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INVASÃO DE ÁREA DE RECINTO DE ESPECTÁCULO DESPORTIVO
MEDIDA DA PENA
Sumário
I – O conceito de recinto desportivo acolhido no pelo artigo 3.º, al. m) da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho, traduz-se num local destinado à prática do desporto ou onde este tenha lugar, confinado ou delimitado por muros, paredes ou vedações, em regra com acesso controlado e condicionado.
II - Comete o crime de invasão de área de espectáculo desportivo aquele que, após o apito final do árbitro e no momento em que alguns jogadores ainda se encontravam no campo, invade, por duas vezes, o relvado do Estádio e abeira-se de um dos jogadores com vista a pedir-lhe a camisola, acedendo, dessa forma, a área acesso reservado e não destinado ao público, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida.
Texto Integral
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Por decisão de 15 de Março de 2018, proferida no processo sumário do Tribunal da Comarca de Faro (Juízo Local Criminal de Portimão), a acusação foi julgada parcialmente procedente por provada e em consequência decidiu-se:
a) Condenar o arguido RR, id. a fls. 60, pela prática de um crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. nos arts. 32º nº 1 e 35º da Lei nº 39/2009, de 30.07, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 8,00, o que perfaz a quantia de € 800,00;
b) Condenar o arguido na pena acessória de 1 (um) ano de interdição de acesso a recintos desportivos.
c) Absolver o arguido da prática de outro crime de invasão de área de espectáculo desportivo, p. e p. pelos arts. 32º nº 1 e 35º da Lei nº 39/2009 de 30.07.
Inconformado, o arguido recorreu, tendo concluído a motivação do seguinte modo:
« a. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito da douta sentença proferida nos presentes autos.
b. Vem o Arguido, o aqui recorrente, pela prática de um crime de invasão de área de espectáculo desportivo, p. e p. pelos arts. 32º/1 e 35º da L. 39/2009 de 30.07, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de € 800,00 (oitocentos euros) e condenado na pena acessória de 1 (um) ano de interdição de acesso a recintos desportivos.
c. Por não se conformar com a mesma, vem dela interpor recurso.
d. Os factos provados não permitem concluir que a conduta do arguido preenche o tipo objectivo do ilícito criminal em causa.
e. O espetáculo desportivo já tinha sido dado como encerrado e para a realização de ilícito – típico exige-se a ocorrência de um espetáculo desportivo, exige-se que o mesmo esteja a ocorrer.
f. O Tribunal A quo sustentou as suas convicções no depoimento das testemunhas e estas referiram de forma clara e inequívoca que, o espetáculo desportivo já tinha terminado.
g. Nas circunstâncias factuais não se verificam os elementos que integram a definição de crime de invasão de espetáculo desportivo.
h. Não se verifica presente o bem jurídico que a norma incriminadora visa tutelar, motivo pelo qual o Arguido, ora recorrente não a violou, não cometendo o crime pelo qual foi condenando.
i. Não se verifica o preenchimento do tipo objetivo de crime.
j. Assim, inexiste a prática do crime de invasão de espetáculo desportivo.
k. Não restam, assim, dúvidas que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado.
l. E assim, ao condenar o Arguido pela prática daquele crime e, salvo o devido respeito que é muito, errou o Tribunal A quo.
m. Pelo exposto, o Tribunal A quo não interpretou, nem aplicou, correctamente o artigo 32.º da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho.
n. É entendimento do Arguido, ora recorrente, salvo melhor opinião que a ausência da ocorrência de um espetáculo desportivo afasta o preenchimento do tipo objectivo de crime, pelo que o Tribunal A quo deveria ter pugnado pela absolvição.
o. Sem prescindir, caso V. Exas., assim não o entendem, e que deverá manter-se a sentença recorrida, salvo o melhor respeito, o Tribunal A quo condenou pesadamente o Arguido na pena de multa de 100 dias à taxa diária de 8,00€, perfazendo a quantia total de 800,00€.
p. As exigências de prevenção especial e geral não justificam tal pena de multa.
q. O Arguido não tem antecedentes criminais, não lhe é reconhecida a prática de qualquer ilícito criminal.
r. O Tribunal A quo considerou que o grau de ilicitude do arguido é mediano, logo deve ser a pena de multa reduzida para o limite mínimo.
Nestes termos e nos demais de Direito, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso, absolvendo o Arguido do crime pelo qual foi condenando com todas as consequências legais fazendo-se, assim, a habitual necessária e lidima JUSTIÇA»
O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo: «1ª – O arguido RR interpôs recurso da douta sentença que o condenou pela prática de um crime de invasão de área de espectáculo desportivo, p. e p. pelos artigos 32º n.º 1 e 35º da Lei n.º 39/2009 de 30/07, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros), o que perfaz a quantia de €800,00 (oitocentos euros) e ainda na pena acessória de 1 (um) ano de interdição de acesso a recintos desportivos;
2ª – Para tanto alega o recorrente que o espectáculo desportivo já havia terminado e, consequentemente, não se verifica o preenchimento do tipo objectivo de crime;
3ª – Dispõe o artigo 32º n.º 1 da Lei n.º 39/2009, de 30 de Julho que “Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo durante a ocorrência de um espectáculo desportivo, invadir a área desse espetáculo ou aceder a zonas do recinto desportivo inacessíveis ao público em geral, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa.”;
4ª – Na douta sentença recorrida foram dados como provados os factos que consubstanciam o preenchimento do tipo objectivo do ilícito criminal pelo qual o recorrente foi condenado;
5ª – “Os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a segurança no espectáculo desportivo e a vida e integridade física. (…) O tipo objectivo consiste na invasão de área do espectáculo desportivo ou no acesso a zonas do recinto desportivo inacessíveis ao público em geral. (…)” cfr. Jorge Gonçalves in Comentário das Leis Penais Extravagantes, UCE, vol. II,
6ª – O conceito de espectáculo desportivo foi alterado pela Lei n.º 52/2013, de 25 de Julho sendo que o artigo 3º alínea h) passou a ter a redacção actual “«Espetáculo desportivo» o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou coletivas;”;
7ª – Aquando na redacção inicial dispunha a alínea f) dispunha que “«Espectáculo desportivo» o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou colectivas, que se realiza sob a égide da mesma entidade desportiva, decorrendo desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo;”, ou seja, do referido conceito foi retirada a parte final a qual referia que o espectáculo desportivo decorria desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo;
8ª – Salvo melhor opinião, e atentos os bens jurídicos protegidos pela norma, não poderemos interpretar a retirada daquela parte do conceito de «Espectáculo desportivo» no sentido de dar permissão a todos e quaisquer espectadores de entrarem nas zonas reservadas e proibidas ao público após o apito final do jogo de futebol, pois, caso contrário, estaríamos a por em crise o objecto da própria lei expresso no seu artigo 1º;
9ª – O espectáculo desportivo, in casu um jogo de futebol, não se inicia com o apito inicial do árbitro nem termina com o apito final, aliás envolve todo um vasto leque de agentes desportivos que começam a desempenhar a sua actividade muito antes do apito inicial do árbitro e terminam as suas funções muito após o apito final do árbitro;
10ª – A interpretar a norma no sentido recorrido estaríamos a negar o combate à violência no desporto porquanto é consabido que por vezes é exactamente após o final do jogo, ainda dentro do relvado e com os ânimos exaltados, o ponto mais critico nessa batalha diária contra a violência no desporto que, infelizmente, tem assolado o país nos últimos tempos, aliás, veja-se a propósito os últimos graves acontecimentos amplamente noticiados ocorridos em Guimarães, Alcochete e Braga;
11ª – O Tribunal a quo não poderia ter interpretado o artigo 32º n.º 1 da Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho de forma diversa;
12ª – Na determinação concreta da pena o Tribunal a quo teve em consideração a ponderação global dos factos, quer quanto à ponderação das exigências de prevenção geral e especial que no caso vertente se afiguram relevantes, tanto como todas as circunstâncias agravantes como atenuantes, pelo que entendemos, salvo melhor opinião, que a pena em que o arguido foi condenado se mostra adequada;
13ª – Pelo exposto, entende-se não merecer qualquer censura a decisão do Tribunal a quo ao decidir pela condenação do recorrente nos termos e com os fundamentos ali expostos.
Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, ser confirmada a Douta sentença recorrida».
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do recurso não merecer provimento e se manter a decisão recorrida.
Observou-se o disposto no art. 417º nº 2 do C. P. Penal, mas o arguido não respondeu.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II- Fundamentação
Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 25.02.2018, cerca das 19:46, no Estádio Municipal de Portimão, antes do início da partida do campeonato nacional da 1ª divisão entre as equipas do Portimonense Sporting Clube e o Futebol Clube do Porto, o arguido RR transpôs a vedação que separa os sectores 4, sito no topo norte e 5, sito na bancada nascente, acedendo a esta bancada, destinada à claque portista.
2. Nessa mesma data, pelas 22:05, logo após o apito final do árbitro e o consequente termo da partida, num momento em que os jogadores ainda se encontravam em campo e não haviam recolhido aos balneários, o arguido transpôs a vedação delimitadora entre a zona da bancada nascente e o relvado, invadindo o campo de futebol.
3. Depois de interceptado pelos assistentes de recinto desportivo que se encontravam no local e de ter regressado à bancada, pelas 22:07, o arguido voltou a transpor a vedação delimitadora entre a zona da bancada nascente e o relvado, invadindo novamente o campo de futebol.
4. Nesse circunstancialismo dirigiu-se a um jogador do Futebol Clube do Porto com o intuito de lhe pedir a camisola, agarrando-o inclusivamente.
5. Acto contínuo foi interceptado pelos assistentes de recinto desportivo e, posteriormente, abordado pelo Adjunto do Policiamento, Comissário PL.
6. O arguido sabia que naquele recinto decorria um espectáculo desportivo e conhecia os limites do campo destinado ao jogo de futebol.
7. Não obstante, quis, por duas vezes, entrar no relvado, invadindo a área destinada ao jogo de futebol, reservada e inacessível ao público, onde se encontravam os atletas das equipas que o disputaram.
8. Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.
Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal do arguido, com relevo para a determinação da sanção, que:
9. Não regista antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram quaisquer outros factos, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações meramente probatórias, conclusivas e de direito, que deverão ser valoradas em sede própria.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciada à luz das regras de experiência comum e segundo juízos de normalidade, dispensando-se a descrição pormenorizada dos depoimentos prestados uma vez que a prova se encontra devidamente registada em suporte magnético.
Na ausência do arguido, foram valorados os depoimentos prestados de forma isenta e consonante pelas testemunhas RH e PL, agente e comissário da PSP que à data policiavam o jogo de futebol no Estádio Municipal do Portimonense e revelaram conhecimento directo e pessoal dos factos, merecendo-nos inteira credibilidade.
RH descreveu, com pormenor, todos os passos do arguido, que visualizou, em tempo real, nas imagens captadas pelo sistema de vídeo-vigilância do recinto e que se iniciaram antes mesmo do início da partida, com a transposição da vedação que separa o sector norte da bancada nascente, onde se encontrava a claque afecta ao clube visitante e onde acabou por permanecer durante o jogo – no decurso do qual provocou ainda vários distúrbios, que não foram, contudo, objecto de queixa.
Mais fez referência às duas invasões do relvado ocorridas imediatamente após o apito final, quando os jogadores ainda se encontravam em campo e não haviam recolhido aos balneários.
Explicou que apesar de interceptado na primeira investida pelos ARD’s, 2 minutos depois voltou a aceder ao relvado, transpondo para o efeito a vedação que delimita a bancada destinada aos espectadores. Nessa ultima ocasião, interpelou um jogador do Futebol Clube do Porto, chegando mesmo ao contacto físico com este, com o intuito de receber deste a sua camisola.
Confrontado com as imagens juntas aos autos, contextualizou-as e confirmou-as integralmente.
No mais, confirmou integralmente o auto de notícia por si subscrito.
Por seu turno, PL, não revelando conhecimento das imagens captadas durante o espectáculo desportivo, que apenas lhe foram relatadas posteriormente, referiu ter-lhe sido comunicada a invasão do relvado por parte de um adepto, ao qual se dirigiu depois de abordado pelos assistentes do recinto desportivo. Mais garantiu que o mesmo foi identificado por recurso ao respectivo documento de identificação, sendo lavrado o expediente em conformidade.
O Tribunal tomou, igualmente em consideração a prova documental junta aos autos a fls. 3 a 4, 6 a 13 e 25, que constituem o Auto de Notícia, o Auto de visionamento de imagens e o certificado do registo criminal do arguido.
III – Apreciação
O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas do recorrente na motivação, art. 403º nº 1 e 412º nº 1 do C.P.Penal.
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).
Perante as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Se os factos provados integram o crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. no art. 32º nº 1 e 35 de Lei nº 39/2007, de 30-7;
2ª- Da medida da pena.
1ª- Se os factos provados integram o crime de invasão de área de espetáculo desportivo, p. e p. no art. 32º nº 1 e 35 de Lei nº 39/2007, de 30-7.
O arguido alega que não estão preenchidos os elementos objectivos do crime, porquanto o espetáculo desportivo já tinha sido dado como encerrado, e o ilícito típico exige que o mesmo esteja a ocorrer.
Vejamos.
Dispõe o art. 32º nº 1 da Lei nº 39/2009, de 30-07 que: «Quem, encontrando-se no interior do recinto desportivo durante a ocorrência de um espetáculo desportivo, invadir á área desse espetáculo ou aceder a zonas do recinto desportivo inacessíveis ao público em geral, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa”.
Os bens jurídicos protegidos com esta incriminação são a segurança desportiva, a vida e a integridade física. Estamos perante um crime de perigo abstrato, quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos tutelados e de resultado.
Importa, antes de mais, apurar a noção de cada uma das expressões: “espetáculo desportivo”, “área de espetáculo desportivo” e de “recinto desportivo” que fazem parte do preceito em análise.
A Lei nº 39/2009, de 30-07, no seu art. 3º, que tem como epigrafe “Definições”, contém as noções referidas, nomeadamente na al. h) em que considera “espetáculo desportivo” o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou coletivas; na al. c) considera “área de espetáculo desportivo” a superfície onde se desenrola o espetáculo desportivo, incluindo as zonas de proteção definidas de acordo com os regulamentos da respetiva modalidade e na al. n) a noção de “recinto desportivo” como o local destinado à prática do desporto ou onde este tenha lugar, confinado ou delimitado por muros, paredes ou vedações, em regra com acesso controlado e condicionado.
Estabelece ainda, o art. 23º nº 1 al. f) do mesmo diploma que “são condições de permanência no recinto desportivo: Não aceder às áreas de acesso reservado ou não destinados ao público”.
Tecidos estes considerandos, analisemos o caso em apreço.
O arguido no 25 de Fevereiro de 2018, pelas 22:05m e 22:07m, logo após o apito final do árbitro no jogo de futebol, que decorreu entre as equipas do Portimonense Sporting Clube e o futebol Clube do Porto, com um intervalo de apenas de dois minutos, num momento em que os jogadores se encontravam em campo transpôs por duas vezes, a vedação que delimita a bancada nascente do Estádio Municipal do Portimonense, invadindo o relvado. Deste modo, acedeu ao recinto desportivo e simultaneamente a uma área de acesso reservado e não destinado ao público.
O arguido alega que, o espetáculo desportivo já tinha terminado e o crime de invasão da área do espetáculo desportivo, previsto na disposição acima mencionada, exige que o mesmo ainda esteja a decorrer.
O art. 3º al. h) da Lei nº 39/2009, de 30-09, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 52/2013, de 23 de Julho considera como “espetáculo desportivo o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou colectivas”, quando na redação inicial se dispunha na al. f) o conceito de “ «espetáculo desportivo» como o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou colectivas, que se realiza sob a égide da mesma entidade desportiva, decorrendo desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo”, ou seja do referido conceito foi retirada a parte final, da qual constava que o espetáculo desportivo decorria desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo.
Perante os bens jurídicos protegidos com o crime em análise, afigura-se-nos que não podemos interpretar a retirada daquela parte do conceito de espetáculo desportivo no sentido de permitir aos espetadores de entrarem nas zonas reservadas e proibidas ao público, após o apito final do jogo, uma vez que assim estaríamos a por em causa o objecto da própria lei, que como resulta do seu artº 1, “estabelece o regime jurídico de combate á violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática”.
Como bem escreve o Exmo Procurador Adjunto na resposta ao recurso, o que corroboramos, “ o espetáculo desportivo, in casu um jogo de futebol, não se inicia com o apito inicial do árbitro nem termina com o apito final, aliás envolve um vasto leque de agentes desportivos que começa a desempenhar a sua actividade muito antes do apito inicial do árbitro e terminam as suas funções muito após o apito final do árbitro.
A interpretar a norma no propugnado pelo recorrente estaríamos a negar o combate à violência no desporto, dado que como resulta das regras do normal acontecer, por vezes, é após o final do jogo, ainda dentro do relvado, que os ânimos se exaltam e que acontecem os maiores distúrbios.
Assim sendo, cremos que a interpretação feita pelo tribunal a quo está correta e por isso, não merece reparo.
Deste modo, o arguido ao transpôr a vedação que delimita a bancada nascente do Estádio Municipal do Portimonense e ao invadir o relvado, após o apito final do árbitro e no momento em que os jogadores ainda se encontravam no campo, acedeu a área acesso reservado e não destinado ao público. E tinha consciência disso e quis fazê-lo, bem sabendo que tal conduta não lhe era permitida.
Estão assim preenchidos os elementos constitutivos do crime da invasão da área do espetáculo desportivo, previsto no art. 32º nº 1 e 35º nº 1 da Lei 39/2007, pelo que o arguido incorreu neste crime.
II-2ª- Da medida da pena.
Ao crime de invasão da área do espetáculo desportivo, previsto no art. 32º nº 1 e 35º nº 1 da Lei 39/2007, corresponde a pena de prisão até um ano ou pena de multa e a pena acessória de interdição de acesso a recintos desportivos, pelo período de 1 a 5 anos.
O arguido alega que a pena é excessiva, tendo em conta que é delinquente primário, o grau de ilicitude é mediano e que as exigências de prevenção geral e especial não justificam tal pena.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção devendo o tribunal atender a todas a circunstâncias que não fazendo, parte do tipo de crime deponham a favor o agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade dolo, as condições pessoais do agente e a sua situação económica (art- 71º nº 1 e 2 do C.Penal).
Deste preceito e do art. 40º do C. Penal infere-se que, o modelo de determinação da medida da pena é aquele que comete à culpa a função de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da medida da pena; à prevenção geral, a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela de bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, segundo os quais a pena deve representar um reforço da imperatividade da vigência da norma violada e do sentimento de segurança da comunidade face à mesma norma (prevenção geral positiva), e dissuadir a prática de novos crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa); e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de reintegração do agente na sociedade.
Na concretização destes princípios o tribunal fixou a medida da pena em 100 dias de multa, tendo em consideração: o grau de ilicitude do facto que é mediano, já que o arguido aguardou o final da partida para perpetrar a invasão do recinto, o dolo com que agiu, que lhe é assacado de forma direta, as exigências de prevenção geral que são elevadas, no entanto, as de prevenção especial são diminutas, já que o arguido não regista antecedentes criminais.
Perante este quadro, a pena aplicada mostra-se adequada à personalidade do arguido, à natureza e gravidade do ilícito, ao dolo com que actuou e às exigências de prevenção.
Quanto ao montante diário da pena de multa o tribunal fixou-o em € 8,00.
Estabelece o nº 2 do art. 47º do C. Penal que, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Como consta do Ac.STJ de 2-10-97, CJ, Acs. Do STJ, V, tomo 3, 183 “o montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar”.
E ainda o acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Julho de 1995, CJ, XX, tomo 4, 48 onde se refere “O montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”.
Considerando que o limite mínimo do montante da pena de multa é de cinco euros e que tudo leva a crer que a situação económica do arguido é modesta, consideramos como justo e adequado fixar o montante diário da pena de multa em seis euros.
IV – Decisão.
Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento parcial ao recurso, mantendo a decisão recorrida, salvo quanto ao montante diário da pena de multa, que fixamos em € 6 (seis euros).