PLANO DE RECUPERAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário

Constituiu violação do princípio da igualdade dos credores, salvaguardado no artigo 194º do CIRE, a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições financeiras recebam integralmente os seus créditos comuns, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores), ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

P. 718/18.1T8STR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) – Indústria e Comércio de Produtos Alimentares S.A., veio apresentar-se e submeter-se a processo especial de revitalização, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 17.º-A e segs. do CIRE, tendo sido admitido liminarmente o requerimento inicial de revitalização por aqueles apresentado, nomeando-se Administrador Judicial Provisório e dando-se início ao período de negociações entre a requerente e os credores.
No seguimento da respectiva tramitação processual veio a ser junto aos autos, posteriormente, o plano de revitalização da requerente, no qual é referido que o mesmo foi aprovado por diversos credores que representavam mais de dois terços dos votos emitidos (correspondendo a créditos privilegiados, comuns, sob condição e subordinados).
Tal plano de revitalização foi então remetido ao Tribunal para efeito de homologação ou recusa de homologação, nos termos do disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, sendo que a M.ma Juiz “a quo” veio a proferir sentença na qual homologou o mencionado plano de revitalização da aqui requerente.

Inconformada com tal decisão dela apelou a credora (…) – Comércio e Assistência (…), Lda., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões:
a) O Recorrente votou contra o Plano de Recuperação e requereu em tempo a sua não homologação, por nos termos dos artigos 215.º e 216.º do CIRE, por violação não negligenciável das regras aplicáveis ao seu conteúdo, nomeadamente o princípio da igualdade previsto no artigo 194.º do CIRE.
b) O plano de recuperação viola o princípio da igualdade uma vez que no que se refere a credores comuns Instituições financeiras o plano prevê o pagamento da totalidade de juros e capital no prazo de 138 meses a partir da data de trânsito em julgado da homologação do plano e aos credores comuns fornecedores e outros credores, o plano prevê perdão de 50% e da totalidade dos juros, a restituir a 120 prestações mensais com período de carência de 24 meses, sem apresentar qualquer razão objetiva para o efeito, de acordo com o previsto no ponto 8.1.4 do plano de recuperação.
c) Entendeu Tribunal “a quo” que embora o plano faça a distinção de tratamento de credores comuns considera o Tribunal que não viola o tratamento de credores já que apesar dos créditos serem comuns, a natureza dos credores envolvidos é perfeitamente distinta, tal como os créditos que os mesmos detêm, tendo que ser observada e devidamente valorada a essencialidade de alguns destes credores para a continuidade da atividade da devedora, conforme se pode ler no ponto 7.1 do plano. Estando assim justificada a distinção feita.
d) No ponto 7.1 do Plano de Recuperação alínea “c) Derrogação do princípio de igualdade entre Instituições Financeiras cujos créditos são não garantidos e os demais credores comuns, já que para os primeiros previu-se um plano de reembolso igual ao previsto para as Instituições Financeiras com créditos garantidos, não se aplicando igualmente o haircut previsto para os credores comuns. Na verdade, o artigo 194.º do CIRE consagra, de forma mitigada, a igualdade dos credores da revitalizanda, na medida em que admite diferenças de tratamento, desde que justificadas por razões objetivas. Tais razões existem, no presente caso, uma vez que as Instituições Financeiras em causa – (…) Leasing e Factoring, Banco (…) e Caixa (…), têm um papel determinante na manutenção da actividade da Revitalizada, papel esse que não é igualmente desempenhado por qualquer um dos demais credores comuns. Em concreto manifestaram a disponibilidade para a manutenção de linhas de Factoring para antecipação no recebimento das facturas emitidas aos clientes, ferramenta indispensável para que a empresa tenha a tesouraria necessária para se manter em actividade. A manutenção destas linhas estará sujeita a análise do risco do cliente devedor e das condições dos contratos entre o aderente e o devedor, com o adequado ajuste das condições das referidas linhas”.
e) No ponto 6.3 do plano de recuperação “Prioridade de Novos Créditos terão prioridade sobre os créditos reconhecidos, nos termos do artigo 17º-H do CIRE, os créditos que na pendência do PER, e com a devida autorização do Administrador Judicial Provisório se tenham destinado a financiar a atividade da Requerente”, o que significa que em termos práticos os credores os credores reclamantes podem ficar numa situação manifestamente mais desfavorável do que aquela que resultaria da aprovação do plano.
f) Atento ao plano de recuperação existe de facto um tratamento diferenciado referente a créditos da mesma natureza, ou seja, são todos eles de natureza comum mas para uns o pagamento é na sua totalidade e para outros existe um “hair cut”; não existe qualquer classificação dos créditos distinta uns dos outros nem diferença no grau que ocupam na respetiva graduação, que justifique o tratamento diferenciado e quanto à natureza dos credores envolvidos, não existe qualquer razão para o tratamento ser diferenciado.
g) Não existem razões objetivas que justificam a desigualdade dos credores comuns, na medida em que a (…) Leasing e Factoring, Banco (…) e Caixa (…), não têm papel determinante na manutenção da atividade da Revitalizada, apenas manifestaram disponibilidade em conceder linhas de crédito, sem nada garantiras mesmas e mesmo que as concedam será sob diversas condições.
h) Não consta do plano qualquer evidência da concessão das linhas de factoring, bem como o período de linha de factoring em regra é de 1 ano e o PER prevê prazos superiores.
i) A Caixa (…) que a (…) detém créditos cujos votos representam em termos de percentagem 6,65% e 2,60% respetivamente, representando assim um peso considerável na votação do PER e sua homologação.
j) O Banco (…) requerer a não homologação do plano de Recuperação tendo inclusive votado contra o mesmo, pelo que o argumento usado pela Devedora que esta instituição financeira irá conceder linha de factoring cai por terra.
k) Os credores comuns que não sejam instituições financeiras ficam numa situação de desigualdade e desproporcionalidade injustificada que não é permitida pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP.
l) Salvo melhor opinião o Tribunal “a quo” não podia, ter deixado de ter em conta que o plano não evidencia que de facto haja linhas de factoring atribuídas e as condições que as mesmas estão sujeitas, bem como o facto da ponderação de votos das instituições financeiras versos os credores comuns ditos de fornecedores.
m) A questão da diferenciação dos credores não se pode “radicar na própria necessidade de viabilização do plano”, conforme Acórdão da Relação do Porto, processo n.º 2438/14.7T80AZ.P1, 15.09.2015, em www.dgsi.pt.
n) O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 27-04-2017, processo n.º 1933/16.8T8VNF.G1, www.dgsi.pt, reforça a posição da ora recorrente: “Constitui violação do princípio da igualdade dos credores, salvaguardado no artigo 194.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa, a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições bancárias recebam integralmente o seu crédito, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores) ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros com o levantamento de penhoras e extinção de execuções”.
o) Veja-se ainda o disposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2017, Processo 3960/16.6T8BRR,em www.dgsi.pt: “A violação do princípio da igualdade dos credores, no plano de recuperação conducente á revitalização do devedor, constitui uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis ao seu conteúdo, impondo a lei, ao Juiz, no caso de inexistir o consentimento do lesado, o dever de recusar a sua homologação (artigos 192.º, 194.º e 216.º do CIRE)”.
p) No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2014, consultável in www.dgsi.pt,pode ler-se que: “Está vedado ao plano de recuperação as diferenciações de tratamento entre os credores que não assentem em circunstâncias objectivas, não podendo o princípio da igualdade ser derrogado de forma manifestamente desproporcionada”.
q) Trata-se, pois, de motivo para recusar a homologação ao abrigo do disposto nos artigos 215.º e 216.º do CIRE.
r) Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso ser julgado totalmente procedente, por provado e em consequência ser a sentença de homologação do plano de recuperação ser substituída por sentença de não homologação do plano de recuperação.
Pela devedora (…) e um dos seus credores foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugnam pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela credora (…), ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se devia ter sido recusada, nos termos do artigo 215º do CIRE, a homologação judicial do Plano de Recuperação da devedora, uma vez que tal Plano viola, injustificadamente, o princípio da igualdade entre os credores, previsto no artigo 194º do CIRE.

Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa dizer a tal respeito que a finalidade ou o objectivo do processo especial de revitalização, criado pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, mostra-se definido no nº 1 do art. 17º-A do CIRE, no qual se estipula o seguinte:
- O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
Por isso, para que o processo de revitalização possa ter lugar torna-se necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) que o devedor, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente;
b) que ainda seja susceptível de recuperação.
Nestes termos, destinam-se, por um lado, os arts. 17º-A a 17º-H do CIRE a estabelecer negociações entre devedor e credores para a conclusão de acordo de revitalização e, por outro lado, o processo de revitalização previsto no artigo 17º-I do CIRE visa a homologação de um acordo de recuperação que foi alcançado extrajudicialmente antes de iniciado o processo em causa.
E, considera o art. 17º-B do CIRE em situação económica difícil, o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito.
Todavia, tal dificuldade séria para cumprir pontualmente as obrigações não pode implicar uma impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, pois neste caso o devedor encontrar-se-á já na situação de insolvência.
Nos termos do nº 1 do artigo 17º-C do CIRE, o processo especial de revitalização o processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Ora, após concluídas as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor – com unanimidade e com intervenção de todos os credores, ou sem que tal unanimidade seja obtida – deverá tal plano de recuperação ser remetido ao tribunal e devidamente publicitado pelos credores reclamantes (cfr. artigo 213º do CIRE, aplicável “ex vi” do nº 5 do artigo 17º-F do mesmo diploma legal), a fim de que estes, querendo, se possam pronunciar sobre o mesmo e, eventualmente, possam impugnar o referido plano (tendo por base o estatuído no art. 216º do CIRE, também aqui aplicável “ex vi” do nº 5 do artigo 17º-F do mesmo diploma legal).
Posteriormente deverá o juiz decidir tais impugnações – se as houver – e, de seguida, por sentença, homologar ou recusar tal plano, nos termos do nº 5 do citado artigo 17º-F do CIRE, observando-se, quanto aos motivos de recusa, o disposto nos artigos 215º e 216º do mesmo diploma, vinculando a decisão do juiz igualmente os credores que não tenham participado nas negociações.
Ora, como já se referiu anteriormente, o processo especial de revitalização é um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual – cfr. Ac. da R.G. 18/12/2012, disponível in www.dgsi.pt.

Assim sendo – e voltando ao caso em apreço – haverá que ter presente se devia ter sido recusada, nos termos do art. 215º do CIRE, a homologação judicial do Plano de Recuperação (tal como veio a ser aprovado pela maioria de 2/3 dos votos dos credores reclamantes), uma vez que tal Plano – no entendimento do credor recorrente – viola o princípio da igualdade previsto no artigo 194º do CIRE.
Para se apurar tal questão importa saber o que foi estabelecido no Plano de Recuperação, quanto à forma de pagamento para os credores comuns. Assim temos que:
“A. Instituições Financeiras
Propõe-se o pagamento da totalidade da dívida reclamada e reconhecida (inclui juros, juros de mora, despesas, comissões e outros encargos vencidos), nos seguintes termos:
• Os juros remuneratórios e de mora vencidos e não pagos desde a data da prolação do despacho de nomeação do AJP até à sentença de homologação do plano, bem como os juros e encargos vencidos e não pagos até à data da nomeação do AJP, serão recalculados à taxa prevista neste Plano, e capitalizados e reembolsados nas mesmas condições que o capital;
• Carência de capital por 6 meses contados a partir da sentença de homologação do PER;
• Reembolso da dívida consolidada de capital em 138 prestações mensais, nas seguintes percentagens, em relação ao crédito consolidado à data da sentença homologatória do PER:
 Prestação mensal do 7.º ao 24.º mês (todas iguais e sucessivas) 0,25%
 Prestação mensal do 25.º ao 60.º mês (todas iguais e sucessivas) 0,50%
 Prestação mensal do 61.º ao 143.º mês (todas iguais e sucessivas) 0,80%
 Prestação mensal do 144.º mês (bullet) 11,10%
Pagamento de juros vincendos numa base mensal à taxa Euribor a 12 meses, se positiva, acrescida de um spread de 1,50% nos 24 meses iniciais após a sentença homologatória do plano; no período remanescente será aplicado o spread de 2,5%;
• Na hipótese de a taxa de referência ser negativa ou igual a zero, para efeitos de cálculo da taxa, considera-se como sendo de valor igual a zero;
• Isenção de comissões na implementação dos planos e durante a sua vigência, à excepção da comissão de recuperação dos valores em dívida;
• O vencimento da primeira prestação de juros ocorre 30 dias após sentença de homologação do PER e a primeira amortização de capital no 7º mês após essa mesma data;
• Serão mantidas todas as garantias prestadas pela devedora.”
“B. Locação Financeira
O valor de capital, juros e outros encargos das rendas vencidas e não pagas será capitalizado e acrescido ao valor do capital vincendo à data de homologação do Plano;
• Pagamento do capital consolidado nos termos do ponto anterior em 24 meses contados após 30 dias após a sentença homologatória do Plano;
Pagamento de juros vincendos à taxa Euribor a 12 meses, se positiva, acrescida de um spread de 2,5%;
• Isenção de comissões na implementação dos planos e durante a sua vigência, com a excepção da comissão por recuperação de valores vencidos;
• Manutenção das demais condições do contrato, nomeadamente garantias e valor residual.”
“C. IAPMEI
• Renegociação do prazo para efeitos de avaliação de metas e atribuição do Prémio de Conversão de Fase B em Incentivo Não Reembolsável dentro do enquadramento normativo em vigor;
• Perdão de juros vincendos;
• Perdão de juros, moras, comissões e quaisquer outros encargos, entre o período compreendido entre a data de início do PER e a data da sentença homologatória do plano de revitalização;
• Carência de capital por 24 meses, contados a partir da sentença de homologação do PER;
• Reembolso do capital reestruturado, em 120 prestações mensais, iniciando-se a primeira prestação no 25.º mês após a data da sentença homologatória do PER.”
“D. Outros Credores Comuns (onde se inclui o aqui apelante)
Perdão de 50% da dívida consolidada;
Perdão de juros vincendos;
Perdão de juros, moras, comissões e quaisquer outros encargos, entre o período compreendido entre a data de início do PER e a data da sentença homologatória do plano de revitalização;
Carência de capital por 24 meses, contados a partir da sentença de homologação do PER;
• Reembolso do capital reestruturado, em 120 prestações mensais, iniciando-se a primeira prestação no 25ª mês após a data da sentença homologatória do PER.”

Do acima exposto resulta claro que, no que tange aos créditos de natureza comum, foi previsto para as instituições de índole financeira o pagamento da totalidade do capital e dos respectivos juros.
Todavia, relativamente aos demais credores comuns – entre os quais se encontra o credor, ora apelante – o plano aprovado estabelece o perdão de 50% dos respectivos créditos e dos juros.
Deste modo, constata-se a existência de um tratamento diferenciado referente a créditos da mesma natureza – comuns – ou seja, para uns o pagamento é na sua totalidade e para outros existe uma redução de 50%. Acresce que, não existe qualquer classificação dos créditos distinta uns dos outros, nem diferença no grau que ocupam na respetiva graduação, que, de alguma forma, justifique o tratamento diferenciado;
Além disso, o facto do plano indicar que existem razões objetivas que justificam a desigualdade dos credores comuns, por si só, não se afigura o bastante, para a existência de tal diferenciação.
Isto porque, do Plano de Recuperação consta que a Caixa (…), Banco (…) e (…) têm um papel determinante na manutenção da atividade da sociedade devedora, tendo manifestado a disponibilidade para a manutenção de linhas de Factoring, sendo que tal manutenção estará sujeita a análise do risco do cliente devedor e das condições dos contratos.
Ora, analisando as instituições financeiras em causa, quer a Caixa (…), quer a (…), detém créditos cujos votos representam em termos percentuais 6,65% e 2,60% respetivamente, representando assim um peso considerável na votação do PER e na sua homologação por parte da M.ma Juiz “a quo”.
No entanto, a sociedade devedora não demonstrou no processo qualquer evidência relativamente à concessão de tais linhas de factoring e o facto instituições financeiras supra referidas manifestarem disponibilidade, não significa – de todo – que irão disponibilizar linhas de Factoring, isto é, não existe em concreto qualquer linha de crédito e, mesmo que essas linhas de Factoring venham a ser disponibilizadas, sempre estarão sujeitas a diversas condições, sendo que o período de linhas Factoring é substancialmente inferior ao período em que, eventualmente, iria vigorar o PER.
Por outro lado, os restantes credores comuns – entre os quais o credor recorrente – apesar de não serem instituições financeiras, abriram linhas de crédito à sociedade devedora, pois forneceram as suas mercadorias sem a contra-prestação devida pela entrega das mesmas, ou seja, o pagamento do respectivo preço, razão pela qual vieram reclamar nos autos os seus créditos.
Assim sendo, pelas razões supra elencadas, verifica-se que o Plano de Recuperação posiciona os credores comuns, que não sejam instituições financeiras, numa situação de desigualdade desproporcional, violadora do princípio da igualdade a que alude o art. 194º do CIRE, inexistindo qualquer razão objetiva que permita tal distinção entre todos estes credores comuns.
Neste sentido, veja-se o Ac. do STJ de 24/11/2015, disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:
- O vetor que regula para o caso é o da igualdade tendencial dos credores e não o da importância ou essencialidade dos votos de certos credores para que o plano possa ser aprovado.
- Conclui-se, pois, que tal diferenciação, não tendo uma justificação objectiva mas, ao invés, sendo esta de base subjectiva, não pode deixar de ter-se como desproporcionalmente violadora do princípio da igualdade consagrado no já citado art. 194º do CIRE.
Em sentido idêntico, também o Ac. da R.E. de 12/7/2016 (no qual o aqui relator participou como 2º Adjunto), disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou que:
- Viola o princípio da igualdade dos credores o plano de recuperação que, para a generalidade dos credores comuns, consagra uma cláusula de juros a 2%, com perdão de 50% do capital e juros em dívida, estipulando para um outro “taxa de juro indexada à Euribor a 12 meses + 4,80%”.
Ainda em sentido similar, o Ac. da R.E. de 21/1/2016, disponível in www.dgsi.pt, onse escreveu o seguinte:
- A consideração de que a globalidade de determinado crédito, em parte garantido e em parte comum, que é substancialmente superior aos demais créditos comuns e confere ao respectivo credor um peso determinante na aprovação do plano de recuperação, não é suficiente para fundamentar objectivamente a diferenciação entre aquele crédito, na parte em que reveste natureza comum e não sofre qualquer redução, e os demais créditos comuns, todos eles abrangidos por perdão de 50% da dívida e dos juros.
- As diferenciações entre credores não podem assentar na própria necessidade de aprovação do plano de recuperação com vista à revitalização, sendo este, pelo contrário, que tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade de credores.
Por fim, e também em caso similar ao dos presentes autos, pode ver-se o recente Ac. da R.G. de 27/4/2017, disponível in www.dgsi.pt, no qual é afirmado que:
- Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência, determinando o artigo 215.º do CIRE que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais.
Ao abrigo do art.º 194.º, do CIRE, o plano de recuperação deve obedecer ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
Face ao que dispõe este artigo 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas: (i) só são admissíveis diferenciações justificadas entre credores por razões objectivas, designadamente quando a diferença de tratamento assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que é assumida no artigo 47º daquele Código; (ii) o princípio da igualdade não pode ser visto em termos absolutos, não impondo sempre uma identidade de tratamento entre créditos com idêntica classificação (podendo existir diferenciações em função de concretas circunstâncias), nem implicando toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de natureza diversa; e (iii) está correlacionado com critérios de proporcionalidade.
Note-se que o princípio da igualdade dos credores é uma trave basilar e estruturante do plano de recuperação e, por conseguinte, a sua afectação, nos moldes descritos, traduz-se numa violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código do Insolvência e do Recuperação de Empresas Anotado, 2° Edição, Quid Juris, pág. 754).
Transcrevendo os autores e obra citada, pág. 194: “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos constantes do art.º 47.º, do Código; (…) para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos; (…) mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito; (…) o que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias iguais.
No caso em apreço, o plano prevê o pagamento às instituições bancárias da totalidade do capital em 96 prestações mensais, com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória, bem como o pagamento de juros remuneratórios vincendos correspondentes à Euribor a 12 meses, acrescida de um Spread de 3,5%, enquanto que, para os demais credores comuns, prevê o perdão da totalidade dos juros e o perdão de 50% do capital, sendo os restantes 50% pagos em 96 prestações mensais, com início um ano após o trânsito em julgado da sentença homologatória e com o levantamento de qualquer penhora, bem como extinção de execuções em curso.
Ou seja, o plano apresentado trata de forma perfeitamente desigual credores do mesmo tipo (comuns), havendo uma ostensiva discriminação positiva a favor das instituições bancárias e em detrimento dos fornecedores.
Ora, a relevância de um credor para a aprovação do plano não pode, por si só, servir de fundamento para um tratamento mais favorável, tendo em conta aquele princípio estruturante de qualquer plano de recuperação.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 19/06/2014 (processo n.º 404/13.9TBBCL.G2): “A diferença de valores e consequentemente o maior peso da C… na percentagem necessária para a aprovação do plano, não pode justificar a diferença de tratamento entre credores. Como se entendeu no Ac. do TRP de 14.05.2013 “as diferenciações não podem ser fundamentadas na própria necessidade de aprovação do plano, um requisito meramente formal ou procedimental; é o próprio plano que, na sua substância, tanto quanto possível, se tem que adaptar à igualdade entre credores.”. O valor do crédito não pode justificar a diferença para que ao credor garantido C… tudo seja concedido, pagamento de juros vencidos e vincendos, despesas efectuadas e o e os trabalhadores, titulares de créditos privilegiado, tenham que prescindir dos juros vencidos e o credor pignoratício do capital e juros. O legislador consagrou o princípio de igualdade dos credores tendo por fim evitar o “atropelamento dos credores com créditos mais baixos” pelos maiores credores. E foi norteado por este princípio de igualdade, que também não conferiu direito de voto ao credor que não vê o seu crédito modificado com a aprovação do plano de insolvência, pois atribuir-lhe esse direito seria colocar numa especial posição aqueles que menos tutela justificavam”.

Nestes termos, atentas as razões e fundamentos devidamente explanados supra (incluindo os que constam dos arestos acima transcritos), forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, por força do disposto no art. 215º do CIRE, recusa-se a homologação do Plano de Recuperação junto aos autos pela sociedade devedora.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- A recusa de homologação do Plano de Recuperação, em processo de revitalização, não prescinde das regras aplicáveis ao plano de insolvência, para efeitos do disposto no art. 215º do CIRE, encontrando-se entre as razões não negligenciáveis das regras procedimentais a violação injustificada da igualdade entre os credores, prevista no artigo 194º, nº 1, do CIRE.
- Constituiu violação do princípio da igualdade dos credores, salvaguardado no artigo 194º do CIRE, a aprovação do plano de recuperação onde se prevê que as instituições financeiras recebam integralmente os seus créditos comuns, enquanto os restantes credores comuns (fornecedores), ficam com os mesmos reduzidos a apenas 50% do capital, com perdão integral de juros.

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo credor (…) e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, recusando-se a homologação do Plano de Recuperação junto aos autos, nos exactos e precisos termos acima explicitados.
Custas pela sociedade devedora, aqui apelada.
Évora, 17 de Janeiro de 2019
Rui Manuel Machado e Moura
Maria Eduarda Branquinho
Mário João Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).