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ELEVADORES ELÉCTRICOS
REGULAMENTO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
NORMA DESTINADA
PROTECÇÃO DE INTERESSES ALHEIOS
ACTIVIDADE PERIGOSA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário
I - A protecção de interesses alheios exige a adopção de condutas que privilegiem os deveres de segurança e de prevenção do perigo. II - Em matéria de responsabilidade civil a imputação do facto ao agente e a apreciação desse nexo de imputação exprime-se através de um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito. III - Este juízo de censura pode resultar da infracção de uma norma destinada a proteger interesses alheios produzindo, como consequência necessária, um dano, em princípio indemnizável. E aqui se inclui a violação das normas que visam prevenir, não a produção do dano em concreto, mas sim o simples perigo do dano em abstracto. IV - É o que acontece, por exemplo, com as regras constantes do Regulamento de Segurança dos Elevadores Eléctricos. V- De acordo com este Regulamento qualquer elevador deve estar dotado de um sistema de“trancagem",de “encravamento", que não permita de forma alguma a abertura da porta do elevador enquanto este não só não estiver parado, como também enquanto não se encontrar nivelado com o respectivo piso de utilização do elevador no qual a pessoa se encontra. VI - As empresas de assistência e manutenção dos elevadores têm o dever de verificar as condições de funcionamento do mesmo, em segurança, e respondem, por culpa presumida, por deficiências e avarias do seu funcionamento e pelos danos daí resultantes, por força da presunção consagrada no art. 493º, nº 1, do CCivil. VII - Na apreciação, em sede de recurso, o montante arbitrado a título de compensação por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, apenas deve ser reduzido quando afronte manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.
Texto Integral
Processo n.º 1565/11.7TBSTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Santo Tirso – Juiz 2
Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, já falecido - e nos autos habilitados os seus sucessores, C…, residente na Avenida …, n.º …, …, Matosinhos e D…, residente na Rua …, n.º .., …, …, … -, intentou acção declarativa de condenação, com forma do processo sumário, contra E…, S.A., com sede na Rua …, n.º .., Zona Industrial …, … e F… - Companhia de Seguros, S.A., pedindo que as Rés sejam condenadas a pagarem-lhe solidariamente a quantia €18.867,10 (dezoito mil oitocentos e sessenta e sete euros e dez cêntimos), a título de ressarcimento dos danos sofridos, acrescida de juros de mora, a contar desde a citação até integral pagamento.
Para tanto, e em síntese, alegou factualidade tendente a demonstrar a responsabilidade civil das Rés na produção dos prejuízos que alega ter sofrido em virtude de queda ocorrida ao sair do elevador.
As Rés foram regularmente citadas, sendo que ambas apresentaram contestação, impugnando a factualidade arguida pelo Autor em sede de petição inicial, tendo a Ré E…, L.da ainda requerido a intervenção provocada acessória do Condomínio do prédio sito na Rua …, n.º …, …, alegando ter contra o mesmo direito de regresso.
Por despacho datado de fls. 213 foi deferido o incidente de intervenção do chamado condomínio e ordenada a sua citação, o qual não apresentou contestação.
Foi elaborado despacho saneador, no qual foi afirmada a plena validade e regularidade da instância, nele tendo ainda sido fixada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, por provada, condenou as Rés “a pagarem solidariamente aos sucessores habilitados do Autor já falecido a quantia de €1.267,10 (mil duzentos e sessenta e sete euros e dez cêntimos), a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal que em cada momento vigorar, a contar da citação até integral e efetivo pagamento e a quantia de €7.500 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, sendo que à 2.ª Ré seguradora será deduzido o valor da franquia”.
2.1. Não se resignou com tal sentença a Ré F… – Companhia de Seguros, S.A., pelo que dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
Iº) A queda do Autor não resultou de qualquer avaria ou deficiência de manutenção ou conservação do elevador a que a Ia Ré estava obrigada.
2º) Aliás, isso mesmo resulta dos Pontos 31, 32 e 33 da matéria de facto provada e que aqui se transcreve: (...) Ponto 31. Durante a auditoria promovida pela l.a Ré foram realizados diversos testes funcionais e de segurança aos órgãos do ascensor, bem como medições à precisão de paragem, na subida e na descida, com diferentes cargas - 45. Ponto 32. Foram efetuados testes ao travão do elevador, ao circuito elétrico, ao consumo do motor, portas do patamar, botão do stop, contato da soleira móvel, zona de encravamento, deslizamento dos cabos de roda de tração e paragem da cabina de pisos - 46. Ponto 33. Não tendo sido verificadas quaisquer anomalias no funcionamento do referido elevador 47.°. (...)
3º)O desnível do elevador acima do patamar não configura nenhuma avaria, resultando antes do facto de se tratar de um elevador antigo sem componente de paragem seletiva. 4º) E por isso, a Ré já tinha apresentado ao condomínio um orçamento para remodelação dos elevadores, conforme é referido nos Pontos 27, 28 e 29 da matéria de facto provada e que aqui se transcreve: (...) Ponto 27. A 17 de setembro de 2009, a l.a Ré propôs ao Condomínio a modernização dos dois elevadores, tendo em vista um maior nível de segurança e fiabilidade - 41. Ponto 28. Através dos orçamentos n.°s …………. e ………….(.), a l.a Ré apresentou ao condomínio duas propostas para a realização dos seguintes trabalhos: instalação de novos quadros de comando, instalação de nova batoneira de cabina, montagem de novas batoneiras de piso, instalação de novos amortecedores hidráulicos nas portas de piso, várias instalações da caixa de elevador, instalação de novos conjuntos de máquinas / motores relativos ao grupo de tração - 42.°. Ponto 29. Trabalhos que não foram adjudicados pelo condomínio - 43.°. (...)
5º) Trabalhos esses que não foram adjudicados pelo condomínio, por falta de dinheiro!
6º) Assim, e porque a queda do Autor (a admitir-se que a mesma teve origem no desnível do elevador no patamar) não resultou de qualquer deficiência na manutenção ou avaria do mesmo e a Ia Ré cumpriu todos os procedimentos técnicos de segurança, impunha-se que a Rés tivessem sido absolvidas do pedido e não condenadas.
7) A sentença recorrida fez, assim, uma incorreta apreciação da matéria de facto provada e consequentemente do direito aplicável, violando entre outros, o disposto nos art°s 483°, 487° e 493°, todos do Cód, Civil, pelo que, deve ser revogada. Termos em que o recurso deve ser admitido, revogando-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça!
2.2. Também a Ré e…, S.A não se resignou com o decidido, pelo que igualmente interpôs recurso de apelação daquela sentença, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1) Andou mal o Tribunal a quo ao julgar preenchidos os pressupostos de responsabilidade subjectiva, concluindo pela procedência da ação e, consequentemente, condenando a Ré parcialmente no pedido. 2. Conforme referiu a testemunha G…, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 23.10.2017, de 10:20:01 a 10:30:32, (minuto 07,30) sendo moradora do prédio há 35 anos nunca ficou presa no elevador. Referiu ainda a testemunha que quando os elevadores avariavam a Ré, empresa encarregue da manutenção, ia arranjá-los, passado horas, ou um dia, não tendo queixa. 3. A testemunha H…, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 23.10.2017, de 11:11:45 a 12:01:27, (minuto 02,07) refere que o contrato de manutenção celebrado com o condomínio era um contrato de manutenção simples, ficando a empresa obrigada assistência técnica no decorrer do período do contrato, mensalmente, e fazer o atendimento de algum evento inesperado que possa surgir, como uma avaria. Referiu ainda a testemunha que no contrato de manutenção simples não não está incluído a substituição de peças, nem a melhoria ou modernização do elevador – conforme decorre aliás do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28.12. Explicou a testemunha que perante a constatação da necessidade de proceder a substituição de peças, o procedimento é as empresas apresentarem um orçamento ao cliente (condomínio) e o cliente depois toma a melhor decisão com base nesse orçamento. (minuto 04,58) Confrontada com o livro de registo da conservação de elevadores junto a fls. 129 a 195, a testemunha confirmou que a assistência era feita mensalmente, e que a primeira intervenção datava de Fevereiro de 1984, não havendo registo de muitas avarias. (minuto 08,15) Quanto à inspecção e certificação do elevador, a testemunha esclareceu que o elevador foi inspecionado e o certificado tinha uma validade de 2 anos, até Novembro de 2009 – conforme resulta igualmente do documento junto a fls. 94 a 95. 4. A testemunha I…, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 23.10.2017, de 12:02:02 a 12:31:36, referiu a testemunha que os elevadores eram muito antigos, que a manutenção era feita mensalmente e registada no livro de manutenções (minuto 05,16), não havendo registo de reclamações de condóminos. Confirmou a testemunha que o elevador estava inspecionado, e a inspecção estava válida à data do acidente, não havendo registo de cláusulas que implicassem resolução imediata e que pusessem em risco a segurança de funcionamento do elevador.Referiu ainda a testemunha (minuto 13,10) que o elevador era mecânico e antigo, tendo sido apresentado orçamento de beneficiação para instalação do variador à frequência, o qual traria precisão à paragem, arranque e paragem suave do ascensor, o qual não foi adjudicado pelo Condomínio. 5. A testemunha J…, cujo depoimento encontra-se registado em ficheiro digital, processado no módulo Citius Media Studio, na gravação de 23.10.2017, de 12:32:05 a 12:44:41, refere (minuto 03,29) que quando se deslocou ao local o elevador funcionava bem, a única situação, que ocorreu foi quando acionado o botão de emergência STOP, portanto, parou um pouco acima do patamar, só no botão de emergência, nos outros parou nos pisos, no patamar normal. (minuto 10,03) de acordo com a testemunha foi confirmado pelo administrador de condomínio que o elevador continuou a funcionar normalmente, não foi detetado problema nenhum, e continuou a funcionar, não foi sujeito a nenhuma reparação relacionada com essa ocorrência. 6. Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, a prova documental junta aos autos (designadamente o teor dos docs. de fls. 86 a 87, 94 a 95, 100 a 125, 129 a 195 e fls 462 a 465 e 500 a 508) e a fundamentação plasmada na sentença deveria o Tribunal a quo ter necessariamente dado como provada a matéria constante dos quesitos 32) a 41). 7. Errou igualmente o Tribunal a quo na aplicação do direito. 8. O diploma citado pelo douto Tribunal a quo na sua fundamentação de direito foi revogado, vide art. 27º do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro, que estabelece o regime de manutenção e inspecção de ascensores, monta-cargas, escadas mecânicas e tapetes rolantes, após a sua entrada em serviço, bem como as condições de acesso às actividades de manutenção e de inspecção. 9. Não foi alegado ou produzida prova sobre o facto de existir ou não o sistema de controlo do fecho de prova, não tendo sido produzida prova sobre esse facto, tendo o Tribunal a quo fundamentado a decisão num facto (ausência de sistema de controlo do fecho da porta ou não funcionamento do mesmo) que não foi dado como provado, e que aliás não foi sequer quesitado. 10. Igualmente inexistem nos autos factos ou sequer indícios que levam a concluir que houve violação das normas do RSEE. 11. É da competência das câmaras municipais efectuar inspecções periódicas e reinspecções às instalações, sem prejuízo de as acções de inspecção, inquéritos, peritagens, relatórios e pareceres no âmbito do referido diploma poderem ser efectuadas por entidades inspectoras (EI), reconhecidas pela DGE (art. 7º e 10 do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28.12). 12. O n.º 6 do anexo V do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28.12, dispõe que o certificado de inspecção periódica não pode ser emitido se a instalação apresentar deficiências que colidam com a segurança de pessoas, sendo impostas as cláusulas adequadas ao proprietário ou ao explorador com conhecimento à EMA, para cumprimento num prazo máximo de 30 dias. 13. Resulta provado, o elevador dos presentes autos foi sujeito a inspecção periódica, tendo sido aprovado, por certificado de inspecção emitido em 27.11.2009 e válido até 27.11.2011 (vide fundamentação de facto e docs. de fls. 94 e 95). 14. Não tendo sido produzida prova sobre a inexistência de sistema de controlo do fecho da porta, perante a confrontação com o certificado de inspecção periódica sem nota de cláusula quanto a este ponto, a ilação a tirar pelo Tribunal a quo necessariamente teria de ser a oposta, i.e., que estaria dotado do referido sistema – caso contrário a Entidade Inspetora teria necessariamente feita referência à necessidade de colocação do referido dispositivo. 15. E, ao dar como provada a não verificação de quaisquer anomalias no funcionamento do elevador (33 dos factos provados), teria o Tribunal a quo de concluir pelo funcionamento do sistema de controlo do fecho de porta. 16. Estando os factos dos presentes autos no domínio da responsabilidade subjectiva, por facto ilícito, o direito de indemnização por danos exige a existência de culpa, seja culpa provada ou efectiva ou seja culpa presumida, mas sempre culpa. 17. Nos presentes autos provou-se que a Ré E… deslocou-se mensalmente às instalações – em cumprimento do disposto no Decreto-Lei 320/2002, de 28.12 -, onde prestou serviços de manutenção e assistência ao elevador (vide motivação de facto). 18. Provou-se igualmente que a Ré E… apresentou ao condomínio propostas de modernização do elevador, que não foram adjudicadas pelo condomínio (vide motivação de facto). 19. Resultou provado que à data do sinistro o elevador encontrava-se devidamente inspecionado e certificado, em cumprimento do disposto no Decreto-Lei n.º 320/2002, 28.12. e demais regulamentação em vigor (vide motivação de facto). 20. Donde necessariamente resulta que o elevador estava conforme à legislação em vigor, que no que respeita ao Decreto-Lei n.º 320/2002, 28.12, quer no que respeita a Regulamento de Segurança. 21. Igualmente ficou provado nos autos que o elevador não apresentava qualquer anomalia, estando a funcionar em perfeito estado, sendo que após o sinistro dos autos, o condomínio não parou o elevador, tendo o mesmo continuado a funcionar, nem o mesmo foi sujeito a qualquer reparação (vide motivação de facto), e que não havia reporte de mau funcionamento do elevador por parte dos condóminos. 22. Após o sinistro a Ré promoveu auditoria na qual foram realizados diversos testes funcionais e de segurança aos órgãos do ascensor, bem como medições à precisão de paragem, na subida e na descida, com diferentes cargas (vide 30 dos factos provados). 23. Foram igualmente efectuados testes ao travão do elevador, ao circuito eléctrico, ao consumo do motor, portas do patamar, botão stop, contato da soleira móvel, zona de encravamento, deslizamento dos cabos de roda de tração e paragem da cabina de pisos (vide 32 dos factos provados). 24. De todos estes testes resultou não terem sido verificadas quaisquer anomalias no funcionamento do referido elevador (vide 33 dos factos provados). 25. Isto é, não houve peça avariada, não houve qualquer reparação, o elevador estava a funcionar regularmente. 26. O próprio regulamento de segurança citado na douta sentença prevê a existência de um desnível entre soleiras de cabina e de patamar até 5 cm. 27. Atentos os factos provados e não provados, o cumprimento da legislação em vigor, face ao certificado de inspecção (onde nenhuma referência é feita à ausência de sistema de controlo do fecho de porta – referência essa que necessariamente haveria se este componente não existisse), e ao regular funcionamento do elevador após o sinistro (sem necessidade de qualquer reparação ou substituição de peças), a presunção que havia a fazer pelo Tribunal a quo era de que o desnível se encontrava dentro do limite legalmente previsto, e que o sinistro ocorreu por causa fortuita, não estando consequentemente no âmbito do controlo da Ré. 28. Conforme resulta da matéria de facto provada, o sinistro não ocorreu devido a qualquer falha de manutenção, nem a qualquer incumprimento da legislação em vigor para funcionamento do elevador, mas sim à susceptibilidade de ocorrência decorrente do funcionamento contínuo de qualquer máquina, 29. O que não quer dizer que a Ré estivesse obrigada a garantir que o elevador não parasse com desnível entre soleira de cabina e patamar, o que é impossível, como o é com qualquer máquina e por isso se encontra inclusivamente previsto no art. 54º do Regulamento citado pelo Tribunal a quo. 30. Nada na prova revela que seria exigível à Ré ter tomado outras medidas necessárias a evitar o acidente além das efectivamente tomadas e dadas como provadas nos presentes autos, o que necessariamente levará a concluir que a presunção de culpa terá de ter-se por ilidida e, consequentemente o sinistro dos autos não pode ser imputado à Ré a título de culpa. 31. E, tendo a Ré cumprido com as normas legais e regulamentares, nenhum juízo de reprovação pode ser feito à sua conduta (quer por acção quer por omissão), inexistindo consequentemente ilicitude, bem como inexiste nexo causal entre o facto e o dano. 32. Assim, estando perante responsabilidade pela culpa, e não perante responsabilidade civil objectiva ou pelo risco, não se tendo por verificado todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, inexiste obrigação de indemnizar, pelo que, sempre se teria de decidir em sentido oposto ao da douta sentença ora recorrida. 33. Sem prejuízo e caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, sem conceder, sempre se dirá que, atenta a idade do Autor à data do sinistro (75 anos), e os danos provados nos autos, o valor €7.500,00 é potenciador de enriquecimento sem causa e nessa medida sempre deveria ser reduzida para montante inferior. 34) Face ao supra exposto, deveria o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter, ao contrário, julgado a acção improcedente e, em conformidade, absolvida a ora Recorrente do pedido. 35) Ao não o fazer violou quanto dispõem os arts. 349º, 350º, 483º, 493º, 496º, 562º e 566º do Cód. Civil, e no artigo 607º, n.º 4 e 5 e 608, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, 36) Impondo-se, em consequência, a revogação da sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, a redução substancial do valor arbitrado. Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, o que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio, a redução substancial do valor arbitrado em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo JUSTIÇA.
Os recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais pugnam pela improcedência dos recursos.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelas recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelas recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se ocorreu erro na apreciação da prova (recurso da 1.ª Ré);
- se se mostram reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (recurso de ambas as Rés);
- se a quantia fixada a título de indemnização por danos não patrimoniais é excessiva (recurso da 1.ª Ré).
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. A 1.ª Ré celebrou com a 2.ª Ré um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil/exploração, titulado pela apólice ……………, conforme teor de fls. 90 e ss – alínea A) dos factos assentes.
2. Através de tal contrato, a 1.ª Ré transferiu para a 2.ª Ré a responsabilidade extracontratual que lhe for legalmente exigível por danos patrimoniais e não patrimoniais direta e exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiros pela actividade de conservação de elevadores e monoflits – alínea B) dos factos assentes.
3. Através de e-mail, datado de 19 de abril de 2010, o Condomínio do prédio sito na Rua …, n.º .., comunicou à 1.ª Ré a ocorrência de um acidente nos elevadores do edifício – alínea C) dos factos assentes.
4. Após a recepção da participação do sinistro, a 1.ª Ré fez deslocar ao local um Supervisor Técnico e o Delegado Regional com o objetivo de apurar as causas do acidente – alínea D) dos factos assentes.
5. No dia 13 de Abril de 2010, cerca das 19 horas, o Autor entrou no elevador n.º 1, do rés-do-chão do prédio, sito na Rua …, n.º , … – 1.º.
6. Para se dirigir para a sua habitação, sita no 3.º piso – 2.º.
7. O Autor estava no interior do elevador com o seu vizinho residente no 6.º piso – 3.º.
8. Tendo o Autor carregado no botão para o 3.º piso – 4.º.
9. O elevador começou a subida – 5.º.
10. Chegado ao 3.º piso, o elevador parou – 6.º.
11. A porta deste abriu, sem oferecer qualquer resistência – 7.º.
12. O Autor quando ia a colocar o pé no patamar, caiu – 8.º.
13. Em virtude do elevador ter parado acima do patamar em medida não concretamente apurada – 9.º.
14. Mercê da queda, o Autor sofreu fratura da tíbia esquerda – 12.º.
15. Esteve internado no K… até ao dia 14.4.2010 – 13.º
16. Esteve acamado na sua residência cerca de 2 (dois) meses – 14.º.
17. Para se deslocar necessitou de bengalas – 15.º.
18. O Autor apresentava acentuada limitação na movimentação geral – 16.º.
19. Tem dificuldades no manuseio de pesos – 17.º.
20. Tem dores quando permanece muito tempo em pé e quando há mudanças de tempo – 18.º.
21. Tem dificuldade em subir e descer escadas – 19.º.
22. Dificuldade em se colocar de cócoras – 20.º.
23. Dificuldade em fazer força com os pés – 21.º.
24. A 1.ª Ré obrigou-se a executar uma vez por mês todos os trabalhos de lubrificação e limpeza dos aparelhos – 29.º.
25. A 1.ª Ré obrigou-se ainda a fim de garantir o regular funcionamento do aparelho a enviar, uma vez por mês, ao local da instalação, um técnico especializado, a quem era facultado livre acesso e encarregue de proceder aos trabalhos necessários à segurança da instalação – 30.º.
26. E ainda a avisar o proprietário sempre que se torne necessária a reparação ou substituição de quaisquer componentes – 31.º.
27. A 17 de Setembro de 2009, a 1.ª Ré propôs ao Condomínio a modernização dos dois elevadores, tendo em vista um maior nível de segurança e fiabilidade – 41.º.
28. Através dos orçamentos n.ºs ………….. e ……………(.), a 1.ª Ré apresentou ao condomínio duas propostas para a realização dos seguintes trabalhos: instalação de novos quadros de comando, instalação de nova batoneira de cabina, montagem de novas batoneiras de piso, instalação de novos amortecedores hidráulicos nas portas de piso, várias instalações da caixa de elevador, instalação de novos conjuntos de máquinas/motores relativos ao grupo de tração – 42.º
29. Trabalhos que não foram adjudicados pelo condomínio – 43.º.
30. Na deslocação referida em D) constatou-se que o elevador em causa se encontrava em funcionamento e com paragens corretas a meia carga – 44.º.
31. Durante a auditoria promovida pela 1.ª Ré foram realizados diversos testes funcionais e de segurança aos órgãos do ascensor, bem como medições à precisão de paragem, na subida e na descida, com diferentes cargas – 45.º
32. Foram efectuados testes ao travão do elevador, ao circuito eléctrico, ao consumo do motor, portas do patamar, botão do stop, contato da soleira móvel, zona de encravamento, deslizamento dos cabos de roda de tração e paragem da cabina de pisos – 46.º.
33. Não tendo sido verificadas quaisquer anomalias no funcionamento do referido elevador – 47.º.
34. Antes do acidente, o Autor falecido era seguido no Hospital L… – 50.º
35. O Autor falecido sofria de tensão alta e utilizava óculos – 51.º
36. Cerca de sete anos antes do acidente dos autos, o Autor falecido sofreu um acidente de viação – 52.º.
37. No qual sofreu fratura na perna esquerda – 53.º.
38. Sendo que antes do acidente dos autos, o Autor falecido já se movimentava com algumas limitações – 54.º.
39. O autor encontrava-se reformado – 55.º.
40. Em despesas médicas, medicamentosas e similares, o Autor falecido despendeu a quantia de €115,10 (cento e quinze euros e dez cêntimos) – 23.º.
41. Em transportes, o Autor falecido despendeu a quantia de €55,80 (cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos) – 24.º.
42. O Autor falecido, desde a data do acidente até 20 de Maio de 2010, teve de contratar uma empresa de Serviço de Apoio Domiciliário para executar o trabalho doméstico, nomeadamente cozinhar, lavar a roupa e passar a ferro – 26.º.
43. Bem como para fazer a sua higiene pessoal - 27.º.
44. Tendo despendido a quantia de €1.096,20 (mil e noventa e seis euros e vinte cêntimos) – 28.º.
III.2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos:
a) O referido em 7.º a 9.º ocorreu em virtude de avaria do elevador – 10.º.
b) Em consequência da falta e deficiente manutenção – 11.º.
c) O Autor falecido ficou a padecer de uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de cerca de 15% - 22 .º.
d) Mercê do acidente, o Autor falecido estragou roupa, no valor de €100(cem euros)– 25.º.
e) Anteriormente ao acidente o Autor falecido sofria de doença natural, em consequência da qual necessitava de terceira pessoa – 48.º e 49.º.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A. Recurso da Ré E…, S.A.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Pretende a Ré Ré E…, S.A. que, reapreciada a matéria de facto nesta instância, se dê como provada a factualidade vertida nos pontos 32.º a 41.º da base instrutória, convocando, para tanto, prova documental e testemunhal, que indica.
Segundo o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
E o n.º 2 do mesmo normativo estabelece, por sua vez:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
A deficiência a que alude a alínea c) do referido dispositivo legal poderá resultar da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares que devessem ser conhecidos.[1].
No caso dos autos, tendo sido organizada base instrutória constata-se que a decisão sobre a matéria revela deficiência na medida em que omite pronúncia sobre factos controvertidos nela incluídos, os quais não constam daquele decisão nem como factos provados, nem como factos não provados, não se mostrando os mesmos enunciados sequer de forma restritiva.
Os factos relativamente aos quais foi omitida qualquer pronúncia são os relativos aos artigos 32.º a 40.º, inclusive, da base instrutória: 32.º - Durante o período em que a 1.ª Ré prestou serviços de manutenção e assistência ao elevador, o Autor não lhe comunicou a existência de quaisquer problemas com o funcionamento dos elevadores, designadamente com a paragem no patamar? 33.º - Bem como também não recebeu qualquer reclamação por parte do Condomínio? 34.º - Os elevadores em causa encontram-se em funcionamento desde 1984? 35.º - Os referidos elevadores foram alvo de uma inspecção periódica realizada por uma entidade inspectora reconhecida pela DGE, em 27 de Novembro de 2009? 36.º - Tendo as instalações obtido o certificado de inspecção periódica em 27 de Novembro de 2009, com validade até 27 de Novembro de 2011? 37.º - A 1.ª Ré procedeu à manutenção mensal dos dois elevadores desde 1984 até à presente data? 38.º - Tendo efectuado a manutenção nos elevadores no dia 10 de Março de 2010, onde realizou trabalhos de inspecção e de revisão? 39.º - Ao longo do período em que a 1.ª Ré efectua a manutenção nos elevadores em causa, os mesmos foram objecto de diversas intervenções e colocação de peças de forma correctiva? 40.º - No ano de 2006, os elevadores foram objecto de intervenção pela 1.ª Ré, tendo os mesmos sido dotados de dispositivos de excesso de cargo?
O vício em causa, de apreciação oficiosa pela Relação, pode nela ser suprido desde que do processo constem todos os elementos de prova necessários a tal sanação.
Constando dos autos todos esses elementos – prova documental e testemunhal gravada -, nada obsta que o vício em causa seja sanado nesta instância, sem necessidade, assim, de anular a decisão proferida em primeira instância.
Após audição da gravação que contém o depoimento das testemunhas que, com relevo, depuseram à matéria ainda controvertida, apurou-se:
- O depoimento da testemunha G…, moradora no 4.º andar do prédio onde ocorreu o sinistro, que precisou que os elevadores são os mesmos desde que aí mora, há mais de 30 anos, que não tem motivos de queixa, mas que por vezes eles avariam, referindo, quando instada pela mandatária da recorrente, que são arranjados decorrido um dia ou dois, pouco contributo forneceu para o esclarecimento da matéria questionada;
- H…, delegado regional da Ré E…, S.A. até ao ano de 2015, esclareceu os termos e natureza do contrato celebrado entre a Ré e o condomínio do prédio [manutenção simples]. Referiu-se às manutenções efectuadas e avarias sofridas pelo elevador, através da consulta do livro onde tais dados foram sendo registados, que tinha consigo, e que foi depois junto aos autos.
Prestou ainda esclarecimentos acerca dos procedimentos de inspecção daquele tipo de equipamentos, elucidando que o elevador dos autos tinha certificado de bom funcionamento válido até Novembro de 2009.
Aludiu ainda à proposta de modernização do elevador apresentada ao condomínio do prédio, que não foi aceite.
- I…, técnico de elevadores, actualmente reformado, que trabalhou para a Ré, prestou esclarecimentos coincidentes, no essencial, com o depoimento da testemunha H….
- J…, perito averiguador, que acompanhou as duas anteriores testemunhas no ensaio realizado ao elevador após a ocorrência do sinistro, que afirmou não ter nele sido detectada qualquer anomalia, continuando a funcionar após aquele evento.
Os depoimentos das referidas testemunhas foram prestados de forma objectiva e isenta, merecedores, por isso, de credibilidade, como, de resto, reconhece a sentença recorrida ao fundamentar a decisão relativa à matéria de facto.
Assim, ponderados tais depoimentos, e tendo ainda em conta os documentos de fls. 86/87 – contrato denominado de conservação normal celebrado entre a Administração do Condomínio do Edifício … e a E…, relativo a dois elevadores destinados a habitação instalados no prédio sito na Rua …, n.º .., … -, de fls. 94 a 95 - cópias dos certificados de inspeção periódica do elevador a que se referem os autos -, de fls. 100 a 125 - proposta de modernização dos elevadores do referido prédio, datada de 17.09.2009, e respectivo orçamento, apresentados pela Ré E… ao Condomínio do prédio, de fls. 129 a 195 - cópia do livro de registo da conservação de elevadores referente aos elevadores do identificado prédio no qual foram anotadas todas as intervenções a que foi sujeito o elevador que esteve na origem do acidente, julga-se provada a matéria constante dos artigos 34.º a 40.º da base instrutória e não provada a factualidade vertida nos pontos 32.º e 33.º da mesma processual.
Desta forma, aditam-se aos factos provados descritos na sentença recorrida os seguintes: 45.º - Os elevadores em causa encontram-se em funcionamento desde 1984. 46.º - Os referidos elevadores foram alvo de uma inspecção periódica realizada por uma entidade inspectora reconhecida pela DGE, em 27 de Novembro de 2009. 47.º - Tendo as instalações obtido o certificado de inspecção periódica em 27 de Novembro de 2009, com validade até 27 de Novembro de 2011. 48.º - A 1.ª Ré procedeu à manutenção mensal dos dois elevadores desde 1984 até à presente data. 49.º - Tendo efectuado a manutenção nos elevadores no dia 10 de Março de 2010, onde realizou trabalhos de inspecção e de revisão. 50.º - Ao longo do período em que a 1.ª Ré efectua a manutenção nos elevadores em causa, os mesmos foram objecto de diversas intervenções e colocação de peças de forma correctiva. 51.º - No ano de 2006, os elevadores foram objecto de intervenção pela 1.ª Ré, tendo os mesmos sido dotados de dispositivos de excesso de cargo.
E com base na certidão de óbito junta aos autos, decide-se, oficiosamente, adiciona-se aos factos provados o seguinte: 52.º - O Autor B… faleceu no dia 22 de Setembro de 2013.
E aditam-se aos factos não provados da mesma sentença os seguintes:
f) Durante o período em que a 1.ª Ré prestou serviços de manutenção e assistência ao elevador, o Autor não lhe comunicou a existência de quaisquer problemas com o funcionamento dos elevadores, designadamente com a paragem no patamar. g) Bem como também não recebeu qualquer reclamação por parte do Condomínio.
Procede, nesta medida, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2. Aplicação do direito aos factos.
2.1. Da verificação ou não dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Decidindo do enquadramento jurídico dos factos feita na sentença que impugnam, nas respectivas alegações batalham ambas as recorrentes por evidenciar a inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, cujo preenchimento justificou a sua condenação no pagamento solidário da indemnização fixada a favor dos sucessores habilitados do sinistrado, entretanto falecido.
Pelo argumentado das recorrentes não se pode imputar à Ré com quem o condomínio do prédio contratou a manutenção e assistência técnica aos elevadores nele existentes qualquer acção ou omissão ilícitas geradoras do evento causador das lesões sofridas pelo sinistrado. Sustentam, com efeito, ambas as recorrentes que o acidente não se deveu a avaria do elevador, ou falta ou deficiente manutenção do mesmo, nem ao incumprimento da legislação em vigor relativa ao funcionamento do elevador, mas antes ao facto de se tratar de “um elevador antigo sem componente de paragem seletiva”- conclusão 3.ª das alegações da Ré F… -, e “à susceptibilidade de ocorrência decorrente do funcionamento contínuo de qualquer máquina” – conclusão 28.º das alegações de recurso da E….
A factualidade fixada nos autos permite que se considere verificado um acidente associado à utilização de um elevador, para cuja manutenção e assistência técnica fora a Ré E… contratada pela Administração do Condomínio do prédio onde o mesmo se acha instalado, e do qual resultaram para a vítima as lesões traduzidas no quadro factual apurado.
Com base nesse quadro factual poderá estar em causa uma situação de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, cujos pressupostos se acham abstractamente enunciados no artigo 483.º do Código Civil.
Resta indagar se eles, em concreto, se mostram preenchidos.
Dispõe o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Da simples leitura do preceito, resulta que, no caso de responsabilidade por facto ilícito, vários pressupostos condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação.
Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Da reunião cumulativa destes pressupostos depende o reconhecimento do direito do lesado ser ressarcido pelos danos sofridos.
Conclui a sentença recorrida pela verificação de todos esses pressupostos, designadamente, por banda da empresa prestadora dos serviços de manutenção e assistência do elevador, omissão de actuação necessária a garantir o correcto funcionamento de tal equipamento e presunção de culpa assente no facto de que “...a atividade de manutenção e reparação de elevadores não é, em si, uma atividade perigosa, mas pelo circunstancialismo envolvente, designadamente o cuidado que exige na prevenção dos danos, a natureza dos equipamentos usados e a frequência da sua utilização, potenciam o risco de danosidade, justificativo da sua qualificação como tal”.
O dano, enquanto facto gerador do dever indemnizar, pode resultar não apenas de facto positivo, mas também de facto negativo ou de omissão do agente, como decorre do artigo 486.º do Código Civil, que prevê que as simples omissões, reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil, constituam dever de reparação quando o acto omitido resulte directamente da lei ou do negócio jurídico. Acha-se demonstrado nos autos que o Autor, entrou, no rés-do-chão, no elevador n.º 1 instalado no prédio onde então habitava, para se dirigir à sua residência, no 3.º piso. Ao chegar a este piso, o elevador parou e a porta abriu-se, sem qualquer resistência. Quando o Autor ia colocar o pé no patamar, caiu, em virtude de o elevador ter parado acima do patamar, em medida não concretamente apurada.
Assim, o que provocou a queda do Autor, da qual resultaram as lesões corporais descritas nos factos provados elencados na sentença, foi a circunstância de o elevador ter parado desnivelado com o patamar, permitindo que a porta se abrisse sem resistência.
Devido à evolução da técnica comtemplada em disposições do Comité Europeu de Normalização (CEN), de que Portugal é membro, e perante a necessidade de harmonização da lei nacional às normas comunitária, na sequência da Directiva n.º 84/529/CEE, de 17 de Setembro, veio a ser publicado o Decreto-Lei n.º 110/1991, de 18 de Março, diploma que define normas relativas a vistorias, revistorias, inspecções e reinspecções periódicas de elevadores, cujo artigo 3.º determina que “os elevadores deverão ser vigiados conservados e reparados por uma entidade conservadora de elevadores (ECE) que assumirá a responsabilidade civil, solidariamente com o proprietário, pelos acidentes causados por deficiente conservação ou não conformidade com a legislação aplicável”.
A 1.ª Ré obrigou-se a executar, uma vez por mês, todos os trabalhos de lubrificação e limpeza dos elevadores, e, a fim de garantir o regular funcionamento dos mesmos, a enviar, também uma vez por mês, ao local da sua instalação, um técnico especializado, a quem era facultado livre acesso e encarregue de proceder aos trabalhos necessários à segurança da instalação, e ainda a avisar o proprietário sempre que se torne necessária a reparação ou substituição de quaisquer componentes – pontos 24.º a 26.º dos factos provados.
Importa, assim, indagar se a 1.ª Ré observou ou não os deveres de diligência a que se obrigara enquanto responsável pela manutenção dos elevadores instalados no prédio onde o Autor residia.
Como já se adiantou, o acidente que este sofreu deveu-se ao facto de o elevador que utilizava para ascender ao 3.º piso, onde morava, se ter imobilizado acima do respectivo patamar, tendo a porta se aberto sem oferecer qualquer resistência, o que veio a provocar a sua queda.
O desnivelamento do patamar, legalmente definido como o pavimento ou plataforma onde a cabina estaciona, para entrada e saída de pessoas - artigo 3.º, 21 do Regulamento de Segurança de Elevadores Eléctricos (RSEE)[2], constitui, como refere a sentença recorrida, “uma anomalia no funcionamento do elevador, já que o artigo 54º do mesmo RSEE estabelece que, quando a cabina estacionar num patamar, a diferença de nível entre a soleira da cabina e a soleira da porta do patamar não deverá exceder os 5 centímetros, qualquer que seja a carga da cabina até ao valor máximo admissível. Daí que o mesmo regulamento preveja o renivelamento como a operação que permite ajustar a cabina ao nível do patamar onde parou (artigo 3º, 23). Operação de renivelamento que, à luz do regulamentarmente disposto (artigo 41º, 1), teria de ser levada a cabo pelos serviços de assistência técnica prestados pela Ré identificada”.
Como adianta a mesma sentença, “nada está apurado quanto ao eventual pedido à Ré do renivelamento ou que a mesma o tenha omitido em qualquer uma das operações de assistência realizadas, ordinárias ou extraordinárias”, sendo certo ainda que “não se sabe qual a concreta causa do desnivelamento que provocou a queda do Autor, bem como a concreta medida desse desnivelamento, e não dispomos de qualquer elemento factual que o situe em qualquer omissão da Ré E… na manutenção e reparação do elevador, antes resultando demonstrado que sempre cumpriu os seus deveres contratuais”.
Resulta, com efeito, demonstrado nos autos que, desde o recuado início do contrato, sempre a 1.ª Ré, através dos seus técnicos, prestou os serviços de manutenção dos elevadores, efectuando a conservação e reparação dos mesmos, emitindo os respectivos boletins de assistência técnica, tendo ainda, no ano de 2009, apresentado proposta para a modernização daqueles equipamentos, com entrega do correspondente orçamento, a qual, porém, não viria a ser aceite.
Como se disse, desconhece-se a causa do desnivelamento do elevador, que parou acima do patamar do 3.º piso. Dos factos apurados não se mostra evidenciado que tal desnivelamento tenha resultado de qualquer actuação, ainda que omissiva, da 1.ª Ré no cumprimento dos deveres contratuais de manutenção e reparação do elevador em causa. Dos mesmos factos transparece, pelo contrário, haver a mesma Ré cumprido as obrigações a que contratualmente se vinculara.
Tal juízo tenderia, assim, à primeira análise, a afastar qualquer responsabilidade da 1.ª Ré – e, por arrastamento, também da 2.ª Ré, para quem transferira a responsabilidade nos termos definidos no ponto 2.º dos factos provados – pelos danos sofridos pelo Autor em resultado da queda ocorrida.
Determina, porém o artigo 48.º, n.º 1 do citado RSEE que os ascensores de cabine com portas devem ser dotados de mecanismos eléctricos de controle do fecho das portas da cabine, assegurando que a abertura destas fique travada quando o elevador se imobilize no percurso intercalar, ou seja, antes ou depois de atingir o patamar de entrada e saída da cabina.
Como bem anota a sentença aqui escrutinada, “só esse sistema de funcionamento dos elevadores faz sentido em termos de segurança dos seus utilizadores. Doutro modo, numa estrutura de funcionamento em que seja possível que a porta do patamar não tranca quando o elevador se imobiliza entre patamares, ou seja, antes da porta da cabina atingir o nivelamento com o patamar, a porta abre para o patamar que está acima do nível do local de paragem e pode dar azo à queda do usuário, ou não atingindo este poderá dar lugar à queda de quem pretenda entrar do patamar superior sobre a cabina”.
E como também alerta o acórdão do STJ de 03.06.2004[3], “não deve ser mecanicamente possível que o elevador pare, entre patamares, e a porta não tranque, numa estrutura de funcionamento em que a porta, a abrir-se, dá logo para uma saída para o patamar ao nível do local de paragem, ou não atingindo este, dá apenas para a queda sobre o patamar imediatamente abaixo!”.
Ou como refere o acórdão da Relação de Lisboa de 16.10.2008[4], “A lei – ao fixar regras no Regulamento dos Elevadores – deixou claro que não quer que a porta se abra, ou que não se tranque fora do respectivo patamar ou em mero caso de avaria do elevador. E não o quer precisamente para evitar a lesão e ofensa da vida ou da integridade das pessoas que o utilizam.
Por isso compete à Ré, enquanto empresa que exerce essa actividade e que tem a seu cargo, por celebração de contrato, essa incumbência, assegurar a “travagem das portas” desse elevador ou alertar os utilizadores para uma anomalia no seu funcionamento, colocando os mecanismos que forem adequados e não, ao invés, deixar estes desprotegidos e à mercê destes acidentes”.
Na situação dos autos, pretendendo o Autor sair do elevador no 3.º piso, a cabina imobilizou-se acima do respectivo patamar, não tendo ficado nivelada com o mesmo, portanto. A porta, porém, ao invés de trancar através do sistema de controlo exigido pelo RSEE, abriu sem qualquer resistência.
O que só pode significar que o elevador ou não possuía sistema de controlo de fecho da porta ou, se o tinha, não se achava em condições de funcionamento de modo a impedir a abertura da porta enquanto a cabina não estivesse nivelada com a plataforma de saída.
A circunstância de a cabina do elevador se ter imobilizado acima do patamar sem que as portas tivessem trancado, como em termos regulamentares se exige, levou à queda do Autor que, por virtude da mesma, sofreu várias lesões no corpo.
Como se retira do citado acórdão da Relação de Lisboa de 16.10.2008, “o Regulamento de Segurança de Elevadores Eléctricos integra disposições legais destinadas a proteger interesses alheios.
Interesses esses que se consubstanciam essencialmente na vida, na integridade física e no respeito pelas pessoas e bens materiais que por todos devem ser respeitados, conforme se deixou antever.
Assim, a violação dessas regras põe em risco esses interesses merecedores de tutela quando não mesmo os ofendem directamente.
E a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios acarreta a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, por força do disposto no nº 1 do art. 483º do CC.
Quer através de uma acção – dolosa ou com mera culpa nos termos do citado normativo – quer por omissão.
Em tais circunstâncias, pode dizer-se que o fundamento da responsabilidade é imposto pelo legislador por razões que elegeu como merecedoras de protecção e que radicam na conveniência social e ética, tendo em vista a protecção de interesses dos cidadãos e a eficiência económica no quadro das relações jurídicas que se estabelecem nas sociedades modernas, fruto das necessidades geradas por estas”.
Este é também o entendimento acolhido pelo acórdão desta Relação de 8.11.2016[5] - que a sentença recorrida, ainda que sem o mencionar, acompanha de muito perto – ao referir: “Não duvidamos queas normas do RSEE visam proteger os interesses de terceiros, em concreto dos utilizadores dos elevadores elétricos e, por isso, qualquer lesão que advenha da violação de uma qualquer dessas normas se enquadra no círculo de interesses por elas juridicamente protegidos e os danos produzidos integram-se dentro daqueles que essas normas pretendem prevenir. A proteção de interesses alheios exige ao lesante a adoção de condutas que privilegiem os deveres de segurança e de prevenção do perigo.
Inexistindo integral observância das normas correspondentes, é ilícita a conduta omissiva da ré, que é também culposa, por violar as normas regulamentares estabelecidas[...] e por estar em causa uma situação de presunção de culpa[...].
Não obstante caber ao lesado a prova da culpa do lesante (artigo 487º do CC), a lei consagra presunções de culpa do responsável, que implicam inversão do ónus da prova”.
Analise-se, então, a questão da culpa na perspectiva delineada pelo n.º 2 do artigo 493.º do Código Civil.
Segundo este normativo, “quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios empregados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir”.
Não definindo a lei o que deve entender-se por actividade perigosa, caberá à doutrina e à jurisprudência fornecer os contornos explicativos para o preenchimento daquele conceito legal.
Pires de Lima e Antunes Varela[6] sustentam que “apenas se admite, genericamente, que a perigosidade derive da própria natureza da actividade, como a navegação marítima ou aérea, o fabrico de explosivos, o comércio de substâncias inflamáveis (…) ou da natureza dos meios utilizados (tratamentos médicos com raios x, ondas curtas, etc). É matéria, pois, a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias”.
Vaz Serra[7], alinhando-se com a doutrina italiana[8], defende que “actividades perigosas são as que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades”.
Idêntico entendimento é partilhado por Almeida Costa[9], para quem a actividade perigosa consiste na actividade que pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios empregues “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.
E esclarece João António Álvares Dias[10] que “há dois critérios basilares que permitem definir o que é actividade perigosa: a intensidade da lesão em que a perigosidade se pode consubstanciar (critério qualitativo) e a especial probabilidade de a perigosidade da coisa ou actividade provocar um dano (critério quantitativo)”.
Ou seja: “no exercício de uma actividade perigosa a previsibilidade do dano está em “in re ipso” e o sujeito deve agir tendo em conta o perigo para os terceiros, os deveres inerentes à normal diligência seriam em tal caso insuficientes porque, onde a periculosidade está ínsita na acção, há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se mais rigoroso quando se actua com a nítida previsão da sua possibilidade, o sujeito, pois, deve adoptar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano”[11].
De todo o modo, e como sublinha o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2009[12], “…a qualificação deve ser feita caso a caso e segundo critério naturalístico”.
Sobre a natureza perigosa da actividade associada à manutenção, conservação e reparação de elevadores, pode ler-se no já mencionado acórdão da Relação do Porto de 8.11.2016: “A doutrina considera como atividades perigosas as que “criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras atividades”[...].
A jurisprudência também se não tem distanciado dessa posição, qualificando como perigosa a atividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, tenha uma especial aptidão para produzir danos, na sua essência em função do acréscimo de perigosidade que revela[...].
A esta luz, a atividade de manutenção e reparação de elevadores não é, em si, uma atividade perigosa, mas pelo circunstancialismo envolvente, designadamente o cuidado que exige na prevenção dos danos, a natureza dos equipamentos usados e a frequência da sua utilização, potenciam o risco de danosidade, justificativo da sua qualificação como tal”.
Também o já mencionado acórdão do STJ de 03.06.2004 reconhece àquela actividade natureza perigosa, ao defender: “não é compatível com uma cultura de responsabilidade, em áreas de exercício de actividades de risco, de uso quotidiano (e nocturno) das pessoas, a não existência de mecanismos alternativos, ou sucedâneos, de segurança, de defesa, de alerta e de prevenção.
[...].
São áreas de manutenção, conservação e de vigilância em que todo o cuidado é pouco!
Não se registou que existissem também mecanismos alternativos de alerta de avaria que prevenisse os utentes como o dito Regulamento impõe. E na falta dele, imporiam, tanto ao Condomínio, como à empresa de manutenção, as regras do mais elementar bom senso.
E para além delas, ou sem elas, ainda o n.º2, do artigo 493º do Código Civil dispõe que devem ser tomadas providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir os perigos de uma actividade perigosa pela própria natureza da actividade e pela natureza dos meios utilizados”[13].
Tendo natureza juris tantum, a referida presunção de culpa é ilidível.
Porém, como a sentença recorrida dá conta, “para ilidir a sua [da 1.ª Ré] presunção de culpa não basta a prova de que procedeu às reparações e inspeções, ordinárias e extraordinárias, contratualizadas e solicitadas, nem sequer a prova de que cumpriu as obrigações legais, antes é imprescindível a prova de que tomou todos os cuidados exigidos pelas concretas circunstâncias verificadas na situação tendentes a prevenir os danos”, exigindo-se, além disso, a prova de que tomou todas as precauções previstas na lei e que satisfez todas as providências adequadas para, nas circunstâncias concretas, prevenir o dano[14]. Prova que, no caso, não foi feita.
Com a demonstração de que o falecido Autor sofreu danos e que estes resultaram da sua queda, provocada pelo desnivelamento da cabina do elevador, que se imobilizou acima do patamar do 3.º piso sem que as portas se trancassem, ficam reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.
2.2. Da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor.
Aos danos não patrimoniais refere-se o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, quando determina: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
De acordo com o n.º 3 da mesma disposição legal, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”.
Com explica o Acórdão da Relação do Porto de 06.11.90[15] “... nos termos dos artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, como critério da sua determinação equitativa, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, grau de culpa do lesado, e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta”.
Por outro lado, “sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pela pessoa directamente lesada ou a dor pessoal sofrida pelos terceiros referidos no n.º 2 do artigo 496.º, segue-se normalmente o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor. A isso se chama impropriamente o “preço da dor”[16].
Assim, na fixação da indemnização por estes danos está o julgador subordinado a critérios de equidade, que pondere, todavia, a situação económica dos lesados e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos: “a indemnização por dano moral não é o equivalente medível da alegria vital perdida, mas uma compensação da dor sofrida e que tem por finalidade criar no lesado a liberdade económica de que careça para vencer o dano imaterial”[17].
Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro … em virtude da aptidão [deste] para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses”[18].
Como esclarece Antunes Varela[19], “a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.
Quanto aos danos não patrimoniais:
Os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são:
- o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
- o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica);
- o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;
- o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”;
- e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
Quando a gravidade destes danos assuma especial gravidade, nada obsta, como vem reconhecendo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que seja fixada compensação que exceda o limite máximo de valorização que vem sendo atribuído ao dano morte, que, de acordo com a jurisprudência daquela instância superior, tem oscilado entre os €50.000,00 e os €70.000,00, já que o artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil elege como critério de aferição a gravidade do dano, conceito indeterminado que deve casuisticamente ser preenchido.
A doutrina nacional, pela voz de conceituados civilistas[20], tem, desde há algum tempo, vindo a tecer reparos pela parcimónia com que, no seu entender, o Supremo Tribunal de Justiça vem fixando os valores indemnizatórios para compensação dos danos não patrimoniais, embora reconheça o esforço positivo desenvolvido, sobretudo nos últimos anos, para alterar tal tendência.
Assim, sustenta Menezes Cordeiro que “é inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema, por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras. A vida humana não tem preço. Mas quando haja que avaliá-la para efeitos de compensação, a cifra a reter será (actualmente), da ordem do milhão de euros, majorada ou minorada conforme as circunstâncias. Todos os outros danos são, depois, alinhados abaixo desse valor de topo”. E acrescenta o mesmo autor: “Entretanto, há que manter, de modo operacional, as várias parcelas indemnizatórias: supressão do bem vida; danos morais da vítima; danos morais dos familiares referidos no artigo 496º/2, devidamente
alargado pela interpretação; danos patrimoniais da vítima; danos patrimoniais dos familiares; lucros cessantes. Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre os direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais como a vida valham menos de 60.000€”.
Essa tendência tem vindo, de facto, a revelar-se, sobretudo nos últimos tempos, havendo uma clara preocupação, ainda que manifestando-se de forma cautelosa e gradual, em conferir maior dignidade aos danos não patrimoniais, traduzida no aumento dos valores compensatórios em relação aos anteriormente fixados.
Também neste domínio, a fim de assegurar uma certa coerência de julgados, em conformidade com o que dispõe o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, importará ponderar o que nas instâncias superiores vem sendo decidido, mas sempre avaliando casuisticamente os concretos factores atendíveis para a quantificação do montante indemnizatório para reparação dos danos não patrimoniais.
Como resulta da matéria factual apurada, em consequência da queda sofreu o Autor fractura da tíbia esquerda, tendo estado internado no K… até ao dia 14.4.2010, ficando depois acamado na sua residência cerca de 2 (dois) meses, tendo tido necessidade de recorrer ao auxílio de bengalas para se deslocar, tendo ainda resultado daquela lesão corporal as limitações/sequelas descritas nos pontos 16.º a 23.º dos factos provados.
As limitações físicas que já afectavam o Autor, devido à idade e às circunstâncias factuais referidas nos pontos 34.º a 38.º, foram claramente agravadas pela fractura que resultou da queda sofrida, sendo notória a natureza incapacitante e de difícil recuperação desse tipo de lesões em pessoas de idade avançada e já fisicamente debilitadas.
Assim, tomando por referência os valores indemnizatórios fixados para casos com alguma similitude e ponderando a especificidade do caso concreto, tem-se por equilibrada a indemnização de €7.500,00 fixada na sentença a título de indemnização por danos não patrimoniais, sendo totalmente descabida a afirmação da 1.ª Ré de que “atenta a idade do Autor à data do sinistro (75 anos), e os danos provados nos autos, o valor €7.500,00 é potenciador de enriquecimento sem causa” como argumento para justificar a redução do valor da indemnização.
Por conseguinte, soçobram os argumentos recursivos das apelantes, pelo que improcedem os recursos das Rés, sendo de manter o decidido.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em:
- Alterar a decisão relativa à matéria de facto nos termos que se deixaram enunciados;
- Quanto ao mais, julgar improcedentes os recursos das Rés, confirmando a sentença recorrida.
Custas: pelas apelantes.
Porto, 25 de Setembro de 2018
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura _____________
[1] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, págs. 239, 240; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, pág. 553.
[2] Aprovado pelo Decreto n.º 513/1970, de 30 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 13/1980, de 16 de Maio, aplicável por força do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 110/1991.
[3] Processo n.º 04B1775, www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 6449/2008-8, www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 7369/06.1TBMTS.P1, www.dgsi.pt.
[6] “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4ª ed., 495.
[7] “Responsabilidade pelos danos causados por coisas ou actividades”, BMJ 85º, 378.
[8] Que entende que as actividades perigosas a que se refere o artigo 2050º da lei italiana - que o nº2 do artigo 493º do Código Civil constitui reprodução quase literal - são as que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, mais ainda, a probabilidade de causar danos, uma probabilidade maior do que as normalmente resultantes de outras actividades.
[9] “Direito das Obrigações”, 10ª ed., 587.
[10] “Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, págs.76 a 78.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa de 14.01.2010, processo nº 967/2001.L1-8, www.dgsi.pt.
[12] Processo nº 162/09.1YFLSB, www.dgsi.pt.
[13] Também o acórdão da Relação de Lisboa de 16.10.2008, citado, segue idêntico entendimento.
[14] Cfr., neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa de 7.07.2016, processo n.º 6091/03.5 TVLSB.L1-6, www.dgsi.pt.
[15] Colectânea de Jurisprudência XV, 5, pág. 186.
[16] Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189.
[17] Acórdão da Relação de Lisboa, 5/5/81, BMJ 312-291.
[18] Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 86.
[19] “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 488.
[20] Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 2.ª ed., pág. 318; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português II, Direito das Obrigações, tomo III, 2010, págs. 748 a 756.