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VENDA DE BENS DE CONSUMO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
DENÚNCIA
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I. Resultando demonstrado, por um lado, que a A. adquiriu à R. a moradia em questão para uma finalidade não profissional (a habitação própria permanente dela própria) e, por outro, que a R. forneceu-lha no exercício da actividade económica que ela, enquanto sociedade comercial, desenvolve tendo em vista a obtenção de lucros ou benefícios, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes, pelo qual a R. vendeu à A. a moradia em questão, está, inequivocamente, abrangido pelo âmbito de aplicação material e subjectivo da garantia contratual proporcionada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio. II. A distribuição do ónus da prova quanto à existência, à gravidade e à denúncia dos defeitos observa as regras gerais: é ao comprador que está adstrito à demonstração de qualquer daqueles factos (art.º 342.º, n.º1 do Cod. Civil). Por seu turno, cabe ao vendedor o ónus da prova do decurso do prazo, da extemporaneidade da denúncia (n.º 2 do art.º 342.º do Cod. Civil) e, feita a prova do defeito pelo comprador, terá o devedor, por se presumir a sua culpa, de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art.º 799.º do Cod. Civil).
Texto Integral
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I. Relatório
BB intentou acção declarativa com processo comum contra CC, Unipessoal, Lda., pedindo a condenação da ré no pagamento de quantia equivalente à por esta despendida nas obras de reparação da moradia e do veículo, a determinar em execução de sentença, e equivalentes à redução do preço da moradia em causa nos autos, e ainda no pagamento da quantia de 3.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais sofrido pela autora e causados pela situação de mora na reparação da moradia.
Para tanto alegou, em síntese:
- A R. é uma sociedade que se dedica, entre outras actividades, à venda de imóveis.
- Através de procedimento “Casa Pronta” realizado em 18 de Julho de 2011 na Conservatória dos Registos Predial e Comercial de Beja, a autora comprou à ré, para lá instalar a sua residência, um prédio sito na Rua dos M…, n.º …, na freguesia e concelho de Castro Verde;
- Tal prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana, actualmente da União de freguesias de Castro Verde e Casével, sob o artigo …, encontrando-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Castro Verde com o n.º …;
- Em 24.4.2012 a autora enviou à ré mensagem de correio electrónico comunicando o aparecimento dos seguintes defeitos: a. - Chão de diversas divisões a levantar e às “ondas”; b. - Fissuras interiores, em praticamente todas as habitações, e algumas exteriores; c. - Humidade no tecto da sala; d. - Falta de massa nas juntas dos WC do 1.º andar; e. - Queda do estuque do tecto da cozinha; f. - Moldura fora de esquadria no roupeiro da divisão destinada a ginásio; g. - Rodapé defeituoso na sala, junto à respectiva porta; h. - Interruptor de luz avariado no hall; i. - Aparecimento de ferrugem na caixa do correio, motivada pela entrada de água da chuva; j. - Queda da tinta referente à pintura exterior, quer na “barra” da casa quer na face interior do muro da frente; k. - Empolamento do estuque da sala, junto à entrada; e l. - Humidade no roupeiro do ginásio;
- Em 04.05.2012 a autora enviou à ré mensagem de correio electrónico comunicando o aparecimento os seguintes defeitos: a. - Escorrimento de água pela parede da entrada, o qual afectava igualmente o chão e b. - Aparecimento de manchas de humidade na sanca;
- Em 18.12.2012 a autora enviou à ré mensagem de correio electrónico comunicando o aparecimento os seguintes defeitos: a. - Ocorrência de infiltrações na suite (por baixo do foco e na madeira), parede de xisto e garagem (sendo que nesta divisão as infiltrações afetavam o veículo da A., pois a água caia-lhe em cima); b. - Continuação do aparecimento de água no interior da caixa de correio; e c. - Chão de diversas divisões, particularmente de sala, corredor, escritório e quarto, a levantar e às “ondas”;
- Em 13.02.2013 a autora enviou à ré mensagem de correio electrónico comunicando o aparecimento os seguintes defeitos: a. - Continuação dos problemas com os soalhos, designadamente da sala, do escritório e do hall de entrada, sendo que quanto ao do hall, o problema originava a impossibilidade de abertura da porta da entrada na sua totalidade; b. - Queda de régua de rodapé do ginásio; c. - Infiltração no tecto da suite, gotejando de um dos focos, com afectação do chão, em cima do qual as gotas caiam; d. - Continuação da situação das infiltrações na parede de xisto da entrada; e. - Continuação das infiltrações na garagem, com afetação do veículo da autora que na mesma se encontrava estacionado. f. - Continuação da entrada de água da chuva na caixa do correio, tendo como consequência o respectivo enferrujamento e a escorrência da ferrugem pela parede; g. - Queda geral de tinta das paredes exteriores; h. - Fissuras no tecto e paredes da sala, escritório, suite e ginásio, no tecto da cozinha e no exterior; i. - Falta de tapagem das juntas da casa de banho do 1º andar; e, j. - Falta de esquadria do roupeiro da divisão destinada a ginásio;
- Em 28.03.2013 a autora enviou à ré carta comunicando o aparecimento os seguintes defeitos: a. - Levantamento dos soalhos da sala, do escritório e do hall de entrada; b. - Queda parcial do rodapé da divisão destinada a ginásio; c. - Infiltração na suite, com gotejamento por um dos focos de luz, com consequências no chão daquela divisão; d. - Infiltrações nas paredes forradas a xisto do hall de entrada; e. - Infiltrações várias na garagem, com consequências no veículo da autora; f. - Entrada de água da chuva na caixa de correio; g. - Queda da tinta das paredes exteriores; h. - Existência de diversas fissuras nos tectos e paredes da sala, escritório, suíte, cozinha e ginásio, bem como no exterior; i. - Falta de tapagem das juntas da casa de banho do primeiro andar; e j. - Falta de esquadria do ginásio;
- Em 26.9.2013 a autora enviou à ré carta comunicando o relatório elaborado pela C.M. Castro Verde e dando conta dos seguintes defeitos: a. - Fissuras nas paredes exteriores e no muro de vedação exterior; b. - Infiltrações na base das paredes exteriores; c. - Fissuras diversas no interior; d. - Deterioração dos revestimentos das paredes e tectos devido às infiltrações; e. - Fissuras na laje do tecto da cozinha; f. - Fissuras em algumas vigas de betão armado; g. - Levantamento, descolamento e deformação do chão do rés-do-chão;
- Até à presente data a R. quase nada fez, escudando-se na eventual responsabilidade do empreiteiro que construiu a moradia, empreiteiro com o qual a A. jamais estabeleceu qualquer relação jurídica;
- A A., através do seu mandatário, concedeu à R. por missiva por esta recebida em 27.09.2013, o prazo de 20 dias para iniciar as obras de reparação, tendo-lhe, na mesma comunicação, dado conhecimento do auto de vistoria emitido pela Comissão de Vistorias do Município de Castro Verde em 21.08.2013;
- A R. incumpriu o prazo concedido pela A., sendo que, após muita insistência e várias outras ameaças de recurso à via judicial apenas esboçou uma vã tentativa de reparação do chão da sala, escritório e hall de entrada do imóvel, o que fez em dezembro de 2013;
- Tal suposta reparação apenas serviu para agravar os problemas do soalho, o qual continua levantado, descolado e deformado, isto apesar da R. o ter aparafusado ao chão e envernizado sem autorização ou sequer o conhecimento da A.;
- Encontra-se a recolher orçamentos para que as obras de reparação sejam efectuadas por terceiros, pretendendo exigir à R. uma redução do preço de compra da moradia, valor esse equivalente ao que a A. venha a gastar com a reparação da casa e do seu automóvel e se determinará em execução de sentença.
Citada a ré, a mesma apresentou contestação, alegando a excepção de caducidade do direito da autora e bem assim impugnando os factos, invocando ser vendedora/construtora, recorrendo a subempreitadas. Concluiu o seu articulado, pugnando pela improcedência da acção, pela procedência da excepção da caducidade e, assim não se entendendo, que seja admitida a faculdade da R. proceder à reparação dos defeitos que não eram visíveis à data da entrega do imóvel, sendo absolvida do demais peticionado.
Dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, que relegou o conhecimento da excepção de caducidade “para momento oportuno”, por ser necessária produção de prova, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu a R. do pedido.
Inconformado com a decisão proferida, a A. dela interpôs recurso que, por Acórdão de 30 de Novembro de 2016, foi revogada, ordenando-se o prosseguimento dos autos para apuramento da matéria de facto controvertida.
Os autos baixaram à 1.ª instância, tendo sido realizada audiência prévia, fixado o objecto do litígio e elencados os temas de prova.
Realizada audiência final foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, julgou não verificada a excepção da caducidade da acção e condenou a Ré CC, Unipessoal, Lda., a pagar à Autora BB a quantia que se vier a liquidar, nos termos previstos nos artigos 358.º e 609.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, pelo custo da reparação dos defeitos melhor identificados nos pontos 5. a 8. dos factos provados, julgando improcedentes os demais pedidos e dos mesmos absolver a Ré.
A R. não se conformando com a decisão prolatada, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. Às relações estabelecidas entre a Autora e a R. deve ser aplicado Código Civil no que aos defeitos da coisa objecto da prestação diz respeito.
2. Tratando-se de um contrato de empreitada os prazos a considerar são aqueles constantes dos artºs 1225º do Codigo Civel e não os DL n.º 67/2003, de 08/04, na redação do DL n.º 84/2008, de 21/05) da Lei .
3. Pelo que tendo a autora tomado conhecimento dos defeitos da obra antes da escritura e sendo a dona da Obra, pelo menos desde Outubro de 2011; em 25 de Julho de 2014 já tinha preludiado o direito para intentar a presente acção.
4. Não tendo a Autora apresentado qualquer prova direta e pessoal em audiência de julgamento e tendo a R. contestado a acção nos termos em que o fez, os factos dados como provados nos pontos 5 a 8 deveriam ter sido dado como não provados pelo Tribunal, atento o principio previsto no artº 414º do CPC.
5. Tanto mais não ser verdade que a Recorrente tenha confessado qualquer facto, dos supra mencionados.
A douta sentença recorrida fez assim uma errada apreciação da prova documental, aplicou incorretamente o direito violando o disposto nos artigos. disposto nos art.ºs 913.º e ss e 1225º e seguintes do Código Civil, bem como os arts. 46º, 413.º 414º e 607º, nº 4 e 5 do CPC.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vªs Exªs mui doutamente suprirão devem ser recebidas e julgadas procedentes as presentes alegações e revogada a sentença recorrida por violação dos normativos legais supra invocados;
Fazendo-se desse modo a costumada Justiça !”
Não foi oferecida resposta às alegações.
Foram providenciados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II. Objecto do Recurso
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões (art.ºs 608.º, nº 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), importa decidir as seguintes questões:
- modificação da matéria de facto;
- na eventual procedência da modificação da matéria de facto, subsunção jurídica da causa;
- caducidade do direito de acção.
III. Fundamentação
1. De Facto
Na sentença recorrida julgaram-se Provados os seguintes factos: 1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção de civil, compra e venda de imóveis, promoção imobiliária, e arrendamento de imóveis. 2. Em data não concretamente apurada do ano de 2010, a Ré celebrou com DD, empreiteiro de construção civil, um contrato de empreitada que tinha por objecto a construção de uma moradia no Lote 43 do Loteamento n.º 1/2004, em Castro Verde. 3. Por documento particular exarado no dia 18 de Julho de 2011, a Autora declarou comprar, e a Ré declarou vender, a moradia referida no ponto 2., sita na Rua dos M…, n.º …, em Castro Verde, pelo preço de 156000,00 €. 4. A moradia destinava-se a habitação permanente da Autora. 5. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 24 de Abril de 2012, verificou-se que:
- o soalho em madeira maciça do chão da sala no piso térreo estava a empenar;
- a água da banheira da casa de banho do 1.º andar estava a infiltrar-se no tecto da sala e no tecto junto ao roupeiro do ginásio;
- estavam a aparecer fissuras longitudinais nas paredes interiores e exteriores;
- o rodapé em madeira junto à porta da sala estava a soltar-se;
- entrava água da chuva pela caixa do correio. 6. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 4 de Maio de 2012, verificou-se:
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto à entrada da moradia. 7. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 18 de Dezembro de 2012, verificou-se:
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto e por uma parede da garagem;
- entrada de água da chuva pela caixa do correio;
- que o soalho em madeira maciça do chão de um dos quartos estava a empenar (suite). 8. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 13 de Fevereiro de 2013, verificou-se:
- que o soalho em madeira maciça do chão da entrada, da sala, e do escritório, estava todo empenado;
- que o rodapé em madeira do ginásio tinha-se soltado;
- gotejamento de água pelo tecto de um dos quartos (suite);
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto e por uma parede da garagem. 9. A Ré não reparou os defeitos descritos nos pontos 5., 6., 7. e 8. 10. A presente acção foi intentada em 15 de Julho de 2014.
E Não Provados 1. Que as juntas da casa de banho do 1.º andar não estivessem preenchidas. 2. Que o roupeiro do ginásio estivesse foram de esquadria. 3. Que o interruptor da luz no hall de entrada estivesse avariado. 4. Que as infiltrações de água na garagem afectaram o veículo automóvel da Autora. 5. Danos não patrimoniais sofridos pela Autora com a mora da Ré na reparação dos defeitos da moradia.
2. De Direito
Sustenta primeiramente a recorrente que os factos vertidos nos pontos 5 a 8 do elenco dos factos provados devem ser tidos como não provados, atenta a ausência de prova directa dos mesmos e a circunstância de não os ter confessado.
O tribunal de 1.ª instância fundou a sua decisão nos seguintes moldes:
“De igual modo foi considerada a confissão judicial espontânea da Ré (artigos 23, 24, 29, e 37, alínea b), todos da contestação). Com efeito, refere a Ré na sua contestação que “sempre procurou resolver as questões que a A. lhe colocava em torno dos defeitos do imóvel” (art. 23) e que “a reparação integral dos defeitos invocados não ficou concluída no prazo que a A. lhe determinou para o efeito porque o legal representante da R. foi acometido de doença grave, de natureza oncológica, procurando ainda assim dar seguimento à reparação dos defeitos invocados junto do empreiteiro” (art. 24). E refere também ter efectuado algumas reparações “na sequência das denúncias de defeitos apresentadas pela A e que o R. nunca se recusou a corrigir” (art. 29). Por fim, a Ré requer que lhe seja permitido “proceder à reparação dos defeitos que não eram visíveis à data da entrega do imóvel, sendo absolvida do demais peticionado”. Por seu turno, na carta enviada ao mandatário da Autora em 12 de Abril de 2013 após a denúncia dos defeitos da obra (fls. 25v.), a Ré respondeu que ia diligenciar pela realização de uma vistoria à obra, admitindo que “caso se venham a verificar os defeitos apontados (…), será marcada uma data para o início dos trabalhos”. Ou seja, depois de analisada a contestação, constata-se que a Ré confessa a existência de defeitos na obra, e manifesta a intenção de proceder à reparação daqueles que “não eram visíveis à data da entrega do imóvel”. Posto isto, não tendo a Autora produzido prova pessoal quanto aos defeitos da obra, restava ao Tribunal apurar, de acordo com a prova documental junta aos autos e as presunções judiciais, quais os defeitos da moradia “que não eram visíveis à data da entrega do imóvel”, pois pelo menos relativamente a estes a Ré já tinha confessado a sua existência e reconhecia a sua obrigação de repará-los. Nenhuma das partes contestou que faltavam fazer alguns acabamentos na moradia depois de a mesma ter sido entregue à Autora. Desconhecemos quais as obras que ainda estavam por fazer à data da entrega pois não foi produzida nenhuma prova quanto a esses factos. O que sabemos é que a moradia foi entregue à Autora em Julho de 2011 e que as primeiras denúncias de defeitos da obra, relacionados sobretudo com infiltrações de água e humidades, só surgiram em Abril de 2012. De facto, não causa nenhuma estranheza que os problemas relacionados com infiltrações e humidades apenas sejam detectados à medida que o imóvel seja utilizado pelas pessoas que nele habitam e também quando o mesmo é sujeito ao clima típico do Inverno ou a períodos de maior pluviosidade. No caso vertente, foi logo após o primeiro Inverno que a Autora veio denunciar os problemas de infiltrações de água e humidades no imóvel. Não há dúvida que os problemas desta natureza não poderiam ser detectados aquando da entrega do imóvel ao proprietário em pleno mês de Verão pois, tal como dissemos, só com a utilização do imóvel e após um período de chuvas mais ou menos longo é que este tipo de problemas poderá começar a surgir. Ora, no caso vertente, conjugando o teor dos e-mails que a Autora enviou à Ré a descrever os problemas de infiltrações de água e humidades da moradia (fls. 18v. a 20) com as imagens captadas pelas fotografias constantes do parecer de fls. 37 a 61, e ainda com a confissão judicial da Ré quanto à existência de defeitos na obra, podemos concluir que os problemas de infiltrações e humidades da moradia (escorrimentos, gotejamentos, e entrada de água) – e os danos daí decorrentes para o soalho e rodapés em madeira, pinturas, caixa de correio em metal – estão efectivamente comprovados, sendo que só foi possível detectá-los após o Inverno de 2011-2012. Trata-se, portanto, de defeitos que surgiram vários meses após a entrega do imóvel à Autora. Pelo exposto, deu o Tribunal como provados os defeitos descritos nos pontos 5., 6., 7., e 8. da matéria de facto.”.
Vejamos.
O acervo factual constante dos pontos n.º 5 a 8 do elenco factual provêm, em parte, do que se alegou nos art.ºs. 4.º, 7.º e 9.º da petição inicial.
Na contestação, alegou-se:
- A R. sempre procurou resolver as questões que a A. lhe colocava em torno dos defeitos do imóvel (art.º 23.º);
- A reparação integral dos defeitos invocados não ficou concluída no prazo que a A. lhe determinou para o efeito porque o legal representante da R. foi acometido de doença grave, de natureza oncológica, procurando ainda assim dar seguimento à reparação dos defeitos invocados junto do empreiteiro, tendo este efectuado intervenções na moradia mas aparentemente sem sucesso (art.ºs. 24.º e 25.º);
- Alguns do defeitos que a A. enuncia, eram defeitos visíveis, aquando da entrega da moradia, que como se disse foi efectuada antes da escritura de aquisição e que a A. aceitou, como é manifestamente o caso do roupeiro do ginásio com “moldura fora de esquadria e por isso muito torto” e do chão da sala alegadamente “às ondas, desde que foi colocado, bem como a questão das sancas, alegadamente tortas, janelas desniveladas que a A. reporta no email de 24/04/2012 (art.ºs. 26.º e 27.º);
- Foram efectuadas as reparações que a A. exigiu que fossem feitas aquando da entrega da casa - Portas do armário da entrada, prateleira para roupeiro; a caixa do motor da garagem (art.ºs. 28.º e 29.º);
- Inexiste qualquer nexo entre as infiltrações e os danos na viatura da A. (art.º 30.º);
- Impugnou-se expressamente o alegado nos art.ºs 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, a partir de “as escorrências”, 10.º, 14.º, 15.º, 16.º, 19.º, bem como o alegado nos art.ºs. 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 22.º e os artigos que não foram expressamente impugnados e que estejam em contradição com a defesa considerada no seu conjunto.
A “confissão” é, como se sabe, o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (art.º 352.º do Cod. Civil), sendo que tal só releva no contexto da prova da aceitação de um facto que contrarie a posição do confitente[1].
Para que possa concluir pela existência de uma confissão no articulado é também “essencial (...) que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma contra se pronunciatio, como diziam os praxistas.
Em boa verdade, quando alguém alega no petitório que é dono de um prédio de que foi esbulhado por outrem, não está a confessar coisa alguma, está, tão-somente, a dar a conhecer (alegar) ao destinatário da petição – o Tribunal ao qual se dirige em demanda da tutela – de que aquele prédio é seu e que o seu direito de propriedade foi violado.
Ele não está alegar nada que lhe seja desfavorável e que favoreça a parte contrária, está apenas a alegar factos necessários à tutela do seu direito de propriedade, independentemente do uso que a parte contrária possa fazer do facto alegado. (...)”[2].
No caso vertente e valorando conjugadamente estas alegações, não se pode concluir que a Ré confessou a existência dos defeitos mencionados no elenco factual. Com efeito e além da impugnação expressa das respectivas alegações, avulta que a apelante sustenta que a apelada aceitou a existência de algumas das imperfeições reportadas em 24 de Abril de 2012, pelo que, estando em causa factos idóneos a integrar a causa de irresponsabilidade a que se refere o n.º 1 do art.º 1219.º do Cod. Civil, jamais se poderia considerar que, placidamente, a apelante reconheceu a existência desses defeitos.
E se é certo que a mesma concluiu a contestação requerendo que lhe fosse concedida “a faculdade (...) de proceder à reparação dos defeitos que não eram visíveis à data da entrega do imóvel”, o certo é que tal declaração não pode ser lida em moldes desligados do restante teor da contestação e, bem assim, do que era peticionado pela A..
Desta confluência resulta que a concatenação desta afirmação com o teor das missivas não evidencia o reconhecimento da verificação de todos os defeitos elencados pela apelada e que por ela foram reportados (se assim não fosse, bastaria que a recorrente se dispusesse a repará-los sem efectuar qualquer especificação), propondo-se apenas a reparar aqueles que não fossem visíveis à data da entrega da moradia, o que se mostra consonante com a sua posição.
Deste modo, inexistindo qualquer declaração que possa ser havida como, expressa ou tacitamente, confessória por parte da apelante, resulta que assiste razão a esta ao pugnar pela eliminação daqueles factos do elenco factual provado, já que, como se asseverou na sentença, não foi produzido qualquer outro meio de prova sobre os mesmos.
Destarte, mostra-se consolidado o quadro fáctico, nos seguintes termos: 1. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção de civil, compra e venda de imóveis, promoção imobiliária, e arrendamento de imóveis. 2. Em data não concretamente apurada do ano de 2010, a Ré celebrou com DD, empreiteiro de construção civil, um contrato de empreitada que tinha por objecto a construção de uma moradia no Lote 43 do Loteamento n.º 1/2004, em Castro Verde. 3. Por documento particular exarado no dia 18 de Julho de 2011, a Autora declarou comprar, e a Ré declarou vender, a moradia referida no ponto 2., sita na Rua dos M…, n.º …, em Castro Verde, pelo preço de 156000,00 €. 4. A moradia destinava-se a habitação permanente da Autora. 5. A presente acção foi intentada em 15 de Julho de 2014.
E Não Provados 1. Que as juntas da casa de banho do 1.º andar não estivessem preenchidas. 2. Que o roupeiro do ginásio estivesse foram de esquadria. 3. Que o interruptor da luz no hall de entrada estivesse avariado. 4. Que as infiltrações de água na garagem afectaram o veículo automóvel da Autora. 5. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 24 de Abril de 2012, verificou-se que:
- o soalho em madeira maciça do chão da sala no piso térreo estava a empenar;
- a água da banheira da casa de banho do 1.º andar estava a infiltrar-se no tecto da sala e no tecto junto ao roupeiro do ginásio;
- estavam a aparecer fissuras longitudinais nas paredes interiores e exteriores;
- o rodapé em madeira junto à porta da sala estava a soltar-se;
- entrava água da chuva pela caixa do correio. 6. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 4 de Maio de 2012, verificou-se:
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto à entrada da moradia. 7. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 18 de Dezembro de 2012, verificou-se:
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto e por uma parede da garagem;
- entrada de água da chuva pela caixa do correio;
- que o soalho em madeira maciça do chão de um dos quartos estava a empenar (suite). 8. Em data não concretamente apurada, mas posterior à entrega da moradia à Autora e anterior ao dia 13 de Fevereiro de 2013, verificou-se:
- que o soalho em madeira maciça do chão da entrada, da sala, e do escritório, estava todo empenado;
- que o rodapé em madeira do ginásio tinha-se soltado;
- gotejamento de água pelo tecto de um dos quartos (suite);
- escorrimento da água da chuva pela parede de xisto e por uma parede da garagem. 9. Danos não patrimoniais sofridos pela Autora com a mora da Ré na reparação dos defeitos da moradia.
2.ª questão
Em face da modificação da decisão de facto, é manifesta a inexistência de factualidade que suporte a condenação que foi proferida em 1.ª instância
Resulta da factualidade provada (e indiscutida em sede de impugnação da matéria de facto pela ora apelante) que a Recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de construção civil, compra e venda de imóveis, promoção imobiliária e arrendamento de imóveis e que, em 2010, celebrou com DD, empreiteiro da construção civil, um contrato de empreitada que tinha por objecto a construção de uma moradia no lote 43 do loteamento n.º 1/2004, em Castro Verde, moradia essa que a apelante, no âmbito da sua actividade, vendeu pelo preço de € 156.000,00, em Julho de 2011, à apelada, destinando-se a moradia à residência permanente da apelada (cfr. pontos factuais 1. a 4.).
Entende a apelante que “às relações estabelecidas entre a Autora e a R. deve ser aplicado o Código Civil no que aos defeitos da coisa objecto da prestação diz respeito, (pois) tratando-se de um contrato de empreitada os prazos a considerar são aqueles constantes dos artºs 1225º do Codigo Civel e não os DL n.º 67/2003, de 08/04, na redação do DL n.º 84/2008, de 21/05) da Lei”.
Ora, é manifesto que da factualidade provada resulta que estamos perante um contrato de compra e venda celebrado entre a A., pessoa singular, e a R., sociedade comercial, nos termos do qual a primeira adquiriu à segunda uma moradia para uma finalidade não profissional, in casu, para habitação própria permanente, moradia essa que a vendedora, pelo seu lado, lhe forneceu no exercício da actividade económica que ela, enquanto sociedade comercial, desenvolve, tendo em vista a obtenção de lucros ou benefícios, pelo que tal contrato está inequivocamente abrangido pelo âmbito de aplicação material e subjectivo da garantia contratual proporcionada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
O âmbito de aplicação material da garantia contratual sobre bens de consumo é recortado pelos art.ºs. 1.º e 1.º-A do Dec.-Lei. n.º 67/2003, ao estabelecer que este diploma “procede à transposição para o direito interno da Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores”, aplicando-se “aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores (n.º 1 do art.º 1.º-A) e, ainda, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviço, bem como à locação de bens de consumo (n.º 2 do mesmo normativo).
No que concerne ao âmbito de aplicação subjectiva da garantia contratual proporcionada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, resulta do art.º 1.º-A que esta garantia é restrita aos contratos celebrados entre, de um lado, pessoas que fornecem bens de consumo com carácter profissional no exercício de uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e, do outro, pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais.
Efectivamente, nos termos da al. a) do art.º 1.º-B do referido diploma entende-se por “consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do art.º 2.º da lei n.º 24/96, de 31 de Julho”, por “bem de consumo, qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão” (al. b) do art.º 1.º-B), e por “vendedor qualquer pessoa singular ou colectiva, que ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade económica” (al. c) do art.º 1.º-B).
“É a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al. a) do art.º 2.º da Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias, inspiradora da Directiva 1999/44/CE, e do § 9-109 do Uniform Commercial Code -, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa”[3].
“(…)
Razão pela qual, todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectos profissionais (art.º 160.º do Código Civil e art.º 6.º do Código das Sociedades Comerciais)”[4].
“(…)
Por sua vez, o “fornecedor” de um bem ou o prestador de um serviço tem de ser um profissional: “pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que visa a obtenção de lucros” – a abranger, inequivocamente, o vendedor, “qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional” (al. c) do n.º 2 do art.º 1.º da Directiva)”[5].
“(…)
Daqui resulta que se exclui do âmbito de aplicação deste regime três tipos de contratos: 1) os contratos celebrados entre profissionais (ex: venda entre comerciantes ou empresas); 2) os contratos celebrados entre não profissionais (ex: vendas de bens em segunda mão por um consumidor a outro; e 3) os contratos de “venda de bens de consumo invertida”, em que um profissional compra um objecto a um consumidor, podendo ou não vender-lhe simultaneamente outro bem”[6].
“(…)
Estão assim em causa os negócios que se estabeleçam entre profissionais, actuando no âmbito da sua actividade e pessoas que actuem fora do âmbito da sua actividade profissional, dos quais resulte a aquisição de bens, destinados a uso não profissional”[7].
Na espécie, do elenco factual provado resulta, como se disse, que entre a A. e a R. foi celebrado um contrato de compra e venda (art.ºs 874.º e 875.º do Cod. Civil).
Do contrato de compra e venda emergem três efeitos primordiais: “o efeito translativo do direito, a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (art.ºs 408.º n.º 1 e 879.º do Cod. Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.
As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes à responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.
O comprador, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (art.ºs 798.º e 801.º n.º 1 do Cod. Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (art.º 913.º e ss. do Cod. Civil). O comprador não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (art.º 913.º Cod. Civil).
Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[8]”[9].
No caso dos autos, nenhuma dúvida se suscita quanto à qualidade de consumidor da A., pessoa singular, e está provado que a moradia adquirida pela A. à R. destinava-se a habitação própria permanente da A.
Quanto à R., trata-se, inequivocamente, duma sociedade comercial - como o revela a sua firma: “CC, Unipessoal, Lda.”
Ora, toda e qualquer sociedade visa o desempenho de uma actividade económica que não seja de mera fruição e tem como fim imediato a obtenção de lucros (art.º 980.º do Cod. Civil).
Assim sendo, resulta, por um lado, demonstrado que a A. adquiriu à R. a moradia em questão para uma finalidade não profissional (a habitação própria permanente dela própria) e, por outro, que a R. forneceu-lha no exercício da actividade económica que ela, enquanto sociedade comercial, desenvolve tendo em vista a obtenção de lucros ou benefícios. Se assim é, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes, pelo qual a R. vendeu à A. a moradia em questão, está, inequivocamente, abrangido pelo âmbito de aplicação material e subjectivo da garantia contratual proporcionada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
Alegou a A. que a moradia apresentava diversos defeitos, que concretizou, e que os denunciara à R., que os não reparou, peticionando, por isso, a condenação desta no pagamento de quantia equivalente despendida pela A. nas obras de reparação da moradia e do veículo, a determinar em execução de sentença, e equivalentes à redução do preço da moradia em causa nos autos, e ainda no pagamento da quantia de 3.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais sofrido pela autora e causados pela situação de mora na reparação da moradia.
Ora, a valoração dos factos provados com a modificação acima empreendida evidencia que a apelada não logrou demonstrar os factos – mormente, os defeitos - de que primordialmente dependeria o reconhecimento do direito à reparação e, consequentemente, da indemnização em dinheiro fixada na sentença apelada, enquanto factos constitutivos do seu direito (n.º 1 do art.º 342.º do CPC).
Com efeito, a distribuição do ónus da prova quanto à existência, à gravidade e à denúncia dos defeitos observa as regras gerais: é ao comprador que está adstrito à demonstração de qualquer daqueles factos (art.º 342.º, n.º1 do Cod. Civil)[10]. Por seu turno, cabe ao vendedor o ónus da prova do decurso do prazo, da extemporaneidade da denúncia (n.º 2 do art.º 342.º do Cod. Civil) e, feita a prova do defeito pelo comprador, terá o devedor, por se presumir a sua culpa, de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art.º 799.º do Cod. Civil).
Assim sendo, importa concluir pela total improcedência da acção e consequente absolvição da R./apelante dos pedidos contra si formulados
3.ª questão
A 3.ª questão prende-se com a caducidade do direito de acção.
Todavia, não se vislumbra qualquer utilidade em apreciá-la, atendendo ao já decidido supra, ou seja, não tendo sido considerada provada a factualidade alegada pela A., a quem incumbia o ónus da prova da existência dos defeitos da coisa (n.º 1 do art.º 342.º do Cod. Civil), enquanto facto constitutivo da sua pretensão, a acção é manifestamente improcedente, revelando-se, assim, prejudicada a apreciação da referida questão.
As custas serão suportadas, porque vencida, pela apelada (n.ºs 1 e 2 do art.º 527.º
Sumário
I. Resultando demonstrado, por um lado, que a A. adquiriu à R. a moradia em questão para uma finalidade não profissional (a habitação própria permanente dela própria) e, por outro, que a R. forneceu-lha no exercício da actividade económica que ela, enquanto sociedade comercial, desenvolve tendo em vista a obtenção de lucros ou benefícios, o contrato de compra e venda celebrado entre as partes, pelo qual a R. vendeu à A. a moradia em questão, está, inequivocamente, abrangido pelo âmbito de aplicação material e subjectivo da garantia contratual proporcionada pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
II. A distribuição do ónus da prova quanto à existência, à gravidade e à denúncia dos defeitos observa as regras gerais: é ao comprador que está adstrito à demonstração de qualquer daqueles factos (art.º 342.º, n.º1 do Cod. Civil). Por seu turno, cabe ao vendedor o ónus da prova do decurso do prazo, da extemporaneidade da denúncia (n.º 2 do art.º 342.º do Cod. Civil) e, feita a prova do defeito pelo comprador, terá o devedor, por se presumir a sua culpa, de demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art.º 799.º do Cod. Civil).
IV. Decisão
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento à apelação, revogar a sentença recorrida, julgando-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a apelante dos pedidos contra si formulados
Custas pela apelada.
Registe.
Notifique.
Évora, 17 de Janeiro de 2019
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)
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[1] Assim, o Ac. do STJ de 25.11.2010, proferido no proc. n.º 3070/04.9TVLSB.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cita-se o Ac. do STJ de 11 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 1902/06.6TBVRL.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[3] CALVÃO DA SILVA, Venda de Bens de Consumo. Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril. Directiva nº 1999/44/CE. Comentário, 1.ª ed., pp. 44.
[4] CALVÃO DA SILVA, ibidem.
[5] CALVÃO DA SILVA op. cit., pp. 44-45.
[6] LUÍS MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações”, III, “Contratos em Especial”, 3ª ed., pp. 135.
[7] LUÍS MENEZES LEITÃO, op. e loc. cit.
[8] Assim, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Vendae na Empreitada, Almedina, 1994, pp. 185
[9] Ac. da RC de 27.05.2014, proferido no proc. n.º 544/10.6TBCVL.C1, acessível em www.dgsi.pt
[10] Neste sentido, entre outros, Ac. da RE de 23.01.1997, Ac. do STJ de 03.03.98 e de 20.10.2009, acessíveis em www.dgsi.pt e NUNO PINTO DE OLIVEIRA, Contrato de Compra e Venda, Noções Fundamentais, Almedina, 2007, pp. 294.