CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE VIDA
DECLARAÇÃO INEXACTA
FACTOS ESSENCIAIS
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Sumário


I - A avaliação quanto à questão de saber se houve qualquer informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro, terá de ser feita em razão do caso concreto.
II – São relevantes, por exemplo, o grau de formação escolar e profissional, o historial médico do mesmo e a existência de um questionário, que acaba por orientar o segurado.
III - Recai sobre o segurador o ónus da prova do nexo de causalidade entre as informações inverídicas ou reticentes e a outorga do contrato de seguro, dependendo a procedência da defesa assente na invalidade da demonstração de que o segurado exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir.
IV – Se um dos factos essenciais ou nuclear para a decisão foi alegado pela mas não consta dos temas de prova e não teve consagração na selecção dos factos para a decisão, impõe-se a anulação da decisão para assegurar o contraditório, já que podia ter sido oferecida prova se essa matéria constasse inequivocamente dos temas de prova.

Texto Integral



Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

BB (A) interpôs acção contra CC - Companhia de Seguros, S.A. (R), pedindo que:
1) Seja a R condenada a reconhecer que o contrato de seguro celebrado entre a R e a A é válido e eficaz, apto a produzir os seus efeitos, com todas as consequências legais daí resultantes;
2) Seja declarada nula e sem qualquer efeito a anulabilidade operada pela R, com todas as consequências legais daí resultantes;
3) Seja a R condenada a pagar à A a quantia de € 100.075,00 (cem mil e setenta e cinco Euros), acrescida do valor dos juros, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde 01 de Agosto de 2014 até à data da petição inicial, o que perfaz(ia) a quantia de € 8.598,22 (oito mil quinhentos e noventa e oito euros e vinte e dois cêntimos), perfazendo a quantia total de € € 108.673,22 (cento e oito mil, seiscentos e setenta e três euros e vinte e dois cêntimos) e ainda aos juros à taxa legal contar da data da citação até efectivo e integral;
4) Com custas e procuradoria condigna a cargo da R.
Alega que lhe foi atribuída a incapacidade de 72% em 01.08.2014, circunstância que participou à R após ter sido entregue a documentação solicitada, a R recusou-se a pagar qualquer indemnização, alegando terem sido transmitidas informações inexactas e omitidos elementos relativos à doença que a A já sofria em data anterior à da celebração do contrato de seguro, considerando o contrato anulado, mas o contrato é válido pois a A informou a R do seu estado de saúde naquela altura e no momento da aceitação da proposta, a R tinha perfeito conhecimento da patologia que a A apresentava naquele momento, pelo que a A reúne as condições para lhe ser pago o capital segurado, de € 100.000,00.
A R contestou, afirmando que a A quando preencheu o questionário clínico referiu que não se submeteu a nenhum exame médico especial e que não sofria de qualquer doença, nomeadamente, reumática e conhecendo a sua situação clínica, ainda que o questionário não previsse um campo para o efeito, a A deveria anexar informação relevante e na consulta e avaliação feita pelos serviços clínicos por si indicados, a A respondeu negativamente às patologias osteo-articular e neurológica e à realização de estudos radiológicos, mencionando que os pais e irmão eram saudáveis, não referindo as dores no joelho que já sentia dois anos antes. Caso a A tivesse informado a sua condição e os exames já realizados, a proposta de seguro não seria aceite.
Após solicitação do pagamento do capital, pediu à A o envio de relatório clínico. Do relatório remetido consta que a A é seguida na consulta de Neurologia muscular desde 2001 por quadro de parapésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartia com cerca de 17 anos de evolução, ou seja, desde 1997. Fez ressonância magnética cerebral e medular em 2000 e uma biopsia muscular em 2001. Tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente, o pai e o avô.
A A, desde 1997, com 21 anos, conhecia todo o acompanhamento clínico que lhe foi prestado, sabendo que os sintomas datavam de 1997, omitindo também o estudo genético, sabendo também dos antecedentes familiares, concluindo que a A omitiu informação relevante para apreciação do risco, que determinou a anulação do seguro, com efeitos desde a data da sua celebração.
Realizou-se o julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a R do pedido.
Inconformada com a sentença, a A interpôs recurso da mesma, com as seguintes conclusões (transcrição):
“1) Conforme resulta de fls., a Autora/Recorrente intentou contra a Recorrida a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, alegando o que acima se transcreveu;
2) Citada, a Ré apresentou contestação alegando o que consta de fls.;
3) Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento;
4) Por Sentença de fls., a Meritíssima Juiz decidiu o acima transcrito;
5) Conforme resultou da prova produzida em sede de audiência de julgamento e dos documentos juntos a Autora, aqui Recorrente quando subscreveu o seguro não possuía nenhuma doença, pois ainda não lhe tinha sido diagnosticada qualquer doença;
6) A Autora, desconhecia à data da subscrição do contrato de seguro que era portadora de qualquer doença, sendo certo que a mesma só lhe foi diagnosticada muito mais tarde;
7) Por outro lado, a Autora subscreveu o contrato, foi aceite, tendo a mesma sempre pago o mesmo - vide o depoimento da Autora que se encontra Gravado no h@bilus Media studio, na faixa 20171107155620_2670960_2871698 do minuto 00:00:00 ao minuto 00:50:31, mais precisamente do minuto 00:03:54 ao minuto 00:49:00 e que acima se transcreveu;
8) Conforme afirmou a Autora no seu depoimento de parte, a mesma quando foi à consulta marcada pela Companhia de Seguros disse à médica que a assistiu que sofria de dores no joelho;
9) A Autora, aqui Recorrente depôs de forma clara, a forma como foi outorgado o seguro, e como é que se desenvolveram as coisas até ao diagnóstico da alegada doença neuro degenerativa, que à data da proposta e outorga do contrato, não estava diagnosticada, nem a mesma tinha conhecimento de que sofria de alguma doença;
10) Vide o depoimento da testemunha Domingos …, que se encontra gravado no h@bilus Media studio, na faixa 20171107104431_2670960_2871698 do minuto 00:00:00 ao minuto 00:08:02 e que acima se transcreveu;
11) Conforme decorre do depoimento da testemunha Domingos, o mesmo afirmou que a Autora só a partir de 2007 é que começou a coxear, e em 2010, começou a desequilibrar-se, e em 2012, 2013, ficou paralisada das duas pernas, tendo de andar encostada a terceira pessoa e ou em cadeira de rodas;
12) Mais afirmou que os exames que fez em França foi à cabeça, e derivado à vista, ou seja, tinha a ver com problemas oftalmológicos e não neuromusculares;
13) Deve dar-se como não provados os factos constantes nos pontos 1, 3º, dos factos provados, constantes na Sentença, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
14) À data da outorga do contrato, a mesma desconhecia que sofria de alguma doença, muito menos a que lhe foi diagnosticada mais tarde;
15) Nunca foi dito à Autora que ela sofria de alguma doença, e só por isso é que a mesma não fez essa menção aquando da celebração do seguro;
16) Acaso a Autora tivesse conhecimento de que padecia de alguma doença teria-a mencionado aquando da celebração da proposta de seguro;
17) Devem ser dados como provados os factos constantes nos pontos 3" (parte) (...) porque, a sua situação não se encontrava prevista no referido relatório, mas informou o seu mediador de tudo, 4, 5, 7, 8" (parte) Perante esta informação prestada pela Autora;10,15, 16, 18, 19, 20, 21, 32, 33 e 38 dos factos não provados constantes da Sentença, o que, desde já e aqui se requer, com todas as consequências legais daí resultantes;
18) Resultou provado que a Autora fez diversos exames, antes da proposta de seguro, mas em nenhum lhe foi dignostificada a doença que a veio a determinar a sua incapacidade;
19) E, antes da proposta de seguro, desconhecia que padecia da referida doença, bem como a mesma era congénita e hereditária;
20) Pelo que tais factos têm de ser dados como provados;
21) A Autora afirmou no seu depoimento que só começou a ser seguida pela Dra. Isabel Maria S… C… em 2004, 2005, e que antes desta data foi seguida numa consulta de neurologia com a Dra. Sales;
22) Não corresponde à verdade que a Dra. Isabel Maria S… C… tenha seguido em consulta a Autora em 2001;
23) O depoimento da Dra. Isabel não reflete a realidade dos factos, pelo que não se pode considerar que a Autora já sabia da sua patologia em 2001;
24) Até porque nessa data ainda não era seguida pela Dra. Isabel, o que só veio a suceder dois anos após a contratação do seguro de vida;
25) Do depoimento da Autora e da testemunha Domingos … resultou provado que a partir de 2010 a Autora reformou-se por invalidez, não podendo exercer qualquer atividade remunerada, em virtude de apenas se poder movimentar acompanhada ou em cadeira de rodas;
26) Também resultou provado os factos constantes dos pontos 20, 21, 32 e 33 dos factos não provados, pelo que devem os mesmos serem dados como provados;
27) A ré não alega, expressa ou implicitamente, que, caso soubesse que a segurado tinha problemas no joelho, não teria aceite celebrar o contrato de seguro;
28) Pois, nenhuma prova foi feita em contrário quanto a esta questão;
29) Do depoimento da testemunha arrolada pela Ré, não resultou que se a mesma soubesse que a Autora sofria de problemas nos joelhos e que andava a fazer exames, não teria aceite celebrar o contrato de seguro;
30) A Ré não logrou provar que se soubesse que a Ré tinha problemas no joelho e que andava a ser seguida em consultas de neurologia, não teria aceite celebrar o contrato de seguro com a Autora;
31) Igualmente há que considerar que a ré não logrou demonstrar que informou e esclareceu o segurado da essencialidade destas questões ou o alcance e abrangência das mesmas.
32) Será de todo desproporcionado sancionar com o vício da anulabilidade o seguro em que o evento que despoletou o pagamento do risco assumido seja completamente alheio aos elementos inexactos ou alegadamente omitidos pela Autora;
33) Provou-se que só depois da celebração do contrato de seguro com a Ré é que foi diagnosticada a doença – « doença degenerativa Mitocondrial » – que levou à incapacidade da Autora;
34) Assim sendo, entendemos não haver lugar à anulabilidade do contrato de seguro, o qual se mantém válido;
35) Só o comportamento doloso do segurado conduz à anulabilidade do contrato, como decorre inequivocamente do nº 1 do art. 25º da LCS, o que não aconteceu no caso dos autos;
36) Até porque a Ré desconhecia que sofria de uma doença neuro degenerativa e muito menos a que lhe veio a ser diagnosticada em 2005;
37) Não tendo a Ré provado que a informações inexatas prestadas pela Autora eram motivo para não ter aceite a celebração do contrato, não pode ser julgada improcedente a ação interposta pela Autora;
38) Sendo que sobre esta questão a Meritíssima Juiz não se pronunciou sobre a mesma;
39) Logo, houve omissão de pronúncia sobre o contrato teria sido aceite pela Ré, em virtude das informações prestadas pela Autora;
40) Segundo se encontra claramente patente, a Sentença recorrida padece das nulidades acima transcritas, pelo que deverá ser revogada, com todas as consequências legais daí resultantes;
41) E, decisão recorrida não é de mero expediente, daí ter de ser suficientemente fundamentada;
42) Isto é, o (Tribunal) com a decisão recorrida não assegurou a defesa dos direitos da Recorrente, em não fundamentar exaustivamente a sua decisão, e nem se quer aplicar a as normas legais aplicáveis ao caso em concreto;
43) A Meritíssima Juiz limitou-se apenas e tão só, a emitir uma Sentença “economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de uma forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta: os documentos juntos; os elementos constantes no processo; a prova produzida em Audiência de Julgamento, tudo o que acima já se alegou;
44) Deixando a Meritíssima Juiz de se pronunciar sobre algumas questões que são essenciais à boa decisão da causa, nomeadamente as acima expostas;
45) Neste caso em concreto, a Meritíssima Juiz não fundamentou de facto e de direito a sua decisão, cometeu, pois, uma nulidade;
46) A Sentença recorrida viola:
a) Artigos 154º, 615º, alíneas b), c) e d) do Código do Processo Civil;
b) O disposto nos artigos 13º, 20º, 202º, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que se requer (…) a REVOGAÇÃO da Sentença recorrida, com todas as consequências daí resultantes (…).”
A R apresentou as suas contra-alegações concluindo que (transcrição):
”1. Não obstante a clara correcção da sentença proferida nos presentes autos, vem a Recorrente dela interpor o recurso de apelação a que ora se responde, através de alegacões que, de tão frágeis e infundadas, votam o recurso ao mesmo insucesso da pretensão inicialmente formulada.
2. Os fundamentos essenciais da discordância do Recorrente com a decisão proferida prendem-se com (i) o recurso da matéria de facto e (ii) a nulidade da sentença.
I. Da nulidade da sentença
3. Alega a Recorrente que a sentença é nula por violação do art.º 615.º, n.º1, al. b), c) e d) do CPC., mas, salvo o devido respeito, parece-nos que a invocação da nulidade da sentença, com base em tais fundamentos, mais não é do que uma clara tentativa de fazer o Tribunal de recurso perder tempo com a apreciação de uma questão que, claramente, não ocorre no caso concreto.
4. É evidente que a sentença recorrida especifica os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão, e entender o contrário, como a Recorrente entende, leva-nos a crer que não terá lido a mesma sentença que nós…
5. Com efeito, o Tribunal elenca os factos provados e não provados; debruça-se criticamente sobre toda a prova produzida, desde os depoimentos de cada uma das testemunhas ouvidas, até à prova documental, e no ponto E) da sentença, dedica-se à aplicação do direito.
6. Acresce que não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos da sentença com a decisão, nem tão pouco que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível.
7. E apesar de invocar esta causa de nulidade da sentença, a verdade é que a Recorrente, não invoca qualquer facto concreto que preencha a previsão da norma.
8. Por fim, e de igual modo, ainda que a Recorrente invoque a nulidade da sentença por omissão e/ou excesso de pronúncia, também não especifica qual a questão que ficou por decidir ou qual a questão que o Tribunal decidiu sem que a mesma lhe tivesse sido colocada.
9. Repudiam-se todas as inconstitucionalidades apontadas à sentença, sendo que a respectiva invocação por parte da Recorrente é, além de infundada, absolutamente desenquadrada.
10. Sem necessidade de mais considerações, é evidente que a sentença não enferma de qualquer vício que a torne nula, motivo pelo qual não existe fundamento para a sua revogação, devendo manter-se nos seus integrais termos.
II. Do Recurso da Matéria de Facto
11. No que respeita ao recurso da matéria de facto, insurge-se a Recorrente contra a resposta de provado dada aos factos sob os pontos 1 e 3, e contra a resposta de não provado dada aos factos sob os pontos 4, 5, 7, 8, 10, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 32, 33 e 38, fundamentando a sua pretensão nas suas próprias declarações de parte e no depoimento da testemunha Domingos …, requerendo a reapreciação da prova gravada apenas em relação a tais depoimentos.
12. Ao aludir apenas a tais depoimentos, a Recorrente faz absoluta tábua rasa de toda a fundamentação da sentença, nomeadamente da apreciação crítica que foi feita dos depoimentos das testemunhas Filipe …, Alcina … e, sobretudo, Isabel Maria S… C… conjugada com a análise, também profundamente fundamentada, de toda a documentação junta aos autos, em especial dos Relatórios Médicos de onde consta o historial clínico da Recorrente e o seu estado à data da contratação do seguro.
13. Decorre da fundamentação da sentença, justifica-se a resposta de Provado dada aos factos 1.º e 3.º por reporte, nomeadamente, aos Relatórios Médicos de 30.10.2008 e de 13.11.2014, subscritos pela Dra. Isabel C… e constante de fls. 25 dos autos, do qual resulta que a Recorrente eì seguida na consulta de Neuromusculares por um quadro de Parapareìsia Espaìstica, cuja sintomatologia se iniciou pelos 20 anos de idade, com dificuldades de marcha de evoluçaÞo lenta e progressiva e com historial familiar de doenças neuromusculares, nomeadamente, o pai e avô paterno, documentos que a Recorrente não coloca em crise.
14. Também em relação aos factos não provados contestados pela Recorrente, encontramos fundamentação suficientemente sólida para ser abalada pelos argumentos expostos pela Recorrente, nomeadamente pela apreciação crítica do depoimento da testemunha Dra. Isabel Maria S… C…, cuja reapreciação a Recorrente não requer, limitando-se a invocar genérica e brevemente que tal médica não a seguiu desde 2001, mas apenas desde 2004.
15. Sem conceder, sempre se dirá que, ainda que tal médica não tenha seguido a Recorrente desde 2001, demonstrou um profundo conhecimento do seu caso clínico, até devido à sua especificidade e ao facto de, quando começou a ser seguida no HSM, a Recorrente já vir com indicações muito específicas de outra unidade de saúde; além do mais, é manifesto que os processos clínicos estão materializados e que a testemunha em causa sabia, por conhecimento próprio e directo, que a Recorrente era seguida na sua especialidade desde 2001.
16. Face ao exposto, não se alcança como é que tal depoimento -, cuja reapreciação a Recorrente nem sequer requer, e determinante para sustentar a convicção do Tribunal no sentido de que, aquando da contratação do seguro, a Recorrente já tinha conhecimento da sua especial condição clínica e da realização de determinados exames que omitiu da Recorrida - poderá ser abalado pelas declarações de parte daquela ou pelo depoimento de uma testemunha, familiar da Recorrente e sem qualquer conhecimento técnico da sua condição clínica.
17. Os depoimentos transcritos pela Recorrente em nada abalam a decisão recorrido: o Tribunal considerou tais depoimentos, como aliás decorre da fundamentação da sentença onde se refere a cada um deles, assim como considerou outros elementos probatórios que não são colocados em crise pela Recorrente, como sejam s Relatórios Médicos e os Questionários Clínicos dos quais resultam, por um lado, o ano em que a Recorrente começou a ser seguida em consulta da especialidade e os exames realizados nesse âmbito, por outro, o facto de ter omitido tais informações da Recorrida.
18. Donde, ainda que este Tribunal de recurso reavaliasse a prova gravada no sentido pretendido pela Recorrente - no que não se concede -, sempre se manteriam todas as considerações a respeito do restante acervo probatório, só por si suficiente para manter a decisão recorrida, sendo notário que, da fundamentação da sentença, é perceptível o motivo pelo qual o Tribunal recorrido entendeu que a Recorrente, à data da celebração do contrato de seguro com a Recorrida, possuía informação clínica relevante sobre a sua condição, informação essa que omitiu.
19. É notório que estamos perante uma situação em que a Recorrente discorda da apreciação da prova produzida: o que o Recorrente pretende pôr em causa eì a convicçaÞo que o julgador criou sobre a prova que foi produzida.
20. Olvida a Recorrente que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, nos termos do disposto no art.º 607.º do C.P.C., segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicçaÞo que tenha formado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir qualquer formalidade especial para a existência ou prova do facto jurídico, caso em que esta não pode ser dispensada.
21. De acordo com este princípio, ao que se contrapõe o da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto aÌ natureza de qualquer delas.
22. Ignorando tal o princípio, q Recorrente pretende que seja alterada a decisão recorrida por forma a dar-se como provado ou não provados, factos em relação aos quais o Tribunal apresentou a fundada motivação para determinada resposta.
23. A Recorrente ignora a apreciação crítica que o Tribunal fez dos depoimentos globalmente considerados, pugnando pela reapreciação de depoimentos / declarações dos quais nada se retira quanto à questão de fundo a decidir, não apontando qualquer contradição entre a prova cuja reapreciação requer e os factos cuja resposta impugna.
24. Porque a fundamentação da sentença é exímia e por demais aprofundada, dever-se-á manter a resposta aos factos impugnados pela Recorrente e, não havendo alteração da matéria de facto, é evidente que a decisão de absolvição da Recorrida do pedido se deverá manter.
25. Face a todo o exposto, é manifesto que o recurso apresentado pela Recorrente não apresenta qualquer viabilidade de procedência, motivo pelo qual se deverá manter a decisão recorrida, e a consequente absolvição da Recorrida do pedido.
Termos em que deve ser integralmente mantida a douta decisão recorrida (…).”
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
São os seguintes os factos provados na 1.ª instância:
1 - A A. é seguida na consulta de Doenças Neuromusculares desde 2001 por um quadro de parapésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartia com cerca de 17 anos de evolução. (artºs 23º e 38º da contestação)
2 - A A. foi submetida, entre outros exames, a uma ressonância magnética cerebral e medular no ano 2000, a uma biopsia muscular em 2001. (artºs 24º e 38º da contestação)
3 - A A. tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente pai e avô paterno. (artº 25º da contestação)
4 - A Autora, no ano de 2002, contratou um seguro de vida. (artº 1º da petição inicial)
5 – A A. preencheu o questionário clinico, de que existe cópia a fls. 21, tendo respondido negativamente a todas as questões lá colocadas, entre outras, as seguintes questões:
(…) 6. É portador de alguma má-formação ou incapacidade?
(…) 12. Submeteu-se a algum exame médico especial ou prevê consultar algum médico brevemente, efectuou algum RX, ECG, análises, etc.?
(…) 14. Sofreu ou sofre de:
- Doenças cardíacas, diabetes, cancro, doenças dos pulmões, distúrbios nervosos, perturbações dos órgãos abdominais ou outra?
- Reumatismo (cardíaco, da coluna, das articulações, gotoso, artrite)? (artº 3º da petição inicial (parte) e artº 5º da contestação)
6 - Tendo em conta o montante do capital seguro, a Ré exigiu que a Autora que fosse consultada e avaliada por um médico na Clinigrande – Clinica da Marinha Grande. (artºs 8º (parte) e 30º da petição inicial e artºs. 9º, 10º, 30º e 42º da contestação)
7 - A consulta foi marcada, a Autora examinada pelo médico e efectuou os exames solicitados por este. (artº 9º da petição inicial)
8 - No exame médico realizado na Clinigrande, de que existe cópia a fls. 59 e 60, consta sob o título “Declarações do Candidato a Seguro de Vida”, a anotação das respostas dadas pela A. às questões aí contantes, e que a A. subscreveu na última página, entre as quais:
ESTADO DE SAÚDE
Saudável – Sim
Defeitos ou incapacidades – Não
(…) TESTES CLÍNICOS E INTERVENÇÔES CIRÚRGICAS
(…) Outros estudos radiológicos, TAC ou ecografia, nomeadamente do tubo digestivo, vias urinárias, ossos ou outros – Não
(…) HISTORIAL FAMILIAR
Pai - Saudável
Mãe – Saudável
(…) PATOLOGIAS
(…) NEUROLÓGICA (nevralgias, dores musculares, parestesias, alterações da sensibilidade ou mobilidade, epilepsia ou outras) - Não
(…) OSTEO-ARTICULAR (dores reumáticas, impotência funcional articular, fracturas patológica ou não, reumatismo deformante não degenerativo ou outras) – Não
(…) OUTRAS DOENÇAS que não tenham sido anteriormente referidas – Não.” (artºs 11º, 13º, 14º e 15º da contestação)
9 - Após preencher o questionário clínico e ter sido consultada e responder às questões que lhe foram colocadas pela Dra. Alcina C…, a R. aceitou o contrato de seguro de vida. (artºs. 11º da petição inicial e 18º da contestação)
10- No dia 28/05/2002, a Autora celebrou um contrato de seguro vida com a Ré, titulado pela apólice n.º 77/217742, e regulado pelas Condições Gerais e Especiais, de que existe cópia a fls. 51 a 56. (artºs 12º e 48º da petição inicial e 3º da contestação)
11 - O contrato de seguro celebrado teve início no dia 28/05/2002 e a apólice tem o nº 7600217742. (artº 13º da petição inicial e artº 4º da contestação)
12 - No ano de 2006 foi feito um estudo genético à Autora. (artº 6º da petição inicial)
13 - O Hospital de Santa Maria – Serviço de Neurologia, emitiu relatório médico, datado de 30 de Outubro de 2008, de que existe cópia a fls. 25, com o seguinte teor:
“RELATÓRIO MÉDICO
A BB, é uma doente de 32 anos de idade, seguida em consulta de Neuromusculares por um quadro de Paraparésia Espástica cujo diagnóstico provável é de Doença Mitocondrial. A BB tem história familiar de doenças neuromusculares, nomeadamente o pai e avô paterno.
A sintomatologia iniciou-se pelos 20 anos com dificuldades da marcha de evolução lenta e progressiva, tendo sido realizado estudo exaustivo da etiologia, havendo actualmente dados que apontam para Doença Mitocondrial. Actualmente a BB apresenta uma paraparésia espástica com força muscular G 4- nos membros inferiores, uma espasticidade acentuada e uma marcha que se realiza com acentuada dificuldade, embora sem apoio. Há uma hiperreflexia OT e os RCP são em extensão bilateral. Não há alterações da sensibilidade.
Esta é uma doença crónica de evolução lenta e progressiva sem tratamento médico ou cirúrgico conhecido.” (artºs. 17º da petição inicial e 20º e 21º da contestação)
14 - A Dra. Isabel C…, da Consulta de Neuromusculares do Hospital de Santa Maria emitiu um atestado médico, datado de 29 de Outubro de 2008, de que existe cópia a fls. 26, com o seguinte teor:
“ATESTADO MÉDICO
Eu, Isabel Maria S… C…, licenciada pela FML e portadora da cédula profissional …, atesta por sua honra que a BB, portadora do BI nº … emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, tem o diagnóstico doença mitocondrial, apresentando uma paraparésia espástica, com força muscular G4 e acentuada espasticidade dos membros inferiores o que condiciona, uma marcada incapacidade motora.
Por ser verdade e me ter sido pedido dato e assino o presente atestado.” (facto provado nos termos do artº 607º, nº 4, CPC)
15 - Em 01/08/2014, foi atribuída à Autora uma incapacidade de 72%, conforme documento que se junta como doc. nº 7. (artºs 22º, 36º e 45º da petição inicial)
16 - E nesta altura, a Autora faz a participação à Ré do sucedido e do grau da sua incapacidade. (artº 23º da petição inicial)
17 - A Ré solicitou à Autora relatório médico, que a A. enviou no dia 27/11/2014, de que existe cópia a fls. 28, com o seguinte teor:
“RELATÓRIO MEDICO
Nome: BB
Doente de 37 anos de idade, seguida em consulta de Neuromusculares desde 2001 por um quadro de paraparésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartria com cerca de 17 anos de evolução. Filha de pais não consanguíneos, tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente o pai e avô paterno; dois irmãos assintomáticos.
A sintomatologia iniciou-se pelos 20 anos com dificuldades da marcha de evolução lenta e progressiva, a que se associou desequilíbrio da marcha, descoordenação motora, hipoacusia e diminuição da acuidade visual, atualmente com necessidade de apoio bilateral para a marcha, com quedas frequente.
Da investigação da etiologia da doença: salienta-se:
Ressonância Magnética Cerebral e medular (2000; 2006 e 2011) - sem alterações; Potenciais Evocados Multimodais (2002)- PEV - lesão bilateral da via ótica; PES e PEA ¬sem alterações; Potenciais Evocados Motores (2002)- marcada lesão bilateral da via piramidal; Biópsia muscular (2001) - discretas alterações miopáticas inespecíficas; Estudo das cadeias respiratórias (2001) - negativo; Estudo genético de ataxias hereditárias (2006) - negativo; Estudo lactatos e piruvatos no sangue (2010) - lactato 3,42; piruvato-O,137; lactato/piruvato- 25 (aumentado).
Reavaliação com PES (2012) revela marcada lesão cordonal posterior dorsal ou lombar bilateral. Estudo molecular das mutações da POLG (2012)- negativo
Atualmente a doente apresenta uma tetraparésia com força muscular G 4+ nos membros superiores e 64- no membro inferior esquerdo e 63 no membro inferior direito, espasticidade acentuada e uma marcha que se realiza com acentuada dificuldade, com necessidade de apoio bilateral. Tem ataxia apendicular e da marcha. Há uma hiperreflexia OT e os RCP são em extensão bilateral. Não há alterações da sensibilidade.
O quadro clinico da doente, de doença neurodegenerativa com atingimento muscular (miopatia) associada a sinais de primeiro neurónio sugerem tratar-se de uma Citopatia Mitocondrial, embora ainda não tenha sido possível, até ao momento identificar o gene responsável. Esta é uma doença crónica de agravamento progressivo com consequente incapacidade sem tratamento médico ou cirúrgico conhecido.
Lisboa, 13 de Novembro de 2014” (artº 24º da petição inicial)
18 - No dia 13 de Abril de 2015, a Ré exclui qualquer responsabilidade, alegando o que se passa a transcrever: “(…) informamos termos constatado que da proposta de seguro subscrita por V. Exa., constam inexactidões e omissões, nomeadamente quanto ao facto de sofrer de doença neuro degenerativa em data anterior à da celebração do contrato, que têm influência na apreciação do risco.
Face ao exposto, cumpre-nos informar que, de acordo com legislação em vigor e as Condições Gerais do Seguro de Vida, o contrato titulado pela apólice acima indicada considera-se anulado e de nenhum efeito desde o seu início e esta seguradora não irá proceder à liquidação de qualquer quantia no âmbito deste processo (…)”. (artº 25º da petição inicial)
19 – O número de apólice que foi alterado, e a Autora teve conhecimento, por carta enviada pela Ré, no dia 16/04/2015, e recebida pela Autora no dia 27/04/2015, que o seguro da Autora passou a ter o seguinte nº de apólice 4476217742 (artº 14º da petição inicial e artº 3º da contestação)
20 - A Autora sempre pagou os prémios de seguro. (artº 40º da petição inicial)
B – Factos não provados
Da petição inicial:
3º (parte) (…) porque, a sua situação não se encontrava prevista no referido relatório, mas informou o seu mediador de tudo, conforme documento que se junta como doc. nº 2.
4º Nomeadamente, que desde dos 24 (vinte e quatro) anos de idade, ou seja, dois anos antes de contratar o seguro, que sentia dores no joelho esquerdo, e que efectuou diversos exames para perceber qual a sua patologia.
5º Como todos os resultados dos exames efectuados pela Autora não detectaram qualquer patologia, a medicina considerou que se tratava de falta de cálcio, magnésio e algumas vitaminas.
7º E foi afastada, pois, os resultados não apontaram para qualquer problema genético.
8º (parte) Perante esta informação prestada pela Autora,
10º No entanto, nunca teve conhecimento do relatório (do estudo genético) elaborado pelo referido médico.
15º O estado de saúde da Autora começou a agravar-se no ano de 2008.
16º As dificuldades da marcha começaram a ser bem visíveis.
18º Facto que a Autora desconhecia.
19º Até porque, todos os exames realizados antes e depois da contratação do seguro nunca apontaram para qualquer patologia.
20º Em 2010, a Autora teve de deixar de trabalhar, pois a mesma desempenha funções de Directora de Qualidade numa empresa de obras públicas, tendo de fazer centenas de quilómetros dentro das obras, sendo que, com o agravamento do seu estado de saúde, tornou-se completamente impossível a mesma trabalhar.
21º Tendo, a Autora, por esse motivo, requerido a Reforma por invalidez.
32º Ora, a Autora com a incapacidade que lhe foi atribuída ficou impossibilitada de exercer actividade remunerada.
33º A Autora é pensionista por invalidez, recebendo mensalmente uma pensão.
38º Tendo sido tal facto, desde logo comunicado à Ré.
52º A Autora calcula muito modestamente:
- A quantia de € 25,00 (vinte e cinco Euros) de telefonemas para a Ré;
- A quantia de € 15,00 (quinze Euros) de correspondência para a Ré;
- A quantia de € 35,00 (trinta e cinco Euros) de tempo despendido.
Perfazendo o total de € 75,00 (setenta e cinco Euros).
C – Matéria irrelevante, conclusiva ou de direito
Da petição inicial
2º Para o efeito, a Autora preencheu toda a documentação necessária, prestou toda a informação solicitada pela Ré, e até informação que de todos os factos que considerou essenciais para a contratação do presente seguro.
26º E daí a necessidade da presente acção.
27º Ora, o contrato celebrado entre a Autora e a Ré é válido.
28º Não foi celebrado com base em omissões ou inexactidões, como refere a Ré.
29º Aliás, o risco do contrato foi sempre tido em conta de acordo com as queixas que, à data da celebração do mesmo, a Autora apresentava.
31º Pelo que, no momento da aceitação da proposta e celebração do contrato, a Ré tinha perfeito conhecimento da patologia que a Autora apresentava naquele momento, tendo o risco sido devidamente avaliado.
34º Ora, de acordo com o seguro contratado, tal cobertura garante, em caso de invalidez absoluta e permanente da pessoa segura, o pagamento antecipado do capital seguro – vide clausula 1ª da Cobertura Complementar de Invalidez Absoluta e Permanente - das Condições especiais, conforme documento que se junta como doc. nº 10.
35º Pelo que, a Autora encontra-se enquadrada e abrangida pelo seguro validamente celebrado.
37º E que, apesar da situação clínica da Autora poder ser susceptível de variações, a mesma nunca será para melhor, mas sim para pior.
39º Por outro lado, o contrato de seguro estava abrangido pelas condições gerais, particulares e especiais.
41º Cumpriu todos os requisitos para que o seguro fosse aceite.
42º A Ré, no momento da contratação, avaliou devidamente o risco daquela contratação.
43º Pelo que, nunca poderia a Ré ter anulado o seguro por o mesmo ter sido contratado com base de omissões ou inexactidões.
44º Pois, tal facto não corresponde à verdade.
46º De acordo com as condições especiais do seguro contratado: “… o segurado é considerado em estado de Invalidez total e permanente sempre que, em consequência de uma doença ou acidente, se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa de acordo com os seus conhecimentos e aptidões de forma permanente, e além disso, apresentar um grau de incapacidade de 66% de acordo com a “Tabela Nacional de Incapacidade por Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais” oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez…” – vide clausula 1.3 da cobertura complementar de invalidez total e permanente (ITP), do documento já junto como doc. nº 10.
47º Como consequência dessa incapacidade, e verificando-se uma situação de invalidez total e permanente, o Segurador procederá ao pagamento antecipado do capital seguro para a cobertura de morte que constar nas condições Particulares da apólice - vide clausula 1.4 da cobertura complementar de invalidez total e permanente (ITP), do documento já junto como doc. nº 10.
49º Quantia esta que a Ré tem de ser condenada a pagar à Autora, com todas as consequências legais daí resultantes.
50º O que desde já aqui se requer.
51º A Autora, deslocou-se várias vezes à delegação da Ré a Leiria, telefonou várias vezes, e escreveu também vários mails para a Ré.
53º Quantias estas que também são devidas pela Ré à Autora, e que aqui se pedem.
54º Deve assim, a Ré à Autora, a quantia total de € 100.075,00 (€ 100.000,00 + € 75,00) (cem mil e setenta e cinco Euros).
A restante matéria, relativa à contestação não foi considerada por se tratar de mera impugnação.

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir (ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil) são as seguintes:
1.ª Questão - Saber se a sentença é nula nos termos do art.º 615.º, alíneas b), c) e d) do Código do Processo Civil;
2.ª Questão – Saber se devem ser alterados os factos provados sob os pontos 1 e 3 e não provados 3 (parte) (...) porque, a sua situação não se encontrava prevista no referido relatório, mas informou o seu mediador, 4, 5, 7, 8 (parte) Perante esta informação prestada pela Autora, 10, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 32, 33 e 38.
3.ª Questão - Determinar qual a lei aplicável ao caso;
4.ª Questão – saber se as declarações da A foram falsas ou com omissões relevantes;
5.ª Questão - Saber se a declaração inexacta respeita a factos ou circunstâncias conhecidas que se fossem conhecidos da seguradora, a levariam à recusa de contratar ou a contratar em distintas condições (pressupostos para a anulabilidade do contrato/essencialidade da prova pelo segurador).

3. Análise do recurso.

1.ª Questão - Saber se a sentença é nula nos termos do art.º 615.º, alíneas b), c) e d) do Código do Processo Civil.
Alega a recorrente que a sentença é nula, por violação do art.º 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC (b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento) mas não explica minimamente porquê limitando-se a dizer que “segundo se encontra claramente patente a sentença é nula” e viola o art.º 205.º, 204.º, 13.º e 20.º da CRP, pelo que ficamos sem saber a razão da sua conclusão.
Assim sendo e porque não se vislumbra qualquer violação das normas referidas improcede, nesta parte, o recurso.

2.ª Questão – Saber se devem ser alterados os factos provados sob os pontos 1 e 3 e não provados 3 (parte: porque, a sua situação não se encontrava prevista no referido relatório, mas informou o seu mediador, 4, 5, 7, 8 (parte: Perante esta informação prestada pela Autora, 10, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 32, 33 e 38.
A recorrente pretende ver alterados os seguintes factos:
Provados:
1 - A A. é seguida na consulta de Doenças Neuromusculares desde 2001 por um quadro de parapésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartia com cerca de 17 anos de evolução. (artºs 23º e 38º da contestação)
3 - A A. tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente pai e avô paterno. (artº 25º da contestação)
Não provados:
Da petição inicial:
3º (parte) (…) porque, a sua situação não se encontrava prevista no referido relatório, mas informou o seu mediador de tudo, conforme documento que se junta como doc. nº 2.
4º Nomeadamente, que desde dos 24 (vinte e quatro) anos de idade, ou seja, dois anos antes de contratar o seguro, que sentia dores no joelho esquerdo, e que efectuou diversos exames para perceber qual a sua patologia.
5º Como todos os resultados dos exames efectuados pela Autora não detectaram qualquer patologia, a medicina considerou que se tratava de falta de cálcio, magnésio e algumas vitaminas.
7º E foi afastada, pois, os resultados não apontaram para qualquer problema genético.
8º (parte) Perante esta informação prestada pela Autora,
10º No entanto, nunca teve conhecimento do relatório (do estudo genético) elaborado pelo referido médico.
15º O estado de saúde da Autora começou a agravar-se no ano de 2008.
16º As dificuldades da macha começaram a ser bem visíveis.
18º Facto que a Autora desconhecia.
19º Até porque, todos os exames realizados antes e depois da contratação do seguro nunca apontaram para qualquer patologia.
20º Em 2010, a Autora teve de deixar de trabalhar, pois a mesma desempenha funções de Directora de Qualidade numa empresa de obras públicas, tendo de fazer centenas de quilómetros dentro das obras, sendo que, com o agravamento do seu estado de saúde, tornou-se completamente impossível a mesma trabalhar.
21º Tendo, a Autora, por esse motivo, requerido a Reforma por invalidez.
32º Ora, a Autora com a incapacidade que lhe foi atribuída ficou impossibilitada de exercer actividade remunerada.
33º A Autora é pensionista por invalidez, recebendo mensalmente uma pensão.
38º Tendo sido tal facto, desde logo comunicado à Ré.
Vejamos:
Relativamente aos factos provados, a convicção do tribunal baseou-se no depoimento da médica Isabel C…, que a recorrente não pode infirmar como pretende, mediante as suas declarações de parte e o depoimento da testemunha Domingos ….
Com efeito, consta de relatório médico junto aos autos e foi confirmado pela médica supra referida, que a A é seguida na consulta de Neuromusculares por um quadro de Paraparésia Espástica, cuja sintomatologia se iniciou pelos 20 anos de idade, com dificuldades de marcha de evolução lenta e progressiva e com historial familiar de doenças neuromusculares, nomeadamente, o pai e avô paterno.
Esta prova conduz aos factos dados como provados e é insuficiente para os infirmar a prova das declarações das partes, já que não se trata de factos desfavoráveis e, embora o tribunal possa apreciar livremente as declarações das partes como meio de prova, não podemos ignorar que elas serão produzidas por quem tem um manifesto e directo interesse na acção, no processo, razão pela qual poderão ser declarações interessadas, parciais ou não isentas, pelo que deverão ser consideradas com o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, já que se trata da versão da parte interessada.
Ora, no caso concreto, não se vislumbra que exista tal suporte probatório complementar, pois o depoimento referido - Domingos …, tio paterno da A - não afasta tal juízo, pois veio dizer que a doença da A não é hereditária, mas congénita, tendo vindo a agravar-se com o tempo. Foi emigrante em França e, em tempos, acompanhou a A quando esta se deslocou a França para obter um diagnóstico porque se queixava da cabeça, tendo-a levado a uma consulta num hospital, onde fez exames, acrescentando que não acompanhou o diagnóstico.
Ora, conforme decorre do depoimento dessa testemunha, o mesmo afirmou que a A só a partir de 2007 é que começou a coxear e, em 2010, começou a desequilibrar-se e em 2012 / 2013, ficou paralisada das duas pernas, tendo de andar encostada a terceira pessoa e ou em cadeira de rodas.
Mais afirmou que os exames que fez em França foram à cabeça, e derivado à vista, ou seja, tinha a ver com problemas oftalmológicos e não neuromusculares.
Não se pode dizer, ao contrário do que afirma a A, que “desconhecia à data da subscrição do contrato de seguro que era portadora de qualquer doença, sendo certo que a mesma só lhe foi diagnosticada muito mais tarde” pois quem é seguido num especialidade da consulta de Neuromusculares e tem queixas há cerca de 17 anos de evolução não pode deixar de referir pelo menos isso.
Quanto aos factos não provados, a recorrente indica o documento 2 para demonstrar o facto n.º 3, mas do mesmo não resulta que a A tenha prestado qualquer informação ao mediador sobre a sua situação de saúde, nem de qualquer outro elemento de prova.
O que está em causa no n.º 4 também é a informação que a A prestou ao mediador (3.º informou o seu mediador de tudo (…) 4.º Nomeadamente, que …,)
E quanto à matéria dos outros pontos, não há qualquer prova sobre a mesma, sendo certo que o indicado depoimento da testemunha Domingos … não pode conduzir a esta prova, pois o mesmo não tem conhecimentos médicos que o permitam e o seu depoimento é vago e geral, sendo certo que a testemunha Filipe …, mediador de seguros, pessoa a quem a A. entregou a proposta de seguro, referiu que nada lhe foi transmitido de relevante, caso contrário teria aconselhado a colocar a informação na proposta.
Em suma: Não há qualquer fundamento para a alteração dos factos fixados na 1.ª instância.

3.ª Questão - Determinar qual a lei aplicável ao caso.
Atenta a data em que o contrato de seguro foi celebrado e por estar em causa a vontade na formação do contrato, não é aplicável o DL 72/2008 de 16 de Abril, pois, de acordo com o seu art.º 3.º Contratos renováveis: 1 - Nos contratos de seguro com renovação periódica, o regime jurídico do contrato de seguro aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes dos artigos 18.º a 26.º, 27.º, 32.º a 37.º, 78.º, 87.º, 88.º, 89.º, 151.º, 154.º, 158.º, 178.º, 179.º, 185.º e 187.º do regime jurídico do contrato de seguro.
Aplica-se, assim, o Decreto-Lei n.º 142/2000 e o Código Comercial, aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888.
4.ª Questão – saber se as declarações da A foram falsas ou prestadas com omissões relevantes.
Nos termos do Código Comercial:

Art.º 429.º
Nulidade do seguro por inexactidões ou omissões
Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.
§ único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio.
Na vigência do citado art.º 429º do Código Comercial, entendia-se que, apesar do preceito legal aludir à figura jurídica da nulidade, se devia considerar estar-se perante uma (mera) anulabilidade pois pretendia-se tutelar predominantemente interesses particulares e a sanção da anulabilidade do contrato era a previsão de um caso de erro como vício de vontade.
Efectivamente, incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impediam a formação da vontade real da contraparte (a seguradora), dado que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados.
Como decorria do próprio texto do artigo e era entendimento corrente, não era necessário que as declarações ou omissões influíssem efectivamente sobre a celebração ou as condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato.
Importa assim apurar se a A prestou declarações falsas ou com omissões relevantes, o que se prende com a medida do dever de informação do tomador do seguro sobre a sua história clínica.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 02.12.2013 (proferido no processo n.º 2199/10.9TVLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt): “Uma das características essenciais do contrato de seguro é ser um contrato de boa-fé.
Com efeito, se, na generalidade dos contratos, a boa-fé é um elemento extremamente importante, no contrato de seguro, a boa-fé é uma característica basilar ou determinante, uma vez que a empresa de seguros aceita ou rejeita um dado contrato de seguro com um eventual tomador de seguros e determina o valor do prémio de seguro que este deverá pagar com base nas declarações por ele prestadas.
Esta característica não visa reforçar a necessidade das partes actuarem, tanto nos preliminares, como na formação do contrato, de boa-fé (artigo 227.º, n.º 1, 1ª parte do CC) mas sim realçar a necessidade de o tomador de seguro (e o segurado) actuar com absoluta lealdade, uma vez que a empresa de seguros não controla a veracidade destas no momento da subscrição.
Ao celebrar um contrato é obrigação do segurado não prestar declarações inexactas, assim como não omitir qualquer facto ou circunstância que possam influir na existência ou condições do contrato.
Com efeito, “sobre o segurado recai o ónus de não encobrir qualquer facto que possa contribuir para a apreciação do risco por parte da seguradora e se o fizer, tendo conhecimento de tais factos que de alguma maneira possam influir sobre a formação do contrato e as condições do mesmo, perde o direito à contra–prestação da seguradora”.
No mesmo sentido, refere Moitinho de Almeida (in Contrato de Seguro, Coimbra, 2009, página 65) que “sobre o segurado recai o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador”.
É, efectivamente, obrigação do segurado não omitir quaisquer factos ou circunstâncias que se possam considerar decisivos para a apreciação do risco que a seguradora se propõe assumir e que terá por ela de ser aferido e avaliado com rigor, munida, portanto, do conhecimento de todos os respectivos elementos referenciadores.
Assim, de acordo com o disposto no art.º 429º do Código Comercial, ora revogado, toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo.
As duas referidas expressões “declarações inexactas” e “reticência de factos ou circunstâncias”, têm sentido e alcance diversos. As declarações inexactas consistem na declaração de determinados elementos que não são verdadeiros: é a afirmação errónea, que tanto pode ser dolosa (de má-fé) como involuntária (negligente). As reticências de factos ou circunstâncias traduzem-se na omissão ou ocultação deliberada de elementos essenciais para a seguradora poder avaliar de forma correcta o risco, se o pretende assumir e em que condições.
Como refere Vanessa Gonçalves Louro, (in “Os Deveres de Informação do Tomador do Seguro ou do Segurado”, página 15), “[v]oltando à obrigação imposta, exigindo a declaração das “circunstâncias conhecidas”, parece lógico que ninguém possa ser obrigado a comunicar algo que desconhece. No entanto, alguns AA. têm vindo a alertar para a possibilidade de existência de uma ignorância intencional (Expressão de PEDRO ROMANO MARTINEZ, Lei do Contrato de Seguro Anotada, p. 149. Neste sentido também JOANA GALVÃO TELES, “Deveres de informação do tomador do seguro …”, cit., p. 258: “Em determinados casos, parece que será contrário à boa-fé aceitar que o tomador de seguro ou o segurado desconhecesse determinados factos que são demasiado óbvios para invocar o seu desconhecimento e que, somente por culpa ou mesmo por dolo, não foram informados ao segurador”) conduzindo-nos à questão de saber se as circunstâncias conhecidas englobam aquelas que se deviam conhecer.”
Há que avaliar, nomeadamente, se o tomador não declarou porque, em virtude das suas diminutas capacidades de avaliação do risco, não entendeu como relevante determinada informação.
A avaliação terá de ser feita em razão do caso concreto.
E, por isso, como diz Júlio Gomes (in- “O dever de informação do (candidato a) tomador do seguro na fase pré-contratual, à luz do decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, 2011,” p.408, “(…) Este juízo de razoabilidade não pode deixar de ter em conta a situação concreta em que o tomador do seguro (ou segurado) se encontra, sendo relevante, por exemplo, se o mesmo é um leigo ou, ao invés, um profissional (…)”.
Também é relevante a existência de um questionário, que acaba por orientar o segurado, pois é um elemento decisivo para a celebração do contrato, na medida em que se presume que não são aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar.
É através de tal questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.
No caso dos autos, as declarações da segurada constam de um “questionário” e foi o preenchimento e subscrição deste que constituíram a declaração negocial em que a seguradora assentou contratar e fixou as respectivas condições dando a conhecer àquela as circunstâncias concretas em que se baseou para assumir o risco.
Como refere Moitinho de Almeida (in Ob. cit., página 74): “o questionário consiste numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo redundar em prejuízo daquele.”
A segurada tinha o dever de responder ao questionário sem omissões, com rigor e objectividade, na consideração que as respostas iriam servir de base – como serviram - à apreciação da aceitação e condições do contrato de seguro condicionando, desde logo, a dispensa ou a realização de exames médicos, uma vez que a R os não exigiu em virtude do teor das referidas respostas.
Ora, julga-se que, no caso em apreço, pode considerar-se que, objectivamente, a segurada prestou declarações inexactas na resposta ao questionário.
Para assim concluir basta conjugar os seguintes factos:
1 - A A. é seguida na consulta de Doenças Neuromusculares desde 2001 por um quadro de parapésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartia com cerca de 17 anos de evolução. (artºs 23º e 38º da contestação)
2 - A A. foi submetida, entre outros exames, a uma ressonância magnética cerebral e medular no ano 2000, a uma biopsia muscular em 2001. (artºs 24º e 38º da contestação)
3 - A A. tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente pai e avô paterno. (artº 25º da contestação)
13 - O Hospital de Santa Maria – Serviço de Neurologia, emitiu relatório médico, datado de 30 de Outubro de 2008, de que existe cópia a fls. 25, com o seguinte teor:
“RELATÓRIO MÉDICO
A BB, é uma doente de 32 anos de idade, seguida em consulta de Neuromusculares por um quadro de Paraparésia Espástica cujo diagnóstico provável é de Doença Mitocondrial. A BB tem história familiar de doenças neuromusculares, nomeadamente o pai e avô paterno.
A sintomatologia iniciou-se pelos 20 anos com dificuldades da marcha de evolução lenta e progressiva, tendo sido realizado estudo exaustivo da etiologia, havendo actualmente dados que apontam para Doença Mitocondrial. Actualmente a Anabela apresenta uma paraparésia espástica com força muscular G 4- nos membros inferiores, uma espasticidade acentuada e uma marcha que se realiza com acentuada dificuldade, embora sem apoio. Há uma hiperreflexia OT e os RCP são em extensão bilateral. Não há alterações da sensibilidade.
Esta é uma doença crónica de evolução lenta e progressiva sem tratamento médico ou cirúrgico conhecido.” (artºs. 17º da petição inicial e 20º e 21º da contestação)
17 - A Ré solicitou à Autora relatório médico, que a A. enviou no dia 27/11/2014, de que existe cópia a fls. 28, com o seguinte teor:
“RELATÓRIO MEDICO
Nome: BB
Doente de 37 anos de idade, seguida em consulta de Neuromusculares desde 2001 por um quadro de paraparésia espástica, ataxia da marcha hipoacusia e disartria com cerca de 17 anos de evolução. Filha de pais não consanguíneos, tem história familiar de doença neuromuscular semelhante, nomeadamente o pai e avô paterno; dois irmãos assintomáticos.
A sintomatologia iniciou-se pelos 20 anos com dificuldades da marcha de evolução lenta e progressiva, a que se associou desequilíbrio da marcha, descoordenação motora, hipoacusia e diminuição da acuidade visual, atualmente com necessidade de apoio bilateral para a marcha, com quedas frequente.
Da investigação da etiologia da doença: salienta-se:
Ressonância Magnética Cerebral e medular (2000; 2006 e 2011) - sem alterações; Potenciais Evocados Multimodais (2002)- PEV - lesão bilateral da via ótica; PES e PEA ¬sem alterações; Potenciais Evocados Motores (2002)- marcada lesão bilateral da via piramidal; Biópsia muscular (2001) - discretas alterações miopáticas inespecíficas; Estudo das cadeias respiratórias (2001) - negativo; Estudo genético de ataxias hereditárias (2006) - negativo; Estudo lactatos e piruvatos no sangue (2010) - lactato 3,42; piruvato-O,137; lactato/piruvato- 25 (aumentado).
Reavaliação com PES (2012) revela marcada lesão cordonal posterior dorsal ou lombar bilateral. Estudo molecular das mutações da POLG (2012)- negativo
Atualmente a doente apresenta uma tetraparésia com força muscular G 4+ nos membros superiores e 64- no membro inferior esquerdo e 63 no membro inferior direito, espasticidade acentuada e uma marcha que se realiza com acentuada dificuldade, com necessidade de apoio bilateral. Tem ataxia apendicular e da marcha. Há uma hiperreflexia OT e os RCP são em extensão bilateral. Não há alterações da sensibilidade.
O quadro clinico da doente, de doença neurodegenerativa com atingimento muscular (miopatia) associada a sinais de primeiro neurónio sugerem tratar-se de uma Citopatia Mitocondrial, embora ainda não tenha sido possível, até ao momento identificar o gene responsável. Esta é uma doença crónica de agravamento progressivo com consequente incapacidade sem tratamento médico ou cirúrgico conhecido.
