Em sede de homologação do plano de revitalização, saber se a posição de um credor resulta previsivelmente menos favorável do que a que teria na ausência de qualquer plano, implica que se proceda a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano com aquilo que aconteceria na ausência dele.
CONSTRUÇÕES (…), LDA., veio requer o presente Processo Especial de Revitalização juntando desde logo proposta prévia de plano de negociações e pagamentos.
Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art.º 17.º-C, n° 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi convertida em definitiva por ausência de impugnações.
Foi junta aos autos a versão final do plano de revitalização, a qual foi publicada – art.º 17.º-F, n.º 1, do CIRE.
No decurso do prazo referido no art.º 17°-F, n.º 2, do CIRE, vieram os credores EOS Finance GMBH, Banco Santander Totta, SA e Novo Banco, SA pronunciar-se quanto ao mesmo, pedindo a sua não homologação.
Foi junta nova versão do plano por parte da Requerente, tendo o credor EOS Finance GMBH reiterado a sua posição e o credor Banco Santander Totta, SA pedido novamente a não homologação do plano de revitalização.
A requerente veio ainda responder ao pedido de não homologação apresentado pelo credor Banco Santander Totta, SA, pugnando pela homologação do mesmo.
Foi proferida decisão que não homologou o plano de revitalização da devedora Construções (…), Lda.
Inconformada recorreu a devedora tendo concluído nos seguintes termos:
I. Vem a Recorrente interpor recurso da decisão de não homologação do PR proferida pelo Tribunal a quo;
II. A decisão de 11.07.2018, proferida pelo Tribunal a quo, é nula por total e absoluta ausência de pronúncia acerca da posição demonstrada nos autos pela Recorrente de oposição aos pedidos de não homologação do PR (artigo 615º, n.º 1, alínea d), do CPC);
III. Para além disso, tal decisão, que padece de vários erros de julgamento, pode e deve ser sindicada, o que se faz através do presente recurso;
IV. O entendimento do Tribunal a quo resulta de uma interpretação errada dos dados do processo e do teor do PR;
V. O valor de venda estimado das frações identificadas no PR é um valor que resulta de um cenário de revitalização, de um cenário favorável à Recorrente, num cenário em que a Recorrente se encontra a desenvolver normalmente a sua atividade comercial e não de um cenário de liquidação, onde os bens são vendidos por um valor bastante inferior ao seu valor real e/ou de mercado;
VI. Num cenário de liquidação as identificadas frações não têm o valor que o Tribunal a quo e o credor entendem que têm, não se podendo transpor aquele valor do PR para um cenário de liquidação porque estamos a falar, como é consabido, de duas realidades económicas perfeitamente diferentes, esquecendo-se até o Tribunal a quo, e o credor, que a venda num cenário de liquidação determina um conjunto de despesas e encargos que nem se cuida de configurar;
VII. Com a aprovação do PR nenhum credor sai prejudicado em face do cenário que resultaria da liquidação;
VIII. O entendimento que justifica a decisão do Tribunal a quo de não homologação do PR não cuida de fazer uma análise rigorosa entre dois cenários, o cenário da revitalização/recuperação versus cenário da liquidação;
IX. A decisão que se impugna nem cuida de analisar o impacto que um e outro cenário têm no contexto mais global da economia em que a empresa se insere;
X. A decisão que se impugna viola o disposto no artigo 607º, n.º 4, do CPC;
XI. Acresce que o Tribunal a quo faz uma errada interpretação do artigo 216º, n.º 1, alínea a), do CIRE, dos seus pressupostos e requisitos,
XII. Sendo que, a montante, o credor não alega nem os demonstra sequer na posição que verteu nos autos;
XIII. A violação do artigo 216º, n.º 1, alínea a), do CIRE, determina a invalidade da decisão;
XIV. O Tribunal a quo andou assim mal ao ter recusado a homologação do PR, já que, perante os dados dos autos (o teor do PR) e a posição do credor deveria, ao invés, tê-lo homologado;
XV. Assim se submete o presente à apreciação dos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora relativamente aos elencados pontos.
O credor Banco Santander Totta, S.A. apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
Factualidade relevante para a apreciação do objecto do recurso:
O plano de revitalização foi votado por credores que representam 96,49% dos créditos reconhecidos.
Desses credores, 56, 75 % (sendo destes 20,58 % de créditos subordinados) aceitaram o plano apresentado e 43,25 % recusaram o plano.
Conforme consta do novo Plano de revitalização apresentado nos termos do disposto no art.º 17.º-F, n.º 3, do CIRE, a proposta de pagamento ao credor Banco Santander Totta, SA, credor com garantia real sobre os imóveis propriedade da devedora identificados no plano, é feita nos seguintes termos:
Condições Genéricas para instituições bancárias:
-Perdão de Juros Remuneratórios, de mora e despesas vencidos e não pagos;
-Pagamento de juros vincendos à taxa Euribor a 3 meses, se Positiva, acrescida de um spread de 1% para credores garantidos com hipoteca sobre imóvel propriedade da empresa. Na hipótese de a taxa de referência ser negativa ou igual a zero, para efeitos de cálculo da taxa, considera-se como sendo de valor igual a zero;
- Pagamento de juros trimestrais e postecipados a contar da data da homologação.
-Possibilidade do credor hipotecário dos imóveis destinados à venda, com exceção da fração autonoma Q, poder optar pela dação em cumprimento dos mesmos, após 90 dias da data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano, ou seja, após a data que se prevê corno limite neste plano para a concretização da venda da fração P, sem prejuízo de a recuperanda poder continuar a diligenciar pela venda até à efectiva outorga da escritura de dação.
-o valor atribuído aos imóveis que forem objeto de dação em cumprimento será o que resulta do valor de amortização do crédito (valor considerado para distrate) previsto no quadro do item i) seguinte.
- Para o exercício do direito de opção pela dação, o credor hipotecário deve notificar a Apresentante, informando da sua decisão e interpelando com a antecedência de 30 dias para a realização da respetiva escritura, indicando desde logo dia, local e hora para o efeito.
-A Apresentante deve entregar ao credor hipotecário toda a documentação necessária para a realização da escritura de dação, com a antecedência de 10 dias em relação à data aprazada.
-A presente dação, porque expressamente prevista no presente Plano e realizada na sua execução, beneficia das isenções de imposto de selo e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, previstos, respetivamente, nos art. 269º e 270º do CIRE.
-Ficam previstas amortizações obrigatórias em função dos resultados das vendas, isto no caso de as mesmas Ocorrerem por valores mais favoráveis do que os que ficam previstos no plano.
-o plano de amortização de cap i tal é distinto para cada uma das entidades bancárias de acordo com o propósito dos financiamentos concedidos e dos prazos expectáveis aquando da sua concessão e outorga.
Condições para o Banco Santander Totta:
-Consolidação da dívida bancária do Santander Totta, crédito garantido em € 2.543.805,42, correspondente a 100,00% capital em dívida com perdão de juros vencidos;
-Amortização do capital em divida de € 2.543.805,42 à medida que os imóveis, forem vendidos, com exceção da fração autónoma Q, ou outorgadas as dações nos termos do presente plano, sendo o remanescente do capital que não for amortizado por essa via, pago na totalidade pela devedora na data de última escritura de compra e venda ou de dação dos mencionados imóveis, tal como previsto no plano, ou seja, no prazo de 270 dias a contar do transito em julgado da homologação judicial do plano;
-No caso de o produto da venda dos imóveis ser Superior ao montante aqui previsto, o excedente, será atribuído ao Santander até ao limite máximo que se fixa no montante do capital em dívida à data.
O plano prevê quanto ao credor (…) – Compra e Venda de Imóveis, Unipessoal, Lda., o seguinte:
-Perdão de quaisquer despesas, encargos e juros vencidos e vincendos;
-Dação em cumprimento, livre de quaisquer ónus ou encargos, da fracção autónoma identificada pela letra “Q”, correspondente ao nono andar, letra A, com três lugares de estacionamento com os n.ºs 23, 24 e 30 e arrecadação com o n.º 13, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (…), da freguesia Nossa Senhora de Fátima, concelho de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo (…);
-Esta dação dará cumprimento ao valor de € 1.200.000,00 de crédito garantido reconhecido e com direito de retenção regularmente constituído, conforme sentença do Tribunal Arbitral de 13 de Dezembro de 2016;
-No acto da outorga da escritura de dação deverá a recuperanda entregar ao Banco Santander Totta a quantia de € 193.805,42 ou outra que corresponda ao remanescente do capital então ainda em dívida, que serão integralmente destinados ao credor hipotecário para distrate do imóvel;
-A escritura de outorga da dação em cumprimento da fração autónoma Q realizar-se-á em simultâneo com a última escritura de venda ou dação ao credor hipotecário, dos imóveis a tal destinados e cujo prazo limite previsto no plano é de 270 dias após a da ta do transito em julgado da sentença homologatória do Plano;
-A presente dação, porque expressamente prevista no presente Plano e realizada na sua execução, beneficia das isenções de imposto de selo e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, previstos, respetivamente, nos art.ºs 269.º e 270.º do CIRE;
-No que diz respeito aos créditos comuns da (…), Lda, fica previsto perdão integral dos mesmos, no montante de € 1.010.406,00.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC).
Invoca a recorrente a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC) dado que o Tribunal a quo analisou apenas a posição dos credores, omitindo qualquer análise relativamente aos fundamentos invocados pela ora recorrente em sede de oposição à não homologação do plano de revitalização.
Discute ainda a recorrente o fundamento da não homologação do plano de revitalização que, sucintamente foi o seguinte: «entendendo o Tribunal que a posição do credor Banco Santander Totta, SA resulta previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, ao abrigo do disposto nos art.ºs 17º-F, nº 7 e 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE, recusa-se a homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores».
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (art.º 615.º, n.º 1, al. d), CPC), já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (L. de Freitas, CPC Anotado, Vol II, pag. 704).
A questão que se discute é a de saber se se verificam os pressupostos para a não homologação com fundamento no facto de a sua posição do credor resultar previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
Esta questão foi expressamente apreciada e decidida não constituindo nulidade por omissão de pronúncia a falta de consideração de um dos fundamentos invocados pela ora recorrente na oposição à não homologação do plano de revitalização.
O Plano de revitalização foi votado por credores que representam 96,49% dos créditos reconhecidos. Desses credores, 56,75% (sendo destes 20,58% de créditos subordinados) aceitaram o plano apresentado e 43,25% recusaram o plano.
Nada obstaria pois que o plano fosse homologado, não fosse o tribunal a quo ter perfilhado o entendimento segundo o qual não foram cumpridas as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos art.ºs 194.º a 197.º, n.º 1 do art.º 198.º, 200.º a 202.º e 215.º a 216.º do CIRE (art.º 17º-F, n.º 7, do CIRE).
Extrai-se do disposto no art.º 197.º, n.º 1, al a), CIRE que a lei admite a afectação dos direitos decorrentes de garantias reais se tal constar expressamente do plano, não sendo necessário especificamente o assentimento do respectivo titular.
O credor titular de garantias reais pode então reagir, para além do mais, pedindo ao Tribunal a não homologação do plano com fundamento no facto de a sua posição resultar previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
A decisão recorrida, ponderando os interesses em jogo considerou que tendo sido reconhecido ao credor Banco Santander Totta S.A. um crédito garantido de € 2.686.917,01, propondo o plano o pagamento da quantia de € 2.543.805,42 e sendo o valor estimado da venda dos imóveis (de acordo com a própria devedora) de € 3.375.000,00 (fls. 349 verso), facilmente se conclui que com a liquidação dos bens o credor hipotecário seria ressarcido na sua totalidade, sem qualquer perdão de juros vencidos.
Ou seja, a posição do credor no plano de revitalização resulta previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano. (art.º 216.º, n.º 1, al. a), CIRE).
A aplicação da norma supra citada implica que se proceda ‘a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele. Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele” (L. A Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado).
Ora, foi reconhecido ao credor Banco Santander Totta, S.A um crédito garantido de € 2.686.917,01, propondo o plano o pagamento da quantia de € 2.543.805,42, sendo certo que o valor estimado da venda dos imóveis, de acordo com a própria devedora, é de € 3.375.000,00.
O valor dos imóveis referido no plano de revitalização é um valor de mercado.
Alegou ainda a devedora ora recorrente que num cenário de liquidação o seu valor seria apenas de € 1.676.000,00.
O credor Banco Santander Totta, S.A. aceita como bom o valor de mercado, mas impugna o valor atribuído pelo recorrente num cenário de liquidação, sem contrapor outro valor, mas sustentando genericamente que ainda assim a venda dos imóveis (num cenário de liquidação) sempre seria susceptível de liquidar integralmente e crédito de credor hipotecário.
É sabido que o valor das fracções em causa num cenário de revitalização será superior ao que provavelmente se obterá num quadro de liquidação universal do património em insolvência sendo certo que, in casu, o juízo de prognose que importa fazer se revela ainda mais complexo dada a proximidade de valores.
Estamos pois no domínio de um quadro hipotético – situação do credor ao abrigo do plano/situação em que o credor se encontrará se o plano de recuperação não for homologado.
Compete ao credor o ónus de alegar e provar, através de factos concretos, como chegou a essa previsão, ónus esse que não foi cumprido.
O credor limitou-se a sustentar genericamente que mesmo num quadro de liquidação universal o valor obtido com a venda dos bens seria suficiente para satisfazer integralmente o seu crédito, mas tal alegação revela-se insuficiente se tivermos como certo que num quadro de liquidação universal do património do devedor o valor de tais bens será inferior ao seu valor de mercado.
Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da relação de Évora em julgar o recurso procedente e em consequência revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que homologa o plano de revitalização apresentado pela recorrente Construções (…), Lda.
Custas a cargo do recorrido.
Évora, 22-11-2018
Jaime Pestana
Paulo Amaral
Rosa Barroso