisa interpretação da lei, violando assim o disposto nos Artigos 562.º, 564.º 566.º, todos do Código Civil» [conclusões W) e X)].
Mas não tem razão o recorrente.
No caso concreto, a liquidação apenas visa concretizar a condenação genérica do réu, na ação declarativa que contra ele foi intentada pela autora, pois que inexistiam elementos para fixar a quantidade/valor da indemnização ali referida (cfr art. 609º, nº 2, do CPC).
Tal sentença condenatória transitou em julgado, pelo que, tendo a liquidação sido deduzida posteriormente á condenação genérica, e, sendo admitida, considera-se renovada a instância antes já extinta (art. 358º do CPC).
Como decorre do exposto, o presente incidente de liquidação é dependente de um processo declarativo, não podendo ser considerado um processo autónomo relativamente à ação declarativa propriamente dita, ou seja, o incidente de liquidação está dependente daquela ação, não existindo uma sem a outra.[2]
Daí que, o incidente de liquidação só existe porque na ação declarativa foi decidido condenar o réu a pagar à autora a quantia necessária, até ao limite de € 30,000,00, à reparação do veículo (camião) e grua em virtude do acidente ocorrido.
Ou seja, o referido incidente tem, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero trâmite da mesma, não cabendo agora discutir a questão da excessiva onerosidade da indemnização.
Assim sendo, como bem se ponderou na sentença recorrida, «[t]oda e qualquer liquidação que importasse a alteração do conteúdo da decisão (de que seria exemplo a limitação do valor da reparação ao preço do valor de mercado do camião e grua danificados) redundaria numa inadmissível violação do caso julgado.
Isto é assim porque em sede de liquidação prévia à execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela conduta do réu, devidamente fundamentado na ação declarativa, a autora não tem de alegar e provar no incidente de liquidação quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, uma vez que o direito a esta já está reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano: o que a autora tem de demonstrar é o montante efetivo da indemnização.[3]
Ora, demonstrado que o custo da reparação do chassis do camião e da grua é superior ao valor limite de € 30.000,00 até ao qual a autora foi admitida a liquidar o dano, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao fixar no referido montante aquela liquidação.
Improcedem, assim, as conclusões em sentido contrário do recorrente, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras de que cumpra conhecer.

Sumário:
I - Em sede de liquidação prévia à execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela conduta do réu, devidamente fundamentado na ação declarativa, a autora não tem de provar no incidente de liquidação, quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano.
II - O que a autora tem de demonstrar é o montante efetivo da indemnização.
III – No incidente em causa não cabe discutir a questão da excessiva onerosidade da indemnização.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
*
Évora, 23 de Novembro de 2017
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
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[1] Cfr., inter alia, Ac. do STJ de 08.02.2011, proc. 842/04.8TBTMR.C1.S1.
[2] Cfr. Acórdão da RG de 12.02.2015, proc. 2698/05.4TJVNF-A.G1, in www.dgsi.pt, em que o aqui relator interveio como adjunto.
[3] Cfr. Ac. do STJ de 23.11.2011, proc. 397-B/1998.L1.S1, in www.dgsi.pt.