Lisboa, 13 de Novembro de 2014” (artº 24º da petição inicial)”
Ora os factos provados revelam que já tinha tido episódios de alteração importante do seu estado de saúde e, por isso, sabia que estaria doente.
No caso dos autos (mesmo tendo presente que num quadro de boa-fé, só deve ser exigido ao tomador do seguro de vida ou de invalidez permanente, para além do que lhe é perguntado no questionário, a informação sobre os factos ou circunstâncias dele conhecidas cuja relevância para a formação do contrato de seguro esteja ao seu alcance) a segurada, por força das advertências médicas anteriores e do quadro existente de antecedentes e crises, pelo menos desde os 20 anos, tinha necessariamente consciência de que tinha um problema de saúde.
Por isso, a conclusão é no sentido de que o conteúdo da sua referida declaração era falso ou inexacto.
5.ª Questão - Saber se a declaração inexacta respeita a factos ou circunstâncias conhecidas que se fossem conhecidos da seguradora, a levariam à recusa de contratar ou a contratar em distintas condições (pressupostos para a anulabilidade do contrato/essencialidade da prova pelo segurador)
Aqui chegados, constatamos que falta apenas analisar um dos pressupostos para a anulabilidade do contrato: A demonstração de que as declarações ou omissões podiam ter influído ou fossem susceptíveis de influir sobre a existência ou condições do contrato tomam o seguro nulo.
Na verdade, resulta claro do citado art.° 429.° que não são todas as declarações inexactas ou reticentes que permitem a anulação do contrato de seguro, mas, tão-só, aquelas que influíram na existência e nas condições do contrato, de forma a que, se o segurador as conhecesse como tais, isto é, se conhecesse factos ou circunstâncias não declarados, ou não contrataria, ou teria contratado em diversas condições se as conhecesse. (cfr. Cunha Gonçalves in Commentário ao Código Comercial Português", vol. II, Lisboa, 1915, página 541)
Como já antes era entendido, só uma declaração inexacta ou reticente que se fosse conhecida da seguradora, a levaria à recusa de contratar ou a contratar em distintas condições, releva para facultar à seguradora o direito à anulabilidade.
Como se pode ler no Acórdão do STJ de 06.12.12 (proferido no processo n.º 04/09.TBSJM.P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt), “[a]cresce que recai sobre o segurador o ónus da prova do nexo de causalidade entre as informações inverídicas ou reticentes e a outorga do contrato de seguro, dependendo a procedência da defesa assente na invalidade da demonstração de que o segurado exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir, como se decidiu designadamente nos Acs. do STJ, de 17-11-05, CJSTJ, tomo III, pág. 120, de 4-3-04, CJSTJ, tomo I, pág. 102, e de 24-2-08, CJSTJ, tomo I, pág. 116, entendimento também seguido por José Vasques, Contrato de Seguro, págs. 223 e segs.
Estes aspectos já foram, aliás, apreciados no acórdão deste mesmo colectivo (Ac. do STJ, de 23-2-12, www.dgsi.pt).
(…) Embora não se duvide do interesse da R. Seguradora em ser posta a par dos factos relevantes para a assunção do risco ou para a fixação do clausulado, no caso sub judice a matéria de facto apurada não permite afirmar que se acaso o A. tivesse respondido com total veracidade às perguntas que lhe foram formuladas teria recusado celebrar o contrato ou tê-lo-ia aceite com outro conteúdo, designadamente em termos de cobertura ou de valor do prémio de seguro.
Como tem sido insistentemente afirmado pela jurisprudência e pela doutrina, não é qualquer informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro que pode justificar a exoneração da responsabilidade que o segurador assumiu com a aceitação do contrato de seguro, devendo estabelecer-se uma distinção entre informações inócuas para o risco que veio a revelar-se e informações relevantes.”
No nosso caso, não resulta da matéria provada ou não provada – e isso competia à R demonstrar - se acaso a segurada tivesse respondido com total veracidade às perguntas que lhe foram formuladas, teria recusado celebrar o contrato ou tê-lo-ia aceite com outro conteúdo, designadamente em termos de cobertura ou de valor do prémio de seguro.
Trata-se de um facto essencial ou nuclear para a decisão.
Quid juris?
Compulsados os autos, constata-se que esse facto foi alegado pela R seguradora no seu art.º 39.º da contestação e é com esse fundamento que defende a invalidade do contrato, mas essa matéria não consta dos temas de prova e não teve consagração na selecção dos factos para a decisão.
O art.° 662.° do CPC prevê as hipóteses em que o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto decidida pelo tribunal da 1.ª instância.
O procedimento há-de ser, então, o de reapreciar a decisão de facto, se constarem todos aqueles elementos probatórios ou o de anular a decisão da primeira instância, se eles não constarem.
No caso dos autos entendemos que se impõe a anulação.
Como – a propósito de uma situação de deficiência dos temas de prova – se escreveu no Acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2014, proferido no processo n.º 2777/12.1TBBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt, “[d]e modo algum se poderá afirmar terem as partes arrolado sobre uma tal factualidade, de um modo directo, incisivo e intencional, todo o substrato probatório que, efectivamente, poderia teria sido arrolado e produzido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes disso tiveram plena consciência, de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados, e de que, por consequência, sobre ele deveriam, ou, pelo menos, tinham a possibilidade de fazer incidir os meios probatórios entendidos por adequados e convenientes ao seu dispor (…) e do consequente incumprimento do contraditório quanto a esse facto, em termos de adução e produção de meios probatórios, insanável resulta a dúvida sobre se terão ou não sido produzidos todos esses meios na disponibilidade das partes sobre uma tal factualidade, revelando-se, por decorrência, de absoluta inutilidade proceder à análise de todos os meios probatórios produzidos nos autos em ordem a indagar pelo acerto ou não da convicção do tribunal.”
Ou seja, se um dos factos essenciais ou nuclear para a decisão foi alegado pela mas não consta dos temas de prova e não teve consagração na selecção dos factos para a decisão, impõe-se a anulação da decisão para assegurar o contraditório, já que podia ter sido oferecida prova, se essa matéria constasse inequivocamente dos temas de prova.
Pelo exposto, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, importa anular a decisão proferida em primeira instância, para, em novo julgamento, se proceder à ampliação dos temas da prova, de molde a abrangerem o facto em referência e, após a eventual produção de prova, seja suprida a não inserção na factualidade seleccionada, proferindo-se, subsequentemente, nova sentença.

Sumário:
I - A avaliação quanto à questão de saber se houve qualquer informação inverídica ou reticente da parte do segurado ou do tomador do seguro, terá de ser feita em razão do caso concreto.
II – São relevantes, por exemplo, o grau de formação escolar e profissional, o historial médico do mesmo e a existência de um questionário, que acaba por orientar o segurado.
III - Recai sobre o segurador o ónus da prova do nexo de causalidade entre as informações inverídicas ou reticentes e a outorga do contrato de seguro, dependendo a procedência da defesa assente na invalidade da demonstração de que o segurado exarou declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições, enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir.
IV – Se um dos factos essenciais ou nuclear para a decisão foi alegado pela mas não consta dos temas de prova e não teve consagração na selecção dos factos para a decisão, impõe-se a anulação da decisão para assegurar o contraditório, já que podia ter sido oferecida prova se essa matéria constasse inequivocamente dos temas de prova.

4 - Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em anular a sentença, determinando a repetição do julgamento para suprimento da falta, que não abrangerá a parte não viciada, podendo, no entanto, o tribunal de primeira instância ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, que considere abrangidos pelo tema de prova a enunciar, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão a proferir.
Sem custas.
Évora, 18.10.2018
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita