CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO
ACORDO DE EMPRESA
INTERPRETAÇÃO
CATEGORIA PROFISSIONAL
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Sumário

I – Na interpretação e integração das normas que integram as convenções coletivas devem seguir-se as regras próprias de interpretação e de integração da lei, designadamente, o disposto no artigo 9.º do Código Civil, uma vez que os seus comandos jurídicos são de natureza geral e abstrata;
II – Sendo a regra que decorre do Código do Trabalho, assim como do AE outorgado entre o Sindicato XXI – Associação Sindical dos Trabalhadores Administrativos, Técnicos e Operadores dos Terminais de Carga Contentorizada do Porto de Sines e a PSA Sines – Terminais de Contentores, S.A. (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 13., de 08-04-2004, com alterações e texto consolidado no BTE n.º 18, de 15-05-2011), a não diminuição da categoria profissional do trabalhador, assim como da retribuição, e prevendo-se no n.º 8 da cláusula única do referido AE que para os trabalhadores portuários a manutenção do nível 4 de operador portuário exige “permanente disponibilidade” para o trabalhador trabalhar com gruas de cais, e que a perda dessa disponibilidade por um período consecutivo de 12 meses determina a baixa para o nível 3, com a consequente baixa da retribuição, entende-se que essa “disponibilidade” se reporta apenas à vontade deste em exercer tais funções, e não a quaisquer outros fatores alheios a essa vontade, como seja a impossibilidade desse exercício, por motivo de doença.
III – Por isso, constatando-se que o trabalhador não operava com gruas de cais apenas devido a doença contraída no exercício da atividade profissional, não podia a empregadora baixar a categoria profissional do trabalhador, com fundamento na aludida cláusula, para o nível 3 de operador portuário, com a correspondente baixa da retribuição (elaborado pelo relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
AA… (autor/recorrido) intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo do Trabalho de Santiago do Cacém) a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB …, (ré/recorrente), pedindo a condenação desta a:
i. proceder à sua (dele, autor) atualização salarial, repondo-lhe a retribuição de nível IV em vigor na empresa;
ii. a pagar-lhe a título de diferenças salariais a quantia de € 49.117,00, acrescida de prestações pecuniárias vencidas e vincendas, incluindo a diferença de subsídio de férias e de Natal, subsídios de turno e de alimentação, quantia acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;
iii. a atribuir-lhe um horário de trabalho igual ao praticado pelos seus colegas da portaria.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 24-05-2004, desempenhando as funções de “Operador Portuário Nível IV”.
Todavia, em 10 de setembro de 2012 a ré comunicou-lhe a baixa de categoria, para “Operador Portuário Nível III”, bem como a diminuição da respetiva retribuição, em virtude de não ter disponibilidade para trabalhar com gruas de cais há mais de 12 meses consecutivos, nos termos do Acordo de Empresa em vigor, e tal (operar com gruas de cais) constituir o conteúdo distintivo de operador portuário de nível IV em relação ao nível inferior.
No entanto, prosseguiu o autor, não trabalha com graus de cais devida a incapacidade de desempenhar normalmente tais funções, por motivo de doença profissional – e não por não pretender fazê-lo –, pelo que não pode a ré baixar-lhe a categoria profissional e a retribuição, e daí o pedido de condenação na reposição da categoria de operador portuário de nível IV e no pagamento das respondentes diferenças salariais.
Mais alegou que encontrando-se atualmente colocado na portaria assiste-lhe direito a ter um horário de trabalho igual ao dos colegas que aí trabalham.

Tendo-se procedido à audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, também muito em síntese, que nos termos do acordo de empresa (AE) aplicável o que distingue o conteúdo funcional de operador portuário de nível 3 e de nível 4 é que este último opera gruas de cais, sendo que que a indisponibilidade para operar com gruas de cais por período consecutivo de 12 meses implica a passagem para o nível 3, com o respetivo ajustamento da componente retributiva.
Em conformidade, uma vez que o autor esteve durante pelo menos esse período de tempo indisponível para trabalhar com gruas de cais, passou para operador portuário de nível 3, com a correspondente retribuição, pelo que não está em causa qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Acrescentou, por fim, que quando foi alocado à portaria o autor manteve o horário de trabalho que tinha até então, pelo que também é destituído de qualquer fundamento o pedido do autor para que lhe seja atribuído um horário de trabalho igual ao praticado pelos seus colegas da portaria.
Por consequência, pugnou pela improcedência da ação.

Foi dispensada a audiência a que alude o artigo 62.º do CPT, fixado valor à causa (€ 49.117,00), elaborado despacho saneador stricto sensu, e dispensada a fixação dos factos assentes, bem como da base instrutória.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se procedido à audiência de julgamento, e em 5 de março de 2018 foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Em face de tudo quanto se deixou exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, reconhecendo ao autor a categoria profissional de Operador Portuário de nível 4:
1.Condena a R. a proceder à actualização salarial do autor, repondo a sua retribuição de nível 4 actualmente em vigor na empresa;
2. Condena a ré no pagamento ao autor do montante global resultante das diferenças salariais, entre as categorias de operador portuário de nível 3 e de nível 4, acrescido das prestações pecuniárias vencidas e das que se vencerem até final, incluindo a diferença de subsídio de férias e de Natal, subsídios de turno e de alimentação, a liquidar em execução de sentença;
3. Condena a ré no pagamento ao autor dos juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até ao efectivo pagamento, a liquidar naqueles termos.
4. No mais, absolve a ré do pedido».

Inconformada com a sentença, a ré dela veio interpor recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«A) O objeto dos presentes autos prende-se em saber se a Ré e ora Recorrente, ao abrigo do disposto no Acordo de Empresa (AE) aplicável e tendo em consideração a indisponibilidade do Autor e ora Recorrido decorrente de doença profissional, por período superior a 12 meses, para desempenhar tarefas de operação de grua de cais inerentes à categoria profissional de operador de nível 4, poderia reenquadrá-lo na categoria profissional de operador portuário de nível 3, e remunerá-lo de acordo com esta categoria.
B) A Recorrente não pode conformar-se com a decisão recorrida, a qual em seu entender faz uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais e convencionais aplicáveis, nomeadamente do disposto nos art.º 119.º e 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho, aprovado pela lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, nos arts..º 154.º a 157.º da lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que estabelece o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, e no Acordo de Empresa (AE) aplicável, celebrado entre a Recorrente e o Sindicato XXI, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 13, de 8 de abril de 2004, objeto de revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 18, de 15 de maio de 2011, em especial, do disposto no n.º 8 da cláusula única do seu anexo I quanto às categorias profissionais e às regras de mobilidade intercategorias/promoções.
C) Atento o factualismo dado como provado que atrás se deixou transcrito no artigo 9.º das alegações e que por razões de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido, impunha-se claramente decisão diferente por parte da Meritíssima Juiz a quo, sendo que não pode a Recorrente conformar-se, e muito menos aceitar, com a circunstância de uma ação desta natureza ser julgada tendo por base uma análise, ainda para mais simplista, de semântica relativamente a uma palavra, ignorando-se em absoluto o acordo de empresa e aquilo que resulta à saciedade de uma simples leitura do mesmo e, em especial, do regime de mobilidade intercategorias nele previsto, tendo em consideração o enquadramento e conteúdo funcional dos operadores portuários de nível 4.
D) Desde logo, no caso em apreço é evidente que inexistiu qualquer alteração unilateral da categoria profissional do Recorrido por parte da Recorrente e, muito menos, se pode concluir que a alteração de categoria violou qualquer norma legal ou convencional aplicável, em concreto o disposto no art.º 119.º ou na alínea e) do n.º 1 do art.º 129.º do Código do Trabalho, ou que não é aplicável in casu o disposto no n.º 8 da cláusula única do Anexo I do AE.
E) Conforme resulta da factualidade provada, a Recorrente limitou-se aplicar o estabelecido no AE aplicável, nos termos do qual a manutenção da categoria profissional de operador portuário de nível 4 pressupõe a disponibilidade para operar gruas de cais, sendo que a perda de disponibilidade para o efeito por período consecutivo de 12 meses implica a passagem para a categoria de operador portuário de nível 3, com o respetivo ajustamento da componente retributiva (cfr. n.º 8 da Cláusula Única do Capítulo II do Anexo I do Acordo de Empresa).
F) A garantia de irreversibilidade da categoria não só não é absoluta, pois pode ocorrer alteração de categoria nos casos previstos no Código do Trabalho (por exemplo no jus variandi ou em caso de reconversão profissional), como a mesma vigora apenas no âmbito da relação laboral, estabelecendo-se que "É proibido ao empregador ( ... ) mudar o trabalhador para categoria inferior ( ... ) (d. Alínea e) do n.º 1 do art.º 129.º do Código do Trabalho).
G) No caso em apreço estamos perante um mecanismo expressamente previsto no AE aplicável e que as partes outorgantes quiseram, de forma livre e consciente, expressamente estabelecer no contexto específico da atividade desenvolvida e da organização interna da empresa, em particular da sua estrutura de carreiras e respetivas categorias profissionais, tendo em consideração também as especificidades dos respetivos conteúdos funcionais dessas categorias, reconhecendo-o como integrando um conjunto de direitos e obrigações que globalmente eram mais favoráveis aos interesses de todos os abrangidos.
H) Ora, uma vez que objetivamente o Recorrido perdeu a disponibilidade, deixando a empresa de a ele poder recorrer para o efeito, para operar grua de cais, como ainda hoje se mantém, por um período consecutivo superior a 12 meses, nos termos do AE a sua categoria profissional passou a ser de operador portuário de nível 3, no caso com efeitos a 1 de setembro de 2012.
I) Não consubstanciando, portanto, uma alteração unilateral da categoria por parte da Recorrente, não se exigindo para o efeito o acordo do Recorrido uma vez que tal alteração se encontra expressamente estabelecida no AE sem que se condicione a sua aplicabilidade à aceitação do trabalhador.
J) Por outro lado, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento da Meritíssima Juiz a quo de que a situação do Recorrido era de impossibilidade de operar grua de cais e não de indisponibilidade para o efeito, pelo que não seria aplicável o mecanismo estabelecido no n.º 8 da Cláusula Única do Capítulo II do Anexo I do AE.
K) Tal conclusão, baseada numa mera questão de semântica, não é consentânea com nenhum tipo de interpretação do AE para além de ignorar ou desconsiderar em absoluto o que é a realidade de uma empresa, em concreto da Recorrente, da atividade por esta desenvolvida, pela organização da sua atividade, nomeadamente, pelo conteúdo funcional das categorias profissionais, a distinção entre operador portuário de nível 3 e de nível 4 e a finalidade do mecanismo de mobilidade intercategorias que as partes outorgantes do AE quiseram e de forma livre e esclarecida instituíram.
L) Conforme resulta com meridiana clareza da leitura, até menos atenta, e respetiva interpretação do clausulado do AE, é evidente que do mesmo resulta que pretenderam as partes outorgantes definir que para a manutenção do nível 4 da categoria de operador portuário era essencial manter a disponibilidade para a prestação das funções de operador de grua de cais, precisamente por serem essas funções que em termos de conteúdo funcional, distinguiam e distinguem o operador portuário de nível 3 do operador portuário de nível 4.
M) E manter a disponibilidade, como resulta de forma clara do n.º 8 da Cláusula Única do Capítulo " do Anexo I, em conjugação com conteúdo funcional das categorias em questão, só pode querer significar estar à disposição da empresa em ordem a esta poder dispor do seu recurso qualificado para o efeito, sendo que em momento algum se pode retirar do teor do clausulado do AE em questão, que nele se limita, ou pretendeu limitar de alguma forma, a aplicação deste mecanismo a situações em que a indisponibilidade do operador é voluntária ou está na sua disponibilidade, pois se assim fosse estaria escrito no mesmo, o que não é o caso.
N) Saliente-se, aliás, que o n.º 8 da Cláusula Única do Capítulo II do Anexo I do AE refere expressamente "Quem perder essa disponibilidade", resultando daqui claramente, como é evidente, que a indisponibilidade não tem que ser voluntária nem ter que depender da vontade do trabalhador mas, pelo contrário, tal mecanismo abrange todas as situações em que o trabalhador tenha perdido a disponibilidade, podendo essa perda resultar de uma qualquer circunstância, a que o trabalhador pode ser totalmente alheio e até ser contrária à sua vontade, mas que na prática se traduza na impossibilidade de a empresa dispor do seu recurso para o desempenho daquelas funções concretas por um período superior a 12 meses.
O) Qualquer outra interpretação e nomeadamente aquela em que assenta a conclusão da Meritíssima Juiz a quo não encontra qualquer correspondência na letra ou em qualquer interpretação da cláusula em apreço, seja de que tipo for, nem faz o menor sentido, para além de ser absolutamente redutor do sentido e função que resulta de forma clara se pretendeu dar ao referido mecanismo no contexto do AE e da mobilidade intercategorias entre operador portuário de nível 3 e operador de portuário de nível 4.
P) Mais, até na perspetiva de um simples declaratário normal, que não munido das ferramentas do julgador para o efeito, outra não pode ser a interpretação do clausulado em questão e da expressão "disponibilidade" ou "indisponibilidade" no contexto em que é utilizado, sendo certo que a situação de impossibilidade se traduz na prática numa situação de efetiva indisponibilidade.
Q) Perda de disponibilidade traduzir-se-á na prática na situação em que, independentemente do motivo ou razão que lhe está subjacente, subjetivo ou objetivo, inclusive decorrente de um acidente de trabalho ou de doença profissional, um determinado operador não está à disposição da empresa para esta, querendo e necessitando, colocá-lo a desempenhar as funções de operar grua de cais.
R) A lei estabelece mecanismos específicos de compensação aos trabalhadores que são vítimas de acidente de trabalho ou de doenças profissionais, não recaindo sobre as empresas, pela simples circunstância de o acidente ocorrer ou a doença decorrer do desempenho de funções ao seu serviço, o dever de compensar o trabalhador sinistrado, nomeadamente, como entende na prática a Meritíssima Juiz a quo, pagando a retribuição correspondente a uma categoria profissional que pressupõe o desempenho de funções que o trabalhador deixou de desempenhar em função do acidente ou da doença.
S) Mas a decisão recorrida incorre igualmente em erro de julgamento quando conclui que estava vedado à Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 8 da Cláusula Única do Capítulo II do Anexo I do AE, diminuir a retribuição do Recorrido, remunerando-o em conformidade com a categoria profissional de operador portuário de nível 3, correspondente às funções por si efetivamente desempenhadas.
T) Resulta de forma expressa, clara e inequívoca do AE, que a parte do vencimento correspondente à diferença entre o nível 3 e o nível 4 consubstancia uma prestação cuja atribuição tem subjacente uma causa específica, no caso, a disponibilidade para operar grua de cais, só sendo devida na condição de ser mantida a disponibilidade para o efeito, não integrando assim o conceito de retribuição estrita a que se reporta o princípio da irredutibilidade estabelecido na alínea d) do n.º 1 do art.º 129.º do Código do Trabalho.
U) Ora, tendo o Recorrido objetivamente perdido a disponibilidade para operar gruas de cais por um período consecutivo de 12 meses - no caso desde 25 de novembro de 2010 até à presente data e pelo menos até ao próximo exame de medicina no trabalho marcado para 8 de outubro de 2018 - cessou o fundamento do pagamento da diferença de vencimento do nível 3 para o nível 4, pelo que, tal como expressamente previsto no AE, tal diferença deixou de ser paga ao Recorrido com efeitos a 1 de setembro de 2012.
V) Circunstância que não integra qualquer violação de normas legais e ou convencionais e, em concreto, do princípio da irredutibilidade da retribuição, integrando uma atuação perfeitamente lícita por parte da ora Recorrente.
W) Em qualquer caso, mesmo que se considerasse a prestação em questão como integrando o conceito de retribuição ínsito na alínea d) do n.º 1 do art.º 129.º do Código do Trabalho, resulta expressamente da referida norma que o princípio em questão pode ser afastado nos casos expressamente previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva (sublinhado nosso), o que sucede no caso em apreço, estando tal possibilidade expressamente consagrada no AE aplicável.
X) Mas a Recorrente não se conforma igualmente com a decisão recorrida quando nesta, para fundamentar a sua conclusão, a Meritíssima Juiz a quo refere que “a requalificação do autor no posto de trabalho não resulta do facto de lhe ter sido efetivamente atribuída uma IPATH - Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual-, pois tal ainda não ocorreu, continuando o autor em consultas, a próxima marcada nos moldes provados", ou seja, em 8 de outubro de 2018 (facto provado 24).
Y) Conforme decorre do disposto nos arts.s 154.º e seguintes do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, previsto na lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, o dever do empregador ocupar o trabalhador vitima de acidente ou doença profissional não existe apenas quando existe uma incapacidade permanente, parcial ou absoluta para o trabalho habitual, mas também nos casos em que resulta uma incapacidade temporária parcial.
Z) Resulta provado nos autos que o Recorrido, por força de doença profissional, se encontra indisponível desde novembro de 2010 para operar grua de cais, tendo a Recorrente assegurado desde então, como continua a assegurar, em estrito cumprimento de obrigação legal, que o mesmo desempenhe funções e tenha condições de trabalho compatíveis com o respetivo estado, auferindo a retribuição inerente à respetiva categoria profissional e correspondente à capacidade de ganho que mantém.
AA) Conforme é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, o princípio da irredutibilidade da retribuição não se aplica nos casos de reconversão profissional, não se podendo falar de violação deste princípio nos casos em que por força de reconversão o trabalhador passa a desempenhar funções inerentes a uma outra categoria profissional e a receber uma retribuição inferior, correspondente a tal categoria.
BB) Sendo certo que em caso algum se pode condicionar, e muito menos a lei o faz, o cumprimento de tal obrigação por parte da entidade empregadora à anuência expressa do trabalhador - sem prejuízo de no caso em apreço o Recorrido ter desempenhado tarefas que integravam o conteúdo funcional da categoria de operador portuário 4, com exceção de operar grua de cais - sob pena de a empresa depender da vontade deste para fazer cumprir a sua obrigação legal.
CC) Inexistindo, portanto, também aqui qualquer violação do principio da irredutibilidade da retribuição e, em concreto, do disposto no n.º 2 do art.s 157.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro, na medida em que a base da retribuição do Recorrido não é inferior à capacidade de trabalho que o mesmo mantém e é correspondente às tarefas que efetivamente executa.
DD) Por tudo o que fica exposto e em face do factualismo dado como provado, outra não poderia ser a conclusão senão a de que a atuação da Recorrente ao reenquadrar o Recorrido na categoria profissional de operador portuário de nível 3 e, consequentemente, ao ajustar a sua retribuição de acordo com a respetiva categoria, encontra-se prevista no AE e não é suscetível de qualquer censura do ponto de vista legal e ou convencional.
EE) Impondo-se, assim, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue integralmente improcedente a ação e absolva a Recorrente dos pedidos contra si formulados, o que se requer para todos os efeitos legais.
Termos em que a sentença recorrida não deverá manter-se, devendo o presente recurso merecer integral provimento, com as consequências legais daí decorrentes».

Contra-alegou o autor/recorrido, assim concluindo:
«A) O autor e ora recorrido intenta a presente ação pedindo a condenação da ré e recorrente na atualização salarial, repondo as diferenças salariais entre as duas categorias de nível 3 e nível 4.
B) Efetuado o julgamento a sentença proferida condenou a ré a proceder à atualização salarial do autor, repondo a sua retribuição de nível 4, atualmente em vigor na empresa e condenou a ré no pagamento ao autor do montante global resultante das diferenças salariais entre as categorias de operador nível 3 e de nível 4, acrescido das prestações pecuniárias vencidas e das que se vencerem até final.
C) A ora recorrente insurge-se contra esta decisão, entendendo que se verifica um erro de julgamento na interpretação e aplicação do artº119º e 129º, nº1-d) do Código do Trabalho e artº155º e 157º da Lei 98/2009 e na cláusula única do acordo de empresa (AE) Anexo I nº8, publicado no BTE nº18 de 15 de Maio de 2011, não se verificando uma alteração unilateral da categoria do autor.
D) Consta da matéria de facto dada como provada, nos factos provados sob o número 2, que em 2010 o A. desempenhava funções inerentes à categoria profissional de operador portuário nível 4, operando grua de cais (Quay crane) e do nº4 que a partir de 1 de Setembro de 2012 a categoria profissional do A. passou a ser de operador portuário nível 3, com a consequente diminuição de retribuição base para €1.305,35.
E) A diminuição de categoria profissional nos termos do artº129º, nº1 e) do Código de Trabalho constitui uma situação de exceção, sendo a norma e o principio, a não diminuição e a exceção a diminuição de categoria, surgindo o ius variandi e a reconvenção profissional como exemplo das exceções permitidas por lei.
F) A este propósito e como se refere em Acórdão do STJ, oportunamente citado em infra, a categoria profissional obedece assim aos princípios de efetividade, irreversibilidade e do reconhecimento.
G) Atendendo aos factos provados enunciados em 2 e 4 na sentença, verifica-se que todos estes elementos se aplicam ao caso do autor, ao integrar o autor e ora recorrente no nível 3, baixando-o do nível 4, a ré e ora recorrente baixou unilateralmente a categoria do autor, não estando a situação do autor enquadrada no princípio do ius variandi ou em reconversão profissional.
H) Se a questão da irreversibilidade da categoria não é absoluta, como invoca a recorrente, também não pode ser arbitrária.
I) A questão do elemento literal e da semântica invocada pela recorrente no sentido de qual a melhor interpretação da cláusula única nº8 do AE, entendeu o Tribunal A Quo que se verifica no caso concreto uma situação de impossibilidade por parte do autor e não de indisponibilidade, sendo diferentes ambas as situações.
J) A interpretação de tal cláusula como preconizado pela ré e recorrente, de que a cláusula única nº8 do AE abrange e tem aplicação em toda e qualquer circunstancia, é contrária ao elemento literal e ao sentido que todas as partes subscritoras do AE pretenderam, sendo mesmo contraria à lei, por aplicação do artº129º, nº1 –e) e artº478º, nº1, ambos do Código de trabalho.
K) Pelo exposto da analise de varias exceções ao referido principio e norma legal prevista no artº119º, nº1-e), designadamente a do artº119º, 120º ou 164º, todos do Código de Trabalho, resulta que o Tribunal A Quo faz uma correta interpretação do conceito normativo em questão, com uma analise e explanação completa e rigorosa do mesmo, permitindo dessa forma seguir o raciocínio e silogismo judiciário e concluir que não se enquadrando o abaixamento da categoria em nenhuma das exceções previstas na lei e enquadrando-se as funções do autor, como estando contidas no conteúdo funcional das tarefas cometidas no operador nível 3, a que acresce grua de cais, não tendo que exercer todas as funções e em caso de diversidade indistinta deve o trabalhador ser colocado na categoria mais elevada, até por aplicação do principio favor laboratoris.
L) Ora não havendo nenhuma dessas situações (que configurem uma exceção admitida por lei) e existindo uma impossibilidade de exercer essas funções de grua de cais (mas podendo exercer outras), bem decidiu o tribunal A Quo de que não é lícito à ré, ao abrigo do AE Capitulo II do Anexo I nº8, da sua cláusula única, passar a integrar o autor no nível 3, constituindo uma efetiva descida de categoria, pelo que deverão improceder as conclusões vertidas nos pontos A) a R) das conclusões da ora recorrente.
M) A remuneração do autor e ora recorrido é uma remuneração fixa, de um único valor, paga mensalmente de forma constante e que constitui o seu salario, não havendo qualquer outra componente, designadamente por efetuar grua de cais, isto é, não tinha um subsídio ou complemento por efetuar essa tarefa, ou estar a mesma relacionada com condições especificas de realizar a prestação de trabalho, estando pois integrada no conceito de retribuição.
N) O afastamento da irredutibilidade da retribuição e salvo melhor opinião, no caso concreto do autor, por não se tratar de um complemento ou subsidio, não se enquadra quer nas exceções previstas na lei, quer na situação enumerada no acórdão invocado pela ora Recorrente, quer ainda no instrumento de regulamentação coletiva, pelo que deverão improceder as conclusões vertidas nos pontos S) a W) das alegações da Recorrente.
O) A situação do autor e a diminuição da sua categoria profissional não decorre ou não resulta do facto de lhe ter sido atribuída uma IPATH-incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, como consta do facto provado sob o nº24.
P) O tribunal limita-se a constatar esse facto, de que não resultou que a diminuição da categoria haja sido efetuado em virtude de lhe ter sido atribuída uma IPATH e apenas isso, pelo que não ocorre nem se vislumbra aqui qualquer erro de julgamento cometido pelo tribunal A Quo, pelo que deverão improceder mas conclusões vertidas nos pontos AA a CC.
Q) Assim, tendo ocorrido inequivocamente uma descida de categoria com a inerente diminuição de retribuição decidida unilateralmente pela ré, quando o autor ficou impossibilitado (ainda que não definitivamente) de efetuar grua de cais, devido a doença profissional que contraiu ao serviço da ré, tal configura uma diminuição ilícita da categoria, pelo que bem decidiu o Tribunal A Quo ao reconhecer ao autor o direito de que se arroga, bem como aos diferenciais remuneratórios entre o que passou a auferir como operador nível 3 e o que deveria auferir como operador nível 4.
R) Pelo exposto, analisando a sentença proferida, resulta que a MMª Juiz não cometeu qualquer erro de julgamento, tendo procedido a uma correta subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis, pelo que deverá a douta sentença ser confirmada».

Admitido o recurso na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo –, remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em saber se tendo o autor/recorrido a categoria profissional de “operador portuário nível 4”, mas tendo a partir de Novembro de 2010 deixado de operar com gruas de cais perdeu a manutenção desse nível 4, passando a ser remunerado pelo nível imediatamente inferior, ou seja, “operador portuário nível 3”.

III. Factos
Com eventual relevância para a decisão da causa, a 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não vir impugnada nem se vislumbrar fundamento para a sua alteração:
1.Em 24 de Maio de 2004, a R. celebrou com o A. acordo escrito denominado “contrato de trabalho a termo certo”, com início nessa data, pelo prazo de seis meses e no âmbito do qual o A. passou a desempenhar as funções inerentes á categoria profissional de Operador Portuário Nível IV, Operador de Pórtico, auferindo a retribuição de € 1.417,60 de remuneração base, € 354,40 de turno e € 254,10 de subsídio de alimentação.
2. Em 2010, o A. desempenhava funções inerentes à categoria profissional de operador portuário de nível 4, operando grua de cais (Quay Crane).
3. Em 10 de Setembro de 2012, a R. enviou carta ao A. com o seguinte teor:
«Nos termos do n.º 8 da Cláusula única, Capítulo II, do Anexo I (Categorias Profissionais), do Acordo de Empresa entre a PSA Sines – Terminais de Contentores, S.A. e o Sindicato XXI – Associação Sindical dos Trabalhadores Administrativos, Técnicos e Operadores de Terminais de Carga Contentorizada do Porto de Sines (AE), “para os trabalhadores portuários, a manutenção do nível 4 exige permanente disponibilidade para trabalhar com grua de cais. Quem perder essa disponibilidade por um período consecutivo de 12 meses baixa para o nível 3. A diferença de vencimento entre o nível 4 e o nível 3 integra, portanto, uma prestação de natureza precária cuja manutenção depende da disponibilidade3 para operar gruas de cais.”
Tendo em consideração que V. Exa. não tem disponibilidade para trabalhar com grua de cais (QC) há mais de 12 meses consecutivos, nos termos e para os efeitos do disposto na atrás citada cláusula do AE, informamos que a partir de 1 de Setembro de 2012 a sua Categoria Profissional passou a ser de Operador Portuário Nível 3, com a consequente diminuição de retribuição daí resultante.
Em consequência desta alteração, ainda nos termos da referida cláusula do AE, a retribuição líquida de V. Exa., à qual serão deduzidos os respectivos descontos legais, passa a ser a seguinte:
(i) Vencimento Base Mensal: 1.305,35€;
(ii) Subsídio de Turno (25%9; 326,34€ (a ser pago enquanto o trabalho for prestado neste regime);
Receberá ainda a título de Subsídio de Alimentação, a quantia de €8,47 (oito euros e quarenta e sete cêntimos) por cada dia de trabalho efectivo.»
4. A partir de 1 de Setembro de 2012, a Categoria Profissional do A. passou a ser de Operador Portuário Nível 3, com a consequente diminuição de retribuição base para € 1.305,35.
5. Desde Novembro de 2010 o A. começou a ter dificuldades em manusear repetidamente o manípulo joystick, como fazia no desempenho habitual das suas funções de manobrador de pórtico.
6. Em consulta efectuada em 15.11.2010 junto da Companhia de Seguros …, foi diagnosticado ao A. tenossivite de D1 mão direita relacionada com sobrecarga profissional (joystick).
7. Em 25 de Novembro de 2010, em exame médico realizado no âmbito da medicina no trabalho, o A. foi considerado “apto condicionalmente” para a prestação de trabalho, determinando-se na ficha de aptidão que «só pode efectuar tarefas de conferência, registo e vigilância por 60 dias a contar da presente data, deve ser reavaliado nesta consulta nessa altura.»
8. Em exames médicos posteriores, no âmbito do acompanhamento prestado em sede de medicina no trabalho, nomeadamente em 24.03.2011, 25.05.2011, 22.07.2011, 01.09.2011, 27.09.2011, 05.01.2012, 19.07.2012, 28.09.2012, 28.12.2012, 04.01.2013, 13.07.2014, 29.05.2015, 13.07.2015 e 07.10.2016, o A. foi sendo sucessivamente considerado “apto condicionalmente”, não sendo aconselháveis movimentos exigindo força ou repetitivos dos membros superiores, com determinação de que deveria manter a “actual situação de trabalho”
9. Em 25.05.2011 foi efectuada participação obrigatória pela Dra. …, do Centro Nacional de Protecção Contra Riscos Profissionais, da qual consta no quadro 2 «Doença profissional (diagnostico ou suspeita fundamentada) Dedo em gatilho, mais acentuado à direita.»
10. Por carta datada de 11.02.2013, recebida em 22.01.2016, o A. foi notificado pelo Departamento de Protecção Contra Riscos Profissionais solicitando o envio de participação obrigatória, a qual veio a ser elaborada pelos serviços de medicina no trabalho, em 21.02.3013.
11. Por carta datada de 12 de Janeiro de 2016, o Departamento de Protecção Contra Riscos Profissionais notificou a R. ter sido reconhecida ao A. doença profissional, pelo que deveriam ser observadas medidas que impedissem a exposição do trabalhador aos factores de risco que estão na origem da doença, nomeadamente a atribuição de tarefas compatíveis com o actual estado de saúde e respectiva capacidade de trabalho residual.
12. Desde Novembro de 2010 até á presente data, dando cumprimento às indicações da medicina no trabalho, o A. passou a realizar apenas tarefas inerentes à categoria de operador portuário compatíveis com a sua situação, nomeadamente funções na Portaria (GOS – Gate Operations), efectuando o registo da recepção e saída de contentores.
13. Tendo por isso deixado de fazer pórticos (gruas de cais).
14. Actualmente o A. aufere a remuneração base de € 1.567,00, € 264,90 a título de subsídio de alimentação e € 391,75 a título de subsídio de turno.
15. Por documento escrito datado de 27.10.2016, a direcção do Sindicato XXI, de que o A. é associado, solicitou à R. a reposição do seu vencimento anterior (Nível 4).
16. Desde 1 de Setembro de 2012 até Dezembro de 2017, o A. recebeu enquanto inserido na categoria profissional de Operador Portuário Nível 3, os montantes vertidos em cada uma das primeiras tabelas constantes do documento de fls. 77 e v.º.
17. O anexo I Capitulo I do Acordo de Empresa celebrado entre a R. e o Sindicato XXI, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 13, de 8 de Abril de 2004, objecto de revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 18, de 15 de Maio de 2011, prevê o conteúdo funcional das categorias profissionais das diversas carreiras abrangidas pelo seu âmbito de aplicação do Acordo de Empresa (AE).
18. No que respeita à “Carreira 3 – Operador Portuário”, estabelece-se o seguinte:
(…)
Operador Portuário Nível 4 – o trabalhador que desempenha todas as funções inerentes à operação portuária contentorizada, tendo tido formação adequada para o efeito. Realiza trabalhos de complexidade técnica e dá apoio técnico aos restantes profissionais encarregues de trabalhos mais simples, podendo ser encarregue de colaborar na formação profissional destes. Reporta hierarquicamente ao supervisor sénior, supervisor e ou à estrutura directiva do departamento conforme estiver definido.
Operador Portuário Nível 3 – O trabalhador que desempenha todas as funções inerentes à operação portuária contentorizada, excepto operação de grua de cais (QUAY CRANE), tendo tido formação adequada para o efeito assim como avaliação de desempenho positivo para o acesso a esta categoria.
Devido à acumulação de experiência e conhecimentos práticos que possui, está habilitado a preencher vários postos de trabalho dentro do conjunto de funções próprias do departamento ou seção em que se integra, podendo trabalhar em regime de polivalência e ocupar alternadamente todos os postos de trabalho dentro de um determinado segmento do processo produtivo ou área de actividade do departamento. Reporta hierarquicamente ao supervisor sénior, supervisor e ou à estrutura directiva do departamento conforme estiver definido.
Operador Portuário Nível 2 – O trabalhador que desempenha todas as funções inerentes à condução de PM, peamento/despeamento de contentores, assim como as relativas a GOS/TOS (Gate Operations/Train Operations) e consolidação/desconsolidação de contentores, tendo tido formação adequada para o efeito. Estando habilitado a preencher vários postos de trabalho dentro do conjunto de funções próprias do departamento ou seção em que se integra, pode trabalhar em regime de polivalência e ocupar alternadamente os postos de trabalho dentro de um determinado segmento do processo produtivo ou área de actividade do departamento. Reporta hierarquicamente ao supervisor sénior, supervisor e ou à estrutura directiva do departamento, conforme estiver definido.
Operador Portuário em formação (nível 1) – o trabalhador que estando em formação para o nível 2, executa, com a orientação do formador responsável e de acordo com um plano de formação preestabelecido, as funções inerentes ao nível 2. Reporta hierarquicamente ao supervisor sénior, supervisor e ou à estrutura directiva do departamento, conforme estiver definido.
19. O operador portuário de nível 3 desempenha todas as funções inerentes à operação portuária contentorizada, na qual se incluem as funções relativas a GOS (Gate Operations) já abrangidas no conteúdo funcional dos operadores portuários de nível 2, com excepção das operações de grua de cais (Quay Crane).
20. O operador portuário de nível 4 desempenha todas as funções inerentes à operação portuária contentorizada - na qual, como é evidente, também se incluem necessariamente as funções relativas a GOS (Gate Operations), as quais já se encontram também abrangidas no conteúdo funcional dos operadores portuários de nível 3 – a que acrescem as funções de operação de grua de cais.
21. Nos termos Capítulo II do anexo I do AE encontram-se estabelecidas regras de “mobilidade intercategorias/promoções”, prevendo-se no n.º 8 da sua cláusula única o seguinte: Para os trabalhadores portuários, a manutenção do nível 4 exige permanente disponibilidade para trabalhar com gruas de cais. Quem perder essa disponibilidade por um período consecutivo de 12 meses baixa para o nível 3. A diferença de vencimento entre o nível 4 e o nível 3 integra, portanto, uma prestação de natureza precária cuja manutenção depende da disponibilidade para operar.
22. Desde Novembro de 2010, o A. desempenhou apenas tarefas compatíveis com o seu estado, integradas no conteúdo funcional da categoria de operador portuário de nível 3.
23. A partir de Setembro de 2012, o A. continuou a desempenhar essas tarefas integradas no conteúdo funcional da categoria de operador portuário de nível 3, com a retribuição correspondente a esta categoria profissional.
24. Foi designado novo exame médico ao A. para 8 de Outubro de 2018.
IV. Fundamentação
Como já se deixou afirmado, a questão essencial a decidir consiste em saber se tendo o trabalhador/recorrido a categoria profissional de “operador portuário nível 4”, mas tendo a partir de Novembro de 2010 deixado de operar com gruas de cais perdeu a manutenção desse nível 4, passando a ser remunerado nível imediatamente inferior, ou seja, “operador portuário nível 3”.
A 1.ª instância respondeu negativamente a tal questão.
Para tanto desenvolveu, no essencial, a seguinte fundamentação:
«(…) F]lui claramente deste AE que efectivamente a distinção entre a função de operador portuário de nível 3 e de nível 4 reside no facto deste operar gruas de cais, sendo que que no seu conteúdo funcional estão contidas as tarefas cometidas ao operador de nível 3.
Nos termos Capítulo II do anexo I do AE encontram-se estabelecidas regras de “mobilidade intercategorias/promoções”, prevendo-se no n.º 8 da sua cláusula única o seguinte: Para os trabalhadores portuários, a manutenção do nível 4 exige permanente disponibilidade para trabalhar com gruas de cais. Quem perder essa disponibilidade por um período consecutivo de 12 meses baixa para o nível 3. A diferença de vencimento entre o nível 4 e o nível 3 integra, portanto, uma prestação de natureza precária cuja manutenção depende da disponibilidade para operar.
Ora, a R. entende, com apoio nos factos provados, que em virtude da doença profissional que lhe veio a ser considerada no âmbito da medicina no trabalho (pontos 5 a 11 e 24), desde Novembro de 2010, o A. encontra-se indisponível para manobrar gruas de cais e, assim, para o exercício da tarefa distintiva da sua inserção no nível 4, pelo que, verificando-se tal situação há mais de 12 meses consecutivos, procedeu á comunicação ao autor provada em 7) e, nesse seguimento, a partir de 1 de Setembro de 2012, a Categoria Profissional do A. passou a ser de Operador Portuário Nível 3, com a consequente diminuição de retribuição base para € 1.305,35, situação que se mantém, na medida em que desde Novembro de 2010 até á presente data, dando cumprimento às indicações da medicina no trabalho, o A. passou a realizar apenas tarefas inerentes à categoria de operador portuário compatíveis com a sua situação, nomeadamente funções na Portaria (GOS – Gate Operations), efectuando o registo da recepção e saída de contentores.
De acordo com o entendimento resultante do Acórdão do STJ de 28.09.2005, proc. n.º 1165/05, que incidiu sobre cláusulas regulativas das Convenções Colectivas de Trabalho, as Convenções Colectivas seguem as regras próprias da interpretação e da integração da lei, designadamente o disposto nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, quanto à parte obrigacional, e o preceituado no art.º 9.º do CC, no que toca à parte regulativa, uma vez que os seus comandos jurídicos são gerais e abstractos e produzem efeitos em relação a terceiros.
E a interpretação jurídica tem por objecto discernir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, à luz do art.º 9.º do CC.
Nessa função de interpretação e valoração que acompanha a apreensão dos sentidos possíveis da lei intervêm elementos lógicos, sistemáticos, históricos e racionais ou teleológicos.
No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ de 25.03.2015, proc. n.º 3243/11.8TTLSB.S1 foi também evidenciado de forma desenvolvida o que compreende cada um dos referidos elementos de interpretação.
Ora, no caso sob juízo, afigura-se distinta a situação de indisponibilidade da situação de impossibilidade de manobrar gruas de cais.
Como se pode retirar em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa, a indisponibilidade repousa na qualidade ou estado do que é indisponível, isto é, do que se não pode dispor, ao passo que a impossibilidade se trata da qualidade de impossível, de impedimento absoluto, de coisa que não pode existir ou ser realizada. Nesta medida, a situação do A. desde Novembro de 2010 é de impossibilidade de manobrar gruas de cais e não de indisponibilidade, aquela situação não depende da sua vontade e verificou-se até em virtude/por causa do exercício repetido das suas funções enquanto operador de pórtico de nível 4, isto é, ao manobrar gruas de cais, por excesso de utilização do respectivo joystick. Em outras palavras, a impossibilidade vai muito mais além da disponibilidade e, no caso, advém inclusivamente do exercício habitual, reiterado das funções inerentes ao nível 4, as quais provocaram ao autor doença profissional.
Não seria lícito á ré ao abrigo do AE, Capítulo II do anexo I, n.º 8 da sua cláusula única passar a integrar o autor no nível 3 e a remunera-lo em conformidade com esta categoria, o que consubstancia uma efectiva descida de categoria.
Por outro lado, ainda que devido à sua situação, encontrando-se impossibilitado de manobrar gruas de cais, o autor tivesse passado a desempenhar outras funções, compatíveis com essa situação, na portaria, estas funções integram-se na categoria profissional de operador de nível 3, a qual, como concluímos, já era desempenhada e sempre teria de ser desempenhada pelo autor. Por conseguinte, não poderemos afirmar que pelo facto de ter passado a desempenhar funções na portaria, o autor concordou com a sua requalificação no nível 3 e com a correspondente remuneração, na medida em que, sempre teria de exercer o conteúdo funcional inerente à categoria de operador de nível 3, que já detinha.
Neste preciso contexto, nos termos e para o efeito do citado art.º 119.º, do CT, nada autoriza concluir que o autor deu o seu acordo, ainda que tácito, à descida de categoria profissional e, assim, á diminuição da sua remuneração, cabendo neste aspecto, enquadrar devidamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2007, proc. n.º 07S2913, in www.dgsi.pt, citado pela R., (pois aí partiu-se da constatação da existência de acordo entre a empregadora e a trabalhadora, tendo esta passado a desempenhar funções distintas das integradas na categoria profissional inicial e respeitantes a uma categoria de nível inferior).
Por fim, diga-se ainda que a requalificação do autor no posto de trabalho, não resulta de do facto de lhe ter sido efectivamente atribuída uma IPATH, pois tal ainda não ocorreu, continuando o autor em consultas, a próxima marcada nos moldes provados.
Pelo exposto, verificando-se que por determinação unilateral da R. o A. foi inserido na categoria de operador portuário de nível 3, passando a ser remunerado como tal, quando tinha alcançado, exercendo funções como operador de nível 4, que apenas deixou de executar em virtude de doença profissional que o impossibilita, desde Novembro de 2010 até à data (mas ainda não considerados permanentes), tal consubstancia uma descida de categoria, que concede ao autor o direito de ao reconhecimento do direito de que se arroga, bem como aos diferencias remuneratórios entre o que passou a auferir como operador de nível 3 e o que deveria auferir como operador de nível 4. Neste aspecto, conforme acordo das partes, o seu apuramento terá de ser relegado para liquidação em execução de sentença e nessa liquidação deverão ser contabilizados juros de mora à taxa legal, nos termos peticionados».
Assim, a 1.ª instância considerou, muito em síntese, que no caso não se trata de uma indisponibilidade do autor trabalhar com gruas, mas sim de uma impossibilidade, situação que se encontra arredada do AE (outorgado entre o Sindicato XXI – Associação Sindical dos Trabalhadores Administrativos, Técnicos e Operadores dos Terminais de Carga Contentorizada do Porto de Sines e a PSA Sines – Terminais de Contentores, S.A., publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 13., de 08-04-2004, com alterações e texto consolidado no BTE n.º 18, de 15-05-2011), pelo que embora o autor não trabalhe com gruas de cais desde Novembro de 2010, não podia baixar para o nível 3 de operador portuário.
A recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que para a manutenção do nível 4 da categoria de operador portuário era essencial que o trabalhador mantivesse a disponibilidade para a prestação das funções de operador de grua de cais, precisamente por serem essas funções que em termos de conteúdo funcional distinguiam o operador portuário de nível 3 do operador portuário de nível 4.
Acrescentou que a situação de impossibilidade do autor operar com grua de cais «se traduz na prática numa situação de efetiva indisponibilidade», pelo que não operando com as referidas gruas deveria ser remunerado – como foi – como operador portuário de nível 3.
Por sua vez, quer o recorrido, quer o Ministério Público no parecer que emitiu ao abrigo do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, aplaudem a decisão recorrida.
Vejamos.

A 1.ª instância fez já suficientes e adequadas considerações em torno da noção de categoria profissional e do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Por isso, a fim de evitarmos ser tautológicos em relação ao já afirmado na sentença recorrida, diremos apenas, em breve síntese, que, conforme a jurisprudência e a doutrina têm vindo a entender de modo uniforme, a categoria profissional obedece aos princípios da efetividade (no domínio da categoria-função relevam as funções substancialmente pré-figuradas e não as meras designações exteriores), da irreversibilidade (do domínio da categoria estatuto, pois que uma vez alcançada certa categoria, o trabalhador dela não pode ser retirado ou despromovido) e do reconhecimento (a categoria-estatuto tem de assentar nas funções efetivamente desempenhadas pelo trabalhador).
Deverá corresponder ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou legalmente ou decorrentes de instrumentos de regulamentação coletiva, não sendo necessário que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria, mas sim que o núcleo essencial das funções desempenhadas pelo trabalhador se enquadre nessa categoria.
Importa também ter presente que o trabalhador deve, em princípio, exercer as funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional (n.º 1 do artigo 118.º do Código do Trabalho).
A mudança para categoria inferior àquela para que se encontra contratado pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição (artigo 119.º).
E, conforme dispõe o artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do compêndio legal em referência, é proibido ao empregador diminuir a retribuição, «(…) salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho».
Extrai-se da letra deste preceito que a redução da retribuição apenas pode ocorrer nos casos previstos no Código [como ocorre, por exemplo, em situações de mobilidade funcional do trabalhador – artigo 120.º –, de redução do tempo de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho em situação de crise da empresa – artigo 305.º, n.º 1, alínea a) –, ou nas situações em que cessa a comissão de serviço e o trabalhador se mantém na empresa, a exercer a atividade que exercia antes da referida comissão de serviço – artigo 164.º, n.º 1, alínea a)] e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

No caso em apreço é incontroverso, face à posição das partes e ao disposto no artigo 553.º do Código do Trabalho de 2003 e no artigo 496.º do Código do Trabalho de 2009, que à relação laboral se aplica o AE outorgado entre o Sindicato XXI e a PSA Sines – Terminais de Contentores, S.A. (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 13, de 08-04-2004, com alterações e texto consolidado no BTE n.º 18, de 15-05-2011).
Como resulta da matéria de facto (n.º 1), o autor foi admitido ao serviço da ré em 24 de Maio de 2004, tendo passado a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de “Operador Portuário Nível IV”.
Nos termos do AE, na sua versão original [cláusula 2.ª, n.º 1, alínea d)], entende-se por categoria profissional «o grau técnico ou hierárquico em que integra o trabalhador, de acordo com o sistema de organização do trabalho em vigor na empresa».
Por sua vez, consagra-se no n.º 1 da cláusula 3.ª que «[o] trabalhador deve exercer as funções correspondentes às funções para que foi contratado ou promovido, independentemente da designação da posição, profissão ou categoria profissional que tipicamente seja costume atribuir àquelas».
E no anexo I do referido AE constam as diversas categorias profissionais, não se localizando, contudo, a existência de qualquer categoria profissional com a denominação constante no contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Já no mesmo AE, mas agora com as alterações introduzidas em 2011 (publicado no BTE n.º 18, de 15-05-2011) consta a mesma definição quanto à categoria profissional [cláusula 4.ª, alínea d)], bem como às funções a exercer pelo trabalhador (cláusula 6.ª, n.º 1).
No anexo I, sob o n.º I constam as categorias profissionais, designadamente de “Operador portuário nível 4” e de “Operador portuário nível 3”, cada uma delas com o conteúdo funcional constante da matéria de facto (n.º 18), que, por isso, aqui nos abstemos de repetir.
Como também consta da matéria de facto (n.º 20), e não vem questionado pelas partes, o operador portuário de nível 4 desempenha todas as funções que se encontram também abrangidas no conteúdo funcional dos operadores portuários de nível 3, a que acrescem as funções de operação de grua de cais; ou seja, o que distingue o “operador portuário nível 4” do “operador portuário de nível 3” é que aquele, ao contrário deste, também opera com gruas de cais.
O que se vem afirmando não parece ser objeto de controvérsia das partes: a discordância destas prende-se com a “Mobilidade intercategorias/promoções” constante do n.º II do referido anexo ao AE.
No n.º 1 da cláusula única referente à mobilidade regula-se a passagem de uma categoria profissional para outra de nível superior, que deve obedecer a 3 critérios: (1) necessidade interna da empresa; (2) execução de todas as tarefas exigidas pela descrição da categoria profissional e (3) sistema de avaliação em vigor na empresa.
Sob o n.º 4 da mesma cláusula única regula-se a mobilidade da categoria de “operador portuário nível 3” para “operador portuário nível 4”, sendo certo, porém, que logo aquando da admissão o autor foi categorizado como “operador portuário nível 4”.
Está, pois, sempre em causa a passagem a uma categoria superior.
Contudo, o n.º 8 da mesma cláusula estabelece que «[p]ara os trabalhadores portuários, a manutenção do nível 4 exige permanente disponibilidade para trabalhar com gruas de cais. Quem perder essa disponibilidade por um período consecutivo de 12 meses baixa para o nível 3. A diferença de vencimento entre o nível 4 e o nível 3 integra, portanto, uma prestação de natureza precária cuja manutenção depende da disponibilidade para operar as gruas de cais».
Dir-se-á numa primeira análise que tal número se apresenta como uma exceção à regra de não diminuição da categoria profissional, assim como da retribuição, regra essa que decorre não só do Código do Trabalho, como até dos anteriores números da mesma cláusula única do AE.
E, lembre-se, face à matéria de facto verifica-se que o autor/recorrido foi logo inicialmente admitido ao serviço da ré/recorrente como operador portuário nível 4.
Importa também ter presente, como se assinalou na sentença recorrida, que na interpretação e integração das normas que integram as convenções coletivas devem seguir-se as regras próprias de interpretação e de integração da lei, designadamente, o disposto no artigo 9.º do Código Civil, uma vez que os seus comandos jurídicos são de natureza geral e abstrata e produzem efeitos em relação a terceiros (neste sentido, entre outros, os acórdãos deste STJ, de 28-09-2005, Recurso n.º 1165/05 – 4.ª Secção, de 06-07- 2005, Recurso n.º 1163/05 – 4.ª Secção, de 28-09-2005, Recurso n.º 1165/05 - 4.ª Secção, de 10-01-2007, Recurso n.º 2577/06 – 4.ª Secção, de 12-09-2007, Recurso n.º 1519/07 – 4.ª Secção, e de 13-02-2008, Recurso n.º 4220/07 – 4.ª Secção).
Assim, nos termos do n.º 1 do referido artigo 9.º, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

No caso, a letra do n.º 8 da cláusula única, ao aludir a que a manutenção do nível 4 exige “permanente disponibilidade” para trabalhar com grua de cais, e que ao trabalhador que “perder essa disponibilidade” por um período consecutivo de 12 meses baixa para o nível 3 parece apontar que essa indisponibilidade tem que ser voluntária, dependente da vontade do trabalhador.
Com efeito, sendo disponível algo de que se pode dispor, que está à disposição, livre, tudo aponta para que dependa da vontade do próprio, no caso o trabalhador; ou seja, nesta interpretação apenas nas situações em que o trabalhador por sua vontade não pretendia trabalhar com gruas de cais é que seria suscetível de ser aplicado o referido n.º 8 da cláusula em causa.
Se as partes outorgantes pretendessem abranger situações mais amplas, designadamente em que o trabalhador não podia trabalhar com gruas crê-se que teria utilizado, ou teria também utilizado, outra expressão na cláusula, como por exemplo “impossibilidade”.
Mas mais relevante do que a interpretação literal da cláusula apresenta-se a interpretação teleológica.
Como assinalava Francisco Ferrara (Interpretação e Aplicação das Leis, traduzido por Manuel de Andrade e publicado com o Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis, do último autor, 3.ª Edição, Colecção Stvdivm, Arménio Amado – Editor, Sucessor, pág. 130), visando a aplicação prática do direito, «a interpretação jurídica é de sua natureza essencialmente teleológica», por isso que o jurista «há-de ter sempre diante dos olhos o fim da lei, o resultado que quer alcançar na sua actuação prática; a lei é um ordenamento de protecção que entende satisfazer certas necessidades, e deve interpretar-se no sentido que melhor corresponda a estas necessidades, e portanto em toda a plenitude que assegure tal tutela».
Ora, aplicando tal ensinamento quanto à interpretação do número em causa do AE, importa desde já adiantar que não se afigura que a intenção das partes fosse aí incluir todas as situações em que o trabalhador não quisesse ou não pudesse operar com gruas de cais; ou seja, não parece que fosse intenção de ambas as partes abranger no número em causa também situações em que por circunstâncias alheias à vontade do trabalhador este não operasse com gruas de cais.
Como já se deixou afirmado, o regime regra que decorre do Código do Trabalho é de não diminuição da categoria profissional, bem como da retribuição.
Esse regime regra é também o que resulta dos n.ºs 1 a 4 da cláusula única do anexo I do AE, onde se regula a passagem de uma categoria profissional para outra de nível superior.
Por isso, prevendo no n.º 8 da cláusula única a baixa da categoria do nível 4 para o nível 3 de operador portuário está-se perante uma exceção a esse regime geral: essa exceção devia apresentar-se clara para que as partes outorgantes apreendessem o alcance de mesma, pois de outro, tendo em conta um declaratário normal e face ao regime geral de não baixa da categoria nem de retribuição, ter-se-á que concluir que a exceção, precisamente por o ser, deve ter o alcance restrito que se extrai da expressão “disponibilidade”, no sentido de algo de que se pode dispor, que está à disposição do trabalhador (cfr. artigos 236.º e 237.º do Código Civil).
De resto, se o trabalhador está impossibilitado de operar com gruas devido a doença contraída no exercício da atividade – ainda que não qualificada em termos definitivos como doença profissional –, mal se compreenderia que fosse “penalizado” por essa circunstância alheia à sua vontade, com diminuição do nível de operador portuário e da retribuição correspondente.
É certo que por virtude do disposto nos artigos 154.º a 157.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), o trabalhador vítima de doença profissional deve ser objeto de reintegração e ocupado em funções compatíveis.
Contudo, como bem se assinala na sentença recorrida, «(…) a requalificação do autor no posto de trabalho, não resulta de do facto de lhe ter sido efectivamente atribuída uma IPATH, pois tal ainda não ocorreu, continuando o autor em consultas, a próxima marcada nos moldes provados».
Ou seja, a retirada do autor da função de operar com gruas não resultou de qualquer processo de doença profissional, qualificado como tal, e consequente conversão reconversão profissional nos termos previstos na LAT, mas tão só da aplicação do aludido n.º 8 da cláusula única do AE.
Note-se que na comunicação que a ré/recorrente enviou ao autor/recorrido para afirmar a baixa deste do nível 4 para o nível 3 alude sempre ao número em causa do AE e ao não exercício da função de manobrar gruas durante determinado período de tempo, nunca centrando tal problemática numa eventual reconversão por motivo de doença profissional.
Daí que a questão deverá apenas ser perspetivada e analisada com o fundamento que a ré invocou perante o autor e de acordo com o qual este fundou o seu pedido e causa de pedir.
Assim, como se disse e reafirma, da interpretação do n.º 8 da cláusula única do AE retira-se que a aí aludida “permanente disponibilidade” do trabalhador operar com gruas de cais se reporta à vontade deste em exercer tais funções e não a quaisquer outros fatores alheios a essa vontade, como seja a impossibilidade, por motivo de doença.
Nesta sequência, e tendo em conta que o trabalhador não operava com gruas de cais apenas devido a doença contraída no exercício da atividade profissional, não podia a empregadora baixar – como baixou – aquele para o nível 3 de operador portuário, com a correspondente baixa da retribuição.
Aqui chegados, sem desdouro pela argumentação da recorrente a mesma não pode proceder, pelo que se impõe julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Vencida no recurso, deverá a ré/recorrente ser condenada no pagamento das custas respetivas (artigo 527.º do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por BB…, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 17 de janeiro de 2019
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa