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ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO
Sumário
Tendo o acidente de trabalho ocorrido aquando da vigência da Lei n.º 100/97 de 13/09, aplica-se-lhe o regime (substantivo) da caducidade do direito de pedir a revisão da pensão previsto no artigo 25.º dessa Lei e não o artigo 70.º da lei n.º 98/2009, de 04/09. (sumário da relatora)
Texto Integral
P.2515/17.2T8STR.E1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
1. Relatório
BB sofreu um acidente de trabalho em 15-04-2005, tendo sido considerado curado sem desvalorização.
Em 20-09-2017, patrocinado pelo Ministério Público, veio requerer a revisão da incapacidade, com fundamento no agravamento das lesões sofridas em consequência do acidente.
Realizado o exame médico de revisão, o perito considerou o sinistrado afetado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%, desde a data do pedido de revisão.
Tendo as partes sido notificadas do auto de exame médico, nada foi requerido.
Foi então proferida decisão com o seguinte dispositivo: «Assim, atento o supra exposto, julga-se procedente o pedido de revisão da incapacidade e consequentemente: 1. Declara-se o sinistrado BB afetado por uma Incapacidade Permanente Parcial de 3%, considerando a aplicação do fator de bonificação de 1.5 decorrente do artigo 5.º das Instruções Gerais da TNI, desde 20-09-2017; 2. Condena-se a CC - COMPANHIA DE SEGUROS, SA. a pagar a BB o capital de remição de uma pensão anual de € 147,00, atualizada para o valor de € 176,73 (cento e setenta e seis euros e setenta e três cêntimos), devida desde 20-09-2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, calculados desde a referida data. Custas da ação pela entidade responsável, fixando-se o valor da causa em € 1 898,96 (mil, oitocentos e noventa e oito euros e noventa e seis cêntimos). (…) Oportunamente proceda ao cálculo do capital de remição e cumpra-se o disposto no artigo 150.º do Código de Processo de Trabalho.»
Não se conformando com o decidido, a CC – Companhia de Seguros, S.A., veio interpor recurso, tendo arguido a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso dirigido à 1.ª instância. Finalizou as suas alegações de recurso com a seguinte síntese conclusiva:
«1. O acidente dos autos ocorreu no dia 15/04/2005, portanto, na vigência da Lei 100/97 de 13 de Setembro, que se aplica aos sinistros ocorridos a partir de 01/01/2000, conforme determinado pelo seu artigo 41º n.º 1 al. a), conjugado com os artigos 71º do D.L. 143/99 de 30/04 e o D.L. 382-A/99 de 22/09.
2. Ao caso em apreço aplica-se o Artigo 25º, n.º 2 da Lei 100/97 de 13 de Setembro, onde se estabelece que “A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão …”, o qual deve ser conjugado com o n.º 8 do art.º 145 do C.P.T. “O disposto nos números anteriores é aplicável, com as necessárias adaptações, aos casos em que, sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade.”
3. Desde 06/06/2005, data da alta Curado Sem Desvalorização, até ao dia 20/09/2017, data em que foi deduzido o presente incidente de revisão, decorreram sensivelmente 12 anos e 3 meses. Durante este decurso temporal, o sinistrado nunca deduziu qualquer outro incidente de revisão. Nem tão-pouco, durante este decurso temporal, tomou qualquer iniciativa junto da Recorrente em busca de assistência clínica.
4. A questão que se coloca é, pois, a de se saber se a 20/09/2017 havia ou não caducado o direito de requerer a revisão e se o douto Tribunal deve acolher ou não o incidente de revisão.
5. Ora, reafirma-se que no lapso de tempo que decorreu entre Junho de 2005 e Setembro de 2017, ou seja, durante 12 anos, não existiram quaisquer pedidos de assistência clínica junto da Requerente ou pedidos de revisão em juízo que tivessem levado à modificação da situação anteriormente atribuída, ou seja Curado Sem Desvalorização e, por isso, não houve o reconhecimento judicial de efetiva alteração da capacidade de ganho do sinistrado.
6. E não tendo havido qualquer alteração dessa situação de Curado Sem Desvalorização, é manifesto que em 20/09/2017, data em que o sinistrado requereu a realização de exame de revisão, já o prazo de 10 anos estava ultrapassado.
7. Em consequência presume-se que houve uma estabilização e consolidação da situação clínica do sinistrado por ter passado o prazo de 10 anos sem ter requerido qualquer exame de revisão ou sequer tomado a iniciativa junto da Recorrente na procura de assistência clínica.
8. Só nos casos em que, durante os primeiros 10 anos, ocorreram revisões intercalares da incapacidade, elidindo, por consequência a presunção de consolidação da situação clínica, é que o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 147/2006 de 22/02 e no Acórdão 59/2007 de 30/01) emitiu um juízo de inconstitucionalidade da norma, mas cujo alcance se limita à interpretação no sentido de considerar o prazo de 10 anos absolutamente preclusivo do direito de pedir revisão.
9. De salientar que, como é entendimento pacífico da Jurisprudência existente, não existe qualquer inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do Art.º 25 da Lei 100/97 de 13 de Setembro, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contado a partir da data da fixação inicial da pensão, e por analogia, nos termos do n.º 8 do art.º 145 do C.P.T, contado a partir da data em que o sinistrado foi considerado Curado Sem Desvalorização.
10. Refira-se, ainda, que o Supremo Tribunal de Justiça resolveu definitivamente a questão, como decorre dos Acórdãos de 22.05.2013 (Processo nº 201/1995.2.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt), de 29.05.2013 (Processo nº 248-A/1997.C1.S1, este, ao que julga, ainda não publicado), de 05.11.2013 (Processo nº 858/1997.2.P1.S1, publicado emwww.dgsi.pt) e de 29.10.2014 (Processo 167/1999.3.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt).
11. Ora, o deferimento da pretensão do sinistrado ofenderia gravemente, a certeza e segurança do direito consolidado da seguradora, decorrente do artigo 2º, da Constituição da República Portuguesa, sendo inaceitável que esta seja confrontada com o ressurgimento desse direito, quando ele estava juridicamente extinto, à luz da lei que lhe é aplicável, a Lei 100/97 de 13 de Setembro. (Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão 136/2014, de 12/02).
12. Deste modo, perante todo o exposto, e sendo certo que o acidente ocorreu na vigência da Lei 100/97 e que, desde que foi atribuída a alta Curado Sem Desvalorização, decorreram mais de 10 anos sem que qualquer alteração no estado do sinistrado tenha surgido, é de concluir, que caducou o direito do sinistrado em requerer a revisão da incapacidade em juízo.
Por outro lado, e como já se referiu, aquando da arguição da nulidade da sentença, tendo decidido do mérito da causa nesta fase dos autos, sem pronúncia quanto a questões essenciais e controvertidas, como sejam a caducidade do direito do sinistrado em requerer a revisão da incapacidade em juízo, viola o disposto no artigo art.º 25, n.º 2 da Lei 100/97 de 13 de Setembro, 146 n.º 1 e 293 n.º 2 do C.P.C. e 9º e do Código Civil, não sendo admissível por preterição de formalidades essenciais, por prematuridade e extemporaneidade, com influência direta na decisão da causa o que nos conduz à nulidade da sentença nos termos do art.º 615 n. 1 al. d) do C.P.C. ex vi o n. 2 do art.º 1 do C.P.T.
Nestes termos, e sempre com o indispensável suprimento de V. Exas., acredita a recorrente que este Venerando Tribunal julgará procedente o presente recurso decidindo pela revogação da sentença recorrida, como é da mais elementar e prudente JUSTIÇA!»
Contra-alegou o recorrido, concluindo no final:
«1º Não obstante o artº 25º nº2 da Lei nº 100/97 fixar um prazo de 10 anos para requerer revisão, a fixação de uma incapacidade por acidente de trabalho pode ser sempre objeto de alteração, em sede de incidente de revisão de incapacidade, designadamente se se verificar o agravamento das lesões resultantes do acidente de trabalho sofrido, como resulta do disposto artº 140º nº 3 do CPT. Confrontar Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Apelação 589/05.8TTLRA.C1 de 4/6/2015,Relator Dr Ramalho Pinto.
2- A propósito da disposição de caducidade do direito previsto na citada disposição legal o Acórdão do Tribunal constitucional nº 433/2016 e proferido no processo 36/16,in Diário da Republica 2ª serie, nº189, de 30/9/2016 decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto no artº 59º nº1, ALINEA F) da constituição a norma contida nos nº 1 e 2 da base XXII DA Lei 2127 de 3/8/1965 quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação original da pensão, para revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com o fundamento superveniente de lesões sofridas, nos caso em que desde a fixação da pensão e o termo desse prazo, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado.
3- Ora tendo em atenção o douto Acórdão do Tribunal Constitucional supra citado entendemos que bem andou a Srª Juiz ao determinar a revisão da incapacidade e condenar a entidade responsável no pagamento da pensão resultante da revisão da incapacidade, pese embora o prazo decorrido e previsto no artº 25º nº 2 da Lei 100/97.»
O Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente a arguida nulidade da sentença.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, por ter sido prestação caução pela recorrente.
O processo subiu ao Tribunal da Relação.
Foi então apresentada nos autos certidão de óbito do sinistrado. Na sequência, determinou-se a suspensão da instância.
Deduzido, por apenso, incidente de habilitação de herdeiros, foi proferida no mesmo decisão, que transitou em julgado, que declarou DD (viúva do sinistrado) e EE, FF, GG e HH (filhos do sinistrado), habilitados, na qualidade de herdeiros, a prosseguirem na ação no lugar que ocupava o falecido sinistrado.
Declarada cessada a suspensão da instância, mantido o recurso, elaborado o projeto de acórdão e recolhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2.ª Caducidade do direito de revisão da incapacidade.
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III. Matéria de Facto O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. BB, em 15-04-2005, pelas 14 horas, quando prestava o seu trabalho sob as ordens, direção e fiscalização da II, S.A., ao andar em cima do tapete, caiu e bateu com as mãos no chão.
2. Em consequência do referido em 1, o sinistrado sofreu fratura de ambos os punhos.
3. O sinistrado teve alta em 05-06-2006, tendo sido curado sem desvalorização.
4. À data referida em 1, o sinistrado auferia uma retribuição mensal de € 500,00, 14 meses por ano.
5. Em 20-09-2017, o sinistrado requereu a revisão da incapacidade por entender que piorou das lesões sofridas em consequência do acidente referido em 1.
6. Nessa sequência, pelo Perito médico foi considerado que o sinistrado sofreu agravamento das lesões sofridas, as quais foram enquadradas no Cap. I 1.1.1 b) e Cap. I, 7.2.2.1, c) da TNI.
7. Por despacho supra o sinistrado foi considerado afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 3%, considerando a aplicação do fator de bonificação de 1.5 em face da idade do mesmo, em consequência do agravamento das lesões e sequelas sofridas com o acidente referido em 1.
8. A II, S.A. transferiu a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho para a CC - Companhia de Seguros, SA. mediante a apólice n.º ….
9. O sinistrado nasceu em 15-04-1954.
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IV. Nulidade da sentença
No requerimento de interposição do recurso, a apelante arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Alegou, em breve síntese, que após ter sido notificada da data designada para a realização do exame médico de revisão, apresentou um requerimento por via do qual invocou a caducidade do direito à revisão da incapacidade, deduzindo, por esta forma, oposição ao incidente de revisão de incapacidade. Sucede que o tribunal de 1.ª instância não se pronunciou sobre tal requerimento, nem tão pouco, a notificou para suprir o eventual erro de escrita revelado no contexto da peça processual apresentada ou esclarecer o que tivesse por conveniente. É que, por lapso, tal requerimento foi enviado para o processo administrativo. E, a falta de qualquer pronúncia sobre o mesmo criou a convicção na arguente de que a sua peça processual estava no processo correto a aguardar apreciação judicial.
Entende a apelante que o tribunal a quo não se pronunciou sobre uma questão essencial e controvertida – a caducidade do direito do sinistrado requerer a revisão da incapacidade – pelo que a sentença padece de nulidade.
Tendo sido respeitado o formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e tendo a Meritíssima Juíza a quo considerado não se verificar a acusada nulidade, importa apreciar a primeira questão suscitada no recurso.
Sobre a mesma escreveu a 1.ª instância: « A recorrente veio invocar a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Alega, para tanto, que deduziu oposição ao incidente de revisão no qual invocou a caducidade do direito à revisão e que o tribunal não apreciou a aludida questão. Cumpre apreciar. A nulidade prevista na alínea d) – “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)” -, conhecida por omissão de pronúncia, está relacionada com o disposto no n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, segundo o qual o Juiz na Sentença “deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Assim, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz não conheça de questões essenciais para dirimir o litígio que as partes tenham submetido à sua apreciação, questões essas traduzidas no binómio “pedido/causa de pedir” e cujo conhecimento não esteja prejudicado pela decisão dada a outras ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença. Vertendo ao caso concreto, é certo que, na decisão final, o juiz não conheceu da aludida questão da caducidade, nem poderia fazê-lo já que, sendo exceção que não é de conhecimento oficioso, deve ser invocada pela parte que dela pretende beneficiar, o que, no caso não sucedeu. É que, como reconhece a recorrente, aos autos não foi dirigida qualquer oposição ao incidente ou requerimento a invocar a exceção. A recorrente refere que deduziu oposição, mas que, por lapso, a enviou para o processo administrativo n.º 917/17.3Y2STR. Ora, a invocação desse lapso, nesta fase, é manifestamente extemporânea e não pode ser atendida. Na realidade, a I. Mandatária tinha acesso ao processo eletrónico e foi recebeu várias de notificações posteriores, sendo que podia e devia ter constatado, por mera consulta do mesmo, em momento anterior à prolação da sentença que, dos autos não constava qualquer articulado de oposição. Assim, salvo o devido respeito, não se compreende que venha agora invocar omissão de pronúncia sobre um articulado inexistente nos autos. Em face do exposto, entende-se que não se verifica a invocada nulidade e decide-se manter a decisão recorrida.» Sufragamos o juízo decisório declarado, pelas razões que se passam a explicar.
O processo administrativo para o qual foi remetido o requerimento não se confunde com o processo judicial constituído pelo incidente processual de revisão da incapacidade.
O processo administrativo do Ministério Público, surgido na sequência de um pedido de patrocínio apresentado por um sinistrado (como terá acontecido no caso), mais não é do que um instrumento interno de trabalho do magistrado do Ministério Público, à semelhança do dossier de trabalho organizado pelos advogados para acompanharem os casos dos seus constituintes.
Trata-se de um processo que não está sujeito a quaisquer formalidades, é por natureza confidencial, e reúne todos os elementos informativos que o magistrado do Ministério Público consegue reunir para responder à solicitação do patrocínio e acompanhar o caso [cfr. Ebook “Funções do Ministério Público na jurisdição laboral e patrocínio dos trabalhadores noutras jurisdições, do Centro de Estudos Judiciários, pág. 74, www.cej.mj.pt].
Ora, tendo o requerimento apresentado pela seguradora sido apresentado no processo administrativo do Ministério Público e não no processo judicial (incidente de revisão da incapacidade), tal significa que a questão da caducidade do direito invocado não foi suscitada neste processo, ou seja, a mesma não constituía uma questão controversa ou discutida. A inexistência do requerimento no processo judicial impedia, naturalmente, a aplicação do artigo 146.º do Código de Processo Civil.
E, ainda que a caducidade, ao contrário do que afirma a 1.ª instância, seja de conhecimento oficioso[2], deduz-se do desenvolvimento processual que a 1.ª instância não a considerou verificada, só assim se compreendendo que tenha aceitado o pedido de revisão e julgado o mesmo procedente. Ora, se não considerava verificada a caducidade, naturalmente, não tinha que se pronunciar sobre a mesma.
Questão diversa é a de saber se o direito invocado havia já caducado, o que já tem a ver com eventual erro de julgamento, que será apreciado infra.
Por conseguinte, concluímos pela inexistência da arguida nulidade da sentença.
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V. Caducidade do direito invocado
Em sede de recurso, a apelante alega a caducidade do direito do sinistrado requerer a revisão da incapacidade em juízo por, à data em que o fez, terem decorrido mais de dez anos sobre a data da alta e, desde então, não ter exercido qualquer incidente de revisão ou solicitado qualquer assistência médica.
Não obstante tal questão não tenha sido suscitada pela apelante anteriormente no processo judicial, nos termos do artigo 333.º, n.º 1 do Código Civil, a mesma pode ser alegada em qualquer fase do processo, uma vez que em causa estão direitos indisponíveis.
O exercício do contraditório foi devidamente assegurado e exercido no âmbito das contra-alegações.
Apreciemos então.
A solução para a questão passa por determinar qual o regime jurídico aplicável, uma vez que o acidente em causa nos autos ocorreu em 15-04-2005, ou seja, na vigência da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro que estipulava um prazo para a apresentação do requerimento da revisão (cfr. artigo 25.º deste diploma legal) e, posteriormente entrou em vigor a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que deixou de prever qualquer limite temporal para o exercício do direito de pedir a revisão (cfr artigo 70.º da Lei), tendo o requerimento de pedido de revisão sido apresentado em 20-09-2017.
Tal temática não é nova para esta Secção.
No acórdão proferido em 23-02-2016, P. 471/03.3TTSTR.E1[3] [Relator: Alexandre Baptista Coelho], escreveu-se:
«O objeto do recurso interposto resume-se à questão de saber se o incidente de revisão da incapacidade, deduzido que foi pela recorrente (a 10/8/2015) cerca de doze anos depois de ter sido fixada a pensão (a 22/8/2003) a ela devida em consequência do acidente de trabalho de que a mesma foi vítima, deve ser admitido e prosseguir a sua normal tramitação, ou se, pelo contrário, e tal como entendeu o tribunal a quo, havia já então caducado o direito a ver assim alterado o conteúdo reparatório do referido acidente, por estar então já esgotado o prazo de dez anos previsto no art.º 25º, nº 2, da Lei nº 100/97, de 13/9 (LAT). O entendimento acolhido na decisão recorrida está nela devidamente justificado, e assenta numa lógica de raciocínio que é sem dúvida linear e perentória. Afigura-se-nos, no entanto, que as coisas não são assim tão simples, e que a solução adequada da questão suscitada pelo apelante não se esgota numa interpretação literal e redutora daquela disposição legal, antes devendo privilegiar também a unidade do sistema jurídico, tal como nos ensina o art.º 9º, nº 1, do Código Civil. E que assim é, demonstra-o desde logo a elaboração jurisprudencial que tem sido produzida sobre esta mesma temática, e que não é uniforme. Não se discute que o acidente aqui em causa é regulado pela mencionada Lei nº 100/97, em vigor desde 1/1/2000 e aplicável aos acidentes ocorridos após o início dessa vigência (cfr. respetivo art.º 41º, nº 1, al. a), e art.º 1º do Dec.-Lei nº 382-A/99, de 22/9), e que entretanto foi revogada pela Lei nº 98/2009, de 4/9, (NLAT), em vigor desde 1/1/2010, e que por sua vez é também aplicável aos acidentes ocorridos após esta data (cfr. arts.º 187º, nº 1, e 188º). Mas a discordância manifestada pela recorrente relativamente ao indeferimento decidido pelo tribunal a quo mostra-se motivada numa ideia essencial: a da inconstitucionalidade do citado art.º 25º, nº 2, na parte em que nele se estabeleceu um prazo de caducidade, de dez anos, do direito a requerer a revisão da incapacidade resultante dum acidente de trabalho; nessa lógica, tal normativo contrariaria o art.º 59º, nº 1, al. f), da Constituição, que confere a todos os trabalhadores, quando vítimas de acidente de trabalho, o direito a assistência e a uma justa reparação. Na tese da recorrente, na hipótese dos autos deveria pois observar-se a disciplina do art.º 70º da NLAT, que eliminou quaisquer limites temporais à dedução do incidente de revisão. A este propósito, e tal como vem referido pelo apelante na sua alegação de recurso, importa notar que o Tribunal Constitucional por diversas vezes se tem pronunciado sobre a problemática em causa. E, aparentemente, tal jurisprudência [1], produzida maioritariamente sobre o disposto na Base XXII, nº 2, da Lei nº 2127, de 3/8/1965 (normativo idêntico ao referido art.º 25º, nº 2, da Lei nº 100/97), não tem sido uniforme: no sentido da inconstitucionalidade, podem apontar-se os Acórdãos nsº 147/2006, 59/2007, 161/2009, 548/2009; com entendimento oposto, os Acórdãos nsº 155/2003, 612/2008, 411/2011, 219/2012, 111/2014, 136/2014, 205/2014, 583/2014, e 638/15. Não há no entanto aqui uma real divergência jurisprudencial, dado não serem absolutamente similares as situações de facto que estavam subjacentes às decisões apontadas. Vejamos o que sobre o assunto com pertinência se escreveu no citado Acórdão 583/2014: ‘Ao contrário do que se poderia pensar, pese embora o sentido divergente das pronúncias, se atentarmos nos fundamentos de cada uma das decisões, verificamos que elas não são contraditórias: bem pelo contrário, assentam no mesmo critério jurisprudencial, sendo perfeitamente coerentes. Esse critério está intimamente ligado à razão de ser da fixação pelo legislador de um limite temporal a partir do qual já não é possível pedir a revisão das prestações. Como sublinha Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, regime jurídico anotado, 2.ª Edição, Almedina, pág. 124-132), a fixação deste limite «surge da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação de dois anos iniciais em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em 10 anos)». O ponto é que se, até um dado momento, não ocorreu qualquer evolução da lesão, seja pelo agravamento, seja pela melhoria, uma vez ultrapassado esse momento dificilmente ela virá a ocorrer. Esse momento a partir do qual se presume que já não vai haver evolução fixou-o o legislador no termo dos dez anos após a fixação da pensão. Considerou, por isso razoável que já não seja possível pedir a revisão da pensão. Analisando a jurisprudência do Tribunal que acima referimos, verifica-se que o grupo de casos em que foram produzidos juízos de inconstitucionalidade … se reporta a situações de facto em que, a certo momento do período de dez anos, ocorreram revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado (ou, no caso do acórdão n.º 161/2009, por ter sido proferida uma decisão judicial reconhecendo a existência de um elemento novo, igualmente suscetível de contrariar a presunção de estabilização das lesões). Nestas condições, em que se verifica uma circunstância que indicia a não estabilização da lesão no decurso daquele prazo, o Tribunal entendeu que era inconstitucional não permitir a revisão da pensão. O que se compreende pois, como acima referimos, a impossibilidade de pedir a revisão após aquele prazo tem a sua razão de ser na presunção de que findo aquele período se dá a estabilização da lesão. Já no grupo de casos em que se julgou não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII [antecedente do artigo 25.º, n.º 2, da LAT] estavam em causa situações em que o prazo de dez anos decorreu sem que tivessem ocorrido quaisquer revisões da pensão (seja porque não foram formulados pedidos de revisão, seja porque foram indeferidos). Aqui o entendimento do Tribunal assentou no pressuposto de que, nessa circunstância, não havia qualquer razão para deixar de presumir a estabilização da lesão. Como tal, o Tribunal considerou que não existiam motivos para manter o juízo de inconstitucionalidade que havia formulado nos arestos do grupo (i).’ No entendimento do Tribunal Constitucional, será pois de admitir a revisão da incapacidade, mesmo se decorridos mais de dez anos após a fixação inicial da pensão, se entretanto tiverem ocorrido factos (designadamente outras revisões) que demonstrem não estarem estabilizadas as sequelas do acidente, casos em que então se iniciará novo prazo de dez anos, em que nova revisão poderá ser requerida. Foi nessa medida que foi julgada inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação enquanto vítima de acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma da citada Base XXII, nº 2, quando interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas. Mas se, pelo contrário, aquele prazo de dez anos se esgotou, sem que nenhuma das partes interessadas tenha vindo ao processo alegar alterações relevantes das lesões decorrentes do acidente, então deverá ter-se por extinto o direito a requerer a revisão da incapacidade. É neste mesmo sentido que tem apontado a jurisprudência do S.T.J. (cfr. Ac. de 22/5/2013, 5/11/2013, e 29/10/2014[2]), sempre referenciando aliás qual tem sido o entendimento do T.C. sobre a matéria. Numa outra vertente, que tem a ver com uma hipotética violação do princípio da igualdade, no que toca à diferença de regimes da reparação dos danos sofridos por vítimas de acidentes de trabalho ocorridos antes e depois de 1/1/2010, o Tribunal Constitucional também a tem negado, para o efeito apelando fundamentalmente a argumentos de certeza e de segurança jurídicas. Referiu-se a este propósito no citado Ac. nº 136/2014: ‘O regime de reparação por acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que conduz à reparação pelo acidente de trabalho por uma empresa seguradora resulta do contrato de seguro celebrado. É pela celebração deste negócio jurídico que a entidade empregadora transfere a sua responsabilidade para uma seguradora, acordando ambas as partes as condições e termos da efetivação pela última de uma prestação ao trabalhador sinistrado, caso se verifique a condição de que depende a cobertura. Como contrapartida, a entidade empregadora obriga-se a pagar o prémio de seguro igualmente acordado. Ora, para a estipulação do valor deste prémio concorre naturalmente a apreciação do risco seguro e este é necessariamente condicionado pelo regime legal em vigor. … Assim, a ponderação entre o princípio da igualdade e o princípio da segurança jurídica, em situação de confronto entre si resultante da alteração de regimes jurídicos, deve ser feita pelas normas instrumentais de conflitos, nomeadamente as normas transitórias. É neste âmbito que, visando precisamente garantir a segurança nas relações jurídicas entre sinistrado e entidade responsável pelo pagamento da pensão, a norma constante do artigo 187.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, veio estabelecer que o novo regime de revisão das pensões só vigora para os acidentes ocorridos após a publicação da lei que eliminou o limite de prazo para o efeito’. E no Ac. nº 638/2015: ‘… em 2009, foi eliminado o limite de dez anos que então valia para a revisão de pensões por acidente de trabalho (n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, que já alargara o prazo anterior de cinco anos), estabelecendo a regra da revisão a todo o tempo das prestações (n.º 3 do artigo 70.º da Lei n.º 98/2009). O legislador restringiu, porém, a aplicação desta regra aos acidentes de trabalho ocorridos após 1 de janeiro de 2010 (artigos 187.º, n.º 1, e 188.º da Lei n.º 98/2009). E ao fazê-lo introduziu uma diferença no tratamento dos sinistrados em função da data de ocorrência do acidente de trabalho: para acidentes de trabalho ocorridos antes de 1 de janeiro de 2010 continuam a valer os limites legais aplicáveis; para acidentes ocorridos depois desta data, vale a regra da revisão a todo o tempo. Mas esta diferenciação tem fundamento razoável, porquanto existem razões de segurança jurídica a acautelar. Com efeito, a solução de aplicar o regime de 2009 a todos os acidentes de trabalho, independentemente da data em que os mesmos tenham ocorrido, conduziria necessariamente à possibilidade de fazer renascer situações passadas e definitivamente consolidadas na ordem jurídica, colocando em causa o referido princípio da segurança jurídica. De facto, admitir esse “renascimento” apenas porque o legislador, na sua liberdade de conformação, decidiu legislar de forma diferente para o futuro, é algo que afeta intoleravelmente a segurança das relações jurídicas.’ Sem minimamente questionar o entendimento acolhido na jurisprudência que se apontou, e concordando também que o art.º 25º, nº 2, da LAT, não enferma da inconstitucionalidade que vem alegada pela recorrente, consideramos no entanto que a hipótese dos autos não se reduz a essa questão, antes justificando que na decisão a proferir ponderemos outras condicionantes. O acidente aqui em causa, ocorrido em Maio de 2000, é sem dúvida regulado pelas disposições da citada Lei nº 100/97. Não podemos todavia deixar de sublinhar que não está agora em discussão qualquer norma do regime substantivo de reparação do acidente, mas apenas o prazo de caducidade que a lei fixou para o exercício de um direito de natureza processual: o de deduzir incidente requerendo a revisão da incapacidade decorrente do acidente. Alterada essa incapacidade, se fosse o caso, é óbvio que a inerente alteração da pensão devida ao apelante continuaria a ser calculada à luz das regras da mesma Lei, e não da Lei nº 98/2009. Por outro lado, importa também notar que, tendo essa pensão sido fixada, pelo menos, em 22/8/2003[3], é claro que o prazo de dez anos estabelecido naquele art.º 25º, nº 2, ainda decorria quando entrou em vigor a NLAT, em 1/1/2010. Não vemos por isso que, neste particular, uma hipotética aplicação da nova lei ao prazo em curso, eliminando o limite temporal de dez anos que a lei de 1997 fixava, possa de alguma forma abalar a confiança e a certeza das relações jurídicas estabelecidas. Assim sucederia, com efeito, se o prazo em causa já estivesse esgotado aquando do início da vigência da lei de 2009, como se verificou na generalidade das situações que a jurisprudência citada abordou. Mas não sendo esse o caso dos autos, já não haveria aqui qualquer intolerável violação da segurança jurídica, tal como não a há sempre que uma lei nova, fixando um prazo mais longo, passa a aplicar-se aos prazos em curso. É essa, como se sabe, a solução acolhida no art.º 297º, nº 2, do Código Civil. Sendo este um argumento que se afigura relevante na decisão do recurso, e que in casu aproveitará sem dúvida ao apelante, há um outro aspeto, que se prende com a unidade do sistema, que nos parece ser também de assinalável importância. É sabido que o direito à reparação dos danos decorrentes de um acidente de trabalho compreende prestações em espécie, e prestações em dinheiro. Nas primeiras, incluem-se prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que adequadas ao estabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa que necessárias – cfr. art.º 10º da LAT, e 23º da NLAT. Por outro lado, e em caso de recidiva ou agravamento, o direito a essas prestações em espécie mantém-se após a alta, seja qual for a situação nesta definida, e abrange as doenças relacionadas com as consequências do acidente – cfr. arts.º 16º, nº 1, da LAT, e 24º, nº 1, da NLAT.
Ora, não estando este direito condicionado por qualquer prazo, pode o mesmo ser exercido a todo o tempo. Durante toda vida do sinistrado, vinte, trinta, ou mais anos após o acidente e a concessão da alta, mantém a entidade responsável a obrigação de lhe prestar a assistência em espécie que ao caso se justifique, demonstrada obviamente que esteja a causalidade com o sinistro que o vitimou. E para o efeito não se mostra necessária a dedução de qualquer incidente processual. Extrajudicialmente podem as partes acordar nas prestações a efetuar, como sucederá, por exemplo, com uma intervenção cirúrgica que uma seguradora venha a submeter um sinistrado, com a concordância deste, e da qual resulte uma significativa alteração da sua capacidade de ganho.
Mas sendo assim parece-nos também óbvio que deverá então permitir-se uma revisão da incapacidade. De todo incoerente seria sim manter-se a todo o tempo o direito à reparação em espécie, e simultaneamente negar-se uma revisão da incapacidade cujo grau fosse entretanto alterado, se já tivessem decorrido mais de dez anos após a fixação da pensão.
A unidade do sistema jurídico impõe portanto que se conclua que, na hipótese dos autos, deve ser admitida a revisão que o apelante requereu. Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação procedente, assim revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que admita o incidente deduzido, e determine o prosseguimento do mesmo de acordo com o preceituado no art.º 145º do C.P.T..»
Este entendimento foi reiterado no Acórdão de 28-04-2016, P. 437/03.3TTPTM-A.E1[4], com o mesmo relator.
Tais acórdãos tiveram voto de vencido, com a seguinte declaração: «Com todo o respeito pela posição que obteve vencimento, com base na douta jurisprudência citada no Acórdão, designadamente a do Supremo Tribunal de Justiça (Acs. de 22/5/2013, 5/11/2013, e 29/10/2014[4]), negaria provimento ao recurso e confirmaria a decisão recorrida, porquanto, em termos substantivos estamos em face de caso de contornos perfeitamente idênticos aos que levaram à afirmação de uma tal jurisprudência. Na verdade, em face dos elementos do processo e que levam a que se conclua pela aplicação ao caso vertente da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97 de 13-09, verifica-se que no decurso dos 10 anos a que se reporta o n.º 2 do seu art. 25º, (…) não foi requerido qualquer exame de revisão pelas partes, (…) nem durante esse período de tempo a mesma viu alterada a sua incapacidade permanente parcial (IPP) de 8%. Deste modo, aplicando-se ao caso a referida lei substantiva, com todo o respeito por opinião diversa, não se me afigura razoável estar a sinistrada a beneficiar do regime da nova LAT aprovada pela Lei n.º 98/2009 de 04-09, sob pena de se estar, também aqui, a pôr em causa o princípio da segurança jurídica.»
No acórdão, também desta Secção Social, proferido em 24-04-2012, P. 299/11.7T2SNS.E1[5], cujo relator foi o agora 2.º Adjunto, e que apesar de se reportar a acidente ocorrido na vigência da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, mantém atualidade sobre o tema que se debate, entendeu-se que à revisão da incapacidade/pensão, se aplicam as regras que vigoram à data do acidente de trabalho.
Escreveu-se neste aresto: «Estando sempre em causa o acidente de trabalho ocorrido em determinada data, e nada mais sendo as “Revisões das pensões” que revisões da incapacidade sofrida, as regras substantivas para apreciação destas terão que ser as que vigoravam à data do acidente: no caso, como se deixou afirmado, as que resultam da Lei n.º 2127 e respetivo regulamento (normalmente designadas de LAT e RLAT).
Ou seja, e dito de outro modo: a revisão da pensão reveste a natureza jurídica de ato modificativo da pensão anteriormente fixada e ao se atender ao agravamento, recidiva, etc., está-se de igual modo a tratar da incapacidade resultante do acidente de trabalho, embora agora em grau diferente. E, mantendo-se a incapacidade, embora em grau diferente, também a pensão a estabelecer após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão atualizada no seu quantum, tendo em conta a alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado. Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2002 (Agravo n.º 1061/02 – 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt. sob Proc. 02S1061), “(…) o n.º 1 da Base XXII da LAT ao permitir que as prestações sejam revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem a reparação, pretende, obviamente, que as prestações a pagar ao trabalhador sinistrado ou doente correspondam ao efetivo grau de perda da capacidade de seu ganho, pelo que, determinando a lesão ou doença, em certo momento, modificação dessa capacidade, devem as prestações sofrer alteração correspondente à alterada capacidade”.
Aliás, o entendimento que se deixa exposto não parece contrariado na decisão recorrida: o que nesta se invoca é (também) uma interpretação da Base n.º XXII da Lei n.º 2127, tendo em conta a evolução legislativa, maxime o previsto no artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
Como se afirma na decisão recorrida, remetendo para a transcrição de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a alteração ao artigo 70.º da referida lei constitui um «motivo de ponderação decisivo» na interpretação da referida Base XXII e não, por exemplo, qualquer interpretação autêntica desta lei, ou até qualquer aplicação direta daquela lei. Assim, face ao que se deixa referido, sublinha-se mais uma vez, impõe-se aplicar ao caso o que se encontra estabelecido na Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, maxime na sua Base XXII, n.º 2, e não o que se encontra estabelecido em leis posteriores, rectius, Lei n.º 100/97, de 13-09 (artigo 25.º, n.º 2), que apenas se aplica aos acidente de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2000, ou o estabelecido na Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (artigo 70.º), que apenas se aplica aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 2010.»
A agora relatora, na Secção Social da Relação de Coimbra, apreciando questão semelhante à dos presentes autos, seguiu o entendimento manifestado na supra citada declaração de voto e no último acórdão identificado.
No acórdão de 31-03-2017, P. 32/05.2TTFIG.1.C1[6], por exemplo, escreveu-se no sumário: «Tendo o acidente de trabalho ocorrido aquando da vigência da Lei n.º 100/97 de 13/09, aplica-se-lhe o regime (substantivo) da caducidade do direito de pedir a revisão da pensão previsto no artigo 25.º dessa Lei e não o artigo 70.º da lei n.º 98/2009, de 04/09.»
Salvaguardado o devido respeito pelo entendimento diverso, mantemos a posição.
Entendemos que o legislador responsável pela aprovação da lei n.º 98/2009, que não consagra no seu artigo 70.º qualquer limite temporal para que as vítimas de acidente de trabalho possam requerer a revisão da sua incapacidade, estipulou inequivocamente como regra de aplicação no tempo, que o regime instituído apenas se aplica aos acidentes ocorridos após 01-01-2010 – cfr. artigos 187.º e 188.º do diploma.
Aliás, a circunstância de os sucessivos legisladores terem clarificado expressamente a que acidentes se aplicavam os sucessivos regimes legais em causa, denota uma assumida intenção de demarcação dos diferentes regimes substantivos em matéria de reparação de acidentes de trabalho, que se sucederam no tempo.
Nesse sentido, nos conduz a letra e o espírito da lei, num ordenamento jurídico que valoriza a primazia do princípio da segurança jurídica, como se deduz dos acórdãos do tribunal constitucional referidos nos acórdãos proferidos nos processos n.ºs 471/03.3TTSTR.E1 e 437/03.3TTPTM-A.E1, desta secção social, supra citados.
Ora, a revisão da incapacidade nos termos em que a mesma se mostra prevista na Base XXII da Lei n.º 212 e no artigo 25.º da Lei n.º 100/97, pressupõe a verificação de um pressuposto temporal – estar-se dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão. Este pressuposto foi abolido na atual lei em vigor.
A propósito, refere Carlos Alegre[7], no comentário ao artigo 25.º da Lei n.º 100/97: «A revisão da incapacidade depende da verificação de alguns pressupostos:
a) Uns, de natureza temporal: 1.Nos casos de acidente de trabalho, a revisão só pode ser requerida dentro dos primeiros dez anos posteriores à data da fixação da pensão (…). Dentro de referido decénio, a revisão pode ser requerida: -“uma vez em cada semestre”, nos dois primeiros anos; - “uma vez por ano”, nos oito anos imediatos. (…)
b) O segundo pressuposto para a revisão da incapacidade é de natureza processual: é necessário alegar-se agravamento, recidiva, recaída, melhoria da lesão ou da doença, ou necessidade de aplicação de prótese ou ortopedia ou de efetuar intervenção clínica ou, ainda, alegar aproveitamento na formação profissional, como na reconversão profissional.»
Concordamos!
Assim, tendo em consideração a jurisprudência do Tribunal constitucional, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, entendemos que ao caso vertente, tendo em consideração que o acidente ocorreu em 15/4/2005, tem aplicação o artigo 25.º da Lei n.º 100/97, em vigor à data do acidente e não a atual Lei n.º 98/2009[8]. Apreciemos agora os elementos factuais relevantes:
- o acidente de trabalho em causa ocorreu em 15-04-2005;
- o sinistrado teve alta em 05-06-2006, tendo sido considerado curado sem desvalorização;
- em 20-09-2017, requereu a revisão da sua incapacidade alegando agravamento das lesões.
Infere-se das destacadas circunstâncias factuais que entre a data da alta (05-06-2006) e a data da apresentação do pedido de revisão (20-09-2017) decorreram mais de dez anos. Não resulta dos autos qualquer revisão da incapacidade anterior, que permitisse contrariar a presunção de estabilização das lesões no decénio após a alta e a fixação da incapacidade (curado sem desvalorização).
Destarte, à data de apresentação do pedido de revisão não se mostrava verificado o pressuposto temporal exigido pelo artigo 25.º da Lei n.º 100/97.
Logo, o direito (substantivo) do sinistrado pedir a revisão da sua incapacidade já havia caducado, ao abrigo da aludida norma.
Assiste, pois, total razão à recorrente, ao invocar a caducidade do direito em causa.
Em suma, o recurso mostra-se procedente, pelo que se impõe a revogação da sentença recorrida e a declaração da caducidade do direito que se aprecia.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, declarando-se a caducidade do direito do sinistrado requerer a revisão da sua incapacidade em juízo.
Sem custas, em função da isenção do sinistrado.
Notifique.
Évora, 29 de novembro de 2018 Paula do Paço (relatora) Moisés Pereira da Silva (votou vencido) João Luís Nunes
Declaração de voto de vendido:
A revisão das incapacidades em juízo coloca uma questão que tem gerado discussão.
O artigo 25.º n.º 2 da última lei citada prescreve que a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo esse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
Este entendimento foi reforçado, em relação à mesma norma jurídica, pelo Tribunal Constitucional em 2007 , com idênticos fundamentos.
Esta decisão constitucional foi proferida no domínio da lei anterior e foi seguida por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de abril de 2008 , embora ainda sobre a mesma lei.
O n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965 corresponde sem alterações ao n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13.09.
A razão de ser da revisão da incapacidade radica no facto do estado de saúde do sinistrado poder evoluir com o tempo e agravarem-se, diminuírem ou, até, curarem-se as lesões. A alteração do coeficiente de desvalorização pode dever-se a fatores internos, ligados ao próprio sinistrado, ou a circunstâncias externas, como seja o avanço contínuo do conhecimento médico e a novos meios tecnológicos colocados ao dispor da medicina que permitam ao trabalhador o uso de aparelho de modo a diminuir a incapacidade para o trabalho.
A pensão resultante da alteração do grau de incapacidade, mesmo depois de fixada pelo tribunal, está sempre sujeita à condição rebus sic stantibus. Não se trata de um benefício estabelecido apenas em relação ao sinistrado, porquanto a entidade responsável pelo pagamento da pensão pode também requerer a revisão e beneficiar se a incapacidade for menor.
Pensamos que ninguém pode garantir que ao fim de 10 anos as lesões já estão de tal modo consolidadas que são insuscetíveis de modificação. A presunção deve poder ser ilidida com base no princípio da justa reparação prescrito pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
A justa reparação, dentro do âmbito já de si tão limitado em que são indemnizados os danos emergentes de acidentes de trabalho pelo direito ordinário, demanda que o trabalhador sinistrado e a entidade responsável possam a todo o tempo requerer a revisão da incapacidade. A justa reparação obedece aos princípios gerais da universalidade e da igualdade (artigos 12.ºe 13.º da Constituição portuguesa) e diz tanto respeito a quem paga como a quem recebe, daí que coloquemos em pé de igualdade as duas partes.
De acordo com as regras de Direito honeste vivere, alterum non leadere e suum cuique tribuere seria contrário à ideia de justiça e aos princípios gerais da universalidade e da igualdade que só o sinistrado pudesse beneficiar da faculdade de requerer a revisão da incapacidade sem limite temporal.
É através da aplicação destas normas de justiça que se determina o que cada um tem direito e o dever correspondente para os outros, segundo a mesma ordem normativa .
Estes tria praecepta iuris são preceitos essenciais à norma jurídica, sem os quais esta deixa de o ser .
Acresce que essa discriminação violaria também o princípio da igualdade prescrito no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
A Lei n.º 100/97, de 13.09 (artigos 6.º n.º 1 e 10.º) refere expressamente o que se pretende com a reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho: restabelecer a capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e a sua recuperação para a vida ativa.
O limite de 10 anos à revisão da incapacidade constitui um entrave à finalidade prosseguida pelas mencionadas normas jurídicas: a restauração da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima.
Assim, concordamos com a jurisprudência do tribunal constitucional, constante dos referidos acórdãos, no sentido de a inconstitucionalidade se estender ao atual n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, uma vez que as razões de fundo são iguais e mantem-se na sua totalidade . Não encontramos razões substantivas para limitar o prazo de revisão das incapacidades resultantes de acidentes de trabalho , a não ser por critérios de índole não jurídica, nomeadamente economicista.
Acresce que nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável qualquer limite temporal, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
Nos casos de predisposição patológica do sinistrado, a suscetibilidade das lesões se agravarem é maior, o que mais justifica a erradicação do limite de 10 anos. Relembramos o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, na medida em que determina que a predisposição patológica da vítima não exclui o direito à reparação integral, nos termos aí previstos, e que em caso de revisão da pensão continua a considerar-se a incapacidade como se tudo resultasse do acidente.
Ora, o fator predisponente à doença pode estar latente e só se revelar ao fim de mais de dez anos (v. g., HIV, Creutzfeldt-Jakob) após a fixação inicial da pensão.
Não é só no momento da primeira fixação da pensão que se atende à predisposição patológica.
Ela tem de ser atendida em todas as situações em que a incapacidade for objeto de revisão posterior.
Não é de excluir um maior risco de agravamento da incapacidade em caso de predisposição patológica.
Outra situação ocorre quando o acidente de trabalho, na data da alta clínica, não deixa danos ressarcíveis face à tabela nacional de incapacidades, mas posteriormente ocorre um agravamento das lesões.
Entendemos que também nestes casos o sinistrado pode pedir a revisão da incapacidade se tiver ocorrido agravamento das lesões sofridas em consequência do acidente , mesmo devido à predisposição patológica.
Esta solução implica que nestes casos não ocorre a caducidade do direito de ação ao fim de um ano após a entrega do boletim de alta (n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 100/97, de 13.09.).
Não se trata de intentar uma ação judicial para reconhecer direitos que a entidade responsável entende não serem devidos na data da alta clínica, mas de requerer ao tribunal que averigue se ocorreu um agravamento superveniente das lesões que naquela data.
A revisão não diz respeito apenas ao grau de incapacidade, mas também à necessidade de substituição ou atribuição de aparelhos ortopédicos ou de outra natureza e, em regra, a necessidade do seu uso é permanente de vitalícia.
A remição da pensão também não afeta o direito do sinistrado à revisão.
Entretanto, o artigo 70.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, veio resolver esta questão a partir da data em que entrar em vigor, prevista para 01 de janeiro de 2010, uma vez que não estabelece qualquer limite temporal para a revisão da pensão e de outras prestações.
Pensamos que o legislador não foi indiferente aos argumentos expendidos pela doutrina e pela jurisprudência, nomeadamente a constitucional e prescreve uma solução justa.
Enquanto estiver em vigor o artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, o limite temporal de 10 anos para a revisão da incapacidade decorrente de um acidente de trabalho deve ser desatendido pelo juiz, por inconstitucionalidade, com os fundamentos materiais invocados e nos termos dos acórdãos do Tribunal Constitucional já mencionados.
Assim, salvo o devido respeito pela decisão que fez maioria, a decisão proferida em primeira instância revela-se justa, na medida em que respeita as regras de direito, os princípios jurídicos e preceitos constitucionais referidos, pelo que a confirmaria.
Évora, 29 de novembro de 2018
Moisés Pereira da Silva
__________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes [2] Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 03-12-2012, P. 597/11.0TTMTS.P1, acessível em www.dgsi.pt [3] Acessível em www.dgsi.pt [4] www.dgsi.pt [5] www.dgsi.pt [6] Pensamos que o mesmo não terá sido publicado. [7] “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, Almedina, pág. 127/128 [8] Com relevância, consultar: Acórdãos da Relação do Porto, de 24/9/2018, P. 1321/04.9TTMTS.1.P1 e P. 765/03.8TTVNG.2.P1;.