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INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGIME DE BENS DO CASAMENTO
BEM IMÓVEL
Sumário
Os Tribunais portugueses não são internacionalmente incompetentes para julgar um processo em que as partes têm nacionalidade russa, residem na Rússia, celebraram o casamento na Rússia; realizaram o "Contrato Nupcial" e o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" na Rússia, divorciaram-se na Rússia e cujos pedidos têm subjacente matéria de regime de bens do casamento (e não direitos reais) sendo a única ligação a Portugal o facto de um dos bens aqui se localizar.
Texto Integral
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
1 - Relatório.
Na acção declarativa de Simples apreciação nos termos do art. 10 nº 3 do CPC que BB intentou contra CC formula os seguintes pedidos cumulativos "Por todo o exposto, assim se requer a V. Ex. a declare que:
A) O regime de bens em vigor entre Autora e Réu antes da celebração do contrato nupcial, de 19.05.2014, era o de comunhão;
B) O prédio urbano com o artigo matricial … da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a descrição …, melhor identificado em 3.º do presente articulado, é bem comum da Autora e Réu;
C) É competente a Ordem Jurídica Portuguesa para conhecer da interpretação, validade e efeitos dos documentos denominados de "Contrato Nupcial" e "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária";
D) É nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" constante no documento n.º 8, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel descrito em 3.º do presente articulado;
E) O "Contrato Nupcial" celebrado entre Autora e Réu em 19.05.2014, é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal, descrito em 3.º do presente articulado;
F) O imóvel descrito em 3.º continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas de Direito Português;
G) Deverão prosseguir os Autos de Inventário que correm os seus termos sob o Processo com o n.º 487612014 no Cartório Notarial da Dr.ª Paula Cristina Baptista Valentim, sito em Loulé, para partilha do referido bem.".
Para sustentar os supra referidos pedidos alega que, em 2 de Setembro de 1995, contraiu matrimónio com o Réu, em Moscovo, sendo que na pendência do matrimónio vigorou o regime de bens da comunhão, equivalente ao regime português de comunhão de adquiridos.
Em 9 de Abril de 2013 o Réu adquiriu sozinho e declarando estar casado no regime de separação de bens, sem dar conhecimento à Autora, o prédio urbano que identifica em artº 3º da petição inicial.
Em 19 de Maio de 2014 Autora e Réu celebraram, na Rússia, contrato Nupcial, pelo qual alteraram o regime de bens no casamento, estabelecendo, a partir dessa data, o regime de separação de bens.
Nesse mesmo contrato procederam à partilha dos bens comuns adquiridos na constância do matrimónio, tudo ao abrigo e em conformidade com a lei russa.
O matrimónio, entre Autora e Réu, foi dissolvido, por divórcio, em 24 de Junho de 2014.
Em 21 de Novembro de 2014 a Autora intentou, no Cartório Notarial da Dr.ª Paula Valentim, em Loulé, Processo de Inventário para partilha do referido bem imóvel, adquirido pelo Réu na constância do casamento.
Em sede de Oposição, nesse processo de inventário, o Réu apresentou um documento denominado "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", a que Autora faz referência como documento 8, no pedido referido na alínea d).
No âmbito do referido processo de inventário, a Sr.ª Notária procedeu à suspensão do processo por as partes discutirem no mesmo a validade do referido acordo e entender que tal matéria ultrapassava a sua competência, tendo remetido as partes para os meios comuns (cfr. artigo 16.º, n.ºs 1 e 2 do RJPI).
Assim, pretende a Autora por via da presente acção, e conforme resulta dos pedidos formulados, obter a declaração de nulidade de tal Acordo por entender que o mesmo se trata de um promessa de doação de bem imóvel em que o donatário seria o filho do casal, o qual não é admissível atento o disposto no artigo 940.º do Código Civil.
E, pese embora a Autora não ter procedido à junção do referido documento, o mesmo foi junto pelo Réu em sede de Contestação, não tendo sido objecto de impugnação, tendo-se por assente que se trata do mesmo documento.
O documento em causa denominado "Acordo de transmissão do direito de propriedade imobiliária", foi celebrado e assinado pelas partes em 19 de Maio de 2014, na Rússia, na mesma em que foi celebrado o Contrato Nupcial acima referido.
Por requerimentos de 26.11.2016 e 04.05.2017 a Autora informou que o Réu não tem qualquer outra ligação a Portugal a não ser o imóvel em causa nos autos e o seu representante fiscal, desconhecendo-lhe qualquer outra morada, requerendo a sua citação edital.
O Réu veio a ser citado na pessoa do seu mandatário, a quem conferiu poderes para o acto, e apresentou Contestação.
Notificada para se pronunciar quanto ao valor da acção e quanto à competência dos tribunais portugueses para decidir a presente acção, a Autora respondeu pugnando pela competência dos tribunais portugueses, com os fundamentos constantes de fls. 236 e ss., e requereu a correcção do valor atribuído à acção para 568.106,08€, correspondente ao valor patrimonial do imóvel em causa nos autos.
O Réu não se pronunciou, tendo-se remetido ao silêncio. Foi proferida decisão que julgou o tribunal internacionalmente e absolutamente incompetente e determinou absolvição da instância. Inconformada com a decisão, a Autora recorreu, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «I. Em 2 de Setembro de 1995 Recorrente e Recorrido contraíram matrimónio na Conservatória de Registo Civil do Concelho de Babushkinskii, sito em Moscovo.
II. Na pendência do matrimónio vigorou o regime de bens da comunhão, (equivalente ao regime português de comunhão de adquiridos, já que o regime de comunhão geral de bens não é legalmente possível na Rússia).
III. Em 9 de Abril de 2013 o Recorrido adquiriu, sozinho, declarando estar casado no regime da separação de bens, e sem disso dar conhecimento à Recorrente, o prédio Urbano com o Artigo matricial … da Freguesia de Almancil, Concelho de Loulé, descrito na Conservatória de Registo Predial de Loulé sob a descrição …/….
IV. Aquando da escritura de compra e venda prestou falsas declarações e referiu estar casado no regime da separação de bens.
V. Falsas declarações que levaram a Recorrente a instruir, um pedido de retificação do registo.
VI. Em 19 de Maio de 2014, ou seja, posteriormente à referida compra do imóvel descrito no artigo 6°, mas ainda na constância de matrimónio, Recorrente e Recorrido celebraram Contrato Nupcial, pelo qual alteraram o regime de bens no casamento, sendo tal alteração permitida pela lei Russa.
VII. Nesse Contrato Nupcial, entre outras declarações de vontade, referiram estar casados no regime da comunhão e estabeleceram que, a partir da data de celebração desse Contrato Nupcial, o regime em vigor passaria a ser o da separação de bens.
VIII. Nesse mesmo Contrato Nupcial procederam ainda à partilha dos bens comuns adquiridos na constância do matrimónio, que se encontravam em território Russo, sendo tal partilha também legítima à luz da lei Russa.
IX. No caso de partilha dos bens comuns dos cônjuges durante o casamento, aqueles bens comuns que não foram partilhados, bem como os bens adquiridos pelos cônjuges posteriormente, fazem parte dos seus bens comuns, segundo o Código da Família Russo.
X. O bem imóvel referido em 6.° não foi submetido, naquela data, a partilha pelo casal, continuando, por isso, a constituir um bem comum do casal.
XI. Em 24 de Junho de 2014 as partes dissolveram o matrimónio por divórcio.
XII. Uma vez que o imóvel identificado em 6.° continuava sendo bem comum do casal, a Recorrente intentou, em 21 de Novembro de 2014, Processo de Inventário para partilha desse imóvel, situado em território Português, e que deu entrada no Cartório Notarial da Dra. Paula Cristina Baptista Valentim, sito em Loulé, correndo os seus termos sob o Processo com o nº 4876/2014.
XIII. Em 26 de Janeiro de 2015, pouco tempo após a data da entrada do presente inventário (21 de Novembro de 2014), o Recorrido procedeu à alteração da descrição referente ao imóvel, no que concerne ao seu estado civil, passando a constar da mesma como divorciado.
XIV. O Recorrido foi nomeado Cabeça-de-Casal no Processo de Inventário supra referido e notificado, ao abrigo do Artigo 24.° do RJPI (Regulamento Jurídico do Processo de Inventário), para prestar declarações de Cabeça-de-Casal, bem como, para apresentar a relação de bens.
XV. Veio, no entanto, deduzir Incidente de Oposição ao Inventário invocando que não existem bens a relacionar, porquanto, se considera único proprietário do imóvel, porque a sua partilha, no seu entender, já foi feita.
XVI. Apresentou, um documento denominado de "Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade Imobiliária", por forma a provar indiretamente a partilha.
XVII. Em 16 de Novembro de 2015 a Sra. Notária determinou a suspensão do Processo de Inventário ao abrigo do disposto no Artigo 16.°, nº 1 e 2 do RJPI.
XVIII. Assim, sendo, foi a Recorrente sido remetida para os meios comuns, a fim de promover os termos processuais para esclarecimento e resolução das questões prejudiciais levantadas pela 8r.a Notária.
XIX. Entende a Recorrente que a presente ação declarativa que deu entrada em juízo, é sim, uma ação real.
XX. Ancora a sua posição no acórdão do STJ, datado de 09.03.2004, proc. 04B3808 disponível em dgsi.pt"
"III. Nesta teleologia, o conceito de acções relativas a direitos reais sobre imóveis não deve ser interpretado no sentido se englobar toda e qualquer acção que se relacione como quer que seja indirectamente, ou se prenda a título secundário ou acessório com um direito real sobre imóvel, alheada do escopo garantistico de faculdades compreendidas na titularidade do direito, mas tão-somente aquelas que «tendem a determinar a extensão, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel, ou a existência de outros direitos reais sobre estes bens, e garantir aos respectivos titulares a protecção das prerrogativas emergentes dessa titularidade» ( ... )"
XXI. E ainda, na análise de todas as peças processuais elaboradas pelas partes, documentos carreados para os autos e o próprio processo de inventário que esteve na base da necessidade de instauração da ação declarativa, facilmente se percebendo que o que vem sendo discutido e está na base do litígio é a propriedade do imóvel adquirido pelo Réu/Recorrido, na constância do matrimónio.
XXII. A análise e interpretação do documento, cujo pedido a Recorrente dirigiu ao tribunal a quo, tem como causa de pedir a determinação da eventual extensão da propriedade do imóvel objeto do litígio, e garantir enquanto possível proprietária desse bem, a sua proteção jurídica emergente dessa mesma titularidade.
XXIII. Ora, se estamos, perante uma ação que tem como função última a determinação da extensão e propriedade sobre um bem imóvel, sito em Portugal, estamos sim perante uma ação de natureza real.
XXIV. Lendo-se a contrario a fundamentação expendida no Ac. do Tr. Da Relação de Lisboa datado de 23.11.2011 no proc. 832/07.9TBVVD.L2-2 disponível em www.dgsi.pt. que a seguir se transcreve, e que teve como apreciação a interpretação de um documento, Testamento, elaborado no Brasil por uma cidadã nacional, tendo por objeto a disposição testamentária sobre imóveis sitos no Brasil, verifica-se que foi entendimento daquele Tribunal quer uma ação em que se pede a declaração de nulidade ou anulação de um documento que tem por objeto bens imóveis é considerada uma ação real.
XXV. "Assim, verificando-se que as normas de competência internacional de fonte interna não atribuem competência ao Tribunal português para conhecer de uma ação relativa a um direito real sobre um imóvel sito no estrangeiro, porque aquelas mesmas normas não reconhecem a competência de nenhum Tribunal estrangeiro para apreciar uma acção respeitante a um direito real sobre um imóvel sito em Portugal, artigo 65°-A, alínea c) do CPCivil, tais critérios são utilizados para atribuir competência aos Tribunais da ordem jurídica estrangeira, em casos idênticos, em que exista a mesma norma de retenção aliás o que sucede no caso sub specie, cfr Miguel Teixeira de Sousa, in A Competência, 63.
Ao contrário do que é sustentado pela Apelada em sede de resposta ao convite que foi formulado às partes para se pronunciarem sobre esta questão, o que está em causa é precisamente uma acção respeitante a direitos reais sobre imóveis, pois o testamento cuja invalidade se pede dispôs especificamente sobre bens desse jaez sitos em território brasileiro, sem embargo de, para a apreciação da legalidade desse acto de disposição, se ter de aferir da capacidade da testadora para o efeito, mas esta é questão que tem a ver com o direito substantivo aplicável e não com o direito adjectivo."
XXVI. Portanto, e sendo o imóvel sito em Portugal o elemento fundamental e central da causa de pedir da Recorrente, que pretende assegurar a sua cotitularidade, a ação declarativa está direta e intrinsecamente relacionada com a necessidade de determinação da titularidade de um direito real, e por isso relativa a um direito real.
XXVII. Não foram os tribunais nacionais chamados a decidir sobre a validade e interpretação de um documento que não apresenta qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, mas sim sobre um documento que tem como substância um bem imóvel sito em território nacional, e cuja análise permitirá concluir pela titularidade do direito real que incide sobe esse bem.
XXVIII. Igualmente não existe qualquer decisão proferida por Tribunal Russo, ou outra entidade quanto à partilha do bem sito em Portugal, nem pode existir, porquanto aquela ordem jurídica se considera incompetente para conhecer essa matéria, existindo apenas um documento particular, outorgado por Recorrente e Réu que tem por objeto o bem imóvel sito em Portugal, mas cuja interpretação, validade e eficácia terá que ser aferida pelos tribunais portugueses, na medida em que será em território Português que a mesma irá produzir efeitos.
XXIX. Quanto ao escopo da ação intentada pela Recorrente, é sim, ao contrário do que dita a sentença recorrida, a partilha do imóvel.
XXX. Entende a Recorrente que existem elementos suficientes nos autos, e já foi feita prova documental suficiente, designadamente através da junção aos autos do documento emitido pela Embaixada da Rússia em Portugal, do documento emitido pelo Gabinete de Direito Comparado, bem como, de todos os documentos que instruíram a petição inicial, que permitem concluir que o bem imóvel sito em Portugal é propriedade comum de Autora e Réu, impondo-se a sua partilha.
XXXI. Estando, os tribunais portugueses habilitados a reconhecer, mediante a prova já feita, que o regime de bens em vigor entre Autora e Réu era o da comunhão, e não o da separação, tal como consta na descrição predial do imóvel.
XXXII. Acrescendo ainda, que o Réu, admitiu já, por confissão tácita no seu articulado, que o regime de bens em vigor era efetivamente o da comunhão e não o da separação, portanto, não estão aqui os tribunais portugueses a serem chamados a determinar qual o regime de bens em vigor à data da compra do imóvel.
XXXIII. Tal prova já está feita, documentalmente e por confissão do Réu.
XXXIV. Que aliás nunca refutou tal vigência de regime.
XXXV. O documento que está na base de todo a problemática é apenas o acordo de transmissão, e quanto a este sim, entende a Recorrente que têm que ser os tribunais portugueses a proceder à sua análise e interpretação.
XXXVI. Todos os restantes pedidos são meramente adjetivos.
XXXVII. Já que, independentemente da análise feita do documento, os restantes fatos têm que se considerar assentes, porquanto o Recorrido não toma uma posição de repúdio ou impugnação quanto aos mesmos, apenas partindo da premissa que o bem já foi partilhado, por meio daquele documento particular, e não porque o regime de bens é diferente, e logo afastado da comunhão hereditária.
XXXVIII. Entende a Recorrente que quanto ao ordenamento jurídico que é competente para determinar a extensão, validade e interpretação do documento Acordo de Transmissão de Propriedade, deverá atender-se desde logo ao enunciado nas normas de conflitos contidas nos Artigo 35.°, 36.° e 46.° do Código Civil Português.
XXXIX. Bem como, a Convenção de Roma sobre a Lei aplicável às obrigações Contratuais, a que Portugal aderiu, e que se aplica aos contratos celebrados depois 1 de setembro de 1994 e antes de 17 de Dezembro de 2009, data a partir da qual se aplica o Regulamento (CE) nº593/2008, de 17 de Junho, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais.
XL. Retirando-se do Artigo 4.° do supracitado Regulamento que, na falta de escolha da lei aplicável, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita, presumindo-se, nos casos em que o contrato tem por objecto um direito real sobre um bem imóvel, que essa conexão existe com o país onde o imóvel se situa, salvo se do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta resultar uma conexão mais estreita com outro país.
XLI. Por isso, estando em causa a aquisição de um prédio situado em Portugal, tudo quanto respeite ao "estatuto real" deve ser regulado pela lex rei sitae.
XLII. Deverá ainda, analisar-se o conteúdo das normas de conflitos portugueses, segue-se para a transcrição e análise da legislação Russa.
XLIII. Dispõe o Artigo 1209.° (Lei aplicável à forma de negócio) no nº4, do seu Código Civil que:
"À forma de negócio sobre bens imóveis aplica-se a lei do país onde se situam estes bens imóveis, enquanto que, em relação aos bens imóveis incluídos no cadastro público da Rússia aplica-se a Lei da Rússia."
XLIV. Estipula ainda o nº 1 do Artigo 1213.° (Lei aplicável ao contrato sobre bens imóveis) do Código Civil Russo:
"Não havendo acordo das partes sobre a Lei aplicável ao contrato sobre bens imóveis, é aplicável a lei do país com que o contrato tem ligação mais próxima. Considera-se Lei do país com que o contrato tem ligação mais próxima a Lei onde o bem imóvel se situa, salvo disposição em contrário decorrente inequivocamente da lei, termos ou natureza do contrato ou do conjunto das circunstâncias do caso concreto."
XLV. Diz o nº 1 do Artigo 1215.° (Âmbito de aplicação da lei aplicável ao contrato) do Código Civil Russo:
"A Lei aplicável ao contrato, de acordo com as regras previstas nos artigos 1210 a 1214 e 1216 do presente código, define nomeadamente:
1-lnterpretação do contrato;
2-Direitos e obrigações dos outorgantes;
3-Execução do contrato;
4-Consequências do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato; 5-Cessação do contrato;
6-Consequências de nulidade do contrato.
XLVI. Por todo o exposto, entende a Recorrente que ao caso concreto em apreço, análise, validade, interpretação, forma e efeitos do "Acordo de Transmissão de Propriedade Imobiliária" deverá ser aplicada a Lei Portuguesa enquanto lei reguladora da substância do negócio, o bem imóvel sito em Portugal.
XLVII. Por outro lado, e estando nós perante um modo de adquirir da propriedade de índole negocial, caberá fazer a distinção entre o "estatuto real" e o "estatuto obrigacional", for forma a fazer a destrinça e a delimitação das questões que são atinentes à formação e validade do contrato, em princípio sindicáveis pela lex contratus, e os efeitos reais a apreciar segundo a lei da situação da coisa, já que, no domínio do direito Internacional Privado Português, não se encontra a afirmação da primazia absoluta do "estatuto real".
XLVIII. Tendo por objeto factos jurídicos do foro obrigacional realizado na Federação Russa, Acordo de Transmissão de Propriedade Imobiliária, a análise dos aspetos formais e substanciais das declarações negociais pressupõe a averiguação das normas de conflitos que hão-se determinar o direito aplicável, ou seja, o chamamento da ordem jurídica estadual que deve regular cada um dos aspetos.
XLIX. Tratando-se de um contrato que tem por objeto um bem imóvel ou um direito de uso sobre um imóvel, o qual fica sujeito, quanto à forma, às disposições imperativas da lei do país em que o imóvel está situado, desde que, nos termos desta lei, essas regras se apliquem independentemente do lugar de celebração e da lei reguladora da substância do contrato.
L. Tal está estipulado no Artigo 46.° nº1 do Código Civil Português:
"O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas"
LI. E no mesmo sentido segue a legislação Russa nos seguintes Artigos do seu Código Civil:
LI I. Artigo 1205. (Lei aplicável aos direitos reais) do Código Civil Russo:
"O direito de propriedade e outros direitos reais sobre bens móveis e imóveis define-se pelo direito do país onde esses bens se situam."
LIlI. Artigo 1205.1. (Âmbito de aplicação da lei aplicável aos direitos reais) do Código Civil Russo.
"Sem prejuízo das disposições do presente código, a lei aplicável aos direitos reais define, nomeadamente: 1-Tipos de objetos dos direitos reais, nomeadamente classificação de bens como móveis e imóveis; 2-Transmissibilidade dos objetos dos direitos reais;
3-Tipos de direitos reais;
4-Conteúdo dos direitos reais;
5-Aquisição e cessação dos direitos reais, nomeadamente transmissão do direito de propriedade; 6-Execução dos direitos reais;
l-Defesa dos direitos reais."
L1V. Portanto, quanto à questão a ser resolvida, competência dos tribunais portugueses para conhecerem da validade e eficácia do documento "Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade" entende a Recorrente que são os Tribunais portugueses competentes, devendo partir-se da seguinte premissa:
LV. Está em causa a interpretação, validade e eficácia de um documento que dispõe e incide sobre direitos reais privados, relativos a um bem sito em território português, com repercussões no território português em termos titularidade e registo.
LVI. Tanto a Ordem jurídica portuguesa como a ordem jurídica russa atribuem competência à nossa ordem jurídica.
LVII. Assim sendo, resta-nos analisar à luz do Direito Português qual a validade do contrato denominado de "Acordo de Transmissão da Propriedade Imobiliária" e suas consequências na partilha do bem imóvel sito em Portugal.
LVIII. É manifesto não estarmos perante uma doação de um bem imóvel, muito menos se trata de um contrato-promessa de partilha de bens do casal.
L1X. Trata-se tão-só de uma promessa de doação de bem imóvel, em que o donatário seria o filho do casal.
LX. Ora, da noção de doação que consta no Artigo 940.° nº 1 do Código Civil Português, resulta que o contrato-promessa não é legalmente mencionado, portanto, conclui-se que não será o mesmo admissível.
LXI. Não sendo igualmente passível de se lhe ser aplicada a regulamentação estabelecida para os contratos-promessa, designadamente a prevista nos artigos 443.° e 830.° do Código Civil.
LXII. Não sendo tão pouco admissível "impor ao promitente-doador a celebração do contrato de doação prometido, no caso de ele voluntariamente não se prestar à realização desse contrato, pois que tal imposição brigaria com a característica fundamental da doação, ou seja, o espírito de liberalidade, o animus donandi, inexistente quando o autor da atribuição cumpre, apenas, um dever jurídico, uma vez que tal espírito de liberalidade implica a ideia de generosidade ou espontaneidade oposta à de necessidade ou de dever" (Acórdão do STJ, datado de 20.11.1986, BMJ 361, pág. 515).
LXIII. Ora, a obrigação no cumprimento do contrato-promessa de doação (Acordo de Transmissão da Propriedade Imobiliária) seria, à luz do direito Português absurdo, já que, estaríamos a obrigar o promitente-doador a dispor gratuitamente, por espírito de liberalidade, do que é seu.
LXIV. Aquele contrato-promessa de doação é, pois, nulo tal como disposto no Artigo 280.° nº 1 do Código Civil: "É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável" (Acórdãos da Relação de Lisboa datados de 5-12-1995 e 19-02-2002- Processo 10434/01).
LXV. De qualquer forma, e considerando-se o contrato referido, válido, pela aplicação das normas legais portuguesas, nunca poderia identificar um dos cônjuges como proprietário e outro como "usufrutuário".
LXVI. Somente por esta razão, o documento não tem cabimento legal e é inválido.
LXVII. Além do mais, o "contrato-promessa" da doação não identifica, como deveria, o seu objeto.
LXVIII. De facto, o contrato não refere nem a tipologia do imóvel, nem a sua descrição predial, nem a inscrição na matriz, nem as áreas, nem confrontações.
LXIX. O "contrato" sem objeto é simplesmente inexistente.
LXX. Seja como for, o "contrato-promessa de doação" até hoje não foi cumprido (como o próprio Réu reconhece no artigo 29° da sua Oposição), nem é possível a sua execução específica, dado o espírito de liberalidade que preside o instituto da doação.
LXXI. Por isso, mesmo que o referido contrato fosse considerado válido, o que não se concede, o bem objeto daquele contrato continuava a ser um bem comum dos cônjuges no momento de divórcio.
LXXII. Pelo que, impunha-se obrigatoriamente a sua partilha.
LXXIII. Posto isto, e entendendo a Autora que estamos perante uma ação que incide sobre direito reais, sua extensão, propriedade, titularidade, importa averiguar da competência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da matéria que lhe foi apresentada.
LXXIV. Dispõe o Artigo 3.° Lei nº 23/2013, de 05 de Março Regime Jurídico do Processo de Inventário quanto à Competência do cartório notarial e do tribunal
"1 - Compete aos cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão efetuar o processamento dos atos e termos do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra.
2 - Em caso de impedimento dos notários de um cartório notarial, é competente qualquer dos outros cartórios notariais sediados no município do lugar da abertura da sucessão.
3 - Não havendo cartório notarial no município a que se referem os números anteriores é competente qualquer cartório de um dos municípios confinantes.
4 - Ao notário compete dirigir todas as diligências do processo de inventário e da habilitação de uma pessoa como sucessora por morte de outra, sem prejuízo dos casos em que os interessados são remetidos para os meios judiciais comuns.
5 - Aberta a sucessão fora do País, observa-se o seguinte:
a) Tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para a habilitação o cartório notarial do município da situação dos imóveis ou da maior parte deles, ou, na falta de imóveis, do município onde estiver a maior parte dos móveis;
b) Não tendo o falecido deixado bens em Portugal, é competente para a habilitação o cartório notarial do domicílio do habilitando.
6 - Em caso de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento, é competente o cartório notarial sediado no município do lugar da casa de morada de família ou, na falta desta, o cartório notarial competente nos termos da alínea a) do número anterior.
7 - Compete ao tribunal da comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado praticar os atos que, nos termos da presente lei, sejam da competência do juiz.
LXXV. Neste sentido, e com a devida analogia vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 31.01.2013.
LXXVI. Dispõe o artigo 62.º Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
LXXVII. Ora, da análise do supra citado normativo verifica-se que se encontram preenchidas as alíneas b) e c).
LXXVIII. Isto porque foi praticado em território português o fato que serve de causa de pedir nesta ação, foi adquirido um bem imóvel, cuja partilha se impõe.
LXXIX. E da análise das normas de conflitos russas facilmente se depreende que é remetida para a lex rei sitae tudo quanto se prenda com validade, eficácia, forma e interpretação de negócios jurídicos que tenham por base imóveis sitos em território estrangeiro.
LXXX. Acresce que, devem ser propostas no tribunal da situação dos bens as ações referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis, tal como previsto no Artigo 70.0 do Código de Processo civil.
LXXXI. No mesmo sentido o Artigo 16.º nº 1 aI. a) da convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 determina que têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio "em matéria de direito reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado contratante onde o imóvel se encontra situado."
LXXXII. Radicando esta competência no fato de ser o Tribunal da situação do imóvel aquele que se encontra em melhores circunstâncias para conhecer dos elementos de fato, bem como, as regras e usos que são aplicáveis em matérias de direito reais.
LXXXIII. E isto porque, o imóvel sito em Portugal é o elemento fundamental e central da causa de pedir da autora, que pretende assegurar a sua cotitularidade.
LXXXIV. Portanto esta ação está direta e intrinsecamente relacionada com o bem imóvel sito em Portugal.
LXXXV. "Ora, está em causa a partilha de bens imóveis, com a consequente necessidade de obtenção de documentos registrais e de efetivação final de registos, com a eventual necessidade de avaliação dos mesmos ou até de apreciação da natureza dos mesmos em relação ao património conjugal. Ou seja, as operações e decisões que envolvem a partilha encontram-se estritamente relacionadas com actos a praticar em território português e com o regime jurídico português, o que determina apreciável dificuldade na demanda em foro estrangeiro" (vide neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 11.07.2013)
LXXXVI. Por todo o exposto, e após a análise das normas de conflitos portugueses e russas quanto à validade, forma, interpretação e vícios, é nítido que será muito difícil interpelar os tribunais russos para dirimirem o presente pleito, pelo que, e de acordo com o disposto no Artigo 62.0 do Código de Processo Civil
"Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real,"
LXXXVII. Existindo tal como a Recorrente demonstrou uma séria dificuldade em demandar os tribunais russos, que remetem nas suas normas de conflitos a resolução para a lex rei sitae.
LXXXVIII. Por todo o exposto interpretou o tribunal a quo de forma errada os Artigos 62.,odesignadamente as suas als. a) e c), 63.° e 70.° do Código de Processo Civil, bem como, os Artigos 35.°,36.° 3 46.° do Código Civil, sendo os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer do mérito da ação interposta.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão entende a Recorrente que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, sendo a sentença recorrida substituída por outra que determine que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer dos pedidos formulados pela Recorrente, assim sendo feita JUSTIÇA! O recorrido contra-alegou formulando as seguintes conclusões (transcrição):
«I. O ora Recorrido sufraga na totalidade a Douta sentença proferida pelo Digno Tribunal a quo.
II. Fazendo sua a interpretação e fundamentação usada para proferir a sentença.
III. Senão vejamos:
IV. Para apreciar se o imóvel sito em Portugal continua a ser bem comum do casal ou não, com vista à sua partilha, importa previamente apreciar e declarar:
a. Qual o regime de bens vigentes entre o dissolvido casal, a validade do Contrato Nupcial, a validade ou não do Acordo de Transmissão do Direito de Propriedade Imobiliária, celebrado e assinado pelas partes.
V. E a forma como esses contratos se articulam.
VI. Dos diversos documentos juntos aos autos e cuja autenticidade não foi colocada em causa, resulta que as partes têm nacionalidade russa, residem na Rússia, celebraram o casamento na Rússia, realizaram o "Contrato Nupcial" e o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" na Rússia.
VII. Portanto os factos que sustentam a causa de pedir ocorreram todos eles na Rússia.
VIII. Do ponto de vista pessoal, não existe pois qualquer conexão com o território nacional.
IX. Os factos que sustentam a causa de pedir ocorreram na Rússia e não é conhecido qualquer impedimento para que a ação seja interposta nos tribunais russos.
X. Importa recordar que na ação declarativa interposta, a ora Apelante, elenca e ordena vários pedidos cumulativos, nomeadamente:
XI. "Declaração de o regime de bens entre Autora e Réu antes da celebração do contrato nupcial de 19/05/2014, era o da comunhão;
XII. "O prédio urbano com o artigo matricial 11428 da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a descrição 4807/19910731, é bem comum do casal
XIII. "É nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o " Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel"
XIV. " O Contrato Nupcial celebrado entre Autora e Réu em 19/05/2014, é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal...."
XV. " O imóvel descrito em continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas do Direito Português..."
XVI. "Deverão prosseguir os Autos de Inventário que correm os seus termos sob o Processo com o n° 4876/2014 no Cartório Notarial da Dra. Paula Cristina Baptista Valentim, sito em Loulé, para partilha do referido bem".
XVII. Ordenando-os desta forma para que, na modesta opinião do Recorrido, da procedência de um deles, todos os demais procedessem também.
XVIII. A Apelante agora em sede alegações, esquece no entanto os diversos pedidos cumulativos que formulou e a ordem dos mesmos.
XIX. Para apenas pretender que seja dada relevância à validade do "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária
XX. Colocando o "acento tónico" no bem sito em Portugal.
XXI. Para dessa forma pretender que sejam os Tribunais portugueses competentes para apreciar.
XXII. Tal não pode contudo vingar, tendo em atenção o acima exposto, concretamente:
XXIII. As partes têm nacionalidade russa, celebraram o casamento na Rússia, residem na Rússia, realizaram na Rússia o Contrato Nupcial e o Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária.
XXIV. Portanto os factos que sustentam a causa de pedir ocorreram todos na Rússia.
XXV. E não é conhecido nenhum impedimento para que a ação seja proposta na Rússia.
XXVI. Entendeu pois o Tribunal a quo e Sabiamente no modesto entendimento do Recorrido, que a ação declarativa interposta não é uma ação real.
XXVII. Pelo que o simples facto de o bem se localizar em Portugal, não é suficiente para que se atribua competência aos tribunais portugueses.
XXVIII. E para fundamentar o entendimento alcançado, o Douto tribunal a quo, cita diversa jurisprudência.
XXIX. O Digno Tribunal a quo fundamentou a sentença proferida citando Doutos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 9/03/2004 no processo 04B3808 e do Tribunal da Relação de Lisboa no processo n° 9936/2006-6 datado de 8/03/2007 que por sua vez faz referência ao Acórdão do STJ proferido em 24/02/1999 na Revista 63/99.
XXX. Neste Acordão refere-se que "... a partilha de bens por morte não envolve a discussão em matéria de direitos reais, está em jogo apenas a consideração do direito sucessório e também do direito de família, este designadamente na medida em que defina quais os bens que devem ser tidos como incluídos na comunhão conjugal e onde por isso o de cujus detinha a meação...
XXXI. Igual raciocínio se aplica à partilha por divórcio.
XXXII. Concluindo assim e de forma Sábia o Douto Tribunal a quo, que ..." pelo simples fato de o bem se localizar em Portugal, tal não é suficiente para se atribuir competência aos tribunais portugueses ".
XXXIII. Por outro lado, o que a Apelante teve como finalidade ao interpor a ação declarativa, não foi a partilha do imóvel, para o que o tribunal não seria competente.
XXXIV. Mas sim que se decida se o imóvel sito em Portugal se trata de um bem comum do casal ou não.
XXXV. Tendo em consideração o regime de bens e os acordos celebrados pelas partes na Rússia.
XXXVI. Para decidir e como resulta do acima exposto, são competentes os tribunais na Rússia.
XXXVII. País onde foi celebrado o casamento, o Contrato Nupcial e o Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária.
XXXVIII. Uma vez que a procedência do pedido relativamente ao imóvel depende da prévia apreciação dos demais pedidos e será consequência da eventual procedência dos mesmos.
XXXIX. A prova documental carreada para os autos permitiu ao tribunal a quo decidir da forma como decidiu:
XL. Os tribunais russos são os competentes para julgar.
XLI. Atenta a interpretação do disposto no artigo 62° - Fatores de atribuição de Competência Internacional - na sua alínea b), do nosso Código de Processo Civil.
XLII. À contrário.
XLI11. Mais, não se vislumbra nenhuma dificuldade que impeça a ora Apelante de interpor no competente tribunal russo, a ação que intenda ser a adequada.
XLIV. É cidadã russa e residente na Rússia.
XLV. Importa ainda referir que a Apelante tem vindo ao longo dos diversos processos, defender que o regime de bens em vigor durante a constância do casamento entre as partes até à celebração do Contrato Nupcial, é o da comunhão.
XLVI. Contudo veio na ação declarativa de cuja sentença agora recorreu, formular diversos pedidos cumulativos que ordenou por certo porque da procedência de um dependeria a procedência dos demais.
XLVII. Nessa ordem pela qual formulou os pedidos, o 1º deles, ..." que fosse declarado que o regime de bens existente entre a Apelante e o Recorrido antes da celebração do Contrato Nupcial em 19/05/2014, era o da comunhão!
XLVI11. Portanto não é esse o regime, até que seja declarado e a sentença transite em julgado.
XLIX. Sendo que na modesta opinião do Recorrido, o tribunal competente para tal é o russo.
L. O Recorrido entende pois que o Douto Tribunal a quo interpretou corretamente as disposições dos artigos 62° e 63° do C.P.C.
Entende pois o Recorrido, que a Sentença proferida pelo Douto tribunal a quo deve manter-se.
Assim e com o Douto suprimento de V.Exas. não deve ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente deve manter-se a Sentença proferida, fazendo assim V.Exas. JUSTIÇA.
57. O Recorrido entende pois que o Douto Tribunal a quo interpretou corretamente as disposições dos artigos 62° e 63° do C.P.C.
58. Devendo por isso V.Exas. manter a sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, fazendo desta forma JUSTIÇA.
Os factos relevantes para a decisão constam deste relatório.
2 – Objecto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que a questão a decidir é a seguinte: Saber se o tribunal português é competente para julgar a presente acção.
3 - Análise do recurso.
A recorrente insurge-se contra a decisão, defendendo que a presente ação declarativa é uma ação real pois o que vem sendo discutido e está na base do litígio é a propriedade do imóvel adquirido pelo Réu/Recorrido, na constância do matrimónio e tem como função última a determinação da extensão e propriedade sobre um bem imóvel, sito em Portugal.
Mas não cremos que a recorrente tenha razão, pois resulta claramente dos autos que estamos perante pessoas de nacionalidade russa cujo centro de vida é na Rússia e não em Portugal e não se trata de uma acção real.
Vejamos:
Nos termos do
Artigo 62.º (art.º 65.º CPC 1961) Fatores de atribuição da competência internacional
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa; b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram; c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. E do
Os tribunais portugueses são exclusivamente competentes:
a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português (…);»
A atribuição da competência aos tribunais da situação dos bens justifica-se pela facilidade da recolha dos elementos de prova e execução das decisões.
Não cremos que a recorrente tenha razão. No caso dos autos, da análise do pedido não se pode dizer de forma alguma que estamos perante uma acção de direitos reais, já que esta pressupõe a atribuição de poderes directos e imediatos sobre a coisa – neste sentido Almeida Costa, Dir Obrigações 4ª ed. P. 85 e Galvão Telles Dir. Obrigações 6ª ed. P. 85.
A A. pede a declaração de que:
A) O regime de bens em vigor entre Autora e Réu antes da celebração do contrato nupcial, de 19.05.2014, era o de comunhão;
B) O prédio urbano com o artigo matricial 11428 da freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob a descrição 4807119910731, melhor identificado em 3. o do presente articulado, é bem comum da Autora e Réu;
C) É competente a Ordem Jurídica Portuguesa para conhecer da interpretação, validade e efeitos dos documentos denominados de "Contrato Nupcial" e "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária";
D) É nulo, não válido ou não eficaz em Portugal o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" constante no documento n. o 8, não produzindo efeitos quanto ao bem imóvel descrito em 3. o do presente articulado;
E) O "Contrato Nupcial" celebrado entre Autora e Réu em 19.05.2014, é válido e eficaz quanto à partilha dos bens aí mencionados, sendo o seu conteúdo irrelevante para a partilha do imóvel sito em Portugal, descrito em 3. o do presente articulado;
F) O imóvel descrito em 3. o continua atualmente bem comum do casal, nunca tendo sido feita a sua partilha entre Autora e Réu, impondo-se a sua partilha de acordo com as normas de Direito Português; Nestes pedidos (algo confusos) o que está em subjacente é matéria de regime de bens do casamento (e não direitos reais).
Note-se que:
- Se trata de saber se o imóvel sito em Portugal é bem comum do casal, ou não, tendo em consideração o regime de bens e os acordos celebrados pelas partes na Rússia.
_ As partes têm nacionalidade russa.
- Residem na Rússia.
- Celebraram o casamento na Rússia.
- Realizaram o "Contrato Nupcial" e o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" na Rússia.
- divorciaram-se na Rússia.
Não faria qualquer sentido correr em Portugal a análise do regime de bens deste casal que não tem qualquer vínculo pessoal a Portugal (parece-nos evidente que o simples facto de um dos bens se localizar em Portugal, não é suficiente para que se atribua competência aos tribunais portugueses).
Aliás o que se pretende é apenas a declaração formal positiva expressa nos pedidos (pois estamos perante uma acção de simples apreciação positiva que apenas pretende obter a declaração de existência de um direito – neste sentido, Castro Mendes, Dir. Proc. Civil, 1980, 1º vol. P. 278.) pelo que não se coloca qualquer hipótese de actos de execução.
Tanto basta para a improcedência do recurso.
Sumário:
Os Tribunais portugueses não são internacionalmente incompetentes para julgar um processo em que as partes têm nacionalidade russa, residem na Rússia, celebraram o casamento na Rússia; realizaram o "Contrato Nupcial" e o "Acordo de Transmissão de Direito de Propriedade Imobiliária" na Rússia, divorciaram-se na Rússia e cujos pedidos têm subjacente matéria de regime de bens do casamento (e não direitos reais) sendo a única ligação a Portugal o facto de um dos bens aqui se localizar.
3 – Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 18.10.2018
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita