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DOENÇA PROFISSIONAL
ASMA BRÔNQUICA
Sumário
I - Nos termos do art. 27º,1 da Lei 100/97, de 13/09 e art. 2º do DL 248/99, de 2/07, são doenças profissionais: as constantes da lista de doenças profissionais; as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças não incluídas na referida lista, desde que se prove ser consequência necessária e directa da actividade exercida e não represente normal desgaste do organismo. II - A lei consagrou um sistema misto, distinguindo entre doenças profissionais propriamente ditas ou típicas (as enumeradas na lista oficial) e doenças atípicas (todas aquelas cuja etiologia se relaciona com a natureza das tarefas laborais executadas), sendo que em relação às doenças típicas, a vítima não tem que fazer prova do nexo de causalidade entre a contracção da doença e a natureza do trabalho, tendo porém de fazer essa prova em relação a todas as afecções que não constem da lista. IIII - Há direito à reparação emergente de doenças profissionais típicas quando, cumulativamente, se verifique: estar o trabalhador afectado de doença profissional; ter estado exposto ao risco pela natureza da indústria, actividade ou ambiente de trabalho habitual. IV - Estando provado que o autor padece de doença constante da lista oficial (asma brônquica) e que esteve exposto ao risco de a contrair, pela actividade desempenhada de forma permanente, ao longo de 20 anos (pintor de automóveis, usando com frequência tintas, diluentes, sintéticos e acrílicos, cerca de oito horas por dia), presume-se o nexo causal de que a doença é consequência da actividade profissional.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – B………., com o patrocínio do Ministério Público, intentou contra C………., acção declarativa, com processo especial, emergente de doença profissional, pedindo o reconhecimento de que sofre de doença profissional e, em consequência, seja o R. condenado a pagar-lhe:
- uma pensão anual e vitalícia correspondente ao grau de incapacidade que lhe vier a ser fixada, com início em 6/6/02, a ser paga em duodécimos mensais, acrescida, em Julho e Dezembro de cada ano, de uma prestação de igual valor ao duodécimo que nesse mês lhe for pago; e
- juros de mora à taxa legal, vencidos desde 6/6/2002 e vincendos até integral e efectivo pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que desde 1975 exerceu, por conta própria, a actividade profissional de pintor de automóveis, permanentemente em contacto com tintas, diluentes, sintéticos, acrílicos; que em consequência do exercício dessa actividade ficou a padecer de asma brônquica; o R. não reconhece que tal doença resultou da sua actividade profissional, decisão essa com que não concorda.
A fls. 19 dos autos, o A., requereu exame por junta médica, com indicação dos respectivos quesitos.
Contestou o R., por impugnação, sustentando a inexistência de um nexo de causalidade entre a actividade profissional que o A. desenvolvia e a doença de que padece, não o considerando, portanto, portador de qualquer doença profissional. A final apresenta quesitos para o exame médico.
Termina a pugnar pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos assentes, organizada a base instrutória e ordenado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade para o trabalho do A., vindo-lhe a ser fixada uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 16 %.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente, por provada, a acção, e condenou o C………. a reconhecer que o A. é portador de uma IPP de 16% por força da doença profissional de que padece – asma brônquica – e, em consequência, a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia correspondente.
Inconformado com o assim decidido, apelou o R., pedindo que se revogue a sentença e que se o absolva do pedido, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões:
1°-O Autor tem um quadro de asma brônquica, mas a asma brônquica é uma doença multifactorial, podendo ser desencadeada por múltiplos factores para além dos ocupacionais;
2.°Não tem uma asma profissional comprovada;
3.° A asma profissional só se comprova quando o trabalhador está em préexposição;
4.° O Autor fez a participação obrigatória dois anos após ter cessado a exposição ao risco;
5.° É reformado por invalidez desde Julho de 2002;
6.° Na Junta Médica realizada em 6 de Dezembro de 2005, os três peritos por unanimidade referem que o Autor é portador de asma brônquica devendo-se tal patologia a múltiplos factores para além dos ocupacionais (doc.1 junto aos autos);
7.º Disseram ainda que, não atribuíam incapacidade porque não era possível estabelecer o nexo de causalidade;
8.º Em sede de nova Junta Médica, realizada em 18 de Abril de 2006, os mesmos peritos; tanto o perito do Autor como o nomeado pelo Tribunal, face aos mesmos elementos, vêm fixar ao Autor uma desvalorização de 16% (doc.2, junto ao autos);
9.º Em conformidade, veio o Meritíssimo Juiz a quo, considerar o Autor portador de doença profissional - asma brônquica com uma incapacidade de permanente parcial de 16% e, em consequência condenar o Réu a pagar ao Autor a correspondente pensão.
10.º A asma brônquica consta da lista das doenças profissionais mas, no âmbito das doenças cutâneas o que não é o caso do Autor;
11.º As queixas do Autor respeitam ao foro das doenças do aparelho respiratório;
12.º A asma brônquica é uma doença multifactorial, podendo ser desencadeada por múltiplos factores para além dos ocupacionais;
13.º A asma brônquica é um diagnóstico que consta da lista das doenças profissionais, mas, a TNI só contempla atribuição de incapacidade por asma profissional ou asma agravada no local de trabalho, o que de facto nunca foi confirmado no caso do Autor;
14.º O Autor tem exposição profissional que envolve risco;
15.º Mas, não conseguiu estabelecer qualquer nexo de causalidade entre a natureza das funções exercidas e a doença de que padece;
16.º O Meritíssimo Juiz a quo, proferiu uma decisão aceitando sem mais o Auto de Junta Médica realizada em 18 de Abril de 2006, sem atender à posição do perito do Réu, que não concordou com os outros peritos, alegando, que “não atribui IPP atendendo a que a Tabela Nacional de Incapacidades diz respeito a Doenças Profissionais”, e o Autor não é doente profissional, e consequentemente, não tem direito a qualquer IPP;
17.º O perito do Autor, bem como o perito do Tribunal na referida Junta Médica não respeitaram o estabelecido na lista das doenças profissionais, nem na TNI aplicáveis in casu;
18.º Logo, o Meritíssimo Juiz a quo, fez errada interpretação do art.º 27.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, assim como, fez errada interpretação da lista das doenças profissionais, publicada no Decreto Regulamentar n.º 6/2001 de 5 de Maio, e da Tabela Nacional de Incapacidades, publicada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro.
19.º Face do exposto, o Autor deveria ter feito prova de que a asma brônquica de que padece é de origem profissional, o que não fez;
20.º Pelo que deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogada a douta sentença proferida.
O A., em contra-alegações, defende a confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Factos
São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal a quo:
1 – O A., desde 1975, exerceu por conta própria a actividade profissional de pintor de automóveis. - al. A) da matéria assente.
2 – No exercício dessa actividade estava permanentemente em contacto com tintas, diluentes, sintéticos e acrílicos, durante cerca de oito horas por dia. – al. b) da matéria assente.
3 – Exerceu essa actividade até 25/10/2000, altura em que entrou de baixa por doença, tendo-lhe sido diagnosticado asma brônquica, sendo que desde 1997 começou a sentir dificuldades respiratórias e tosse, sintomas que se foram agravando com o tempo. – al. c) da matéria assente.
III – O Direito
Consabidamente, de harmonia com o disposto nos artigos 684º/3 e 690º/1 e 3 do CPC, aplicável ex vi do art. 2º/1-a) do CPT, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, com ressalva da matéria de conhecimento oficioso.
Com base nestas premissas, temos que a única questão a apreciar in casu consiste em saber se asma brônquica de que o A. é portador deve ser considerada como doença profissional.
A este propósito, e no essencial, defende o apelante que a asma brônquica integra a lista de doenças profissionais no âmbito das doenças cutâneas.
Todavia, como a asma brônquica apresentada pelo A. respeita ao foro respiratório, há que estabelecer o nexo de causalidade entre a natureza das funções exercidas pelo A. e a doença de que é portador -, o que não foi observado nem em sede de junta médica nem da decisão sub iudice, que fez errada interpretação do art. 27º da LAT; da lista de doenças profissionais publicada no DR nº 6/01, de 5.05 e da TNI anexa ao DL 341/93, de 30-09.
Que dizer?
Antes de mais e preliminarmente que, encontrando-nos, como nos encontramos, em sede de direitos indisponíveis e irrenunciáveis, é licito ao tribunal ordenar as diligências necessárias inclusive a designação de nova junta médica, reputada indispensável à determinação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado ou doente (art. 139º/7 ex vi do art.155º ambos do CPT).
De facto, se na Junta médica realizada em 6.12.2005, ao quesito 8º “… sobre qual o grau e natureza de desvalorização a atribuir de acordo com a TNI?” os peritos (por unanimidade) responderam: “não é de atribuir incapacidade porque não é possível estabelecer nexo de causalidade nesta data.” Já no início da audiência de julgamento de fls 55/58, não obstante a manifestada oposição do Réu à realização de nova junta médica, o Mº Juiz a quo, concordando na integra com a promoção do MP em patrocínio do doente, determinando a eliminação do quesito1º (e único) da BI[1], ordenou se lhe abrisse conclusão nos autos para fixação de incapacidade.
Em consequência, acatado e cristalizado nos autos tal despacho, e designada e realizada nova junta médica, a maioria dos peritos intervenientes (perito do doente e tribunal), enquadrando a doença de que o A./apelado padece - asma brônquica – no Cap. VII, ponto 8 –grau II da TNI, respondeu ao quesito adrede formulado[2], atribuindo-lhe a IPP de 16%.
Subsequentemente o referido laudo maioritário foi outrossim – e quanto ao grau de incapacidade atribuída - acolhido pelo Mº Juiz a quo, nos termos prolatados a fls. 29 do apenso.
O que fez, parece-nos, em conformidade com o entendimento jurisprudencialmente perfilhado, segundo o qual sempre que não há unanimidade nas conclusões dos senhores peritos, o Tribunal deverá seguir aquela que se encontra em maioria, mormente quando entre essa maioria se encontra o perito nomeado pelo Tribunal, já que em princípio, é quem oferece maiores garantias de isenção e equidistância, porquanto não é designado pelas partes interessadas.[3]
É o que nesta perspectiva, nos cumpre salientar a tal propósito.
Isto posto, dir-se-á - e agora numa perspectiva mais substancial - que também não lobrigamos qualquer afrontamento ao disposto art. 27º da LAT; da lista de doenças profissionais publicada no DR nº 6/01, de 5.05 e da TNI anexa ao DL 341/93, de 30-09.
Efectivamente, atenta a factualidade provada, verificamos não ser questionado pelas partes que o caso em apreço é subsumível ao Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovado pela L 100/97, de 13-09 (cfr. arts. 1º do DL 382-A/99, de 22.09 e 105º do DL 248/99, de 2.07).
Logo, nos termos art. 27º/1 da referida L 100/97, 13.09 (doravante apenas LAT) e art.2º do DL 248/99, de 2.07, são doenças profissionais:
- as constantes da lista das doenças profissionais;
- as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças não incluídas na referida lista, desde que se prove ser consequência necessária e directa da actividade exercida e não represente normal desgaste do organismo.
Decorre do exposto, que a lei consagrou um sistema misto distinguindo entre as doenças profissionais propriamente ditas ou típicas que são as enumeradas na lista oficial, e as doenças do trabalho ou doenças profissionais atípicas, que são todas as doenças cuja etiologia se relaciona com a natureza das tarefas laborais executadas, sendo certo que em relação àquelas (as típicas), a vítima não tem que fazer prova do nexo de causalidade entre a contracção da doença e a natureza do trabalho, tendo porém de fazer essa prova em relação a todas as afecções que não constem da lista.[4]
Há, porém, direito à reparação emergente de doenças profissionais previstas na lista oficial quando, cumulativamente, se verifique:
- estar o trabalhador afectado de doença profissional;
- ter estado o trabalhador exposto ao risco pela natureza da industria, actividade ou ambiente de trabalho habitual.
Ora, compulsando os autos, constatamos que o A. padece de patologia denominada de “asma brônquica”, que lhe foi diagnosticada por sintomas de dificuldades respiratórias e tosse surgidos em 1977 e que se foram agravando com o tempo; constatamos outrossim que, desde 1975, o A. exerceu a actividade profissional de pintor de Automóveis, estando permanentemente em contacto com tintas, diluentes, sintéticos e acrílicos, durante cerca de oito horas por dia.
Ou seja, verificamos, pois, que o A. padece de doença constante da lista oficial - doença profissional típica, portanto – e que esteve exposto ao risco de a contrair pela actividade desempenhada de forma permanente ao longo de mais de 20 anos, pelo que, como vimos, a maioria dos peritos (do tribunal e da vitima) intervenientes na junta médica - após enquadramento no Cap VII, ponto 8-grau II da TNI -, lhe atribuiu uma IPP de 16%, em laudo acolhido pelo MºJuiz a quo, nos termos prolatados a fls. 29 do apenso.[5]
Logo, assentes aqueles dois factos - doença profissional e exposição ao risco - presume-se o nexo causal de que a doença é consequência da actividade profissional, pelo que em face de tal presunção, nos termos dos arts 349º e 350º. do CCivil, recaía sobre à Ré o ónus de demonstrar factualidade conducente à sua ilisão, afastando a referida presunção, o que – convenhamos - a ora apelante/ré não fez, quer quanto à prova dos factos base da presunção quer no que toca ao facto presumido.
E sendo assim, afigura-se-nos irrelevante a argumentação da apelante de que a asma brônquica integra a lista de doenças profissionais no âmbito das doenças cutâneas (cfr. códigos 31.09, 31.11, 31.13 e 32.03); e que a asma brônquica apresentada pelo A. respeita ao foro respiratório (cód. 23.01).
Aliás, não obstante esta poder ser provocada por inalação e aqueloutra apenas por manipulação, o que releva, no essencial, é que em ambos os casos se trata de patologia com manifestação clínica no aparelho respiratório, embora de etiologia diferente e multifactorial.
Acresce que se a própria junta médica considerou que o A. sofre de doença que denominou de asma brônquica (cfr. quesito 1º e respectiva resposta); considerou também que a actividade profissional descrita é adequada a produzir tal doença. (cfr respostas aos quesitos 3º e 4º formulados pelo Autor).
Parece-nos, assim, indiferente o nomen clínico, já que, essencialmente, se pretendeu considerar tal patologia como asma brônquica (profissional), ou asma (brônquica) profissional, nos termos do Cap VII- ponto 8-Grau II da TNI e dos assinalados pontos da lista das doenças profissionais em anexo ao Decreto Regulamentar nº 6/2001, de 5-05.
Assim sendo, verificados os requisitos essenciais, parece-nos que a sentença recorrida aplicou correctamente a lei, pelo que não enfermando de censura deve manter-se na íntegra.
IV-Decisão
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Sem custas.
Porto, 4 de Julho de 2007
António José Fernandes Isidoro
Albertina das Dores Nunes Aveiro Pereira
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
___________________________________
[1]- Do seguinte teor:
“A asma brônquica referida em C) resultou directa e necessariamente da actividade de pintor de automóveis exercida pelo A.?”
[2] -Com a seguinte formulação:
“Tendo em atenção a doença de que o sinistrado padece – asma brônquica – e a TNI, qual a IPP de que é portador?”
[3] - Vidé a propósito, entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 3.7.1990, BMJ: 399-578.
[4] -Cfr. Carlos Alegre, in Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, p.142
[5]-Ao consignar que « no presente apenso para fixação de incapacidade para o trabalho resultante de doença profissional, não havendo razões para discordar do laudo maioritário dos senhores peritos médicos, que se mostra de acordo com a TNI, decide-se que o A. é portador de uma IPP de 16%.
… .»