DIREITO DE TAPAGEM
DIREITO À SAÚDE
COLISÃO DE DIREITOS
Sumário

I- Existe colisão de direitos sempre que o exercício de um direito impossibilita, no todo ou em parte, o exercício de outro. Para que se verifique uma situação desta natureza é necessária a presença cumulativa de três pressupostos: a existência de uma pluralidade de direitos, a sua pertença a diferentes titulares e a impossibilidade de exercício simultâneo e integral desses direitos. Em suma: a colisão verifica-se sempre que dois ou mais direitos subjetivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si.

II- De acordo com o comando normativo plasmado no art. 335º do Código Civil, há que distinguir entre os casos de colisão que envolvem direitos iguais ou da mesma espécie daqueles em que os direitos colidentes são desiguais ou de espécie diferente. No primeiro caso a resolução do conflito passa pela coordenação do exercício dos direitos, limitando-os na medida estritamente necessária, ou seja, através de um critério de conciliação, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maiores desvantagens para uns do que para outros; já na segunda situação vigora a regra da prevalência, de harmonia com a qual o exercício do direito superior deve prevalecer sobre o exercício do direito inferior, por isso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior.

III- Na resolução do conflito entre o direito (de personalidade) à reserva da intimidade da vida privada e o direito (de personalidade) a um ambiente sadio (no qual se integra o direito à insolação), revela-se legítima, à luz do critério normativo da conciliação, a vedação levada a cabo com a altura suficiente para evitar a devassa e violação da intimidade privada, não podendo, contudo, a mesma ter uma altura tal que impeça praticamente a passagem dos raios solares.

IV-Nesse contexto, não se pode considerar excessiva uma vedação com a altura de cerca de 1,80 m construída na estrema do prédio dos réus, com o desiderato de garantir a privacidade aos réus e à sua família no interior do seu prédio, ainda que a construção dessa vedação tenha implicado, em alguma medida, a diminuição da insolação do prédio da autora e das vistas panorâmicas de que o seu imóvel anteriormente beneficiava.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

B…propôs ação declarativa de condenação com processo sumário contra C…e D…pedindo que estes sejam condenados a reconhecer que a autora é a legítima dona e proprietária do imóvel identificado no artigo 7º da petição inicial e que o mesmo não confronta com o seu prédio (deles réus), onde tem construída a sua casa de morada; a não colocarem nem os painéis que confessadamente queriam construir no prédio que confronta com a casa de morada da autora nem qualquer outro elemento que a prive das vistas que a sua casa usufrui sobre o Rio Minho e Espanha, por tal constituir abuso de direito e eventual colisão de direitos, devendo prevalecer o direito de personalidade da autora ao direito real de tapagem.
Para tanto alegou que adquiriu, em 2005, o imóvel onde vive atualmente ainda em projeto, sendo que o seu prédio não confronta com o dos réus, mas com um outro de área descoberta que pertence a terceiro por força de uma ato de desanexação e venda realizado no mesmo ano.
Acrescenta que os painéis que os réus pretendem colocar com 6m de altura entre o prédio da autora e a referido prédio de área descoberta, se destinavam a tapar as vistas do jardim e do terraço daquela, vistas essas que constituem a mais-valia da sua casa de morada, tendo, por isso, deixado de poder usufruir do espaço exterior de que dispunha.
Adiantou ter direito de servidão de vistas e que nem os réus nem o terceiro proprietário do terreno que confina com o seu prédio se opuseram à situação existente: presença de um muro de suporte de terras a dividir as propriedades, com uma rede nele apoiada com 40cm de altura.
Refere, por último, que os réus agem em abuso de direito, tendo como único objetivo privar a habitação da autora de vistas, estética, equilíbrio e inserção ambiental e sossego.
Citados os réus apresentaram contestação, adiantando que a parcela de terreno que fica junto do terreno da autora lhes pertence, funcionando como logradouro da sua casa e que a colocação dos painéis tem como fim garantir a privacidade aos réus, afirmando que, pelo facto de o prédio da autora se situar em posição mais elevada do que o seu imóvel, permite-lhe visualizar todos os movimentos e ações que praticam no seu prédio, especialmente no logradouro da sua casa.
Acrescentam que a vedação com chapa no limite do seu terreno não retira à autora nenhuma vantagem na utilização do seu imóvel, posto que essa vedação tem uma altura de 1,80m a contar da cota de terreno da demandante.
Formulam pedido reconvencional, no qual concluem pedindo que sejam considerados donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 14º da contestação e que poderão exercer o direito de tapagem do seu prédio no extremo Sul deste, onde confronta com o prédio da autora, com a colocação de chapas metálicas, muro, árvore ou qualquer outro elemento, com a altura de 1,80m contados desde a cota de terreno da demandante e, subsidiariamente, com a altura de 1,60m ou 1,50m contados desde a citada cota.
Replicou a autora mantendo, em síntese, a posição inicialmente vertida na petição, afirmando ter existido uma constituição de servidão de vistas por contrato, e pugnando para que a reconvenção seja julgada improcedente.
Os réus treplicaram, negando que tenham acordado com o anterior proprietário a constituição de qualquer servidão de vistas.
Admitido o pedido reconvencional, foi proferido despacho saneador com seleção de matéria de facto assente e controvertida, com reclamação e retificação subsequente nos termos constantes do despacho exarado a fls. 183/185 dos autos.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com a observância das formalidades legais.
Foi proferida sentença na qual se decidiu:
. “Julgar procedente a ação proposta por Maria Albertina Pereira dos Santos contra Francisco Manuel Coelho Lourenço e Ana Maria Coelho Sousa Esteves Lourenço totalmente procedente condenando-se os RR a reconhecerem que a A. é a legitima dona e proprietária do prédio que id. em 7.º da PI e que este não confronta com o seu prédio deles RR, onde têm construída a sua casa de morada; a não colocarem nem os painéis no prédio que confronta com a casa de morada da A. nem qualquer outro elemento que prive a A. das vistas que a sua casa usufrui sobre o Rio Minho e Espanha.
. Julgar a reconvenção que C… e D… deduziram a B…parcialmente procedente, condenando-se a A. a reconhecer que os RR são legítimos donos e proprietários dos prédios que id. em 14 da contestação, improcedendo o demais peticionado”.

*

Não se conformando com o assim decidido vieram os réus interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1).
Deve alterar-se a matéria de facto dada como provada nos seguintes termos:
- deve ser eliminado o ponto 51 (com base depoimento da testemunha José Pedro na audiência de discussão e julgamento do dia 18-06-2014, com início às 9 horas e 53 minutos e o termo pelas 10horas e 27 minutos, ficheiro n.º 20140618095615_27248_64806 da aplicação informática - MINUTO 07:32 A 08:26 - e no depoimento da testemunha António, construtor vendedor da moradia da A., na audiência de discussão e julgamento do dia 18-06-2014, com início às 10 horas e 28 minutos e o termo pelas 11 horas e 9 minutos, ficheiro n.º 20140618102829_27248_64806 da aplicação informática - MINUTO 34:42 A 36:40);
- O ponto 60 deverá passar a ter a seguinte redacção: A vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A, 173,4 cms, priva o prédio a que se alude em 6. priva o jardim do prédio da A de sol até às 7 horas e 30 minutos da manhã no período de Verão, provocando-lhe sombreamento, vindo esse sombreamento, progressivamente a diminuir, sendo que às 9h30 apenas existe uma faixa de cerca de 88 centímetros de largura com sombra no jardim da A provocada pelas placas e às 10 horas e 30 minutos já não existe qualquer sombreamento; a sombra apenas se projecta na parte inferior da fachada norte do imóvel da A numa faixa com cerca de meio metro ao nascer do sol, nunca, sequer, chegando a atingir qualquer janela desse mesmo imóvel ( com base fotografias juntas aos autos a fls. 246, 247, 248 249,274,275,276 e 277; no relatório técnico de exposição solar junto aos autos a fls. 250 a 258, subscrito por uma Eng." Civil/Perita qualificada em Certificação Energética, Maria Amália; acta de audiência de julgamento do dia 2 de Julho de 2014, dia em que se realizou inspecção judicial ao local, constante de fls. 271; depoimento de Maria Amália na sessão de audiência de discussão e julgamento do dia 04-07-2014, com início às 11 horas e 29 minutos e o seu termo pelas 12horas e 09 minutos, ficheiro n.º 20140704112931_27248_64806 da aplicação informática, MINUTOS 17: 46 a 28: 26, 29:24 a 34:56,09:57 a 11:28, 17:18 a 17:45 e 35:58 a 37:48 )
- O ponto 61 deve passar a ter a seguinte redacção: "Os painéis colocados pelos RR não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta e o o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional" (com base no depoimento de parte da A. a mesma confessou e ficou registado em assentada na acta da sessão de julgamento de 11 de Junho de 2014, fls. 236 e 237 dos autos, que das varandas do 1.° andar a A. vê o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional).
2).
Afastada que foi a questão do eventual abuso de direito, a Meritíssima Juiz a quo considerou que no caso em análise estamos perante uma colisão de direitos e que o exercício do direito da A. ao ambiente sadio que se decompõe num direito à insolação e direito (?) de vistas deverá prevalecer sobre o exercício do seu direito de propriedade na vertente de direito de tapagem com fim de obter segurança e privacidade por parte dos RR.
3).
A vedação construída pelos Réus, mede em altura, desde a cota do solo do prédio da A., 173,5 cms, ou, se quisermos, 1,735 metros e teve em vista garantir privacidade aos mesmos e à sua família no interior do seu prédio - cf. pontos 45 e 60 da matéria de facto provada.
4).
Antes da colocação dos painéis, junto ao muro de suporte de terras que divide o prédio da A. do prédio dos RR. e a olhar para baixo, conseguia-se ver a parte da habitação dos RR. virada para sul e parte do logradouro ajardinado que envolve aquela (ponto 48 da matéria de facto provado), sendo este o preciso local onde os RR. desfrutam de tudo quanto o seu prédio lhes proporciona - cf. ponto 47 da matéria de facto provada.
5).
Resultou, igualmente, provado que, e de acordo com o recurso acerca da impugnação da matéria de facto, que a vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,5 cms priva o jardim do prédio da A. de sol até às 7 horas e 30 minutos da manhã no período de Verão, provocando-lhe sombreamento, vindo esse sombreamento, progressivamente a diminuir, sendo que às 9h30 apenas existe uma faixa de cerca de 88 centímetros de largura com sombra no jardim da A. provocada pelas placas e às 10 horas e 30 minutos já não existe qualquer sombreamento; a sombra apenas se projecta na parte inferior da fachada norte do imóvel da A. numa faixa com cerca de meio metro ao nascer do sol, nunca, sequer, chegando a atingir qualquer janela desse mesmo imóvel.
6).
Aliás, a própria Meritíssima Juiz a quo refere que a vedação com a altura de 173,5 cm apenas faz sombra para o jardim da A nas primeiras horas da manhã - cf. sentença a fls. 30.
7).
No Inverno a vedação não causa qualquer sombreamento no jardim da A, sendo esta a época do ano em que o sol é mais necessário, e pela sua orientação contribui para proteger a fachada norte e o jardim do prédio da A das nortadas e da formação da geada - cf. relatório técnico a fls. 258 dos autos.
8).
Dada a exposição da fachada Norte da casa da A, esta, antes de ser colocada a vedação, praticamente, já não possuía sol, pois está orientada a Norte e, após a colocação da vedação, e dadas as suas características de reflexão solar, esta reflecte os raios solares incidentes nela (provenientes do quadrante sul) tanto para a fachada norte da moradia como para o jardim adjacente à mesma, contribuindo dessa forma para compensar a radiação solar retirada durante a estação de verão às primeiras horas da manhã - cf. relatório técnico a fls. 258 dos autos.
9).
A partir das 10,30 horas, no Verão, e dado que o sol gira pelo sul da casa da A é o próprio imóvel da A que causa sombreamento no seu próprio jardim e na casa de habitação dos RR.
10).
Quanto às vistas resultou provado que antes da colocação dos painéis a casa da A tinha vistas imensas e desimpedidas para a Espanha, podendo ver-se desde a Vila das Neves até Salvaterra e sobre o Minho, incluindo parte da vila de Monção.
11).
Que, actualmente, com os painéis colocados, do interior da casa da A. - r/c - além daqueles, apenas se avista parte de Salvaterra do Minho se sentado, e junto a um janelão da sala, vê-se parte do Rio Minho, arvoredo e parte montanhosa de Espanha e no jardim, depois dos painéis vê-se parte do arvoredo de Espanha e se sentado a parte alta das montanhas - ponto 57 da matéria de facto provada.
12).
Ou seja, resulta evidente que a vedação erigida pelos Réus com a altura de 173,5 cms não privou a A. da totalidade das vistas que tinha antes da colocação daqueles, mas apenas de uma parte.
13).
Mas, como ficou demonstrado na impugnação da matéria de facto provada, e como a própria A. confessou no seu depoimento de parte, que ficou consignado em assentada confessória, na acta da audiência de discussão e julgamento do dia 11 de Junho de 2014, fls. 236 e 237 dos autos, das varandas do 1º andar a A. vê o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional, ou seja, continua a A. do primeiro andar da sua casa a usufruir das vistas que tinha do rés-do-chão antes da colocação dos painéis.
14).
E se é certo que do primeiro andar da sua moradia a A. pode continuar a ver o logradouro ajardinado dos RR., onde estes passam grande parte do seu tempo, também é certo que os RR. com a colocação da vedação com a altura de 173,5 cms garantem o mínimo de privacidade no seu prédio pois impedem que quem esteja posicionado junto ao muro de suporte de terras do prédio da A. visualize tudo o que se passa no seu prédio.
15).
Sopesados todos estes elementos, diremos, em primeiro lugar, e na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 447/10ATBVLN.G1, datado de 06/03/2014, em que foi relator o Ilustre Juiz Desembargador Manso Raínho, que o conceito de direito de personalidade não é tão extenso que implique para o proprietário vizinho o dever de se abster de levantar construção no seu prédio, a fim de não causar sombra no prédio vizinho ou de não prejudicar as vistas de que este desfruta (realce nosso).
16).
Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma reiterada que as dimensões mínimas para que se possa garantir a privacidade através de um muro de tapagem é de cerca de 3 metros, ou se quisermos ser mais rigorosos, entre 2,68m e 2,74 m (1 metro acima da altura média de um individuo em Portugal que se situa entre os 1,68 e 1,74m), e se exercido desta forma, este direito de tapagem prevalece sobre qualquer direito a insolação ou vistas - cf. Acórdão datado de 03-11-2005, proferido no processo 05B2728, em que foi relator Bettencourt de Faria; Acórdão de 28/10/2008, proferido no processo 08A3005, em que foi Relator Sebastião Povoas e Acórdão datado de 23/10/2013, proferido no processo n.º 364/03.4TBVRM.G1.51, em que foi Relator Nuno Carneira.
17).
De igual modo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo 546/13.0TBFAF.G1, datado de 17/12/2014, em que foi relatara a Ilustre Juiz Conselheira Helena Melo, considerou que numa situação de colisão de direitos como a que se verifica nos presentes autos, não é excessivo o direito de tapagem através de uma vedação que atinja 2,75m.
18).
A vedação que os RR. colocaram na estrema do seu prédio mede 173,5cms, o que fica muito longe da medida máxima que a Jurisprudência vem entendendo para que possa ser exercido correctamente o direito de tapagem.
19).
Veja-se, ainda, a este respeito, e com total pertinência para o que se discute nos presentes autos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 24-01-2012, proferido no processo 116/09.8TBMCD.P1 em que se decidiu que um muro de tapagem com altura de 1,90m, não é excessiva para exercer a tapagem ainda que prive o vizinho de algumas vistas.
20).
Também no Acórdão proferido no Procedimento Cautelar de embargo de obra nova que precedeu o presente processo principal, por Acórdão datado de 27-02-2012, se decidiu que "no confronto dos direitos em jogo e da factualidade provada, não resulta evidente que o direito da autora a ter melhores vistas se sobreponha ao do requerido em preservar alguma intimidade no seu espaço" (realce nosso).
21).
O direito de tapagem, previsto no art. 1356º do Código Civil, exercido pelos RR., que visa proteger a intimidade da vida privada e a sua segurança, enquanto donos do seu prédio urbano, onde habitam com a família, integra, também, in casu, um direito de personalidade na categoria de um direito de reserva da intimidade da vida privada e familiar previsto nos artigos 80º do Código Civil e artigo 26º da Constituição da República Portuguesa - o que foi totalmente ignorado e não foi ponderado na sentença recorrida.
22).
No confronto destes direitos dos RR. com o direito da A. a usufruir da radiação directa do sol e de vistas panorâmicas, que nem sequer ficaram reduzidos de forma relevante (atenta a matéria provada), deverão prevalecer aqueles direito de tapagem, direito de personalidade na categoria de um direito de reserva da intimidade da vida privada e familiar previsto nos artigos 80º do Código Civil e artigo 26º da Constituição da República Portuguesa, acontecendo que, no caso in litem, face à matéria provada, a diminuição de radiação solar é insignificante (parcial sombreamento de parte do jardim até às 10 horas da manhã mas, somente no verão) e as vistas panorâmicas sofreram uma redução muito pouco relevante.
23).
Ainda, com relevância para o presente caso, olvidou a Meritíssima Juiz outro aspecto a ter em conta numa questão da colisão de direitos: é que para a apreciação de uma prevalência na colisão de direitos deve, contudo, analisar-se a situação em concreto tendo em conta a intensidade do exercício do direito e a sua antiguidade, já que tem de considerar-se a posição que foi alterada pela situação conflituante. - d. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 28/10/2008, proferido no processo 08A3005.
24).
Revertendo para o caso em análise, como se extrai de forma clara dos factos provados, foram os RR. que viram a sua posição alterada pois quando os RR. finalizaram a construção da sua casa de morada de família ainda não existia a casa da A. e só quando esta foi construída é que os RR. sentiram a necessidade de garantir a sua privacidade através do direito de tapagem do seu prédio, situação que não se verificava antes de estar construída a casa de morada de família da A.
25).
Por último, e apesar de não terem tido qualquer influência para a decisão da causa, por uma mera questão de patrocínio, não nos podemos abster de deixar de referir que a eventual desvalorização do imóvel da A. (sem se ter apurado o real valor dessa perda) com repercussões no seu estado de espírito e a eventual expectativa da Autora de que os RR. nunca iriam colocar qualquer vedação na estrema sul do seu prédio, sem qualquer objectivo, em nada relevam para a decisão a tomar.
26).
Com esta tapagem em discussão, os RR. lograram defender a privacidade e segurança do seu prédio, evitando a devassa da sua intimidade (na sua própria casa e logradouro) de quem está no jardim (situado num plano superior de 3 metros) do prédio da Autora; em contrapartida, para a A. só resultou uma pequena redução de vistas e não resultou qualquer redução de radiação solar (a não ser no jardim, no período de verão desde o nascer do sol até às 09:30 e 10:00 horas).
27).
Daqui resultando que a Meritíssima Juiz a quo andou muito mal ao considerar que, no cotejo entre ambos os direitos em conflito, deve ser sacrificado o direito de tapagem dos RR. para obterem a privacidade e segurança do seu prédio e, assim, conexamente, defenderem e protegerem o seu direito de personalidade.
28).
Sempre diremos que mesmo que não seja alterada a matéria de facto impugnada por este Venerando Tribunal, o que se alega por mera questão de patrocínio, a sentença recorrida fez uma erradíssima aplicação do direito aos factos, o que constitui erro de julgamento.
29).
A sentença recorrida viola os artigos 1356°, 80.° e 335.°, n.º s 1 e 2 do Código Civil e artigo 26.° da Constituição da República Portuguesa.

*

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

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Após os vistos legais cumpre decidir.

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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e consequentemente se, reponderado esse julgamento, deve eliminar-se o ponto 51 dos factos provados e os pontos de facto nºs 60 e 61 devem ser alterados, de molde a que o primeiro passe a ter a seguinte redação “a vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,4 cms, priva o jardim do prédio da A. de sol até às 7 horas e 30 minutos da manhã no período de Verão, provocando-lhe sombreamento, vindo esse sombreamento, progressivamente a diminuir, sendo que às 9h30 apenas existe uma faixa de cerca de 88 centímetros de largura com sombra no jardim da A. provocada pelas placas e às 10 horas e 30 minutos já não existe qualquer sombreamento; a sombra apenas se projecta na parte inferior da fachada norte do imóvel do A. numa faixa com cerca de meio metro ao nascer do sol, nunca, sequer, chegando a atingir qualquer janela desse mesmo imóvel”, enquanto o segundo deve passar a ter a seguinte redação: “os painéis colocados pelos RR. não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta e o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional”.
. determinar se o direito da autora ao ambiente sadio deve (ou não) prevalecer sobre o exercício do direito de propriedade na vertente de direito de tapagem com o fim de obter segurança e privacidade por parte dos réus ora apelantes.

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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
1. Correu termos no Tribunal Judicial de Monção o Processo nº xxx/11.1 TBMNC – Procedimento Cautelar de Ratificação Judicial de Embargo, tendo, em tal procedimento, por sentença datada de 23 de Outubro de 2011, sido decidido ratificar o embargo efetuado, condenando o requerido, o R. nos presentes Autos, a respeitar o Embargo, não continuando os trabalhos. (A e B), decisão essa entretanto revogada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.
2. A obra que os RR estavam a executar, à data do embargo, consistia na colocação de postes de metal assentes em buracos onde estavam a construir sapatas de cimento. (M)
3. Os RR. pretendem a colocação de postes de metal assentes em buracos, com sapatas de cimento, destinados a suportar painéis metálicos, opacos, de ferro zincado. (J)
4. Postes de metal que, colocados com intervalo entre si de 2,5 metros e com uma altura de cerca de 4,5 metros na parte que confronta com o prédio da A. iriam suportar chapas lacadas a verde. (N)
5. Estes iam ser colocados a uma distância do muro de suporte de terras da casa de morada da A., na sua base, de 1 centímetro e, no seu topo, de 5 centímetros. (O)
6. A propriedade do imóvel constituído por casa de morada, com três pavimentos, garagem, r/c e 1º andar, casa nº x, sita na xxx, no lugar da xxx, freguesia de Cortes, concelho de Monção, inscrita na matriz urbana sob o art. xxx” e descrita na Conservatória do Registo Predial de Monção sob a descrição nº xxx/xxx de Cortes, está registada a favor da A. mediante aquisição por compra (C e E)
7. A A. habita na referida casa desde 2009, data da conclusão da obra. (D)
8. A A., por si e seus antecessores, utiliza o imóvel, antes terreno destinado a construção, há já mais de 5, 10, 15, 20 e mais anos. (F)
9. Nele construindo a casa de morada, habitando o imóvel, plantando árvores, colhendo os frutos que faz seus, ocupando a casa de morada, onde pernoita e faz as suas refeições, pagando as respetivas contribuições, à vista de todos e sem oposição de ninguém e por todos sendo considerada a legítima dona e proprietária. (G)
10. Os RR adquiriram um imóvel por Contrato de Compra e Venda a Maria por escritura pública de 30/09/2002. (H e I)
11. Encontra-se registada na Conservatória a favor dos RR., a propriedade dos seguintes prédios:
a) prédio urbano composto de casa com dois pavimentos e rossios, sito no lugar de xxx, freguesia de Cortes, concelho de Monção, a confrontar de norte e nascente com caminho público, sul com C…(o Réu) e poente com Maria, inscrito na matriz urbana sob o artigo xxx, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o nº xxx/xxx Cortes; e,
b) terreno para construção, sito no lugar de Lodeira, freguesia de Cortes, concelho de Monção, a confrontar de norte e nascente com caminho público, sul com a Autora e poente com Maria, inscrito na matriz urbana sob o artigo xxxº, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o nº xxxº/xxx Cortes. (L)
12. Os RR, através de uma operação urbanística de desanexação, fizeram os dois terrenos descritos em 11. com autonomia matricial e registral, autonomia essa que se mantém. (6, 7, 8 (parte), 10 e 16)
13. Estes dois prédios constituíam, antes da desanexação, o prédio único que os RR adquiriram em 2002 nos termos mencionados em 10. (47)
14. Desde então (2002) construíram de raiz a moradia, anexos e ajardinaram todo o espaço…(48)
15. … E fixaram a morada da sua família onde, diariamente, tomam as suas refeições, pernoitam, mantendo aí instalada a sua economia doméstica e vida da família, suportando os encargos de manutenção da casa e jardim … (49)
16. … Praticando todos estes atos continua e ininterruptamente, sem oposição de quem quer que seja – sem prejuízo da ação n.º 319/06.7TBMNC, há mais de 20 anos, por si e seus antecessores, sendo por todos tidos como proprietários plenos de tais prédios. (50)
17. Os RR e Isaque Afonso subscreveram um documento que designaram de contrato promessa datado de 08/05/2005, junto a fls. 147, sem que tenham procedido à realização de escritura pública definitiva de compra e venda, subscrevendo depois o documento designado de revogação de contrato promessa de 03/03/2006, junto a fls. 138, devolvendo reciprocamente as entregas. (42 e 11)
18. Em 08/05/2005, os RR e E…acordaram vender pelo preço de €30.000,00, que este último pagou integralmente em tal data, a parcela de 900 m2 mencionada em 11 b.. (11 e 16)
19. Pago o preço integralmente, e desde a assinalada data, E… passou a dispor de tal prédio como se fosse seu, situação que se manteve até, pelo menos à data de declaração de revogação do acordo designado de promessa de compra e venda, i.e. 03/03/2006 (12)
20. O terreno descrito em 11 b. tem a área de 900m2 e configura um retângulo com perto de 10m de largura por 90m de comprimento. (2 e 3 )
21. Este imóvel situa-se entre o prédio mencionado em 6. e o prédio 11 a., a sul deste último e a norte do primeiro. (4, 8 (parte) e 27)
22. O prédio mencionado em 6. não confronta com o prédio 11 a., onde os RR têm construída a casa de morada, mas com o terreno para construção descrito em 11 b.. (5 e 6)
23. O imóvel 11 b. é um terreno de área descoberta, onde nada está construído, apresentando-se como terreno amplo, ajardinado, com flores e árvores de fruto e ornamentais. (6, 13 (parte) e 14)
24. O prédio mencionado em 11 b. funciona como logradouro da casa de moradia descrita em 11 a., constituindo um único espaço físico, cujo perímetro está delimitado pelos lados norte, nascente e poente com murros de vedação. (43, 44 e 45)
25. Pelo lado sul, o terreno a que se alude em 11 b. confronta, atualmente, com o muro de suporte de terras do prédio mencionado em 6. (46)
26. Entre o terreno da casa da A. e o terreno da casa dos RR. há uma diferença de mais de 3 metros, estando a casa da A. mais alta perto de 3 a 4 metros sobre a casa do R. (P)
27. Quando os RR. iniciaram e finalizaram a construção da sua casa de morada de família ainda não existia a casa da A. (Q)
28. A sul da casa de habitação dos RR. não existia qualquer habitação. (R)
29. A casa de habitação dos RR foi construída primeiro que a casa de habitação da A. (60)
30. A casa de habitação da A. está construída a sul em relação à casa dos RR. (59)
31. E o terreno naquela zona sempre foi em declive. (S)
32. O terreno onde a A. e RR têm construído as suas casas era um único prédio também em declive (58 parte)
33. Os limites das propriedades dos terrenos 6. e 11 b. foram disputadas em Tribunal pelos seus então donos. (60)
34. Aquando da construção da casa de habitação da A., os RR acordaram com a anterior proprietária nas respetivas cedências de terrenos, tendo este cedido terreno para construir o muro agora existente, situando-se, imediatamente depois deste, o terreno mencionado em 11b.. (61 e 62)
35. Foi a antiga proprietária do prédio que hoje é da A. que se obrigou a construir o muro de suporte de terras por esse prédio se encontrar num plano superior em relação ao prédio dos RR. – cfr. cláusula 5ª . a) do termo de transação celebrado no processo xxx/06.7TBMNC junto aos autos de providência cautelar xxx/11.1TBMNC. (T)
36. Com a construção do muro de suporte, a antiga proprietária do prédio que hoje é da A. colocou-o ainda num plano superior em relação àquele em que este já antes se encontrava (U)
37. Essa elevação da cota do terreno operou-se com a construção do muro de suporte que hoje lá existe e o enchimento e encosto de terras contra o mesmo. (V)
38. O que tornou, a final, uma cota de terreno do prédio da A. elevada em cerca de 3 metros relativamente à cota de elevação pré-existe. (X)
39. Construíram o muro, encheram com terra e elevaram o nível de terreno entre 3 a 4 metros. (Z e 21)
40. O muro de suporte de terras do prédio que hoje é da A. era essencial para a construção do prédio que hoje é da A. (A’)
41. O muro de betão armado construído entre o prédio 6. e o prédio 11 b., que delimita os dois imóveis e que serve de suporte de terras do primeiro mencionado no seu jardim, quintal e terraço, mede cerca de 4m e excede em altura a cota do terreno do logradouro da casa de habitação da A. na medida de 31,4cm (21, 24 e 25)
42. Da parede da casa da A. até à quina do muro divisório situado na sua frente distam: 3,89m na sua parte mais estreita a nascente e 5,62m na sua parte mais larga a poente. (26)
43. A casa da A. dista mais de 10 metros da casa de habitação dos RR. (27)
44. Aos 22/07/2011, os RR deram início a uma obra e trabalhos no terreno 11 b.. (17 e 18)
45. A obra pretendida pelos RR teve em vista garantir privacidade a si e à sua família no interior do seu prédio. (52)
46. A casa dos RR. possui janelas e portas viradas para o lado Sul, para o lado da casa da A. (B´)
47. No logradouro da sua casa, na parte sul/nascente, virado para o lado que confronta com o prédio mencionado em 6., os RR têm um jardim, uma churrasqueira e mesa – agora tapadas para sul – onde muitas vezes tomam refeições, onde convivem com os seus amigos e visitas de casa e onde desfrutam de tudo quanto o prédio lhes proporciona. (57)
48. Se se estivesse junto ao muro, antes de serem colocados os painéis, e a olhar para baixo, conseguia-se ver a parte da habitação dos RR virada para sul - mas não o interior da mesma -, e a parte superior da mesma - telhado -, e parte do logradouro ajardinado que envolve aquela. (55 e 56 parte)
49. As vistas do jardim, do terraço, da sala de jantar e toda a casa da A. deitam para a zona fronteiriça de Portugal, sobre o Rio Minho e sobre a cidade de Salvaterra do Minho, em Espanha. (23 e 51)
50. A casa da A. é a última de uma série de casas em banda e tinha, até à colocação dos painéis, vistas imensas e desimpedidas para a Espanha, podendo ver-se desde a Vila das Neves até Salvaterra e sobre o Minho, incluindo parte da Vila de Monção. (28 parte e 29)
51. A A. adquiriu a sua casa com base na confiança de que nem os RR nem outra pessoa que viesse a ser dono dos prédios 11 a. e b. atuariam de modo a tapar, sem qualquer objetivo, as vistas da sua casa. (39)
52. A mais-valia da casa da A. eram as suas vistas, sem as quais o imóvel perde valor. (28 e 34)
53. A A. tem um terraço ajardinado ao lado da casa, onde colocou, na sua parte poente, mesas e cadeiras e onde, até à colocação dos painéis, passava tempo a gozar do sol, das vistas e do ar que a sua casa de morada e o local lhe proporcionavam. (30 e 31)
54. Entre a casa da A. e o muro de suporte de terras situado a norte, existe, em redor e junto dessa habitação, um passeio pavimentado com cerca de 76cm, para que esta possa circular em redor da habitação. (53 parte)
55. E, contíguo e por fora desse passeio, um jardim com largura aproximada de 5,15m a poente e a nascente com 2,93m (53 parte).
56. Este jardim situa-se a norte da casa da A. entre o pavimento e o muro suporte de terras a partir do qual, na sua base, se inicia o prédio dos RR. (54)
57. Atualmente, com os painéis colocados, do interior da casa da A. - r/c –, além daqueles, apenas se avista parte de Salvaterra do Minho se sentado e junto a um janelão da sala, vê-se parte do rio Minho, arvoredo e parte montanhosa de Espanha e no jardim, depois dos painéis vê-se parte do arvoredo de Espanha e se sentado a parte alta das montanhas. (51)
58. Sobre o seu muro de suporte, a A. construiu uma rede de 50 cm de altura, a que nunca nem os RR nem Isaque Afonso se opuseram. (32 e 33)
59. O Sol gira pelo sul da casa da A. (C´)
60. A vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,4cms, priva o prédio a que se alude em 6. de sol (manhã) e de ar (brisa). (41 e segmento do 19)
61. Os painéis colocados pelos RR não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta. (37 e 38).

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O Tribunal de 1ª instância considerou ainda não provados os seguintes factos:
a. A A. tenha acordado na aquisição do prédio mencionado em 6. ainda em projeto no ano de 2005. (1)
b. A parcela de terreno mencionada em 11 b), com a área de 900m2, seja utilizada como se fosse sua por terceiro, que não pelos RR. (9)
c. E…se tenha mantido na utilização com ânimo de proprietário do prédio 11 b. até hoje. (12)
d. E… não tenha apresentado qualquer projeto à Autarquia para construir sobre tal terreno. (13 parte)
e. Os painéis colocados pelos RR apenas se destinassem a tapar as vistas do jardim e do terraço da A., e de toda a casa, assim como o seu arejamento, e a privar a mesma das vistas, estética, equilíbrio e inserção ambiental e sossego. (22, 36 e 40)
f. Com a colocação dos painéis os RR não ganhem privacidade nem obtenham vantagem económica. (37)
g. Do prédio mencionado em 6., a A. consiga ver tudo – incluindo movimentos e ações - o que se passa no prédio mencionado em 11 a. e b.. (55 e 56)
h. Os RR pretendam construir uma piscina no seu jardim. (63)

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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
IV.1 – Erro na apreciação e valoração da prova

Como se notou, pretendem os apelantes a alteração da matéria de facto no sentido de ser eliminado o ponto nº 51 e bem assim alterada a redação dos pontos nºs 60 e 61.
Vejamos, pois, se lhes assiste razão.
O tribunal recorrido, no ponto de facto nº 51, considerou provado que “A A. adquiriu a sua casa com base na confiança de que nem os RR nem outra pessoa que viesse a ser dono dos prédios 11 a. e b. atuariam de modo a tapar, sem qualquer objetivo, as vistas da sua casa”.
Na respetiva motivação da decisão de facto o tribunal a quo considerou que «a confiança que a A. tinha de que as vistas se manteriam intactas resultou não só pela própria localização da moradia – a última da urbanização em banda, virada para Espanha, situando-se a moradia dos RR em cota inferior à sua – mas sobretudo, conforme relatou o companheiro da demandante, do que lhes foi transmitido pela imobiliária e pelo construtor-vendedor do prédio, o qual garantiu à A. que as vistas se manteriam, e que o muro não poderia ser alteado de modo a impedir as mesmas e que havia acordo com o proprietário do terreno confinante nesse sentido, não podendo qualquer um dos proprietários dos terrenos confinantes proceder a alterações junto do muro, não se tendo, no entanto, logrado demonstrar que havia o firme e igual propósito sido manifestado pelos RR ou sequer por E…, ainda que o companheiro da A., solitariamente, e sem poder por si só em face da ligação que tem com a demandante e sem outro apoio probatório persuadir este tribunal neste ponto, especialmente porque nisso não foi acompanhado pela testemunha E…».
Nos termos em que a referida materialidade logrou demonstração, estamos em presença de um facto, rectius afirmação de facto, com marcada nota de subjetividade, já que atinente ao estado (interno) de convencimento da autora de que nem os réus nem outra pessoa que viesse a ser dono dos prédios identificados no ponto de facto 11 a. e b. atuariam de modo a tapar as vistas da sua casa.
Ora, embora a noção de facto normativamente relevante em matéria adjetiva englobe não apenas os acontecimentos do mundo exterior mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo, certo é que a demonstração destes últimos (também denominados factos internos) há-de assentar em meios de prova que, em termos objetivos, permitam firmar a convicção do julgador sobre a sua ocorrência.
Procedeu-se à audição dos registos fonográficos dos depoimentos prestados na audiência final, sendo que a respeito da referida materialidade a testemunha José Pedro Sousa (cfr. registo fonográfico do seu depoimento a partir do minuto 7 e 38 segundos) afiançou que aquando da compra da casa pela autora lhes foi garantido, quer por pessoa ligada à imobiliária (a engenheira Cláudia) quer pelo construtor-vendedor (a testemunha António), que as vistas de que o imóvel beneficiava seriam mantidas, acrescentando, mais adiante (cfr. registo fonográfico a partir do minuto 8 e 37 segundos), que o construtor lhes referiu existir acordo com o proprietário da casa de baixo (o imóvel pertencentes aos réus) no sentido de que o muro divisório não podia ser alteado. De igual modo, a testemunha António (cfr. registo fonográfico do seu depoimento a partir do minuto 24 e 30 segundos) referiu ter garantido à demandante que nada poderia ser colocado que pudesse retirar as vistas que o imóvel beneficiava, embora mais adiante no seu depoimento (cfr. registo fonográfico a partir do minuto 35 e 2 segundos) se tenha mostrado algo titubeante quanto à efetiva possibilidade de ser erigida uma vedação no local.
Da ponderação dos referidos depoimentos, não se nos afigura, por isso, desajustada a resposta dada pelo juiz a quo, considerando demonstrada a factualidade que fez verter no ponto nº 51, posto que a confiança que a demandante firmou (não se curando aqui de saber se a mesma se revelaria objetivamente fundada) se mostra suportada pelas informações que lhes foram veiculadas por pessoas ligadas ao imóvel que acabaria por adquirir.
Inexiste, pois, razão válida para a impetrada eliminação do ponto de facto nº 51.

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No ponto de facto nº 60 o tribunal recorrido considerou provado que “A vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,4cms, priva o prédio a que se alude em 6º de sol (manhã) e de ar (brisa)”.
Os apelantes advogam que a redação dada ao aludido ponto de facto deve ser alterada nos seguintes termos: “a vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,4 cms, priva o jardim do prédio da A. de sol até às 7 horas e 30 minutos da manhã no período de Verão, provocando-lhe sombreamento, vindo esse sombreamento, progressivamente a diminuir, sendo que às 9h30 apenas existe uma faixa de cerca de 88 centímetros de largura com sombra no jardim da A. provocada pelas placas e às 10 horas e 30 minutos já não existe qualquer sombreamento; a sombra apenas se projecta na parte inferior da fachada norte do imóvel do A. numa faixa com cerca de meio metro ao nascer do sol, nunca, sequer, chegando a atingir qualquer janela desse mesmo imóvel”.
Para sustentar a referida alteração, convoca como elementos probatórios a atender os registos fotográficos constantes dos autos, o relatório técnico que foi junto a fls. 250-258 e bem assim o depoimento da testemunha Maria que elaborou o aludido relatório.
Procedeu-se à audição dos registos fonográficos dos depoimentos adrede prestados pelas testemunhas inquiridas na audiência final, revelando-se-nos particularmente consistente o depoimento prestado pela testemunha Maria que, sobre esta matéria, prestou pertinentes esclarecimentos suportados nos elementos que carreou para o relatório técnico que elaborou (cfr. fls. 250 a 258)), afiançando que em virtude de a vedação colocada pelos réus se encontrar orientada a 28º da direção nascente/poente, praticamente não provoca sombreamento, pelo menos durante o inverno; já durante o verão, essa vedação provoca sombreamentos em parte do jardim situado a norte da moradia da autora, durante as primeiras horas do dia.
A referida testemunha (dotada de experiência técnica e de especiais conhecimentos nesta área) prestou, quanto a nós, um depoimento esclarecido e escorreito, devidamente fundamentado no seu excurso argumentativo, encontrando-se confortado pelos registos fotográficos que se mostram juntos de fls. 215 a 221, 246 a 249 e 274 a 277 dos autos e bem assim pelos elementos colhidos aquando da realização das duas inspeções judiciais ao local (cfr. fls. 239 e 271), onde se regista que, pelas 9 horas e 30 minutos do dia 2 de julho de 2014, “a sombra que advém dos painéis para a relva tem uma largura de cerca de 88 cms”.
Porque assim, por se mostrar mais consentânea com os elementos probatórios adrede produzidos no âmbito do presente processo, decide alterar-se a redação do ponto de facto nº 60, o qual passará a ter a seguinte redação “A vedação que mede em altura, desde a cota de terreno da A., 173,4cms, priva o jardim do prédio a que se alude em 6ºda A. de sol até às 7 horas e 30 minutos da manhã no período de Verão, provocando-lhe sombreamento, vindo esse sombreamento, progressivamente a diminuir, sendo que às 9h30 apenas existe uma faixa de cerca de 88 centímetros de largura com sombra no jardim da A. provocada pelas placas e às 10 horas e 30 minutos já não existe qualquer sombreamento, limitando ainda a entrada de ar (brisa)”.


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Por último, quanto ao ponto de facto nº 61, o tribunal a quo considerou provado que “Os painéis colocados pelos RR não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta”.
Os apelantes pugnam pela alteração da redação do aludido facto, de molde a que nele fique consignado que “os painéis colocados pelos RR. não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta e o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional”.
Filiam, para tanto, a impetrada alteração na confissão efetuada pela demandante aquando da sua audição em depoimento de parte na audiência final.
Ora, atendendo ao que ficou exarado na assentada lavrada na ata da sessão de julgamento no dia 11 de junho de 2014 (cfr. fls. 237), dela emerge, na verdade, que a demandante reconheceu que “hoje em dia das varandas do 1º andar vê o rio, Salvaterra e a Ponte Internacional”.
Consequentemente, atenta a força probatória de tais declarações (cfr. arts. 352º, 355º, nº 2, 356º, nº 2 e 358º, nº 1, todos do Cód. Civil), determina-se a alteração do ponto de facto nº 61 que passará a ter a seguinte redação: “os painéis colocados pelos RR. não impedem que a A., do primeiro andar da sua casa veja parte do terreno que serve de logradouro à habitação daqueles, nem a parte de cima desta e o Rio, Salvaterra e a Ponte Internacional”.

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IV.2 – Da colisão de direitos e determinação do direito prevalecente

Perante o quadro factual supra definido e tendo em conta os elementos objetivos da instância (tal como foram configurados nos articulados apresentadas partes), a questão jurídica fundamental que foi colocada no âmbito do presente processo traduz-se em determinar se a atuação dos réus, ao procederem ao levantamento de uma vedação com a altura de 1,734 metros no limite sul do seu prédio, na parte que confronta com o prédio urbano da autora, consubstanciará um abuso de direito no exercício do direito de tapagem por banda dos primeiros, ou então se estaremos em presença de um caso de colisão de direitos entre o direito da demandante a um ambiente sadio e o direito de tapagem dos ora apelantes.
Na resposta à enunciada questão jurídica, o tribunal recorrido considerou que, in casu, não ocorreu qualquer situação de exercício abusivo do direito, mas antes um problema de colisão de direitos entre, por um lado, o direito de tapagem que assistirá aos réus por mor do disposto no art. 1356º do Cód. Civil, e, por outro lado, o direito da demandante a um ambiente sadio (na vertente de direito à insolação e direito (?) de vistas), inserto no âmbito de um direito de personalidade, afirmando que, nesse confronto, deve prevalecer o direito que tutela interesse superior, no caso, este último.
É exatamente neste ponto que se situa o âmago do objeto do presente recurso, já que é primordialmente em relação à afirmação da prevalência do direito da autora que se reporta, em termos úteis, a divergência recursiva.
Vejamos.
Não se discute que o direito de tapagem ou de vedação, fundamentalmente destinado a impedir o livre-trânsito de pessoas estranhas ou animais, constitui uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade enquanto meio de assegurar a exclusividade da fruição ou gozo da coisa. Isso mesmo determina o já citado art. 1356º do Cód. Civil, segundo o qual “a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo”.
No entanto, esse direito de tapagem, movido no âmbito de um direito de propriedade, com consagração constitucional (cfr. art. 62º da Lei Fundamental), encontra-se, naturalmente, sujeito quer a limitações de interesse público(1) resultantes da sua função social, quer a limitações de interesse privado decorrentes das relações de vizinhança (cfr. art. 1346º do Cód. Civil).
É facto que o ato de vedação ou tapagem do prédio pode constituir um abuso do direito de propriedade, rectius do seu exercício, mormente nas situações em que o proprietário não tem nenhum interesse sério na vedação.
No caso sub judice, pese embora a autora tenha articulado que a vedação levada a cabo pelos réus consubstanciaria um ato abusivo (na modalidade de venire contra factum proprium), certo é que o tribunal a quo afastou, e bem, essa possibilidade, conclusão essa que se mostra confortada pelo substrato factual que logrou demonstração, posto que ficou provado que com a referida vedação visaram os réus garantir privacidade a si e à sua família no interior do seu prédio (cfr. ponto de facto nº 45).
Portanto, o levantamento da vedação pelos ora apelantes constituiu, pois, o exercício lícito do direito de tapagem, sendo que, primo conspectu, não se revela desajustada a altura da vedação (1,734m) que os réus colocaram na estrema sul do seu imóvel, já que, a este propósito, na casuística(2-3) se vem sufragando o entendimento de que não se pode considerar excessiva uma altura máxima dum muro construído na estrema do prédio, que não atinge um metro a mais daquilo que será a altura média de um indivíduo, quando é certo que um dos objetivos do direito de tapagem é garantir a privacidade e a segurança.
Malgrado tal constatação, facto é que resultou provado que, com a vedação que os demandados colocaram, a autora viu diminuídas as vistas que anteriormente tinha sobre Salvaterra de Magos, Espanha e o Rio Minho. De igual modo, a referida vedação implicou que o prédio da autora ficasse parcialmente privado de sol durante uma parte da manhã durante o período de Verão e bem assim de ar (brisa).
Ancorando-se em tal materialidade, a sentença recorrida reconheceu ser a demandante titular de um direito ao ambiente sadio, na dupla vertente de “direito à insolação(4) e direito (?) de vistas”, sendo que, em relação a este último, nesse ato decisório acaba por não se tomar uma posição definitiva se estaremos em presença de um verdadeiro direito subjetivo ou antes perante uma mera expectativa.
Como quer que seja, o certo é que se reconheceu ser a demandante titular de um direito de personalidade ao ambiente sadio, o qual, segundo o entendimento aí preconizado, foi comprimido no seu exercício em resultado da atuação dos réus ao proceder ao levantamento da aludida vedação.
Na decorrência dessa perspetiva das coisas, o tribunal recorrido afirmou, como se referiu, estar-se em presença de um conflito de direitos.
Conforme tem sido sublinhado pela doutrina pátria(5), existe colisão de direitos sempre que o exercício de um direito impossibilita, no todo ou em parte, o exercício de outro. Para que se verifique uma situação desta natureza é necessária a presença cumulativa de três pressupostos: a existência de uma pluralidade de direitos, a sua pertença a diferentes titulares e a impossibilidade de exercício simultâneo e integral desses direitos. Em suma: a colisão verifica-se sempre que dois ou mais direitos subjetivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si.
Ora, quando se verifica uma colisão de direitos, urge determinar, segundo critérios normativamente fixados, qual é que pode ser exercido ou, se for o caso, o modo por que se podem exercer ambos os direitos em confronto.
Dada a perturbação criada pela aludida colisão na ordem jurídica, a lei procurou dar solução a esse conflito no art. 335º do Cód. Civil.
Dispõe, com efeito, o seu nº 1 que “havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”, estatuindo, no seu nº 2, que “se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior”.
Assim, como emerge da exegese do transcrito normativo, há que distinguir entre os casos de colisão que envolvem direitos iguais ou da mesma espécie daqueles em que os direitos colidentes são desiguais ou de espécie diferente. No primeiro caso a resolução do conflito passa pela coordenação do exercício dos direitos, limitando-os na medida estritamente necessária, ou seja, através de um critério de conciliação, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maiores desvantagens para uns do que para outros; já na segunda situação vigora a regra da prevalência, de harmonia com a qual o exercício do direito superior deve prevalecer sobre o exercício do direito inferior, por isso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior.
Nesta tarefa de comparação entre os direitos colidentes, discute-se se a mesma deve ser feita em abstrato ou em concreto, sendo que, predominantemente, se vem preconizando que a determinação da igualdade ou desigualdade dos direitos em confronto deverá realizar-se segundo uma avaliação casuística. Importa, assim, verificar no caso concreto se um dos direitos não se apresenta superior ao outro, sendo que nessa determinação têm, essencialmente, sido utilizados três critérios(6): o critério do interesse ou fim do exercício em concreto (na graduação dos direitos, impõe-se antes de mais apreciar o interesse a satisfazer com o exercício de cada um dos direitos em confronto; se, em concreto, for de considerar que um dos direitos visa realizar um interesse mais valioso do que o outro, então deve aquele beneficiar da prevalência referida no nº 2 do art. 335º); critério da minimização dos danos (segundo o qual para aferir da eventual inferioridade de um dos direitos colidentes cabe ainda comparar as consequências negativas do seu não exercício pleno, mormente apurar qual o prejuízo que advém para o titular, devendo dar-se prevalência àquele que sofreria um maior dano caso fosse impedido de exercitar o seu direito); e o critério dos lucros do exercício (se o exercício de um dos direitos proporciona ao seu titular um bom lucro e o exercício do outro não, então deve prevalecer aquele).
De qualquer modo, a doutrina tem sublinhado que mesmo na hipótese de se concluir pela superioridade de um direito relativamente ao outro, se deve procurar encontrar uma solução que, sem prejuízo de dar prevalência ao superior, acautele, na medida do possível, um exercício residual e subsidiário do direito preterido, porquanto a prevalência do exercício de um direito relativamente ao exercício de outro direito não significa a exclusão obrigatória e completa deste último. Consequentemente, sempre que seja viável, o juiz deve tentar assegurar alguma oportunidade de exercício ao direito tido como inferior.
No caso sub judice, perante o quadro factual apurado, a situação que é discutida nos autos pode ser perspetivada ora como um conflito de vizinhança, ora como um conflito entre direitos de personalidade.
Na verdade, de acordo com o desenho legal, o conflito de vizinhança resulta da incidência de direitos reais sobre prédios contíguos ou próximos, sendo que neste conspecto assume especial relevância o art. 1346º do Cód. Civil, nos termos do qual “o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores cheiros, valor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes do prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem de uma utilização normal do prédio de que emanam”.
Tendo em conta a amplitude do normativo transcrito, afigura-se-nos que a projeção de sombra (e a inerente privação de sol) cabe normativamente nos “factos semelhantes” aí mencionados, podendo, nessa medida, o direito à insolação obter tutela através da sua aplicação(7).
Como assim, sob esse enfoque, o direito de tapagem que assiste aos réus e o direito de salubridade de que goza a demandante encontram-se no mesmo plano de valores: ambos têm um conteúdo económico e pessoal, por respeitarem os dois às boas condições de fruição dos imóveis e à sua consequente valorização, situando-se as respetivas posições jurídicas no âmbito da tutela do direito à propriedade privada(8).
Numa outra perspetiva de análise, não podemos deixar de considerar que subjacente ao exercício do direito (real) do proprietário de vedar o seu prédio está (para além da sua delimitação física) outrossim a possibilidade de, por essa via, garantir o direito à reserva da intimidade da vida privada, direito essa que igualmente assume natureza de direito de personalidade (cfr. art. 80º do Cód. Civil e art. 26º, nº 1 da Constituição da República)(9). Do outro lado, temos, conforme afirmado na decisão sob censura, o direito a um ambiente sadio(10), no qual se integra o direito à insolação (considerado não na sua perspetiva económica mas na perspetiva da saúde) e o direito (?)(11) de vistas panorâmicas.
Destarte, também neste domínio nos encontramos em presença de direitos de análoga natureza, ou, na expressão legal, “direitos da mesma espécie”.
Consequentemente, contrariamente ao caminho trilhado pelo juiz a quo (que estabeleceu o cotejo entre o direito [real] de tapagem dos réus e o direito [de personalidade] a um ambiente sadio da demandante, criando, dessa forma, uma dessintonia entre as posições jurídicas das partes, atribuindo uma preferência absoluta ao direito desta última, afirmando, ainda que em obiter dictum, não haver “espaço” para ser colocada qualquer vedação), entendemos que os direitos colidentes são direitos da mesma espécie, pelo que a resolução do conflito há-de ser feita, por apelo ao enunciado critério normativo da conciliação, através da procura do justo equilíbrio entre os direitos em confronto, o que determina pois a cedência mútua, para que ambos produzam por igual (e na medida do possível) o seu efeito.
Daí que, na resolução desse conflito de direitos, se preconize que será legítima a vedação com a altura suficiente para evitar a devassa e violação da intimidade privada, não podendo, contudo, a mesma ter uma altura tal que impeça praticamente a passagem dos raios solares.
Nesse contexto, não se pode considerar excessiva uma vedação com a altura de cerca de 1,80 m(12) (valor pouco acima da média da altura do homem português, que presentemente se situará em cerca de 1,70m e que, mormente nos últimos anos, vem registando um significativo incremento), até porque uma vedação com altura inferior naturalmente não satisfaria o fim a que se destina.
É certo que, in casu, uma vedação com a referida altura compromete, em alguma medida, a insolação do prédio da autora (se bem que, como decorre do tecido factual apurado, apenas numa parte da manhã no período de Verão) e bem assim as vistas panorâmicas de que o seu imóvel anteriormente beneficiava. Essa é, contudo, a consequência resultante da necessidade de harmonizar e equilibrar o exercício dos direitos em conflito, já que, de contrário, a defender-se, de forma irrestrita (como se fez na sentença recorrida, aí se afirmando, inclusive, a inviabilidade de os apelantes erigirem qualquer tipo de vedação no seu terreno), a prevalência do direito à insolação relativamente ao direito do proprietário do prédio vizinho de o vedar[13] (com o propósito de evitar a devassa), seria criar uma situação de injustificado privilégio no confronto entre os dois direitos de personalidade de que são reciprocamente titulares autora e réus (enquanto proprietários de prédios vizinhos), sendo que, neste particular, se nos afiguram proficientes as considerações tecidas por PEDRO ALBUQUERQUE[14], quando afirma que “a admissão generalizada de um direito abstrato à saúde ou ao ambiente, em termos de admitir como seu corolário um direito à insolação mesmo quando, em concreto, não se revele um efetivo prejuízo para a saúde da pessoa ou pessoas envolvidas conduziria praticamente à paralisação da vida tal como a conhecemos hoje, sendo certo que a ponderação dos resultados é um elemento intransponível e incontornável no processo de interpretação-compreensão-aplicação do Direito”.
Consequentemente a presente apelação terá, pois, de proceder.

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SÍNTESE CONCLUSIVA

I- Existe colisão de direitos sempre que o exercício de um direito impossibilita, no todo ou em parte, o exercício de outro. Para que se verifique uma situação desta natureza é necessária a presença cumulativa de três pressupostos: a existência de uma pluralidade de direitos, a sua pertença a diferentes titulares e a impossibilidade de exercício simultâneo e integral desses direitos. Em suma: a colisão verifica-se sempre que dois ou mais direitos subjetivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si.

II- De acordo com o comando normativo plasmado no art. 335º do Código Civil, há que distinguir entre os casos de colisão que envolvem direitos iguais ou da mesma espécie daqueles em que os direitos colidentes são desiguais ou de espécie diferente. No primeiro caso a resolução do conflito passa pela coordenação do exercício dos direitos, limitando-os na medida estritamente necessária, ou seja, através de um critério de conciliação, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maiores desvantagens para uns do que para outros; já na segunda situação vigora a regra da prevalência, de harmonia com a qual o exercício do direito superior deve prevalecer sobre o exercício do direito inferior, por isso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior.

III- Na resolução do conflito entre o direito (de personalidade) à reserva da intimidade da vida privada e o direito (de personalidade) a um ambiente sadio (no qual se integra o direito à insolação), revela-se legítima, à luz do critério normativo da conciliação, a vedação levada a cabo com a altura suficiente para evitar a devassa e violação da intimidade privada, não podendo, contudo, a mesma ter uma altura tal que impeça praticamente a passagem dos raios solares.

IV-Nesse contexto, não se pode considerar excessiva uma vedação com a altura de cerca de 1,80 m construída na estrema do prédio dos réus, com o desiderato de garantir a privacidade aos réus e à sua família no interior do seu prédio, ainda que a construção dessa vedação tenha implicado, em alguma medida, a diminuição da insolação do prédio da autora e das vistas panorâmicas de que o seu imóvel anteriormente beneficiava.

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V- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, em consequência do que:
. Se revoga a decisão recorrida na parte em que condenou os réus “a não colocarem nem os painéis no prédio que confronta com a casa de morada da A. nem qualquer outro elemento que prive a A. das vistas que a sua casa usufrui sobre o Rio Minho e Espanha”;
. Se julga procedente o pedido reconvencional formulado pelos réus/reconvintes considerando que os mesmos poderão exercer o direito de tapagem do seu prédio no extremo Sul deste, onde confronta com o prédio da autora, com a colocação de chapas metálicas, muro, árvore ou qualquer outro elemento, com a altura de 1,80 m contados desde a cota de terreno da demandante.
Custas a cargo da apelada.

Guimarães, 3.03.2016
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Dr. Miguel Baldaia Morais

Dr. Jorge Martins Teixeira
Dr. Jorge Miguel Seabra
(1)Com efeito, à liberdade conferida ao proprietário pelo citado normativo do Código Civil, para tapar o seu prédio, correspondem, no campo do direito público, algumas limitações, que respeitam especialmente à altura das vedações, estabelecidas, designadamente, nos regulamentos municipais de urbanização e edificação, sendo que, a este respeito, a alínea b) do nº 1 do art. 82º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Monção estabelece que “os muros de vedação (…) entre propriedades não excederão a altura de 2,0 m, a contar da cota do terreno mais elevada”.
(2) Cfr., por todos, acórdão do STJ de 3.11.2005 (processo nº 05B2728), disponível em www.dgsi.pt.
(3) O problema tem, de facto, sido largamente discutido na nossa jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ de 19.10.2000, CJ/STJ VIII, 3, pág. 83, de 19.10.2000, CJ/STJ VIII, 3, pág. 83, de 4.03.1997, CJ/STJ-1997, 1, pág. 121, de 26.09.2000, CJ/STJ, VIII, 4, pág. 45, de 27.05.2004, CJ/STJ XII, 2, pág. 71, de 26.04.94, CJ/STJ, II, 2, pág. 54, de 5.03.1996, CJ/STJ, IV, 1º, pág.122, de 29.10.1996, CJ/STJ, IV, 3º, pág. 80, de 27.05.1997, CJ/STJ, V, 2º, pág. 10, de 4.03.1997, CJ/STJ, IV, 1º, pág. 121, de 26.09.2000, CJ/STJ, VIII, 3º, pág. 42, de 27.05.2004, CJ/STJ, XII, 2.º, pág. 71, de 26.04.94, CJ/STJ, II, 2º, pág. 54, de 5.03.1996, CJ/STJ, IV, 1º, pág. 122, de 29.10.1996, CJ/STJ, IV, 3º, pág. 80, de 27.05.1997, CJ/STJ, V, 2º, pág. 10, de 15.05.2007 (processo n.º 07A1180), de 1.03.2007 (processo n.º 06A4571), de 3.11.2005 (processo nº 05B2728) e de 3.05.2012 (processo nº 10054/07.3TBVNG.P1.S1), estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt.
(4) Poder-se-ia discutir se verdadeiramente estar-se-á em presença de um direito à insolação, como uma derivação do direito à saúde, ou um direito à qualidade de vida ou ambiental, pois que, no caso vertente, não ficou demonstrado qualquer impacto nefasto na saúde da autora causada pela privação (ainda que parcial) do sol.
(5) Cfr., sobre a questão, ELSA VAZ SEQUEIRA, Dos pressupostos da colisão de direitos no Direito Civil, págs. 18 e seguintes e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil – Parte Geral, vol. V, págs. 379-399 e, do mesmo autor, Da colisão de direitos, in O Direito, ano 137º, págs. 37-55.
(6) Assim, ELSA VAZ SEQUEIRA, in Comentário ao Código Civil – Parte Geral [em anotação ao artigo 335º do Código Civil], pág. 793.
(7) Assim, PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direito à insolação/Direito de tapagem – Conflito de direitos, ou o direito ao ambiente e à qualidade de vida, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 69 (2009), vol. I/II, § 6º. De igual modo, MENEZES CORDEIRO (Direito ao ambiente, princípio da prevenção: direito à vida e à saúde, In Revista da Ordem dos Advogados, ano 56 (1996), vol. II, págs. 683 e seguintes) vem sublinhando a importância de algumas normas de direito privado, designadamente dos arts. 1346º e 1347º do Código Civil, como instrumentos para a prevenção ambiental.
(8) Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 22.02.2004 (processo nº 05B2728), disponível em www.dgsi.pt. Em análogo sentido milita OLIVEIRA ASCENSÃO (A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 67 (2007), vol. I, 10), ressaltando que as relações de vizinhança são relações jurídicas reais ou propter rem, que têm um regime muito particular. Mesmo em hipótese de violação, as pretensões delas resultantes não deixam de ter natureza real e ficar integradas no conteúdo dos direitos reais em presença.
(9) Isso mesmo é sublinhado no Parecer nº 121/80 do Conselho Consultivo da PGR (DR, II série, de 25.02.1982), ao referir que a reserva da vida privada pretende tutelar um direito ao resguardo daqueles “atos que devem ser subtraídos à curiosidade pública, por naturais razões de resguardo e melindre, como os sentimentos, os afetos, os costumes da vida e as vulgares práticas quotidianas (…), os sentimentos, ações e abstenções que fazem parte de um certo modo de ser e estar e que são condição da realização e do desenvolvimento da personalidade”.
(10) A este respeito, GOMES CANOTILHO (O direito ao ambiente como direito subjetivo, in Estudos sobre direitos fundamentais, págs. 184 e seguintes) considera o direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado um direito subjetivo inalienável e fundamental pertencente a qualquer pessoa, tendo natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do respetivo regime.
(11) Afigura-se-nos, de facto, discutível, que as “vistas panorâmicas” consubstanciem um verdadeiro direito subjetivo, parecendo antes ajustar-se melhor a sua qualificação como expectativa. Nesse sentido, decidiu, designadamente, o acórdão desta Relação de 6.03.2014 (processo nº 447/10.4TBVLN.G1), disponível em www.dgsi.pt, onde se concluiu não estarmos perante um verdadeiro direito, “mas, quando muito, perante expectativas criadas pelos autores de jamais se verem privados daquilo a que estavam acostumados”. A propósito da definição de expectativa e da proteção jurídica de que pode ser alvo – cfr., por todos, GALVÃO TELES, O Direito, Ano 90, págs. 2 e seguintes e OLIVEIRA ASCENSÃO, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, 85 e seguintes.
(12) Valor esse, aliás, consonante com a normação administrativa aplicável que, como se referiu, estabelece que “os muros de vedação (…) entre propriedades não excederão a altura de 2,0 m, a contar da cota do terreno mais elevada” (al. b) do nº 1 do art. 82º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Monção).
(13) Registe-se, de qualquer modo, que em diversos arestos que se tem debruçado sobre tal problemática se vem afirmando que nas situações, como a dos autos (já que, no caso em apreço, a casa de habitação dos réus foi construída primeiro que a casa de habitação da autora, sendo que quando aqueles finalizaram essa construção não existia sequer a casa desta – cfr. pontos de facto nºs 27, 28 e 29), em que o direito (de personalidade) ao ambiente sadio é de constituição mais recente do que o direito de propriedade, deve este último prevalecer sobre aqueloutro – cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2015 (processo 183/13.=TBPTS.L1-2), acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012 (processo nº 116/09.8TBMCD.P1) e acórdão desta Relação de 6.03.2014 (processo nº 447/10.4TBVLN.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(14) Op. . citada, § 7º.