CRÉDITO RECLAMADO PELA SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
Sumário

I - As dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações) e respetivos juros de mora prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que a obrigação deveria ser cumprida.
II - A prescrição interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
III - Ao contrário do que ocorre numa dívida comum, relativamente à qual o tribunal não pode suprir, de ofício, a exceção perentória em questão, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita para poder ser eficaz, nos termos do artigo 303º do C.C., já a prescrição de uma dívida à Segurança Social é de conhecimento oficioso e, portanto, provida de eficácia independentemente da sua invocação pelo devedor.

Texto Integral

Apelação nº 1041/14.6TBPVZ-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que a Administração do Condomínio do Prédio sito na …, nº …, …, moveu a B…, foram reclamados os seguintes créditos:
1. O Instituto da Segurança, I.P., reclama o crédito global de €12.217,93, por contribuições devidas à Segurança Social referentes ao executado e respetivos juros de mora.
2. O Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, reclama o crédito e €440.21, bem como os respetivos juros moratórios, por dívidas de IMI relativo aos anos de 2014 e 2016.

Dado que nenhum dos créditos foi impugnado, nos termos do artigo 791º, nºs 2 e 4, do C.P.C., os créditos foram reconhecidos e graduados da seguinte forma:
1. Em primeiro lugar, o crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Pública, por dívida de IMI;
2. Em segundo lugar, o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social;
3. Em terceiro lugar, o crédito exequendo.
Inconformado, o executado recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. No modesto entendimento, a sentença proferida pelo tribunal a quo não faz a devida justiça, considerando que a mesma padece de nulidade, ao abrigo artigo 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C., dado que o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre questões que devia conhecer, ao que pretende, com o recurso, obter reparo da sentença.
2. A questão do presente recurso prende-se, portanto, com matéria de direito, mais propriamente com o conhecimento oficioso da prescrição de dívidas tributárias.
3. De facto, no âmbito deste processo, em que o recorrente assume a qualidade de executado, os credores titulares de garantia real foram notificados no sentido de apresentar as devidas reclamações de créditos, tendo, nessa sequência, o Instituto de Segurança Social, I.P., reclamado a quantia global de €12.217,93, a título de contribuições de trabalhador, correspondentes ao período entre Fevereiro de 2006 a Junho de 2010, e respetivos juros de mora.
4. O crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., foi efetiva e integralmente reconhecido e graduado em sentença; contudo, entende o recorrente, salvo maior respeito por opinião diversa, que tal crédito não devia ter sido reconhecido nem graduado, uma vez que as dívidas em apreço encontram-se atualmente prescritas, tratando-se esta prescrição de conhecimento oficioso.
5. Nas datas a que se reportam as dívidas reclamadas (Fevereiro de 2006 a Junho de 2010), o regime de prescrição das dívidas ao Instituto da Segurança Social, I.P., estava previsto no artigo 49° da Lei nº 32/2002, de 20/12, posteriormente reproduzido no artigo 60º da Lei n° 4/2007, de 16/1 (que revogou aquela), segundo o qual “a obrigação do pagamento de quotizações e contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida”.
6. No mesmo sentido, prevê o artigo 187° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança:
1 – A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
7. De acordo com o disposto nos artigos supra mencionados, “o prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação”.
8. Ora, in casu, o recorrente apenas teve conhecimento da existência do crédito reclamado quando notificado, em 11/07/2017, da reclamação de créditos apresentada pelo Instituto de Segurança Social, I.P., aos presentes autos.
9. Nunca, até então, o Instituto de Segurança Social, I.P., tinha efetuado qualquer diligência com a finalidade de proceder à liquidação ou cobrança das dívidas a que se reporta a reclamação de créditos, de que tenha sido do conhecimento do próprio recorrente.
10. Logo, na data de notificação da reclamação de créditos apresentada pelo Instituto de Segurança Social, I.P., as dívidas concernentes ao período entre fevereiro de 2006 a junho de 2010, relativas a contribuições, já haviam sido prescritas, uma vez decorridos mais de cinco anos desde a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida.
11. Pois bem, por força do artigo 175º do Código de Procedimento e Processo Tributário (a seguir CPPT), que consagra, sob a epígrafe «Prescrição ou duplicação coleta», que “a prescrição ou a duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha inten4ndo não o tiver feito”, a prescrição de dívidas de natureza tributária, como as dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P., é de conhecimento oficioso.
12. Sublinha-se ainda que as disposições constantes do CPPT aplicam-se, ao abrigo do artigo 1º, alíneas c) e d) do referido diploma, à cobrança coerciva das dívidas exigíveis em processo de execução fiscal e aos recursos jurisdicionais, o que significa que a disposição normativa do artigo 175º do CPPT não é somente aplicável nos processos de natureza tributária, mas também nos processos de cariz cível, tal como não poderia deixar de ser, atendendo que a interpretação da lei deve ser sempre realizada com o objetivo de garantir a coesão de toda a ordem jurídica.
13. Portanto, salvo devido respeito por melhor opinião em contrária, conclui-se que, nos presentes autos, a prescrição do crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., relativos a Fevereiro de 2006 a Junho de 2010, é de conhecimento oficioso.
14. Tratando-se a prescrição de conhecimento oficioso, não está sujeita ao ónus de alegação e prova pela parte a quem aproveita; ao invés, e em cumprimento do disposto no artigo 175º do CPPT, a própria prescrição deveria ter sido reconhecida pelo próprio Instituto de Segurança Social, I.P., o que não o fez.
15. Assim sendo, caberia ao Meritíssimo Juiz, salvo devido respeito por opinião em contrário, conhecer oficiosamente a prescrição do crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., e, em virtude disso, proceder ao não reconhecimento e não graduação do mesmo.
16. Em suma, salvo devido respeito por entendimento diverso, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo não se pronunciou, em sentença, sobre uma questão de conhecimento oficioso, que, por isso, devia conhecer, pelo que se conclui que a sentença em apreço padece de nulidade, ao abrigo do artigo 615º n° 1, alínea d), do C.P.C.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
Questão a decidir: nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas d), do C.P.C, por omissão de pronúncia sobre a prescrição do crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P.

I. No artigo 615º, nº 1, alínea d), estabelece-se que a sentença é nula, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade prevista neste preceito traduz-se no incumprimento, por parte do juiz, do dever prescrito no nº 2 do artigo 608º do C.P.C., que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e o dever de não poder ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
O executado/apelante considera que a sentença padece da invocada nulidade, uma vez que não foi tomado conhecimento oficioso da prescrição do crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social.
Cumprido o nº 3 do artigo 665º do C.P.C., o Instituto da Segurança Social, I.P., respondeu, afirmando que o executado foi devidamente citado pelo IGFSS, I.P., e que não ocorreu a prescrição, pelo menos, no que respeita ao período a partir de março de 2006.
Os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., reportam-se ao período de fevereiro de 2006 a junho de 2010.
Naquele período, o regime de prescrição dos créditos em questão era regulado pelo artigo 49º da Lei nº 32/2002, de 20/12, posteriormente reproduzido pelo artigo 60º da Lei nº 4/2007, de 16/1, que revogou a primeira.
Nos termos de tal regime, as dívidas à Segurança Social (contribuições ou quotizações) e respetivos juros de mora prescrevem no prazo de cinco anos a contar da data em que a obrigação deveria ser cumprida. A prescrição interrompe-se com a prática de qualquer diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
No mesmo sentido, o artigo 187º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social estabelece o seguinte:
1. A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida;
2. O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação;
3. O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral.
Por sua vez, o artigo 175º do Código de Procedimento Tributário, sob a epígrafe «Prescrição ou Duplicação da Coleta», estabelece que «a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz, se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo não o tiver feito».
Esta disposição do CPPT é aplicável à prescrição dos créditos reclamados pelo Instituto Segurança Social, I.P., por força do disposto no artigo 1º, alíneas c) e d), do mesmo diploma, o que torna aquela exceção de conhecimento oficioso.
Deste modo, ao contrário do que ocorre numa dívida comum, relativamente à qual o tribunal não pode suprir, de ofício, a exceção perentória em questão, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita para poder ser eficaz, nos termos do artigo 303º do C.C., já a prescrição de uma dívida à Segurança Social é de conhecimento oficioso e, portanto, provida de eficácia independentemente da sua invocação pelo devedor.
O executado vem alegar que, na data da notificação da reclamação de créditos, as dívidas relativas ao período de fevereiro de 2006 a junho de 2010 já se encontram prescritas, pois, o Instituto da Segurança Social, até então, nunca tinha efetuado qualquer diligência com a finalidade de proceder à respetiva liquidação.
Cumpria ao tribunal a quo certificar-se de que alguma ou algumas das contribuições reclamadas pela Segurança Social poderiam estar prescritas, por terem decorrido mais de cinco anos sobre a data do seu vencimento.
Reconhecendo-se a ausência de tal conhecimento oficioso, foi cometida a invocada nulidade da sentença de graduação, por omissão de pronúncia e, portanto, deve este Tribunal da Relação, usando a regra de substituição consagrada no artigo 665º do C.P.C., conhecer da respetiva questão.
Como se referiu, os créditos reclamados pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., reportam-se ao período de fevereiro de 2006 a junho de 2010.
Ao contrário do afirmado pelo executado, não corresponde à verdade que aquela entidade, até à data da notificação da reclamação de créditos, nunca tinha efetuado qualquer diligência com a finalidade de proceder à respetiva liquidação.
Resulta da carta registada com aviso de receção junta, que o executado, em 24.3.2011, foi citado «de que foi instaurado nesta Secção de Processos contra V. Exa. o processo de execução fiscal supra indicado, devendo proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescidos no prazo de 30 dias a contar da concretização desta citação».
A concretização da citação do executado interrompeu a prescrição em março de 2011 e, nesse sentido, apenas a quotização relativa a fevereiro de 2006, identificada na “notificação de valores em dívida” junta a fls. 129, no montante de €267,01 (€172,87 + €84,14), se encontra prescrita.
Então, ao valor atualizado de €14.632,71 (€9.512,01 + €4.782,02 + €337,78), aquando do pedido de prosseguimento da execução constante de fls. 128 verso, e ao crédito de €12.217,93 reconhecido na sentença, cumpre deduzir a referida quantia de €267,01, correspondente à quotização de fevereiro de 2006.
Deste modo, procede parcialmente o recurso do executado B… e, consequentemente, revoga-se a sentença, na parte em que quantificou a quotização relativa a fevereiro de 2006, no montante de €267,01, que se encontra prescrita.
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença, na parte em que quantificou a quotização relativa a fevereiro de 2006, reduzem o crédito reconhecido para €11.950,92 (€12.217,93 - €267,01), bem como o correspondente valor atualizado para €14.365,70 (€14.632,71 - €267,01).
No mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas por apelante e apelado Instituto da Segurança Social, I.P., na proporção do decaimento.
Sumário:
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Porto, 5.11.2018
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido