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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
CASO JULGADO
EMPRESA PÚBLICA
OCUPAÇÃO EFECTIVA
Sumário
I – Estando em causa um contraordenação laboral, à prescrição do procedimento contraordenacional são aplicáveis os prazos previstos nos artigos 52.º a 54.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e não o disposto no artigo 60.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10. II – Tendo-se, por decisão transitada em julgado, julgado que a ACT tem competência para instaurar procedimento contraordenacional contra a arguida, empresa pública empresarial, não pode tal questão vir novamente a ser apreciada no processo. III – Viola o direito do trabalhador à ocupação efetiva, a arguida, empresa pública empresarial, que mantendo com aquele um contrato individual de trabalho para o exercício das funções de administrador hospitalar e não tendo o mesmo aceite a proposta de resolução do contrato de trabalho que lhe foi apresentada, no período de 23 de janeiro até 2 de abril de 2012 não lhe atribui quaisquer funções, permanecendo num gabinete completamente inativo, e entre 2 e 9 de abril de 2012 foi nomeado para integrar como observador uma auditoria interna, mas não prestou qualquer trabalho decorrente dessa nomeação, tendo nesta última data sido suspenso de funções.
Texto Integral
P.683/17.2T8TMR.E2
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
I. Relatório
Centro Hospitalar…, E.P.E. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00, pela prática de uma contraordenação resultante da violação do preceituado no artigo 129.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
O tribunal de 1.ª instância, entendendo que o impugnante, por ser uma pessoa coletiva de direito público, não poderia ser responsabilizado pela acusada contraordenação, proferiu decisão que julgou nulo o processado pela entidade administrativa.
Interposto recurso de tal decisão, foi proferido acórdão[2], transitado em julgado, que revogou o despacho recorrido, tendo-se determinado a sua substituição por outro que determinasse o prosseguimento dos autos.
Tendo os autos descido à 1.ª instância, foi proferida, sem oposição, decisão por simples despacho, que julgou improcedente a impugnação e confirmou a decisão da entidade administrativa.
Não se conformando com o decidido, o impugnante interpôs recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1- Com o devido respeito, tal Sentença não poderá, certamente, proceder, atenta, não só a arguida prescrição nos presentes Autos, mas, igualmente, considerando que não foi praticada qualquer contraordenação e, em especial, tendo em linha de conta que não existe previsão legal para que a sanção em apreço possa ser aplicada ao ora Recorrente, que não pode ser responsabilizado.
2- No caso concreto, e quanto à prescrição a ACT, aqui Recorrida, instaurou a ação que originou os presentes Autos, tendo em vista a condenação do ora Recorrente, no pagamento do montante de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de coima, por, alegadamente, ter praticado uma infração laboral, o que, no caso concreto e porque os alegados factos datam do mês de Março de 2012, significa que a prescrição já operou.
3- Tanto assim é que, o Recorrente apenas foi notificado da Decisão Final da aqui Recorrida, a 13 de Março de 2017, ou seja, cinco anos após a prática dos factos, pelo que, dúvidas não existem de que decorreu o prazo de prescrição, acrescido de metade, ou seja, o prazo de quatro anos e meio.
4- Assim sendo – como é –, não pode o aqui Recorrente conformar-se com o entendimento do douto Tribunal a quo que julgou improcedente a arguida exceção da prescrição, uma vez que a mesma operou no caso em apreço, devendo, assim e nesta parte, ser revogada a douta Sentença proferida, sendo substituída por outra que julgue procedente a exceção perentória da prescrição, absolvendo o aqui Recorrente do pedido.
5- Além do mais, a Autoridade para as Condições de Trabalho, aqui Recorrida, praticou um ato absolutamente proibido, enfermando o processo de nulidade insanável.
6- O aqui Recorrente é legalmente uma pessoa coletiva de direito público, de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa financeira e patrimonial, sendo parte integrante do Sector Empresarial do Estado – conforme resulta do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º233/2005, de 29 de Dezembro –, utilizando, protegendo e gerindo as infraestruturas afetas ao serviço público, nomeadamente através de três Unidades Hospitalares.
7- Ora, do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, datado de 27.09.1990 e publicado no Diário da República n.°55/1991, Série II, de 07.03.1991, resulta nomeada e expressamente que “1 - Nos termos dos ns 1 e 2 do artigo 7 do Decreto-Lei n 433/82, de 27 de Outubro – regime geral das contraordenações –, as pessoas coletivas são suscetíveis de responsabilidade contraordenacional; 2 - São abrangidos no conceito de pessoa coletiva para os efeitos das disposições referidas na conclusão precedente, em princípio, quaisquer entes não singulares a que o ordenamento jurídico atribua personalidade jurídica, inclusive de direito público; 3 - Excluem-se do âmbito desse conceito, para tais efeitos, o Estado, enquanto pessoa coletiva de direito interno que tem por órgão o Governo, e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira [sublinhado nosso]; 4 - Excluem-se, também, do âmbito desse conceito e para os mesmos efeitos, no tocante a responsabilidade contraordenacional por violação de certos deveres sancionáveis por contraordenações instituídas com vista a eficaz realização de certas atribuições administrativas, as pessoas coletivas que integrem a Administração central, regional e local e que a seu cargo tenham tais atribuições”.
8- Assim, verifica-se patente, desde logo, que o Recorrente exerce poderes e prerrogativas de autoridade, de que goza o Estado, encontrando-se eximido de responsabilidade contraordenacional nos termos acima explanados, pelo que não podem, efetivamente, ser-lhe imputadas, pela ACT, aqui Recorrida, a sanção e contraordenação em apreço nos presentes Autos.
9- Por outro lado, não pode o ora Recorrente conformar-se com a matéria dada como provada na douta Sentença recorrida, pois não perpetrou, o mesmo, qualquer infração, inexistindo qualquer violação do dever de ocupação efetiva ou a violação de quaisquer direitos do Trabalhador BB, nomeadamente o de tratamento com urbanidade e probidade e o de proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral.
10- A verdade, essa sim, é que, a comissão de serviço que se encontrava contratualizada entre o ora Recorrente e o referido Trabalhador, cessou em virtude da reorganização dos serviços, operada em cumprimento pelas Diretivas do Governo, pelo que, não preenchendo tal Trabalhador os requisitos necessários ao desempenho das funções de chefia, no entender do Conselho de Administração do ora Recorrente, viu-se forçado a decidir-se pela sua cessação, na data da deliberação do Conselho de Administração, a 19.01.2012.
11- A verdade é que durante as semanas que se seguiram, o Trabalhador não esteve sem ocupação, ao contrário do que vem vertido na douta Sentença ora recorrida, encontrando-se, sim, a tomar as diligências necessárias à transmissão do seu trabalho no Serviço de Gestão Logística à sua sucessora no cargo, Dra. ….
12- De facto, apesar da antiguidade daquele Trabalhador, encontrava-se em curso um inquérito disciplinar, que indiciava condutas negligentes e dolosas da violação de deveres próprios das funções daquele, o que contribuiu para que, apesar da relação de confiança existente entre o ora Recorrente e aquele Trabalhador, não pudesse o Recorrente senão tomar as medidas necessárias, uma vez confrontado com tais indícios e com a necessidade de exercício do poder disciplinar.
13- Nessa conformidade, o Recorrente, porque ainda desconhecia o desfecho do Processo Disciplinar, não afastou o Trabalhador do exercício das suas funções sem mais, tendo, antes, mantido o mesmo ocupado,
14- Inclusivamente, o aqui Recorrente atribuí-lhe outras tarefas que requeriam a especial dedicação daquele, mas não para – conforme resulta da Sentença ora recorrida – “tapar o sol com uma peneira”, pelo contrário: fê-lo, porque o Recorrente sempre pretendeu agir de boa-fé para com este – ou qualquer outro – Trabalhador e não quis adotar posturas extremadas, sem, antes, ser concluído o processo disciplinar.
15- Assim, o Trabalhador esteve no gozo de período de férias entre os dias 05 e 19 de Março de 2012 – tendo regressado ao serviço três dias antes da inspeção entretanto levada a cabo –,
16- Sendo certo que, antes do período de férias do Trabalhador e uma vez que o mesmo detinha formação na área de Auditoria, foi aquele integrado numa equipa de trabalho, com vista à preparação de uma auditoria interna, que, apesar de apenas ter sido iniciada em Abril de 2012, carecia de uma fase de preparação prévia para a qual o Trabalhador, atenta a sua formação nesta área, poderia e deveria participar, tendo sido para tal convidado.
17- A douta Sentença recorrida é contraditória, pois o douto Tribunal a quo refere que “não se compreende como é que o Conselho de Administração nomeia como auditores os funcionários e quadros intermédios e deixa um quadro superior (administrador hospitalar que nada tinha atribuído) como mero “observador” da auditoria. Ou porque razão nomeia como observador de uma auditoria (função que implica releva sobremaneira da relação de confiança com a empregadora) alguém que é alvo de um processo disciplinar e que foi ou está em vias de ser suspenso preventivamente (isto é, cuja relação de confiança com a empregadora estará seriamente comprometida)”,
18- Acabando, assim, por contradizer-se, pois, por um lado, o Tribunal não aceita que o Trabalhador, enquanto “administrador hospitalar que nada tinha atribuído”, não tenha sido designado como Auditor, mas apenas um Observador e, por outro lado, não aceita que o mesmo tenha sido nomeado “observador de uma auditoria”, quando o mesmo “é alvo de um processo disciplinar e que foi ou está em vias de ser suspenso preventivamente”.
19- A verdade é somente uma, o Recorrente distribuiu ao aludido Trabalhador as funções já supra descritas na área da auditoria, não lhe podendo ser atribuídas outras, atentas as razões de índole disciplinar já expostas,
20- Sendo que o Recorrido, sempre foi informado da existência do inquérito e dos motivos concretos que levaram o Conselho de Administração a não o manter no exercício das funções de chefia, o que jamais levaria a concluir-se pela violação do disposto no artigo 129.°, número 1, alínea b) do Código do Trabalho.
21- Ademais, não existem quaisquer factos que possam consubstanciar as demais alegadas e imputadas violações, designadamente a vertida no artigo 127.°, alíneas a) e c) do Código do Trabalho, nem a aplicação do artigo 59.º/1/b) da Constituição da República Portuguesa, pois o Recorrente, através dos seus representantes, sempre agiu de boa-fé para com o Trabalhador em causa, não tendo praticado quaisquer atos de coação física ou moral, nem desrespeitando o mesmo, o que não se pode deixar de alegar, para os devidos efeitos legais.
22- Também nesta parte, deve ser revogada a douta Sentença ora recorrida e substituída por outra que não condene o ora Recorrente pela prática de uma contraordenação ao abrigo do disposto no artigo 129.º, n.º1, alínea b), do Código do Trabalho, no pagamento da coima de €15.000, mas, antes, que o absolva da mesma, rejeitando-se, assim, a decisão da Exma. Senhora Subdiretora da Autoridade para as Condições do Trabalho, datada de 7/3/2017.
23- A acrescer e sempre sem conceder, ainda que nos encontrássemos perante uma situação de inocupação pelo Trabalhador em causa – o que não se admite, mas por mera hipótese académica se concebe –, sempre esta seria fundamentada e atendível à luz da Jurisprudência e Doutrina dominante no nosso Ordenamento Jurídico,
24- Pois a questão da ocupação efetiva coloca-se, antes de mais, no plano da exigibilidade, não podendo deixar de reconhecer-se como atendíveis as situações no âmbito das quais a entidade empregadora esteja objetivamente impedida de facultar ocupação ao Trabalhador, ou aquelas no âmbito das quais encontremo-nos perante interesses legítimos da entidade empregadora na colocação do trabalhador em estado de inatividade, quer por razões económicas, disciplinares ou quaisquer outras atendíveis no caso em concreto.
25- Ou seja, o direito do trabalhador à ocupação efetiva não é um direito absoluto, já que podem surgir situações justificadas em que o empregador esteja objetivamente impedido de oferecer a ocupação ao trabalhador e, em tais situações, o empregador pode provar que não tem culpa na situação de não atribuir qualquer trabalho, como por exemplo, numa situação de processo disciplinar como se verificou in casu.
26- É que, à entidade empregadora, assiste não apenas o direito de exigir do Trabalhador a atividade a que este se obrigou por via do contrato de trabalho, assistindo-lhe, também, o dever de lhe proporcionar a possibilidade do seu exercício, a menos que existam razões – objetivas e independentes de atuação culposa da entidade empregadora – que, de forma justificada, o impeçam.
27- Nessa conformidade, considerando os factos e motivos supra enunciados – que, reitera-se, sempre foram dados a conhecer ao Trabalhador –, em virtude, quer da reorganização necessária, quer dos indícios recolhidos, o Recorrente não tinha a confiança imprescindível para a continuidade do exercício das funções daquele Trabalhador, pelo que se encontrava inviabilizada a possibilidade de o referido Trabalhador se manter no desempenho das mesmas, razão pela qual o mesmo foi nomeado observador no âmbito da Auditoria acima identificada, mantendo-se o mesmo em ocupação de funções, mas não aquelas que, então, desempenhava, como é evidente à saciedade.
28- Só se poderia falar em violação do direito do trabalhador à sua ocupação efetiva caso se verificasse uma injustificada desocupação do mesmo, necessariamente imputável, em termos de culpa, à entidade patronal, ou seja, caso o ora Recorrente, apesar de deter todas as condições para ocupar o Trabalhador, para lhe conferir funções atinentes à sua categoria profissional, não o fizesse, criando uma situação de desrespeito por um direito constitucionalmente garantido ao Trabalhador.
29- Atente-se, neste sentido, a Pedro Furtado Martins in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação, 1992, p.191.
30- Ademais, refere Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 12.ªEdição, p.285.
31- Face a tudo o que supra vai exposto, resulta claro e inequívoco que o ora Recorrente não violou o direito do Trabalhador à sua ocupação efetiva, atendendo a que o mesmo sempre desempenhou outras funções que pudessem garantir a transparência do processo disciplinar que corria termos pelo indícios de condutas censuráveis por parte daquele, no exercício das suas funções de chefia, pelo que não foi violado o disposto no artigo 548.º do Código do Trabalho.
32- Tal artigo prevê que constitui contraordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que seja punível com coima, o que não corresponde ao que sucedeu no caso sub judice.
33- Assim sendo – como é –, resulta claro e inequívoco que, também no que a esta matéria diz respeito, nenhuma contraordenação foi, jamais, praticada pelo Recorrente Centro Hospitalar …, E.P.E., pelo que deve a douta Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente, fazendo assim V.Ex.a a habitual Justiça!»
Tendo o tribunal de 1.ª instância admitido corretamente o recurso, o Ministério Público veio responder, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
Após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual deu por reproduzida as alegações da resposta ao recurso e propugnou pela improcedência do mesmo.
O recorrente respondeu, reiterando a posição e argumentos por si sustentados em sede de recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objeto são as seguintes:
1. Prescrição do procedimento contraordenacional;
2. Prática de ato proibido por lei, com a consequente nulidade insanável de todo o processo;
3. Não cometimento da infração contraordenacional imputada.
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III. Matéria de Facto
Em matéria contraordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância que, no caso, é a seguinte:
A) A arguida é uma Empresa Pública Empresarial, que tem como atividade principal a prestação de cuidados de saúde;
B) A arguida acordou com BB que este prestaria trabalho como administrador hospitalar a partir do dia 1/7/2005, sendo que ultimamente desempenhava as funções de Gestor do Serviço de Gestão Logística;
C) No dia 23/1/2012, o Presidente do Conselho de Administração da arguida Centro Hospitalar …, emitiu uma circular substituindo o BB por CC, com efeitos reportados ao dia 19/1/2012;
D) Desde tal data, o BB deixou de desempenhar quaisquer tarefas como administrador hospitalar (sem prejuízo da infra indicada nomeação como observador de uma auditoria);
E) Ficou num gabinete, onde não exercia quaisquer funções;
F) No dia 7/2/2012, a arguida Centro Hospitalar …, Empresa Pública Empresarial, propôs a BB a resolução do contrato de trabalho;
G) O que este declinou;
H) No dia 23/3/2012 a Sra. Inspetora do Trabalho … realizou visita inspetiva ao estabelecimento da arguida em ...;
I) Tendo constatado a descrita situação de inatividade do BB, a Sra. Inspetora do Trabalho instou os vogais do Conselho de Administração e a Gestora de Recursos Humanos da arguida sobre os motivos da mesma;
J) Estes limitaram-se a informar que propuseram ao BB a resolução do contrato de trabalho e que lhe iria ser instaurado um processo disciplinar;
K) A Sra. Inspetora do Trabalho …informou os vogais do Conselho de Administração e a Gestora de Recursos Humanos da arguida que a inatividade do BB era injustificada e que constituía uma violação à obrigação legal de ocupação efetiva do seu posto de trabalho;
L) Não obstante, a arguida prosseguiu com tal atuação, não atribuindo a BB quaisquer funções ou tarefas próprias da sua categoria de administrador hospitalar;
M) Posteriormente, a arguida nomeou o BB para integrar como observador uma auditoria interna ao sistema de qualidade, que decorreria do dia 2 até ao dia 26 de Abril de 2012;
N) Finalmente, no dia 9/4/2012, a arguida decidiu suspender o exercício de funções de BB, no âmbito de um processo disciplinar que lhe instaurou;
O) A arguida sabe que a lei consagra o direito do trabalhador à ocupação efetiva das suas funções e que sanciona o injustificado incumprimento desta obrigação;
P) A arguida registou em 2010 um volume de negócios de € 7.711.913.143 (sic).
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IV. Direito Conforme anteriormente referido o objeto do recurso é constituído por três questões:
1. Prescrição do procedimento contraordenacional;
2. Prática de ato proibido por lei, com a consequente nulidade insanável de todo o processo;
3. Não cometimento da infração contraordenacional imputada.
Apreciemos, seguidamente, cada um delas, pela ordem indicada.
Prescrição do procedimento contraordenacional
O recorrente não se conforma com a circunstância da 1.ª instância ter julgado improcedente a questão da prescrição, por si suscitada na impugnação judicial.
No essencial, alega que quando foi notificado da decisão da ACT, já havia decorrido o prazo prescricional previsto no Regime Geral das Contraordenações.
Vejamos como a 1.ª instância apreciou e julgou a questão enunciada: «(…) a arguida excecionou a prescrição do procedimento contraordenacional, invocando o Regime Geral das Contraordenações. Importa considerar quanto a esta questão os seguintes factos: (…) Ora, os factos imputados à arguida prolongaram-se desde o dia 23/1/2012 pelo menos até ao dia 9/4/2012 – data em que o trabalhador BB foi suspenso da prestação de trabalho, na sequência de um processo disciplinar. A prescrição ocorreria a 9/4/2017, mas entretanto verificaram-se sucessivos factos que interrompem e suspendem o decurso desse prazo, nomeadamente: - 29/5/2012 – Notificação à arguida do auto de notícia e para o exercício do direito de audição – vd. fls. 19; - 2/11/2012 – Inquirição de testemunhas – vd. fls. 42; - 27/3/2014 – Inquirição de testemunhas – vd. fls. 50; - 10/3/2017– Notificação à arguida da decisão final da ACT – vd. fls. 73; - 11/4/2017 – Remessa dos autos ao Ministério Público – vd. fls. 127. Assim, conclui-se que ainda não decorreu o prazo máximo de prescrição, nem tão pouco o respetivo acréscimo de metade – cfr. art.º 53.º a 55.º, da citada Lei.»
Desde já adiantamos que não poderemos deixar de concordar e aderir aos fundamentos transcritos.
Desde logo, pela correta determinação da lei aplicável.
Efetivamente, o regime processual aplicável às contraordenações laborais é o que se mostra consagrado na Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. O regime geral das contraordenações invocado pelo recorrente constitui direito subsidiário, nos termos previstos pelo artigo 60.º da aludida lei.
Ora, contendo o regime processual aplicável às contraordenações laborais normas específicas respeitantes à prescrição do procedimento contraordenacional – artigos 52.º a 54.º - não se verifica a necessidade de recorrer ao direito subsidiário, sem prejuízo do recurso ao regime geral das contraordenações por efeito de remissão intencional do legislador.
O normativo inserto no aludido artigo 52.º consagra um prazo prescricional de cinco anos sobre a prática da contraordenação.
Todavia, existem causas de suspensão e de interrupção de tal prazo, conforme salvaguarda prevista no mencionado artigo 52.º.
Tais causas traduzem-se em circunstâncias a que o legislador atribuiu uma relevância ou significado que justificam, respetivamente, uma interrupção temporária na contagem do efeito jurídico do tempo sobre os factos ou até uma cessação e reinicio dessa contagem.
As causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional mostram-se consagradas nos artigos 53.º e 54.º da Lei n.º 107/2009.
No caso dos autos, verificaram-se, concretamente, as causas de interrupção especificamente identificadas na decisão recorrida, para as quais se remete, que preenchem as alíneas do n.º 1 do referido artigo 54.º - realização de diligências de prova, notificação para o exercício do direito de audição e comunicação da decisão tomada.
Em cada uma das situações de interrupção do prazo prescricional iniciou-se nova contagem do aludido prazo.
Todavia, estipula o n.º 3 do aludido artigo 54.º : «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão [que não pode ultrapassar seis meses nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 53.º], tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
Ora, na concreta situação dos autos, a acusada violação do direito de ocupação efetiva do trabalhador [facto ilícito] ocorreu, como bem referiu o tribunal de 1.ª instância, desde 23-01-2012 até 09-04-2012 [data em que o trabalhador foi suspenso da prestação de trabalho], estando em causa um facto continuado.
Deste modo, considerando a data da cessação do facto ilícito imputado [em que se iniciou, pela primeira vez, a contagem do prazo prescricional] e tomando em consideração o limite estabelecido no n.º 3 do artigo 54.º da Lei n.º 107/2009, não decorreu, ainda, o prazo da prescrição acrescido de metade [5 anos + 2 ano e meio], com a ressalva do tempo de suspensão.
Face ao exposto, sufragamos, sem reservas o juízo decisório da 1.ª instância quanto à questão analisada.
Improcede, pois, o primeiro fundamento do recurso invocado.
Prática de ato proibido por lei
Invoca o recorrente a impossibilidade legal de contra si ser instaurado procedimento contraordenacional, uma vez que é uma pessoa coletiva de direito público, daí inferindo que por a ACT ter praticado um ato proibido por lei, todo o processo contraordenacional está afetado por uma nulidade insanável.
A questão colocada – possibilidade de instauração do procedimento contraordenacional contra o recorrente – já se mostra resolvida pelo anterior acórdão proferido por esta Secção Social no processo, devidamente transitado em julgado.
Pode ler-se no mencionado aresto: «É pacífico que nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 93/2005, de 07 de Junho, várias sociedades anónimas, entre as quais o Centro Hospitalar…, S.A., foram transformadas em entidades púbicas empresariais (E.P.E.), as quais conservaram a universalidade dos direitos e obrigações, legais e contratuais, que integravam a sua esfera jurídica no momento da transformação e ficaram sujeitas ao poder de superintendência do Ministro da Saúde e aos poderes de tutela conjunta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, nos termos e para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro (artigos 4.º e 5.º e anexo ao referido diploma legal). O Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, então em vigor, estabelecia o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas, estatuindo no seu artigo 5.º, n.º 1: «Regem-se pelas disposições do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas deste diploma as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e doravante designadas por «entidades públicas empresariais». Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 133/13, de 13 de Outubro, veio revogar aquele diploma legal e estabelecer novos “princípios e regras aplicáveis ao sector público empresarial, incluindo as bases gerais do estatuto das empresas públicas”. Nos termos do seu artigo 56.º, «[s]ão entidades públicas empresariais as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins, as quais se regem pelas disposições do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas do presente decreto-lei». E de acordo com o n.º 1 do artigo 14.º, «[s]em prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais e locais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, «[a]s empresas públicas podem exercer poderes e prerrogativas de autoridade de que goza o Estado, designadamente quanto a: a) Expropriação por utilidade pública; b) Utilização, proteção e gestão das infraestruturas afetas ao serviço público; c) Licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável, da utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer atividade nos terrenos, edificações e outras infraestruturas que lhe estejam afetas». Quanto aos tribunais competentes para dirimir os conflitos, estabelece o artigo 23.º: «1 - Para efeitos de determinação da competência para o julgamento dos litígios respeitantes a atos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o artigo anterior, as empresas públicas são equiparadas a entidades administrativas. 2 - Nos demais litígios, seguem-se as regras gerais de determinação da competência material dos tribunais.». Finalmente, no que ora importa, estabelece o n.º 1 do artigo 25.º que «[n]o quadro definido pelas orientações fixadas nos termos do artigo anterior, os titulares dos órgãos de administração das empresas públicas gozam de autonomia na definição dos métodos, modelos e práticas de gestão concretamente aplicáveis ao desenvolvimento da respetiva atividade.». Da interpretação conjugada de tais normativos resulta, como de modo assertivo escreveu o recorrente nas conclusões da motivação de recurso, que «[a]s empresas públicas empresariais são pessoas coletivas públicas de natureza infraestadual, que subordinam a sua atividade, fundamentalmente, ao direito privado», e que «[a]penas exercem “poderes e prerrogativas de autoridade de que goza o Estado” quando atuam no domínio de: a) expropriações por utilidade pública; b) utilização, proteção e gestão das infraestruturas afetas ao serviço público; c) Licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável, da utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer atividade nos terrenos, edificações e outras infraestruturas que lhe estejam afetas».
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Quanto à responsabilidade contraordenacional, prescreve o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que as coimas podem aplicar-se tanto às pessoas singulares como às pessoas coletivas; ou seja, como princípio geral, a responsabilidade contraordenacional recai sobre pessoas singulares bem como sobre pessoas coletivas. De acordo com o Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 102/89, de 27-09-1990: «(…) 2 - São abrangidos no conceito de pessoa coletiva para os efeitos das disposições referidas na conclusão precedente, em princípio, quaisquer entes não singulares a que o ordenamento jurídico atribua personalidade jurídica, inclusive de direito público; 3 - Excluem-se do âmbito desse conceito, para tais efeitos, o Estado, enquanto pessoa coletiva de direito interno que tem por órgão o Governo, e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira; 4 - Excluem-se, também, do âmbito desse conceito e para os mesmos efeitos, no tocante a responsabilidade contraordenacional por violação de certos deveres sancionáveis por contraordenações instituídas com vista a eficaz realização de certas atribuições administrativas, as pessoas coletivas que integrem a Administração central, regional e local e que a seu cargo tenham tais atribuições; (…)». Aqui chegados, uma primeira conclusão se impõe: dos diversos normativos legais referidos não se retira, ao contrário do que resulta da decisão recorrida, que o aqui recorrido, enquanto entidade empresarial do Estado e estando em causa o cumprimento de um contrato individual de trabalho que mantém com um seu trabalhador, não possa ser objeto de responsabilidade contraordenacional. E quanto à competência para a instauração da contraordenação, haverá que ter presente que o Decreto Regulamentar n.º 47/2012, de 31 de Julho, que aprovou a orgânica da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) logo no seu preâmbulo proclama que esta «(…) tem por missão a promoção da melhoria das condições de trabalho, através da fiscalização do cumprimento das normas em matéria laboral e o controlo do cumprimento da legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, bem como a promoção de políticas de prevenção dos riscos profissionais, quer no âmbito das relações laborais privadas, quer no âmbito da Administração Pública.». E o n.º 1 do artigo 2.º encontra-se expressamente transcrita tal missão da ACT. Por sua vez, no n.º 2 do mesmo artigo encontram-se estabelecidas as atribuições da ACT, entre as quais, «[p]romover, controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais, respeitantes às relações e condições de trabalho (…)» [alínea a)] e «[a]ssegurar o procedimento das contraordenações laborais e organizar o respetivo registo individual» [alínea k)]. Finalmente o n.º 3 do mesmo artigo 2.º estabelece que «[a] ACT prossegue as atribuições referidas no número anterior em empresas de todos os setores de atividade, independentemente da sua forma ou natureza jurídica e do regime aplicável aos respetivos trabalhadores, e em qualquer local em que se verifique a prestação de trabalho ou existam indícios suficientes dessa prestação.». Isto é, e tendo em vista o caso em apreço, as entidades públicas empresariais encontram-se abrangidas pelo âmbito de atuação da ACT, no qual se inclui, como não podia deixar de ser, assegurar o procedimento das contraordenações laborais [alínea k) do n.º 2 do artigo 2.º] e aplicar as coimas e sanções acessórias correspondentes às contraordenações laborais [alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º]. Por isso, sendo o recorrido uma entidade infraestadual e não estando em causa qualquer atuação subtraída à atuação da ACT – estando em causa, ao invés, uma relação eminentemente de natureza privada, no âmbito de um contrato individual de trabalho –, não pode acompanhar-se o entendimento da decisão recorrida, de impossibilidade de responsabilização do CH…, E.P.E., pela contraordenação e coima que lhe foi aplicada. Aliás, face à análise que se deixou efetuada, não se alcança como se possa afirmar – como se afirma na decisão recorrida – que «o Estado de direito democrático não pode permitir que os seus organismos e as pessoas coletivas que lhe estão absolutamente subordinadas se digladiem publicamente em questiúnculas que devem ser resolvidas internamente. É o que popularmente se designam por “guerras de capelinhas” da administração pública», ou, «[n]o caso dos autos, em última análise, a questão resume-se a saber quem manda mais: - O Senhor Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que tutela a Autoridade para as Condições do Trabalho; ou, - O Sr. Ministro da Saúde que tutela o CH… - Centro Hospitalar …, E.P.E.?», ou ainda, «[t]ambém só mesmo entre nós é que um organismo do Estado (Autoridade para as Condições do Trabalho) é que manda outro organismo do Estado (CH… - Centro Hospitalar …, E.P.E.) pagar uma coima! Ora aí está uma boa forma de garantir o cumprimento da lei e de salvaguardar as exigências de prevenção…». Estando em causa um litígio que envolve, além do mais, a questão da competência de uma entidade pública para fiscalizar outra, os tribunais existem para isso mesmo, para dirimir tal litígio, sem que tal configure qualquer “guerra de capelinhas”. Quanto à firmação de que «só entre nós é que um organismo do Estado (…) é que manda outro organismo do Estado (…) pagar uma coima», dir-se-á que existem inúmeros exemplos de entidades públicas fiscalizadoras que aplicam coimas no âmbito de processos de contraordenação a outras entidades de natureza pública: Inspeção Geral de Finanças (IGF), Inspeção Geral do Ambiente, etc., etc. De resto, em inúmeras situações o próprio Estado e demais entidades públicas encontram-se sujeitos a custas: vide, por exemplo, o artigo 189.º, n.º 1, do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02. Nesta sequência, impõe-se revogar o despacho recorrido – que declarou que o CH… - Centro Hospitalar …, E.P.E., não pode ser responsabilizado pela apontada contraordenação e nulo todo o processo –, devendo, por consequência, ordenar-se o prosseguimento dos autos, se outro fundamento não objeto do recurso a tal não obstar.»
Ora, mostrando-se a segunda questão suscitada no recurso já apreciada e decidida por acórdão anteriormente proferido nos autos e transitado em julgado, não pode o tribunal reapreciar a questão, por força da autoridade do caso julgado, mostrando-se, pois, o conhecimento da questão suscitada prejudicado.
A autoridade do caso julgado constitui uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso.
Ilícito contraordenacional
A ACT aplicou uma coima de € 15.000,00 ao agora recorrente pela prática de uma contraordenação resultante da violação do preceituado no artigo 129.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
O tribunal de 1.ª instância confirmou a decisão da entidade administrativa.
Não se conforma o recorrente com tal decisão, negando o cometimento do ilícito contraordenacional.
Apreciemos.
De harmonia com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho, é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva do trabalho.
Por via deste normativo, protege-se o direito à ocupação efetiva do trabalhador, fazendo-se incidir na esfera jurídica do empregador o correspondente dever de ocupação efetiva.
A consagrada garantia do trabalhador constitui um corolário do direito ao trabalho em condições socialmente dignificantes, que proporcionem a realização pessoal do trabalhador – artigos 58.º, n.º 1 e 59.º, n.º 1 , alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
A importância do direito à ocupação efetiva tem sido, nomeadamente, explicada pela doutrina.
Menezes Cordeiro[3], por exemplo, refere que estando o trabalhador adstrito a uma obrigação/prestação de trabalho pela qual recebe uma remuneração, como qualquer devedor, em termos morais e sociais, realiza-se pagando o que deve e não aceitando favores patrimoniais não merecidos. Além disso, o trabalho é, nos próprios termos constitucionais, um meio de realização pessoal, sendo a dignidade das pessoas um direito fundamental. Acrescenta este autor que o trabalho é, cada vez mais, o produto da inteligência, da perícia e da experiência das pessoas, exigindo, por isso mesmo, uma prática permanente, sendo prejudicado com a inatividade do trabalhador.
Também Pedro Romano Martinez[4], refere que a ocupação efetiva se justifica pelas seguintes circunstâncias: «A existência de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; como os trabalhadores têm de estar num plano de igualdade, não se admite que uns estejam ocupados e outros não. Os trabalhadores devem estar todos numa situação de igualdade quer quanto à ocupação, quer quanto à execução do trabalho. Segundo, sendo o trabalho uma forma de realização pessoal do trabalhador, a sua inatividade tem consequências negativas a vários níveis, nomeadamente, quanto à perda ou não aquisição de perícia, experiência, etc. Deste modo, justifica-se que o empregador patrocine a realização pessoal do trabalhador, visto que, mantendo-se este inativo, daí advirão prejuízos vários, patrimoniais e não patrimoniais».
Resumidamente contextualizado o consagrado direito à ocupação efetiva, estabelece a lei laboral que o empregador que obste injustificadamente à prestação efetiva de trabalho incorre na prática de uma contraordenação muito grave – artigo 129.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código do Trabalho [a prática da contraordenação pressupõe, naturalmente, o preenchimento objetivo e subjetivo do ilícito].
A terminologia utilizada pelo legislador [“obstar injustificadamente”], permite inferir que o direito à ocupação efetiva não é um direito absoluto, ou seja, pode existir uma desocupação do trabalhador que seja justificada, cabendo naturalmente ao empregador o ónus da prova do circunstancialismo que a fundamenta (cfr. Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2011, P. 105/08.0TTSNT.L1.S1, e desta Secção Social de Évora, de 28-06-2018, P.2823/17.2T8STR.E1, acessíveis em www.dgsi.pt).
Com relevo, assinalam Pedro Romano Martinez, Pedro Madeira de Brito e Guilherme Dray[5]: «(…), na medida em que se afirma que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, não deixa de ser dispensável o recurso à boa fé para efeitos de apuramento e concretização daquele conceito indeterminado. Como dispõe o nº 2 do artigo 762º do CC, o empregador (credor da prestação), no exercício do direito correspondente, deve proceder de boa fé. Importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efetiva é ou não, à luz da boa fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, ou se, pelo contrário, ela se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador.»
No caso vertente, resultou demonstrado que o recorrente acordou com BB que este prestaria trabalho como administrador hospitalar a partir do dia 01-07-2005. Porém, no dia 23-01-2012, o Presidente do Conselho de Administração do recorrente emitiu uma circular substituindo BB por CC, com efeitos reportados a 19-01-2012.
Desde tal data, o BB deixou de desempenhar quaisquer funções como administrador hospitalar, tendo ficado num gabinete onde não exercia quaisquer funções.
No dia 23-03-2012, a ACT realizou uma visita inspetiva ao estabelecimento do recorrente em …, tendo constatado a situação de inatividade do BB. Instados os vogais do Conselho de Administração e a Gestora de Recursos Humanos sobre os motivos da mesma, estes limitaram-se a informar que haviam proposto a resolução do contrato de trabalho, mas que o trabalhador não aceitou e que lhe iria ser instaurado um processo disciplinar. A Inspetora da ACT informou, então, que a situação de inatividade do trabalhador era injustificada e que constituía uma violação à obrigação legal de ocupação efetiva do seu posto de trabalho. Não obstante, o recorrente manteve o trabalhador em situação de inatividade.
Posteriormente o recorrente nomeou BB para integrar como observador uma auditoria interna ao sistema de qualidade, que decorreria entre 2 e 26 de abril de 2012. Contudo, no dia 9 de abril, o recorrente suspendeu o exercício de funções do trabalhador identificado, no âmbito de um procedimento disciplinar que lhe instaurou.
Com arrimo nos factos provados, depreende-se que o trabalhador do recorrente, BB desde 23 de janeiro até 2 de abril de 2012, esteve desocupado, pois não lhe foram atribuídas quaisquer funções para executar, tendo o mesmo permanecido num gabinete completamente inativo.
Entre 2 e 9 de abril de 2012 [data em que foi suspenso do exercício de funções], foi nomeado para integrar como observador uma auditoria interna.
Desconhecem-se as concretas funções que lhe foram solicitadas e se o mesmo exerceu efetivamente trabalho como “observador”. O que resulta dos factos provados é que o mesmo “foi nomeado”, mas não que prestou trabalho decorrente da nomeação.
Em suma, a factualidade assente revela-nos que o trabalhador esteve inativo no assinalado período temporal, ou seja, o recorrente, na qualidade de empregador, obstou à prestação efetiva de trabalho pelo trabalhador.
E, na verdade, nenhuma justificação objetiva ou subjetiva, à luz do princípio da boa fé contratual, transparece do acervo dos factos provados que permita inferir uma razão atendível para a manutenção do trabalhador desocupado.
A cessação das funções como administrador hospitalar não impedia a ocupação efetiva do trabalhador com outras funções. A proposta negocial de resolução do contrato de trabalho, que o trabalhador declinou, também não tinha o mesmo efeito. Tratava-se de uma mera proposta que correu em paralelo com a vigência da relação laboral.
A intenção de instauração de procedimento disciplinar, é algo do foro psicológico ou volitivo, sem consequências jurídicas no âmbito da prestação efetiva do trabalho. Apenas a suspensão do exercício de funções, no dia 09-04-2012, teve o efeito de suspender o dever de ocupação efetiva do trabalhador e o correspondente direito deste à ocupação efetiva.
Enfim, embora o recorrente tenha invocado, na motivação do recurso, diversas razões justificativas para a inatividade imposta ao trabalhador, as mesmas não encontram apoio factual na matéria de facto assente.
Destarte, considera-se objetivamente violada a norma inserta na alínea b) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, mostra-se preenchido o elemento objetivo da infração contraordenacional imputada.
Resultou igualmente provado que o recorrente não podia ignorar que a conduta por si assumida violava, sem qualquer justificação, e em absoluto desrespeito pelo princípio da boa fé contratual, o direito à ocupação efetiva do trabalhador, até porque foi especificamente informado de tal situação pela inspetora da ACT.
Deste modo, o recorrente não atuou, no mínimo, com o cuidado a que, segundo as circunstâncias concretas, estava obrigado e de que era capaz. A negligência consiste na omissão, pelo agente, de um dever de cuidado –artigo 15º do Código Penal. Logo, o recorrente atuou negligentemente.
Mostra-se, assim, igualmente preenchido o elemento subjetivo do ilícito contraordenacional imputado.
Por todo o exposto, importa concluir que a decisão recorrida procedeu a uma correta subsunção dos factos ao direito, pelo que nenhuma censura nos merece a mesma.
Em conformidade, há que julgar o recurso improcedente.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Évora, 12 de setembro de 2018
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[1] Relatora: Paula do Paço; Adjunto: Moisés Silva
[2] A agora relatora foi adjunta no aludido acórdão.
[3] “Manual de Direito do Trabalho”, Almedina, setembro, 1999, pág. 657.
[4] “Direito do Trabalho”, Almedina, 3.ª edição, pág. 504.
[5] “Código do Trabalho Anotado”, 2016, 10.ª Edição, Almedina, pág. 353