EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
Sumário

É ajustada a fixação de 1 salário mínimo nacional como indispensável à sobrevivência digna do insolvente num quadro factual em que as receitas são parcas a as despesas se mostram mitigadas pelo apoio dos seus pais.

Texto Integral

Proc. nº 1025/18.5T8STR.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.
1. (…), solteiro, maior, residente na Rua (…), nº 7, Alferrarede, Abrantes, apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante.
Declarada a insolvência, foi proferido despacho que admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e depois proferido despacho inicial, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Nos termos do artigo 239° do CIRE:

- O rendimento disponível que o devedor venha a auferir durante os 5 anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, é cedido ao fiduciário, que cargo que será desempenhado pelo Sr. Administrador de Insolvência;

- Estão excluídos do rendimento disponível os seguintes montantes:

(…)

b) Considerando a composição do agregado familiar do devedor (composto apenas pelo mesmo para efeitos de dependência económica), entende-se ser o necessário para satisfação das necessidades do mesmo o montante mensal correspondente a 1 SMN atenta a inexistência de qualquer despesa extraordinária atendível; e a jurisprudência dos tribunais superiores e o que tem sido prática nesta secção de comércio, no sentido de 1 SMN ser valor suficiente à vivência minimamente condigna do sujeito insolvente.

(…)”


2. O Insolvente recorre desta decisão concluindo assim a motivação do recurso:
“1. O valor fixado pelo Tribunal Recorrido (1 salário mínimo) como indisponível para a cessão é inferior ao razoavelmente necessário para a dignidade do insolvente.

2. A retribuição mínima, legalmente garantia, constitui, essencialmente, um valor de referência para determinar a fixação de uma retribuição minimamente razoável a um trabalhador, mas não é suficiente para fazer face às exigências da vida moderna e ao contexto económico em que se vive.

3. Daí o salário mínimo estar sempre acompanhado de outros montantes retributivos como o subsídio de alimentação, os prémios salariais, o subsídio de natal, o subsídio de férias e inclusive a fixação de ajudas de custo para fazer face a despesas extraordinárias no âmbito da execução de um contrato de trabalho pelo Trabalhador.

4. A quantia de € 580,00 (RMN) não permite assim a um cidadão fazer face às suas necessidades elementares de sobrevivência.

5. O valor que o tribunal “a quo” considera como adequado para o sustento do Insolvente, põe em crise a dignidade do mesmo e não é suficiente para prover às necessidades que resultam invocadas e demonstradas.

6. Considerando os créditos reconhecidos, devem prevalecer e ser garantidas previamente as necessidades de sobrevivência condigna do devedor sobre a possibilidade de ressarcimento dos credores.

7. Para fazer face ao pagamento de uma renda de casa o Insolvente carece de € 350,00/mês, a que acresce, no mínimo, a quantia mensal de € 550,00, para despesas de alimentação, higiene saúde e deslocações, e para fazer face a despes com água, luz, gás e comunicações.

8. Perante a situação do Apelante reputa-se de adequada a exclusão do rendimento disponível de um salário mínimo e meio [€ 870,00], ou, em alternativa, quantia equivalente a € 750,00, conforme indicado pelo Insolvente no seu Requerimento de Exoneração.

9. Ao não fixar um rendimento a favor do Insolvente dentro dos montantes indicados na conclusão anterior, o Tribunal Recorrido violou, manifestamente, o disposto no artigo 239.º, nº 3, alínea b), do Código da Insolvências e da Recuperação de Empresas.

Termos em que ora se requer a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, se dignem conceder provimento ao presente recurso e em consequência revogar, parcialmente, a decisão recorrida que deverá ser substituída por decisão que declare excluído do rendimento disponível o valor de um salário mínimo e meio a favor do Insolvente ou, em alternativo um valor a esse título correspondente a € 750,00.

E assim decidindo farão V. Exas a acostumada JUSTIÇA!”

Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II Objeto do recurso.
As conclusões da motivação do recurso delimitam o seu objeto (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC); vistas estas, importa decidir se o montante para o sustento minimamente digno da recorrente deverá ser fixado em € 750,00.

III- Fundamentação.
1- Factos

A decisão recorrida fundamentou-se nos seguintes factos que julgou provados:

a. (…), 38 anos de idade, solteiro, requereu a sua própria insolvência, a qual foi decretada.

b. O insolvente estava desempregado mas iniciou em Maio passado um estágio de um ano tendo direito a uma "Bolsa de Estágio" de 2,80 € por hora e a um subsídio de alimentação diário de 5,40 €.

c. Vive com os pais e com um irmão.

*

Importa ainda considerar que, de acordo com o relatório do Administrador da insolvência, as dívidas do insolvente ascendem a € 46.013,12 e, por inexistentes, não foram apreendidos quaisquer bens para a insolvência.

2. Direito

Se o montante para o sustento minimamente digno do Recorrente deverá ser fixado em € 750,00.
Admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz proferirá despacho inicial, nos termos do art. 239º, nºs 1 e 2, do CIRE[1] (como o será os demais artigos infra referidos sem indicação do diploma de origem) no qual determinará que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do art. 241º do CIRE.
Findo o período da cessão (do rendimento disponível), será então proferida decisão sobre a concessão, ou não, da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência (art. 244º) e, com o deferimento desta, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados (artº 245º), não abarcando a exoneração os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações e os créditos tributários (artº 245º, nº 2).
A cessão temporária do rendimento disponível é, assim, uma condição da exoneração do passivo restante e representa, no equilíbrio dos interesses em presença, o esforço mínimo que a lei exige ao devedor para legitimar aos olhos dos credores a liberação definitiva quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, permitindo-lhe um «novo arranque» em termos económicos.
A lei estabelece os critérios para o cálculo do rendimento disponível do devedor requerente da exoneração do passivo restante; são todos os rendimentos que lhe advenham a qualquer título, com exclusão:
“a) Dos créditos a que se refere o artigo 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;
b) Do que seja razoavelmente necessário para:
i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii) O exercício pelo devedor da sua atividade profissional;
iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor” – cfr. artº 239º, nº 3.
Para calcular o rendimento disponível do devedor, importa em primeiro lugar subtrair aos rendimentos que lhe advenham a qualquer título, o que seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.
A lei fixa, assim, um limite máximo para o que considera ser o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar – três salários mínimos – mas não fixa um valor mínimo.
E este, buscando apoio no pensamento expresso pelo legislador noutros domínios deve partir do salário mínimo nacional, revelação, no domínio da lei ordinária, do princípio constitucional da retribuição do trabalho de forma a garantir uma existência condigna [artº 59º, nº 1, al. a), da CRP].
A demanda casuística do razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar deverá empreender-se, assim e em princípio, entre uma vez e três vezes o salário mínimo nacional, sendo o intervalo entre tais limites ajustado em função dos rendimentos do devedor, das despesas deste e do seu agregado familiar, sendo o caso e dos montantes mais ou menos avultados das dívidas cuja exoneração se visa obter.
No caso, prova-se que o Insolvente vive com os pais e beneficia duma bolsa de estágio de € 2,80 por hora e € 5,40 de subsidio de refeição.

Neste quadro factual, em que as receitas são parcas a as despesas se mostram mitigadas pelo apoio dos pais do Insolvente, a decisão recorrida, ao considerar como rendimento disponível o que, em cada momento, exceder a quantia correspondente a 1 SMN, afigura-se-nos ajustada.

Argumenta o Insolvente com despesas de renda de casa (€ 350,00) e de alimentação, higiene, saúde, deslocações, água, luz, gás e comunicações (€ 550,00) para evidenciar que a quantia (indisponível) fixada pela decisão recorrida em um SMN é muito inferior ao razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno, mas tais factos não se provam e, assim, a decisão não pode fundar-se neles (artº 607.º, n.º 3, do CPC).

Em conclusão, a decisão recorrida observou a disposição legal que o Insolvente acusa violada e o recurso assenta em factos que não se provam.

Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.


IV. Dispositivo.
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Insolvente, sem prejuízo do disposto no art.º 248.º do CIRE.
Évora, 17/1/2019
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo D.L. nº 53/2004, de 18 de Março, alterado pelos Decretos-Leis 200/2004, de 18/8, 76-A/2006, de 29/3, 282/2007, de 7/8, 116/2008, de 4/6 e 185/2009, de 12/8, Lei nº 16/2012, de 20/4, Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, DL n.º 26/2015, de 06/02, DL n.º 79/2017, de 30/06, Lei n.º 114/2017, de 29/12 e Lei n.º 8/2018, de 02/03.