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ADVOGADO-ESTAGIÁRIO
NOTIFICAÇÃO
Sumário
Nos processos de constituição obrigatória de advogado, ainda que a contestação tenha sido assinada pelo advogado e pelo advogado-estagiário constituídos na mesma procuração, a notificação para o pagamento da taxa de justiça em falta não se considera validamente efectuada se foi feita exclusivamente ao advogado-estagiário.
Texto Integral
Apelação n.º 5337/15.1T8VNG-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório
Na acção que a Autoridade Tributária e Aduaneira moveu a B… e C…, na sequência de indeferimento do apoio judiciário requerido para contestar, foi proferido despacho ordenando o cumprimento do disposto no artigo 570.º, n.º 3, CPC, o qual foi notificado à Exm.ª Sr.ª Dr.ª E…, advogada estagiária.
A contestação fora subscrita pelas Exm.ªs Sr.ªs Dr.ªs D… e E….
As RR., alegando não ter tido conhecimento daquela notificação, requereram a emissão de nova guia para pagamento da taxa de justiça, o que foi indeferido com o fundamento em que a notificação foi dirigida a mandatário constituído para a morada do respectivo escritório, pelo que se considerava efectuada nos termos do artigo 247.º e 248.º CPC.
Notificadas deste despacho, as RR. formularam novo requerimento, solicitando a emissão de novas guias, o que motivou o despacho de fls. 80 v.º onde se afirma a inexistência de obrigação de notificação a ambas as mandatárias constituídas, tanto mais que em casa se encontrava a prática de um acto que poderia ser praticado por advogado estagiário desacompanhado do patrono, por não envolver questões de direito (cfr. artigo 40.º, n.º 1, alínea a), e 2, CPC, e artigo 196.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro).
Inconformada, apelou a R. C…, apresentando as seguintes conclusões:
A. A Apelante foi notificada do despacho datado de 20/09/2017 nos termos do qual, considerando-se regularmente efectuadas as notificações feitas na pessoa da Advogada-Estagiária Dra. E…, considera cumprido o previsto nos n.ºs 3 e 5 do artigo 570º do C: P. C. determinando o desentranhamento da contestação a fls. 169 e seguintes dos autos.
B. O tribunal a quo ancora tal decisão na inexistência de obrigação de notificação dos actos a ambas as mandatárias constituídas pela parte, tanto mais que, no caso concreto, em causa estava a notificação para a prática de um acto que a Il. Advogada Estagiária podia praticar desacompanhada da sua Il. Patrona, por não envolver questões de direito – cfr. art.º 40.º n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC e art.º 196.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º145/2015, de 9 de Setembro.”
C. A Contestação junta aos presentes autos encontra-se subscrita pela Advogada D… e pela Advogada – Estagiária E…, que na altura se encontrava a realizar o seu estágio de advocacia no escritório do patrono subscritor da peça.
D. No âmbito do estágio os advogados estagiários tem que apresentar à distinta Ordem dos Advogados o comprovativo de intervenções escritas e orais que demonstrem um contacto efectivo do estagiário com processos judiciais, justificando-se a apresentação de peças processuais nos tribunais, subscritas pelo patrono e pelo advogado estagiário.
E. Considerando o valor da acção o advogado-estagiário não tinha competência de per se para
patrocinar isoladamente o presente processo.
F. Em 06/06/2006 é apresentado um requerimento pela Advogada D… tendo porém em 31/01/2017 e em 14/03/2017 sido notificada na qualidade de advogada estagiária a Dra. E… nos termos e para os efeitos do artigo 570 º n.º3 e 5.
G. Quer no anterior Estatuto da Ordem dos Advogados quer no actual, nos casos em que o valor da alçada é superior à da 1ª instância, a Ordem dos Advogados considera que se exige sempre um acompanhamento efectivo do advogado estagiário pelo seu patrono.
H. Não pode pois a secretaria escolher aleatoriamente a advogada estagiária para proceder às notificações posteriores, ainda mais quando o requerimento anterior que originou tais notificações foi subscrito apenas pela advogada e patrono.
I. Por sua vez o alegado artigo 40 n.º 2 não fundamenta a notificação da Dra. E…, pois o artigo em causa atribui ao advogado estagiário competência para formular requerimentos em que não se suscitem questões de direito.
J. Estando todavia, aqui em causa a notificação por parte do tribunal e não a formulação de requerimentos por parte da estagiária, e sublinha-se o requerimento que antecedeu as notificações em causa foi subscrito pela Advogada constituída no processo e não pela advogada estagiária.
K. A competência do estagiário para agir isoladamente no processo deverá aferir-se, ab initio em função do valor da acção, que nos presentes autos ultrapassa a alçada do tribunal de primeira instância.
L. Quando o Tribunal enviou as notificações referentes às penalizações previstas no artigo 570º do C.P.C em 31/01/2017 e em 14/03/2017, a Dra E… com a CP ……, encontrava-se com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados desde 29/01/2017, não tendo acesso à plataforma citius e concomitantemente às referidas notificações.
M. Aquando o conhecimento das notificações as RR apresentaram de imediato um requerimento esclarecendo o Tribunal acerca do desconhecimento das penalizações aplicadas e solicitando a emissão de novas guias para pagamento.
N. Tendo porém o tribunal a quo por despacho enviado via citius no dia 3/07//2017 considerado
que as notificações processuais foram dirigidas aos mandatários constituídos e para o escritório indicado nas procurações e nos articulados”
O. Foi apresentado novo requerimento pois tal notificação não se verificou, pois a verificar-se, a mandatária D… não desconheceria tais notificações, desconhecimento que por essa via se estendeu à apelante.
P. Configura a omissão da notificação da advogada constituída nos autos, uma nulidade do acto de notificação nos termos do artigo 195 º do C.PC, nulidade essa que se pretende ver declarada.
Q. A questão jurídica e de facto subjacente ao processo aqui em causa não se compagina com a interpretação restritiva que o tribunal a quo opera da lei, com evidente detrimento da justiça material, prejudicando a parte, titular do interesse material discutido no processo.
R. Parte esta que é completamente alheia às vicissitudes processuais atinentes ao tribunal ou à advogada-estagiária, mal se compreendendo que o tribunal considere regularmente efectuadas as notificações, presumindo, portanto, o conhecimento da apelante e concluindo pela aplicação da penalização de desentranhamento da contestação quando pôde constatar que tais notificações não foram abertas, atenta a suspensão da Dra. E… impedindo esta de aceder ao citius como resulta da lei e mediante os requerimentos apresentados nos quais se invocou o desconhecimento e se solicitou a sua notificação para proceder ao pagamento da penalização prevista no artigo 570º do C.P.C.
S. Atendendo ao direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da CRP e estando em causa o exercício de um direito de defesa da apelante através da contestação apresentada cujo desentranhamento se ordenou, a dúvida quanto ao conhecimento efectivo e a regularidade das notificações deverá ser sempre decidida em benefício da garantia do exercício do direito de defesa e não no sentido restritivo que anula a defesa da apelante, (neste sentido acórdão do STJ de 12/12/2002 processo 02B3580 disponível em www.dgsi.pt)
T. Uma vez desentranhada a contestação a decisão que recaia sob a causa será meramente formalista dando por provados todos os factos alegados na petição e condenando a apelante, não sendo apreciada a questão material controvertida.
U. Esta interpretação restritiva, redutora e meramente formalista não é permitida pelo artigo 18º da CRP.
V. Viola deste modo o tribunal a quo os artigos 18º e 20º da CRP, realizando uma interpretação
inconstitucional da lei, e bem assim, os artigos n.ºs 247.º e 248.º do C.P.C. pois deveria o tribunal concluir pela interpretação dos mesmos pela notificação da Ré através da advogada constituída, Dra. D…, nos termos e para os efeitos do artigo 570 n.º3.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ªs Ex.as doutamente suprirão deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser substituído o despacho recorrido por outro que ordene a notificação da apelante nos termos do artigo 570 n.º3 Sendo certo que desta forma farão V.ªs Exas, como sempre, Inteira e Sã JUSTIÇA,
Também a R. B… apelou, assim concluindo:
1. A recorrente, nos presentes autos, outorgou procuração à Ex.ma Senhora Doutora D…, advogada com a cédula profissional nº ….. e à Ex.ma Senhora Doutora E…, advogada-estagiária da anterior.
2. Em cumprimento do dever de patrocínio, em 3 de Junho de 2016, as supra indicadas advogada e advogada-estagiária, subscreveram a contestação à petição inicial.
3. Tal deveu-se à imposição, por parte da Ordem dos Advogados e do Regulamento Nacional de Estágio, regulamento nº 52-A/2005, que a artigos 29º, nº 1 alínea c), exige intervenção escrita do estagiário em 15 peças processuais;
4. Que no caso dos presentes autos, e por imposição conjugada do artigo 40º NCPC e do disposto no artigo 196º do Estatuto da Ordem dos Advogados, tem de fazer conjuntamente com o seu patrono.
5. Para esse efeito, e nos termos do parecer do Centro Nacional de Estágio e Formação da Ordem dos Advogados de 5 de Dezembro de 2005 e ratificado pelo Conselho Geral da OA em 6 de Janeiro de 2006, era necessário conferir mandato judicial conjunto a patrona e estagiária, pelo que se outorgou a procuração nos termos melhor descritos em 1 acima.
6. A Contestação, nos termos do artigo 570º, nº 1, parte final, foi apenas instruída com o pedido
de Apoio Judiciário, nas modalidades de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais
encargos com o processo, nos termos.
7. Posteriormente e no decurso da acção, vieram ambas as Rés a ver-lhes negado o Apoio Judiciário, pelos motivos que expuseram em requerimento de 3 de Junho de 2016, com a referência CITIUS 22845608
8. Esse requerimento foi subscrito, apenas, pela Ex.ma Senhora Doutora D…, advogada e foi ainda da DUC referente ao pagamento da 1ª prestação da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação e seu comprovativo de pagamento que então pediu que fosse admitido como tempestivo.
9. Foi proferido em 12 de Dezembro de 2016 despacho que recaiu sobre o requerimento, concluindo pela intempestividade do pagamento da taxa de justiça, cominando-o com o disposto no artigo 570º, nº 3 do NCPC.
10. A notificação prevista no artigo 570º, nº 3, bem assim como o despacho de 12/12/2016 foram remetidos à Dr.ª E…, em 31 de Janeiro de 2017, pela documento com a referência 378211319
11. A mesma Dr.ª E…, que tinha intervindo nos autos apenas na qualidade de advogada estagiária e acompanhada pela sua patrona, encontrava-se desde 29 de Janeiro de 2017 com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados.
12. Desde 29 de Janeiro de 2017 que a Dr.ª E…, por não ser advogada estagiária não se enquadrava no nº 2 do artigo 40º do NCPC.
13. A Dr.ª E… não recebeu a notificação remetida pelo tribunal em 31 de Janeiro de 2017, com a referência 378211319, o que a secretaria daquele verificou por consulta ao sistema Habilus, que dá a notificação como “não lida”.
14. É consequência legal, imposta pela OA e técnica do Sistema CITIUS, que aos seus ex-utilizadores, que deixam de fazer parte do registo electrónico do mesmo, seja vedado o acesso à tramitação por aquela plataforma.
15. O mesmo destino sofreu a notificação referência 379668307, feita ao abrigo do artigo 570º,
nº 5, remetida via CITIUS para a Dr.ª E…, em 14 de Março de 2017, que permanece em registo no sistema como “não lida”
16. Ambas as notificações foram enviadas para a Dr.ª E… naquilo que o tribunal a quo entendeu ser o cumprimento do disposto no artigo 247º, nº 1 e 248º do NCPC, sem que no entanto nenhuma delas tenha chegado à sua destinatária.
17. Estabelece o artigo 248º do NCPC que as notificações enviadas pela plataforma CITIUS e ao abrigo da portaria 208/2013 de 26 de Agosto, são presumivelmente recebidas pelo seu destinatário no 3º dia posterior à elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse quando não seja, presunção essa ilidível pelo notificando provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida.
18. Tal é o entendimento sufragado pela jurisprudência conforme Acórdãos da Relação do Porto de 4 de Março de 2013 e do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2012, que se mantém plenamente válido na vigência do actual NCPC como melhor sustentado no Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Junho de 2014, todos melhor identificados nas alegações supra.
19. Do mesmo modo e sobre a relevância do não recebimento de notificação do mandatário nos termos do artigo 247º NCPC (então 254º do CPC), é jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, contida no Acórdão de 12 de Dezembro de 2012, no âmbito do processo 02B3580, que,
quer por negligência, quer por recusa em as receber, nunca pode ser dada por notificada a parte, em seu prejuízo, se é conhecido ao tribunal que promove as notificações que aquelas não chegam ao conhecimento do seu destinatário, entendendo nesses casos não ter sido feita a notificação e assim ser de repetir a mesma em moldes que permitam dar cumprimento à lei.
20. Têm-se assim por não feitas as notificações às Rés, enviadas electronicamente, via plataforma CITIUS à Dr.ª E….
De igual modo
21. A notificação enviada à Dr.ª E…, em 31 de Janeiro de 2017, com a referência 378211319 continha cópia do despacho proferido pelo tribunal a quo em 12 de Dezembro de 2016, que versava sobre o pedido – negando-lhe provimento – apresentado em articulado subscrito exclusivamente pela Dr.ª D…, advogada e mandatária da Recorrente, à data.
22. Sem prejuízo de ser a Dr.ª D… a única mandatária em exercício de representação e com mandato da Rés na data do envio daquela notificação, seria sempre a esta que havia de se remeter a resposta ao pedido feito por ela em requerimento precedente, conforme dispõe e tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação complementar ao disposto no artigo 247º do NCPC (disposição cujo conteúdo já vem de formulações anteriores do CPC), conforme Acórdãos de 6 de Julho de 1994 e de 21 de Outubro de 1997, proferidos no âmbito dos processos, respectivamente, 3912 e 97A569, concluindo que a notificação da resposta a um pedido feito pela parte tem de ser feita ao mandatário que subscreveu e apresentou tal pedido em juízo, independentemente da parte, nesses autos, ser representada por uma pluralidade de mandatários.
23. Entende ainda o Supremo Tribunal de Justiça que a omissão de tal cuidado no envio da notificação, comina-se com a nulidade prevista no artigo 195º NCPC (antigo artigo 201º do CPC), reunidos os requisitos aí contidos, que são os do presente caso, atendendo a que a referida vicissitude daquela notificação conduziu nos termos do nº 6 do artigo 570º NCPC – por aplicação subsidiária e em decorrência da nulidade evidenciada – à decisão de desentranhamento da Contestação, que a ser cumprida irá levar ao total decaimento das Rés.
Sempre, sem prescindir
24. Andou ainda mal o tribunal a quo ao notificar a Dr.ª E…, ao abrigo do artigo 247º
NCPC, atendendo a que a mesma não tem competência para receber notificações no âmbito dos presentes autos, pela aplicação conjugada do artigo 40º, nº 1 e 2 do NCPC e do artigo 196º do EOA.
25. Conforme resulta do indicado preceito do Estatuto da Ordem dos Advogados, a advogada estagiária em causa e no âmbito dos presentes autos, não tem qualquer competência para agir desacompanhada da sua patrona.
26. De igual modo, toda a tramitação nos presentes autos deve ser feita por advogado, conforme prescreve o nº 1 do artigo 40º do NCPC, com expressa remissão para o artigo 44 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), dado que a alçada do tribunal a quo é de cinco mil euros e o valor da acção é superior a vinte e nove mil euros.
27. Termos em que, ainda que a Dr.ª E… se mantivesse em funções e inscrita na Ordem dos Advogados, nunca poderia ser destinatária de uma notificação enviada nos presentes autos.
28. Tal decorre da limitação de poderes estatutária e melhor definida pelo EOA, que não reconhece competências aos estagiários para agirem sozinhos em juízo, o que aconteceu quando
se procurou notificar, isoladamente, a Dr.ª E… dos despachos em análise e melhor identificados supra.
29. E não pode o tribunal a quo retirar conclusão do artigo 40º, nº 2 do CPC em contrário do que aqui se defende, quando o mesmo artigo é claro em referir que aos advogados-estagiários é lícito apresentar requerimentos em que não se levantem questões de direito, atendendo a que:
30. A letra do artigo é clara e específica, precisa ao ponto de apenas conceder aos advogados-estagiários, solicitadores e às próprias partes legitimidade para fazer requerimentos;
31. E que, a elaboração de um requerimento deste género pode ser absolutamente desligadas das tais questões de direito, mas a recepção de uma notificação, qualquer que seja o seu conteúdo implica sempre a análise de questões de direito, a interpretação e aplicação da lei, sendo lógica que a reacção àquilo que se dispõe pela notificação pode ir mais além do cumprimento, sendo a maioria das decisões e actos dos quais se dá conhecimento pela notificação, passíveis de ser atacados, reclamados ou recorridos pelo seu destinatário, que é exactamente o caso que aqui se discute, sendo certo que, relativamente ao que se dispunha nas notificações de 31/01/2017 e de 17/03/2017, as Rés poderiam ter reagido de várias formas – nomeadamente recorrendo do despacho de 12712/2016 – acto o qual um advogado estagiário não está apto a praticar, sequer
quiçá a conceber como viável.
32. Nestes termos remete-se para o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2007 e para o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009, melhor identificados acima e que, em súmula resumem: “Para efeitos processuais, tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de Direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei”, balizando a análise das notificações na última categoria.
33. Assim, por se dar como notificadas as partes das notificações remetidas via CITIUS para a Dr.ª E…, em 31/01/2017 e 14/03/2017 e verificando-se que aquelas nunca foram recebidas pelo destinatário imediato, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 248º do CPC, verificando-se a falta de notificação das Rés quanto a todo o conteúdo daquelas missivas.
34. Por se dar por notificada a parte do despacho de 12/12/2016, que seguiu com a notificação de 31/01/2017 remetida à Dr.ª E…, quando aquele despacho dava resposta ao pedido efectuado no articulado subscrito apenas pela Dr. D…, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 247º, nº 1 do NCPC, verificando-se a nulidade prevista no artigo 195º, nº 1 do CPC, por ser sua consequência, a final, o desentranhamento da Contestação e a sucumbência das Rés.
35. Por dar notificada as parte por haverem sido remetidas as notificações para advogada-estagiária, quando esta não tinha competência legal para as receber, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 40º, nº 1 e 2 do NCPC e o disposto no artigo 196º do EOA, incorrendo em
irregularidade que por vir influenciar a boa decisão da causa nos termos do artigo anterior, se comina com a nulidade prevista no artigo 195º, nº 1 do NCPC
36. Em qualquer das formulações anteriores, sempre há que reiterar que, porque a Dr.ª E… não estava inscrita na OA desde 29/01/2017, ao dar por notificadas as partes pelo envio àquela das notificações em apreço, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 40, nº 1 e 247º, nº 1, ambos do NCPC, irregularidade que por influir na boa decisão da causa, se comina com a nulidade prevista no artigo 195º, nº 1 do CPC.
37. Procedendo a conclusão a artigo 33 das presentes e verificada a falta de notificação por vicissitude na recepção;
38. Procedendo a conclusão 34 das presentes, sendo nula a notificação ao participante processual errado que não subscreveu a peça a cujo pedido havia de se notificar;
39. Procedendo a conclusão 35 das presentes, sendo nula a notificação feita em violação do artigo 40, nº 1 e 2 do CPC e do artigo 196º do EOA;
40. Procedendo a conclusão 36 das presentes por nulidade de notificação a terceiro estranho ao procedimento judicial, atendendo a que a Dr.ª E… não era profissional forense à data das mesmas;
41. Sempre se concluirá, de igual modo, pela violação do Direito Constitucional de Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva, conforme artigo 20º da CRP, especificamente nºs 2 e 4,
inconstitucionalidade essa que deve ser reconhecida e declarada.
42. Deve ser, por todos os motivos e nos termos expostos, revogado o despacho de 20 de Setembro de 2017 e substituído por decisão que anulando toda a tramitação posterior ao despacho de 12 de Dezembro de 2016 do tribunal a quo, ordene a notificação do mesmo às Rés, na pessoa dos seus mandatários.
JUSTIÇA!!!
Contra-alegou o MP, pugnando pelo não conhecimento do objecto do recurso.
2. Factualidade relevante
É a seguinte a factualidade relevante para a apreciação do recurso:
1 – O M P, em representação do Estado Português, instaurou acção de impugnação pauliana contra C… e B….
2 - As RR. apresentaram contestação subscrita pelas Sr.ªs Dr.ªs D… e E…, esta na qualidade de Advogada estagiária, às quais as RR. outorgaram a procuração conjunta.
3 - A referida contestação foi instruída apenas com o comprovativo de requerimento de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, formulado pelas RR. junto do Instituto da Segurança Social, I.P..
4 – Aquele pedido de apoio judiciário foi indeferido pelo Instituto da Segurança Social, I.P..
5 - Em 3 de Junho de 2016, a Exm.ª Sr.ª Dr.ª D…, em representação das RR., subscreveu requerimento solicitando ao tribunal a junção do comprovativo do pagamento da 1.ª prestação da taxa de justiça, no valor de €255,00, devida pela apresentação da contestação, mais requerendo a relevação de qualquer penalização;
6 - Em 28 de Janeiro de 2017, foi proferido despacho que considerou que o pagamento da taxa de justiça inicial devida pela contestação tinha sido efectuado para além do prazo de dez dias que se seguiram à notificação das RR. da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que haviam formulado, pelo que determinou que a secção desse cumprimento ao disposto no artigo 570.º, nº. 4, CPC;
7 - Em 31 de Janeiro de 2017, a secção notificou a Exm.ª Sr.ª Dr.ª E…, advogada estagiária, para proceder à liquidação da multa prevista no artigo 570.º, nº. 3, CPC, pelo pagamento fora de prazo da taxa de justiça devida pela contestação, a qual não obteve pagamento até à data limite constante da respectiva guia - 13 de Fevereiro de 2017.
8- Em 14 de Março de 2017, a secção notificou a Exm.ª Sr.ª Dr.ª E…, advogada estagiária, para proceder ao pagamento da multa prevista no artigo 570º, nº. 5, CPC, a qual não obteve pagamento até à data limite constante da respectiva guia - 27 de Março de 2017.
9 - As notificações efectuadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 570.º, nºs. 3 e 5, CPC, foram efectuadas via Citius e constam desse sistema sem evidência de leitura.
10 - Em 30 de Maio de 2017, mediante requerimento subscrito pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª D…, as RR. solicitaram ao tribunal a emissão de novas guias para pagamento da multa prevista no artigo 570º, nº. 3, CPC, invocando só nesse momento terem tido conhecimento das notificações efectuadas para cumprimento do disposto nesse normativo, porquanto as mesmas foram efectuadas apenas na pessoa da Advogada estagiária Dr.ª E…, a qual tinha terminado o estágio no escritório da sua patrona Dr.ª D…, estando com a sua inscrição na Ordem dos Advogados suspensa.
11 - Em 30 de Junho de 2017, a fls. 217, foi proferido despacho que considerou regularmente efectuadas as notificações do disposto no artigo 570.º, nºs. 3 e 5, CPC, nos termos do disposto nos artigos 247.º e 248.º, CPC, por dirigidas a mandatária que subscreveu a contestação, constituída pelas RR., e enviada para o escritório indicado na contestação e nas procurações.
12 - O referido despacho foi notificado, via Citius, à Exm.ª Sr.ª Dr.ª D….
13 - Em 1 de Setembro de 2017, mediante requerimento subscrito pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª D…, as RR. solicitaram novamente ao Tribunal a emissão de novas guias para pagamento da multa prevista no artigo 570º, nº. 3, CPC, com fundamento em que as notificações efectuadas para cumprimento deste normativo foram efectuadas apenas na pessoa da Advogada estagiária Dr.ª E…, a qual tinha terminado o estágio no escritório da sua patrona Dr.ª D…, e suspendido a sua inscrição na Ordem dos Advogados, pelo que só posteriormente tiveram conhecimento de tais notificações e despachos que as ordenaram.
14 - Em 16 de Outubro de 2017, foi proferido o despacho em que, considerando-se esse requerimento uma mera repetição do que fora alegado no requerimento apresentado em 30 de Maio de 2017, e sobre o qual tinha já recaído o despacho de fls. 217, que julgou regularmente efectuadas as notificações feitas na pessoa da Advogada estagiária Dra. E….
15. Nesse despacho foi ainda ordenado o desentranhamento da contestação por não terem sido pagas as multas previstas nos citados normativos.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC).
- não conhecimento do objecto do recurso;
- saber se é válida uma notificação, para os efeitos do pagamento das multas previstas no artigo 570.º, n.ºs. 3 e 5, CPC, efectuada a uma advogada estagiária a quem foi conferida procuração juntamente com a patrona;
- desentranhamento da contestação.
3.1. Do (não) conhecimento do objecto do recurso
Suscitou o MP a questão do não conhecimento do objecto do recurso por a irregularidade da notificação não poder ser suscitada por via de recurso, encontrando-se sanada por não ter sido arguida no prazo de 10 dias a partir da intervenção do processo nos termos do artigo 199.º, n.º 2, CPC.
Não lhe assiste, porém, razão.
Com efeito, embora nas alegações de recurso seja feita alusão à nulidade processual, o recurso é interposto do despacho, datado de 16 de Outubro de 2017, que ordenou o desentranhamento da contestação, na sequência do não pagamento das multas referidas no artigo 570.º CPC.
E também do despacho, datado de 30 de Junho de 2017, que indeferiu a arguição de nulidade, pois o requerimento em que as apelantes, através da sua mandatária, pedem a passagem de novas guias por não terem recebido a respectiva notificação, equivale à arguição de nulidade.
Os despachos que indeferem a arguição de nulidades previstas no artigo 195.º, n.º 1, CPC, não são passíveis de recurso, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios (artigo 630.º, n.º 2, in fine, CPC).
Ora, se a consequência da falta do pagamento da multa é o desentranhamento da contestação (artigo 570.º, n.º 6, CPC), temos de considerar que a alegada nulidade, a existir, contende com o princípio do contraditório.
Nessa conformidade, o despacho datado de 30 de Junho de 2017, que indeferiu a arguição de nulidade, ao considerar a notificação regularmente efectuada na pessoa da advogada estagiária, é passível de recurso.
E, contrariamente ao sustentado pelo MP, o despacho proferido em 30 de Junho de 2017 - que considerou regularmente efectuadas as notificações do disposto no artigo 570.º, nºs. 3 e 5, CPC, nos termos do disposto nos artigos 247.º e 248.º, CPC, por dirigidas a mandatária que subscreveu a contestação, constituída pelas RR., e enviada para o escritório indicado na contestação e nas procurações - não transitou em julgado, por não ser passível de recurso autónomo, visto não se enquadrar em nenhuma das alíneas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 644.º CPC.
De acordo com o disposto no n.º 3, fora das situações previstas nos n.ºs 1 e 2 deste artigo, as decisões podem ser impugnadas no recurso das decisões previstas no n.º 1.
No entanto, porque do despacho que determina o desentranhamento da contestação cabe recurso autónomo (artigo 644.º, n,º 2, alínea d), CPC), e uma vez que esse despacho é consequência necessária daquele primeiro despacho, faz sentido conhecer-se do recurso do despacho que considerou a notificação regulamente efectuada na pessoa da advogada estagiária.
3.2. Da (in)validade da notificação, para os efeitos do pagamento das multas previstas no artigo 570.º, n.ºs. 3 e 5, CPC, efectuada a uma advogada estagiária a quem foi conferida procuração juntamente com a patrona.
Insurgem-se as apelantes contra o despacho que considerou validamente efectuada, na pessoa da advogada estagiária constituída mandatária na mesma procuração que a sua patrona, a notificação destinada aos efeitos previstos nos artigos 570.º, n.ºs 3 e 5, CPC.
Entendeu o despacho recorrido que a notificação deveria considerar-se regulamente efectuada nos termos do artigo 247.º e 248.º CPC, por ter sido enviada para mandatária com procuração nos autos, e para a morada aí constante (e também o articulado).
A questão é, pois, a de saber se, estando constituído nos autos um advogado estagiário, que assina a contestação juntamente com o seu patrono, as notificações podem ser validamente efectuadas no advogado estagiário.
Entendemos que a resposta deve ser negativa.
Se é verdade que o artigo 247.º, n.º 1, CPC, ao dispor que as notificações devem ser feitas no mandatário judicial, não excluindo os advogados estagiários que estejam mandatados, não podemos ignorar as limitações do estatuto do advogado estagiário.
Não se afigura que o artigo 40.º CPC, invocado no despacho recorrido, legitime a realização da notificação no advogado estagiário.
Nos termos do n.º 2 do citado artigo, ainda que seja obrigatória a constituição de advogado, os advogados estagiários, os solicitadores e as próprias partes podem fazer requerimentos em que se não levantem questões de direito.
Este artigo se reporta à constituição obrigatória de mandatário, esclarecendo quais os actos que podem ser praticados por advogados estagiários nas acções em que, como sucede no caso vertente, é obrigatória a constituição de mandatário, por ser admissível recurso ordinário (artigo 40.º, n.º 1, alínea a), CPC.
Não se afigura legítimo equiparar a faculdade de apresentar requerimentos em que não se suscitem questões de direito à faculdade de receber notificações, ainda que a notificação possa se destinar à prática de um acto que não implique questões de direito.
As notificações do Tribunal são peças fulcrais do processo judicial, especialmente quando relacionadas com preclusões processuais.
No caso dos autos, o não recebimento da notificação pelo mandatário teve como consequência o desentranhamento da contestação
Aliás, o requerimento que deu origem à notificação em causa foi subscrito unicamente pela Exm.ª Sr.ª Dr.ª D….
Tratando-se de processo relativamente ao qual o legislador entendeu impor a obrigatoriedade de constituição de mandatário, não se concebe que as notificações - sejam de que natureza forem - possam ser, à falta de norma expressa nesse sentido, nos advogados estagiários.
Uma notificação implica sempre uma análise jurídica: qual a atitude a tomar na defesa dos interesses do mandante; quais as consequências de uma eventual inércia.
Os interesses do mandante não ficam devidamente salvaguardados se as notificações forem feitas ao advogado estagiário, que não é um advogado pleno. Recorde-se que o advogado estagiário, antes de poder exercer plenamente o patrocínio, terá de ser submetido a exames, que poderá não ultrapassar com sucesso.
Poder-se-á esgrimir que o mandante, ao constituir mandatário um advogado estagiário, estará a assumir o risco de os seus interesses não serem convenientemente defendidos.
No entanto, para além de o advogado estagiário estar sob a tutela do patrono, a sua inclusão na procuração destina-se, frequentemente, a permitir que possa fazer as intervenções supostas no regulamento de estágio, designadamente no seu artigo 29.º, sob a epígrafe “Deveres específicos dos advogados estagiários”:
1. Para além dos deveres previstos no artigo 9º, constituem, ainda, deveres do advogado estagiário durante a fase de formação complementar:
a) Participar nos processos judiciais para que for nomeado como patrono ou defensor oficioso, nos termos da lei sobre o acesso ao direito, e solicitar ao patrono apoio no patrocínio dos respectivos processos;
b) Participar, de acordo com as regras que venham a ser fixadas pelos conselhos distritais, em escalas de presença nos tribunais ou em outros serviços públicos onde venha a ser necessária a presença de advogados ou advogados estagiários.
2. Constituem deveres específicos dos advogados estagiários, na fase de formação complementar, o cumprimento das seguintes obrigações:
a) A realização de 15 intervenções em procedimentos judiciais, seja em regime de mandato ou por nomeação oficiosa, comprovadas por meio idóneo, preferencialmente sobre matérias diversificadas entre si.
b) A apresentação de relatório final de sua autoria, referente a todas as suas actividades de estágio.
3. Consideram-se como intervenções para os efeitos das alíneas a) do n.º 2 os actos processuais escritos que correspondam a peças articuladas e alegações de facto ou direito, bem como os actos praticados em audiências presididas por magistrados, no mesmo ou em vários processos, independentemente de instância ou jurisdição, desde que no exercício do patrocínio forense, devendo os patronos permitir, sempre que possível, o patrocínio conjunto com os seus advogados estagiários e, além disso, permitir a subscrição por estes das peças em cuja elaboração tenham colaborado.
Pelo exposto, e face os elementos constantes dos autos, não é de considerar válida a notificação feita ao advogado estagiário que, comprovadamente, não chegou ao conhecimento do mandatário constituído.
3.3. Do desentranhamento da contestação
O desentranhamento da contestação, como acto consequente à falta de pagamento da multa a que se reportava a notificação, não pode subsistir, devendo ser dada à parte a possibilidade de pagar a referida multa, através da repetição da notificação a que se alude no n.º 3 do artigo 570.º CPC.
O recurso merece, pois, provimento.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação procedente, revoga-se a decisão recorrida, determinando a repetição da notificação a que se alude no n.º 3 do artigo 570.º CPC.
Sem custas.
Porto, 23 de Outubro de 2018
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos