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EXPROPRIAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO PELO SACRIFICIO
OCUPAÇÃO NÃO AUTORIZADA
PRESCRIÇÃO
Sumário
I - Pedindo os Autores a compensação dos danos causados no seu prédio, ocupado sem a sua autorização, durante e após a construção da auto-estrada, a situação enquadra-se no domínio da responsabilidade extracontratual por facto ilícito. II - A declaração de utilidade pública da expropriação confere à entidade expropriante o direito de ocupar prédios vizinhos e de neles efetuar os trabalhos necessários ou impostos pela execução da obra, mas são devidas aos lesados as indemnizações nos termos gerais de direito. III - Os danos assim padecidos empre estariam a coberto da indemnização pelo sacrifício, pois tendo todos os cidadãos a mesma dignidade social e sendo iguais perante a lei, devem ser compensados aqueles que são sacrificados pela realização do interesse público.
Texto Integral
Processo nº 2962/15.4T8VFR.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 2
Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório
B… e marido, C…, residentes em residente na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira,intentaram esta ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Z…, S.A., com sede na …, Edifício …, …. - …, …, pedindo:
«A)- Ser a Ré condenada a no prazo de 30 dias a repor o terreno dos AA. no estado em que se encontrava antes da obras referidas na petição, nomeadamente limpeza de todos os materiais ai depósitos, nivelamento do terreno e colocação de terra com características agrícolas, fértil de forma a que o mesmo possa ser cultivado;
B) Ser a Ré condenada a no prazo de 30 dias efetuar todas as obras necessárias para que as águas pluviais que vão desaguar à presa existente na extrema do prédio dos AA., não inundem o terreno dos AA., nomeadamente obras que leve a que a presa atingindo um determinado volume de água, a água excedente seja conduza para canais ou valas
subterrânea ou de outro tipo., sem invadir o terreno dos AA.;
D) Ser a Ré condenada a repor o solo do Autor no estado que se encontrava antes das obras, nomeadamente colocação de terra com características agrícolas, fértil e nivelamento do solo ED);
E) Ser a Ré condenada a pagar aos AA. a quantia de 10 euros por cada dia que passe sem que efectue tais obras, a contar dos 30 dias após a citação;
F) Ser a ré condenada a indemnizar os AA. pelos danos emergentes – lucros cessantes, causados pela impossibilidade de cultivo do referido terreno causada pelas obras levadas a cabo pela RR , desde 2012 até que o terreno se encontre em condições de ser cultivado, nomeadamente pela perda de possibilidade de cultivo, a liquidar em execução de sentença;
G) ser a Ré condenada a pagar aos AA. a título de dano moral a quantia de 2.500 euros.»
Para tanto, alegaram, em síntese, que são donos de um prédio rústico que foi parcialmente expropriado pela Ré para a construção da autoestrada A... Esse terreno, após as obras, ficou sem qualquer possibilidade de ser cultivado por força do depósito de entulho e pedras. Acresce que no âmbito dessa construção, foram colocadas diversas valas de escoamento de águas pluviais que são conduzidas até uma presa existente no seu prédio. Todavia, a presa não suporta um volume de água tão elevado o que implica que as águas inundem o seu terreno, coisa que não sucedia antes da AE. Tudo isto impede o cultivo do referido terreno, mas, alertada para o efeito, a Ré apenas fez uma abertura na presa, sem solucionar o problema. Limitou-se a retirar pedras que estavam no terreno, mas não o repôs como estava antes das obras, o que lhes provocou prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, que quantificaram.
Citada, contestou a Ré, invocando a sua ilegitimidade e suscitando a intervenção principal provocada de G…, ACE, por ter sido este quem procedeu à construção da auto-estrada, no âmbito de um contrato de empreitada com ele celebrado e à luz do qual assumiu reparar e indemnizar todos os danos resultantes da execução das obras e causados a terceiros. Mais excecionou a prescrição do direito indemnizatório dos Autores.
Foi admitida intervenção acessória do G…, ACE, o qual, citado, excecionou a incompetência material do tribunal e requereu a intervenção acessória de D…, S.A., na qualidade de subempreiteiro que executou os trabalhos. Impugnou os factos articulados pelos Autores e invocou a prescrição do direito a que se arrogam.
Admitida a intervenção acessória da D…, S.A., citada, em síntese, declinou a sua responsabilidade e impugnou os prejuízos alegados pelos Autores, já que o seu terreno foi regularizado e dispõe de uma rede de drenagem corretamente elaborada. Mais invocou a prescrição do direito dos Autores.
Saneado o processo, foram julgadas improcedentes as exceções de incompetência absoluta do tribunal e a ilegitimidade da Ré Z…, S.A. e relegado para sentença final o conhecimento da exceção de prescrição.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo e foi pronunciada sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido: a) Condenar a ré Z…, SA a, no prazo de 30 dias após trânsito, repor o terreno dos autores no estado em que se encontrava antes da construção da auto-estrada, nomeadamente limpeza de todos os materiais ali depositados, nivelamento do terreno e colocação de terra com características agrícolas e fértil de forma a que o mesmo possa ser cultivado; b) Condenar a ré Z…, SA a, no prazo de 30 dias após trânsito, efectuar todas as obras necessárias para que as águas pluviais que vão desaguar à presa existente na extrema do prédio dos autores, não inundem o terreno dos autores, nomeadamente obras que leve a que a presa, atingindo um determinado volume de água, a água excedente seja conduzida para canais ou valas subterrânea ou de outro tipo, sem invadir o terreno dos autores; c) Condenar a ré Z…, SA a pagar aos autores a quantia que vier ser liquidada e que se mostre suficiente para proceder à reparação do dano mencionado no ponto 29 dos factos provados, não podendo esta quantia exceder o montante anual de €1.500,00; d) Absolver a ré Z…, SA do demais peticionado; e) Condenar os autores e a ré Z…, SA nas custas do processo, sendo aqueles na proporção de 1/5 e esta na proporção de 4/5.»
Irresignada, a Z…, S.A. recorreu da sentença, assim rematando a sua alegação: «A. Com o presente recurso, pretende a R. Z…, demonstrar que não pode ser condenada pela prática de qualquer ato ilícito ou pela omissão de qualquer dever suscetível de causar os alegados danos. B. E também que à data da citação, em 29/09/2015 estava decorrido o prazo prescricional de três anos, a que alude o artigo 498.º do Código Civil. C. A R. Z… considera que, face à prova produzida, foram incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 10,11,12,16,24,27 e que estão em contradição com os pontos 30,31 e 32. D. O Tribunal “a quo” deu como provados os factos constantes dos pontos 30,31 e 32 donde resulta que a R. Z… em 28/12/2007 celebrou com a G…, ACE e os Membros do Agrupamento, o contrato de empreitada para a execução e conclusão “(…) de todos os trabalhos que, relacionados com a conceção, projeto, expropriações, construção e fornecimento e montagem de Equipamento, respeitarem às Secções Viárias (…) A../IC.., A../IC.. e A.../IC... E. Pelo referido contrato de empreitada, a G…, ACE assumiu, no que respeita aos trabalhos objeto do mesmo, (…) as obrigações, riscos e responsabilidades que para a Concessionária resultam do Contrato de Concessão – cláusula 3.1, páginas 21 e 22. F. Dentre as obrigações assumidas pela G…, ACE inclui-se a responsabilidade extracontratual perante terceiros, nos termos da base 73 anexa ao Decreto Lei n.º 392-A/2007. G. No âmbito das suas competências a G…, ACE celebrou com as suas Agrupadas o documento “Bases de Sub contratação” onde foram estabelecidas as regras de base para a celebração dos Contratos de Sub empreitada com cada uma das empresas. H. Decorrente das “Bases de Sub contratação” a G…, ACE celebrou no dia 10/12/2010 um Contrato de Sub empreitada com a D…, S.A., empresa agrupada a quem foi adjudicado o Lote 10-A, onde se localiza a parcela do prédio aqui em causa. I. Do exposto resulta que a R. Z… não executou qualquer obra. Era a dona da obra. Da sentença resulta, que foi a R. Z… que executou a obra. J. Da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento desta testemunha (E…) foi demonstrado com clareza que a R. Z… não executou qualquer obra. Era a dona da obra. K. Também com base no depoimento da testemunha F…, coordenador das expropriações, é dado como provado que terá recebido a reclamação apresentada pelos autores, e que apesar de não ser da sua responsabilidade direta, a encaminhou para a G…. L. Da prova produzida resultou também que a testemunha recebeu a reclamação apresentada pelos autores e que, quanto à tal reunião que terá ocorrido após janeiro 2013, foi bem claro que a testemunha F… apenas promoveu o encontro para que ficassem dissipadas quaisquer dúvidas sobre quem construiu e quem poderia assumir eventual responsabilidade pelas necessárias obras. M. Tal facto não implica que a tivesse havido a assunção de qualquer responsabilidade. N. A testemunha demonstrou que sempre deixou claro que a responsabilidade pelas obras era da G…, que também esteve presente na dita reunião juntamente com a H….
Também do depoimento da testemunha I…, filho dos autores, se retira que por estes não foi compreendido para onde deveriam reclamar. Como foi a Brisa que tratou do processo de expropriações, por maioria de razão seria a Brisa a responsável pelas obras realizadas com a construção da auto estrada. A testemunha, afirmou mesmo que presumiu que a G… era um departamento da
Brisa, nem sequer da Z…. P. Relativamente à questão da prescrição, entendeu o tribunal “a quo”, a nosso ver mal, que não ocorreu a prescrição relativamente à R. Z…. Q. Tratando-se de responsabilidade civil extracontratual, direito a ser indemnizado prescreve, em regra, passados cerca de 3 anos – art.º 498.º n.º 1 Código Civil. Relativamente ao caso concreto, deu como provado que: As obras da construção da autoestrada terminaram em 2011 e que em fevereiro de 2012; A R. Z… foi citada em 29-09-2015. R. Salvo melhor e douto entendimento, entende a R. Z…, tomando por referência as reivindicações dos autores de fevereiro de 2012, aquando da citação da R. Z…, em 29-09-2015, já o efeito jurídico pretendido pelos autores se havia extinguido pelo decurso do tempo. S. A citação efetuada já não teve a virtualidade de produzir a interrupção da prescrição, precisamente porque esta já se havia completado em data muito anterior. T. Considerou o tribunal “a quo” que a dita reunião, realizada em 2013, fez interromper o prazo prescricional relativamente à Ré, o que discordamos. U. O prazo de prescrição verifica-se pelo simples decurso do tempo, independentemente da prática de qualquer ato ou declaração negocial, pelo que tal reunião não teria a virtualidade de produzir a interrupção da prescrição. V. Pelo que discordamos do tribunal “a quo” quando decide que é seguro concluir que não ocorreu a prescrição. W. Também discordamos da decisão tomada pelo tribunal “a quo” quanto à responsabilidade extracontratual da R. Z…. X. Ora, entendeu o tribunal “a quo” que dos factos apurados resulta uma atuação negligente e ilícita por parte das empresas que a ré contratou para construírem a A... Y. Logo aqui o tribunal “a quo” entra em contradição. Primeiro porque dos factos resulta sempre que foram praticados pela ré (remete-se para os factos provados que se reproduziram neste articulado e que através do sublinhado se salientaram tais decisões do tribunal), vindo a concluir depois (como demonstrado pela R. Z… nestas alegações) que a atuação negligente e ilícita foi tomada por parte das empresas que a ré contratou para construírem a A... Z. Refere mesmo a determinado passo da sentença “…A nosso ver, pode também inferir-se pela negligência do empreiteiro contratado pela ré…”
AA. Considerando que a ré, apesar de não ter sido quem atuou, quem praticou os atos ilícitos, por força do disposto nos artigos 78.º e 79.º do contrato de concessão, responde diretamente pelos prejuízos causados.
BB. Acrescentando que “…a Concessionária responde ainda, nos termos em que o comitente responde pelos actos do comissário, pelos prejuízos causados pelos terceiros por si contratados para o desenvolvimento das actividades concessionadas…” CC. Caso fosse o Estado a promover diretamente a construção da obra a que se referem os autos não lhe poderia ser assacada qualquer responsabilidade pela atividade do seu empreiteiro tal como não pode sê-lo à R. Z…, por efeito de qualquer transmissão de alguma obrigação do Estado consubstanciada na Base XLIX do D.L. 247-C/2008 de 30 de dezembro. DD. Sejam, o Estado ou a R. Z…, os donos da obra, a verdade é que não existe norma que imponha, a um ou a outro, a responsabilidade pelas consequências dos atos praticados pelo Empreiteiro. EE. Não há norma que imponha essa responsabilidade expressamente nos contratos de empreitada e não há fundamento para que se qualifique o empreiteiro como comissário do dono da obra. FF. Tais decisões permitem perceber o essencial, que não há um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra. GG. O empreiteiro age sob sua própria direção, com autonomia, não sob as ordens ou instruções do dono da obra, estando apenas sujeito à fiscalização deste. HH. O empreiteiro obedece às prescrições do contrato e deve ainda respeitar as regras da arte aplicáveis à execução da obra, mas estas são as únicas limitações que a lei lhe impõe, já que propriamente na execução da obra ele não deve obediência ao dono, agindo com autonomia na execução. Neste sentido, Vaz Serra, RLJ, 112.º - 202 “O Empreiteiro actua autonomamente e não sob a direcção ou instruções do dono da obra.” II. Jurisprudência que, aliás, está em concordância com a doutrina expendida, entre outros, ainda Vaz Serra a págs. 203 e 204 da RLJ 112º conclui que o “dono da obra não é um comitente do empreiteiro no sentido do art.º 500.º do C.C.”, e, também Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I Volume, pág. 508. JJ. “A Comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. (...). KK. Por falta de tal relação, não podem considerar-se comissários do dono de obra as pessoas que o empreiteiro contrata para a execução desta. LL. Ora, a relação de subordinação é que caracteriza a comissão e tem o sentido amplo de serviço ou atividade realizada por conta e sob a direção de outrem, podendo essa atividade traduzir-se num ato isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual. MM. Para apreciar a eventual responsabilidade da R. Z… pela ocorrência dos danos reclamados pelos autores, implica a análise e verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
vi. Desde logo é necessária a existência de um facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário do agente;
vii. Verificado esse facto, necessário se torna que o mesmo seja ilícito;
viii. Confirmada a existência de um facto ilícito é imprescindível que haja um nexo de imputação do facto ao lesante, consubstanciado na verificação de culpa na prática do ato;
ix. E, perante um facto ilícito e culposo, é determinante aferir da existência de danos, pois sem dano não chega sequer a colocar-se a questão da responsabilidade civil;
x. Por último, ter-se-á que determinar que dano é resultante do facto ilícito e culposo, determinando-se, assim, a existência de um nexo de causalidade entre o facto e o dano. NN. E, sendo tais requisitos de verificação cumulativa, incumbindo aos autores, de acordo com o ónus da prova, invocar e provar os factos constitutivos dos mesmos, nos termos do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, a consequência, da falta da prova de qualquer deles conduz à improcedência da ação. OO. No que tange aos presentes autos não consta que a R. Z… tenha executado diretamente quaisquer trabalhos no terreno dos autores. PP. Efetivamente, não obstante os autores terem esteado a sua causa de pedir na ação da R. Z… e não em qualquer comportamento omissivo da mesma, facto é que a execução material dos aludidos trabalhos veio a ser realizada pela interveniente D…, S.A. QQ. Assim, em face do exposto, pese embora resulte verificado o pressuposto da responsabilidade civil atinente ao facto, resultam não verificados os pressupostos atinentes à ilicitude e à culpa por parte da R. Z…. RR. O tribunal “a quo” violou os artigos 483º, 486.º, 498.º e 500.º todos do Código Civil, Decreto-Lei nº 294/97, de 24 de outubro (Bases da concessão).
Nestes termos, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de apelação e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão em que se decida pela absolvição da R. Z…, como é de inteira JUSTIÇA!»
Igualmente apelou a interveniente acessória D…, S.A., cuja alegação concluiu deste modo:
«A) O objecto do presente recurso reconduz-se apenas à alínea c) do dispositivo da Sentença, nos termos da qual o Tribunal a quo decidiu “condenar a ré Z…, SA a pagar aos autores a quantia que vier ser liquidada e que se mostre suficiente para proceder à reparação do dano mencionado no ponto 29 dos factos provados, não podendo esta quantia exceder o montante anual de €1.500,00”.
B) A Interveniente Acessória tem legitimidade para interpor o presente recurso.
C) A douta Sentença em análise errou na apreciação da matéria de facto face à prova produzida nos autos quando julgou provados os pontos 9), 10), 11), 28) e 29).
D) Resulta dos depoimentos das testemunhas J…, K… e L… que os Autores não cultivavam o terreno em questão, como consta do ponto 9)dos factos provados, pelo que deve o mesmo ser julgado como facto não provado.
E) Decorre do depoimento de J… que o ponto 29)dos factos provados não reflecte a realidade dos acontecimentos, uma vez que foram os Autores que lhe pediram para, nas palavras desta testemunha, “deixar o campo”, pelo que também o ponto 29) dos factos provados deve ser julgado como facto não provado, ou, pelo menos, deve o mesmo apenas reflectir que “a pedido dos Autores e antes do início da construção da A.., o terrenos deixou de ser cultivado”.
F) A prova testemunhal produzida demonstrou que o prédio ficou inculto porque os Autores decidiram pôr termo à exploração do mesmo, nunca mais tendo procedido ao seu cultivo, pelo que o ponto 10)dos factos provados deve ser julgado como facto não provado ou, pelo menos, deve ser reformulado de modo a nele não constar qualquer nexo de causalidade entre as obras de construção da auto-estrada e o facto
do terreno ter ficado inculto.
G) Pelos mesmos fundamentos, o ponto 11)dos factos provados também deve ser reformulado de forma a não constar dele o referido nexo de causalidade.
H) O ponto 28)da Sentença recorrida não pode ser considerado provado, por várias ordens de razão: em primeiro, porque um terreno não fica infértil por não ser lavrado ou alisado ou por não ser colocada nova terra no mesmo, como resulta do referido ponto; em segundo, porque não foi feita qualquer prova de que o terreno ficou infértil; e, finalmente, porque o que ficou provado é que efectivamente o terreno
nunca mais foi lavrado nem cultivado porque os Autores pediram a quem explorava o mesmo para sair e porque a Autora deixou a agricultura por problemas de saúde.
I) Acresce que há factos essenciais que resultaram inequivocamente da instrução e discussão da causa e que, nessa medida, deveriam ter integrado o elenco dos factos provados, a saber: i) o facto de quem cultivava o prédio dos Autores, durante os dez anos anteriores ao início da construção da A.., era o Sr. J…, que, em metade desses anos, deu à Autora uns sacos de milho para as galinhas, e na outra metade nada deu; ii) o facto dos Autores terem pedido a quem explorava o terreno para sair do terreno antes do início da construção da auto-estrada; e iii) o facto de, desde então, o terreno não ter sido mais cultivado.
J) Não tendo sido feita prova de que os Autores lavravam a terra nem que a semeavam nem tão-pouco que colhiam os produtos agrícolas como milho, feijão, aveia, etc., para o seu consumo anual e de seus filhos, dando ou vendendo os excedentes, o Tribunal a quo devia ter julgado improcedente o pedido de reparação dos alegados danos dos Autores por impossibilidade de cultivo.
K) Andou mal o Tribunal recorrido quando decidiu condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia que vier ser liquidada e que se mostre suficiente para proceder à referida reparação, uma vez que é entendimento unânime que, como pressuposto primeiro de aplicação do n.º 2 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, referente à liquidação
em execução de sentença, deverá ocorrer a prova de existência de danos.
L) Ainda que a impugnação da matéria de facto objecto do presente recurso seja julgada procedente, ainda assim deve considerar-se que o Tribunal a quo tinha de ter julgado improcedente o mencionado pedido de condenação, uma vez que, de acordo com a Sentença proferida, os Autores não lograram provar os prejuízos que invocam na acção( cfr. alínea a) e b) dos factos não provados da Sentença).
M) É, pois, evidente que, ao condenar a Ré nos termos da alínea c) do dispositivo, o Tribunal a quo errou na subsunção jurídica dos factos e violou o disposto no n.º 2 do artigo 609.º do Código do Processo Civil.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente, e, em consequência, deverá a decisão recorrenda constante da alínea c) do dispositivo da Sentença ser revogada, assim se fazendo JUSTIÇA».
A interveniente acessória G…, ACE aderiu à apelação da também interveniente acessória D…, S.A.
Em resposta, os Autores pugnaram pela manutenção da sentença, alegando que a mesma fez uma correta apreciação da prova produzida em audiência. Opuseram que a Ré Z… é a concessionária do projeto, construção e conservação dos lanços de auto-estrada designados por concessão G… e, por isso, é ela a responsável pelos danos causados a terceiro na execução da obra. Nessa qualidade é a primeira responsável pelos atos, omissões ou danos causados a terceiros decorrentes da construção da auto-estrada e trabalhos associados. No ano de 2013 foram feitas intervenções na presa e trabalhos de remoção de pedras existentes no seu terreno. Esses trabalhos não resolveram o problema, mas o mesmo foi expressamente reconhecido pela Ré, o que constitui causa de interrupção da prescrição.
II. Objeto do recurso
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões alegatórias dos recorrentes (artigos 635º/4 e 639º do Código de Processo Civil, doravante denominado “CPC”), cabe apreciar:
1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
2. Prescrição do direito indemnizatório dos Autores;
3. Indemnização.
III. Fundamentação 1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A D…, S.A., interveniente acessória, a que se associou a G…, ACE, pugna pela falta de prova dos factos dados por apurados sob os n.ºs 9 a 11, 28 e 29 dos fundamentos de facto. Por seu turno, a recorrente Z… considera que, face à prova produzida, foram incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 10,11,12,16,24,27, apontando-lhes ainda contradição com os pontos 30,31 e 32.
Tais pontos têm o seguinte conteúdo:
«9) Os AA. cultivavam e colhiam os produtos agrícolas para seu consumo e de seus filhos. 10) Na sequência das obras levadas a cabo pela Ré com a construção da referida autoestrada e acessos, nomeadamente no prédio do Autores – parcela expropriada e junto à mesma, obras essas finalizadas em 2011, o prédio dos AA. nomeadamente a parcela restante que não foi expropriada ficou inculta, sem qualquer possibilidade de ali se cultivar o que quer que fosse. 11) E isto por força da colocação de pedras e montes de terras que saíam das obras que estavam a ser executadas, tendo a Ré na execução das referidas obras, sem autorização dos AA., utilizado o referido terreno, parte não expropriada, depositando aí terras e entulho das obras, ficando todo calcado de camiões e desnivelado. 12) A Ré levou a cabo naquela zona e imediações do referido terreno, no âmbito da construção da referida auto – estrada e acessos, diversas valas para escoamento das águas pluviais que conduziam as águas para uma presa existente na extrema nascente do prédio dos AA., valas essas construídas em meia cana, a céu aberto, com profundidade de mais de 50 cm e mais de 30 cm de largura, cimentadas, construídas nas bermas da estrada, numa extensão de pelo menos 600 metros em linha recta, desde a rotunda aí construída que fica a cerca de 600/700 metros do terreno dos AA. e que se situa numa zona mais alta do que o terreno dos AA., recebendo também as águas que vem da Capela …, e em …, que se situa numa zona bastante mais elevada em relação ao terreno e a cerca de 800 metros. 16) A referida presa devido ao aumento do caudal de água, provocada pelas obras levadas a cabo pela Ré, não tem capacidade para receber todas as águas, principalmente em tempo de chuvas fortes, fazendo com que a água que vai parar acabe por transbordar, em grandes quantidades e em toda a extensão da referida presa, para o terreno dos AA., deixando o mesmo completamente alagado. 24) Depois de várias reuniões, interpelações e conversações entre os AA. e Ré e chamadas, estas comprometeram-se a solucionar o problema, e, em 2013, procederam aos trabalhos junto do terreno dos AA, com vista a resolver o problema das águas que transbordam para o terreno. 28) Após isto, o terreno mantém-se infértil pois apesar de ter retirado o monte de terras e pedras, o terreno não foi lavrado, nem alisado, muito menos colocado terra fértil para cultura. 29) Os AA., desde 2012, deixaram de poder cultivar o terreno.»
Auditada toda a prova testemunhal produzida, verificamos que as testemunhas aportam os dados factuais que assim condensamos. J… disse ter conhecido bem o terreno em causa, sito em …, durante cerca de dez anos antes da passagem da auto-estrada. Cultivou esse terreno todo, mesmo a parte que foi expropriada, onde cultivou milho e erva (azevém) para alimentação das vacas da sua exploração agrícola. Esse terreno tinha uma presa, sempre com água, que dispunha de um rego que canalizava a água para o rio. A altura da água dava-lhe pela cintura. Todos os anos semeava milho e, no inverno, a erva e nunca teve inundações. A terra era boa, mas com a passagem da auto-estrada os terrenos foram cortados e ficaram uns para um lado e outros para o outro. Deixou de cultivar o terreno quando foi avisado que ía passar o auto-estrada. Mais disse: «Antes de eu semear a Autora nem sempre semeava, mas eu dava-lhe uns sacos de milho para as galinhas». Explicou os atos necessários ao cultivo do milho e da erva e afirmou que, antes da passagem da auto-estrada, o terreno nunca alagou. K… disse conhecer os Autores por ser seu vizinho e amigo, conhecendo bem o terreno, porque nele trabalhou durante muitos anos. Referiu ser agricultor e, muitas vezes, lavrou esse terreno a mando da Autora: «Depois foi entregue a um senhor». Nessa latura, a Autora semeava milho e, no inverno, erva. Chegou a ir lá buscar as espigas e, todas as semanas, erva para o gado. Quer cortava a erva era a D. B…, «eu só fazia o transporte». Havia uma presa e se estivesse cheia ou houvesse muita chuva inundava um bocadinho ao pé da presa, mas havia um rego para levar a água da presa. Num inverno normal não havia qualquer alagamento do terreno e a água era aproveitada para evitar que a geada queimasse a erva. Foram exibidas fotografias, mas que não foram identificadas; intuímos, no entanto, face ao que foi dito, estarem em causa as fotografias de fls. 179 e 180. O rego foreiro ficava do outro lado da auto-estrada e antes «o campo era um jardim, uma relva» (…) «Só havia uma solução para aquilo, depositar ali uns 40 centímetros de terra». Referiu ter ido há pouco tempo ao terreno calcar as silvas e tratar dos terrenos vizinhos. Disse que foi posta uma parede na presa e «o terreno está sempre alagado, a quase nem dá para perceber muito bem, porque há lixo por todo o lado» (...) Quando lá vou limpar, vejo que a água está a correr em entido contrário àquele em que corria antigamente». Mais referiu que, na construção da auto-estrada, foram feitas obras para recolher as águas, uma regueira pequena. Antigamente aquilo era tudo terreno e águas passavam todas à beira da presa e havia mais duas ou três presas dos consortes. Agora há muito mais água, «vem pela estrada abaixo». Agora não é possível cultivar o terreno: «está alagado de água, em cima, e está com pedras» (…). «É muito difícil tirar as pedras, quem trabalha na terra sabe». Explicou que se for tirada a pedra e canalizadas as águas já será possível cultivar o terreno. Mais afirmou que, até às obras da auto-estrada, o terreno foi sempre cultivado. Interpelado acerca do cultivo do terreno, disse: «Até admito que, no tempo da D. B…, o terreno ficasse um ou outro ano por cultivar. Não me lembro de ver lá batatas». Agora o rego «nunca ficou em condições»; é possível fazer um rego, mas agora «está tudo desgraçado». N… disse ser vizinho dos Autores e ter lá um terreno que confronta com o que está aqui em causa, mas fica numa cota mais elevada cerca de 1,80 metros. O terreno dos Autores foi sempre semeado, já do tempo da mãe da D. B…, e tinha uma qualidade da terra igual ao seu. Então semeavam feijão, batatas, milho, hortaliça. Continua a cultivar o seu terreno do mesmo modo. O da D. B… deixou de ser semeado, porque na construção da auto-estrada despejaram lá entulho, pedras… «depois, no fim, ele deu um jeitito naquilo». (…) «Era um monte muito grande, não foi tirado, foi espalhado e as pedras grandes foram metidas num buraco aberto no terreno». Factos que observou, «porque andava no meu terreno em, cima». A presa, antes da auto-estrada, tinha um lavadouro ao lado e encostava à parede do seu campo.«Quando tirarem aquele entulho, cai tudo. Antes da auto-estrada a água da presa ia por um ribeiro do lado do meu campo. O tubo que eles puseram a suportar a água está quase encostado ao meu terreno» (…) A presa era limpa todos os anos e quando enchia, as pessoas abriam. No inverno estava sempre aberta e nunca chegava a encher». Agora arrasta entulho, «vi entulho de umas oficinas ali». Dizendo morar a cerca de 100 metros e referindo-se ao ruído da água: «Eu ouço barulho, aquilo mete medo. Não é preciso ser muita chuva. É de meter as mãos na cabeça, ao ver aquilo!». Viu as obras da auto-estrada e os seus efeitos na presa: «a primeira vez… a valeta foi feita mais alta... e foi metida ao canto, ao lado esquerdo; passado para aí umas semanas… eu via lá uma máquina… esbandalhou aquilo e afundou». Mais tarde, na presa «foi feita qualquer coisita mais tarde… abriu, mais ou menos a meio, um rasgozito… talvez a meio». Confrontado com as fotografias de fls. 15 e 73 disse não reconhecer, emitindo opinião de que seria melhor ver as coisas no local. O rego que foi feito não comporta a água. A presa está cheia. A água recua e transborda e vai tudo na frente, invadindo o terreno. «Eu da janela da minha casa via aquilo: via-se aquele terreno todo inundado». Antigamente a presa só recebia a água dos terrenos, todos de lavoura, e o solo absorvia quase toda e agora há uma quantidade de água que se junta, que vem desde o mirante. Há uma valeta que vai buscar águas que andavam por outros lados e vai desaguar à presa. Ainda vai buscar alguma agua à rotunda e depois apanha tudo; devem ser«uns 200 metros à vontade, daí para cima». As outras presas, eram duas, tinham a água das nascentes. I…, filho dos Autores, falou do terreno antes e depois da construção da auto-estrada. Explicou que o terreno foi ocupado por montes de terra e pedras e construíram uma espécie de barragem. A presa, antes, tinha cerca de 0,50 metros e agora tem à volta de 1,70 metros. Antes tinha xisto, um lavadouro e uma nascente. Quando era para regadio fechava-se a presa dois ou três dias. Tinha um percurso natural para os outros consortes regarem. Fez diversos contactos com o Sr. Eng. O…, que lhe foi dizendo que aquilo ia ser resolvido. Mais tarde, mandou-o tratar com o Sr. Eng. P…, mas nunca foi dito que não resolveriam o problema. Inicialmente, alargaram a abertura da saída de água. Mais referiu: «Assim que veio o primeiro inverno, vimos que a presa ficou totalmente cheia e a transbordar para o campo, trouxe lixo, entrou pela terra deixou lixo, foi para o campo do vizinho». Confirmou o envio do e-mail junto aos autos e as fotografias e afirmou que continuou a fazer diligências para a resolução da questão. Ainda chegaram a desviar o percurso da água para o lado oposto e ainda fizeram mais uma abertura na parede da presa, tudo já depois do envio do e-mail, em 26/09/2012 (fls. 173 e 174). Mais mencionou: «O campo junto à presa é um lamaçal e como foi desviada em sentido contrário está a atravessar o campo em direção a uma vala que a Brisa construiu». A água agora cai diretamente para o campo, através do buraco aposto na parede da presa. Agora já não há presa, porque está toda repleta de lixo, que vem das terras superiores. Não se compreende que tenham desviado as águas da presa para o campo. Disse que o campo sempre esteve cultivado e deixou de o ser, porque não se pode cultivar nada. Iterou que os contactos com o Sr. Eng. O… foram em 2011, por causa da expropriação, e «depois dei-lhe conhecimento dos problemas no campo e ele disse que depois da conclusão da auto-estrada resolveria o problema do campo e dos outros que também apresentavam problemas». Só mais tarde é que o encaminhou para o Eng. P…, que estava num prédio em Gaia. O mail já foi enviado para o Eng. P…, com quem chegou a estar pessoalmente, mas sem questionar a entidade, embora presumindo ser um departamento da Brisa. Embora não a recordasse, acabou por confirmar a sua missiva de fls. 39 v.º e por dizer que, como os contactos com o Sr. Eng. O… eram difíceis, deixou a carta em causa. Referiu: «Depois do segundo ou terceiro contactocom o Eng. P…, a rececionista disse-me que ele já lá não trabalhava». Q… disse conhecer os Autores e o seu terreno, por ter ali um terreno nas imediações. O terreno dos Autores era cultivado com milho e outro tipo de culturas. Chegou lá a ver um senhor a cuidar do terreno com um trator. Hoje o terreno não está em condições de ser cultivado, porque está alagado. D depois da construção da auto-estrada, as águas andam descontroladas no terreno. Havia um lavadouro e um acesso de regadio; as águas já não vão pelo rego, «já vão desencaminhadas». Durante as obras colocaram lá montes de pedras e «eu vi andarem lá a abrir um buraco muito grande e a meter lá pedras, já depois da abertura da auto-estrada». Os terrenos ficam todos alagados e a água leva entulho, «aquilo vem daquela presa, não é de mais lado nenhum». Mais explicou que ainda chegam as águas e o entulho ao seu terreno. A presa, antes, tinha cerca de um metro; hoje tem mais. Antes a saída da água era feita por um buraco existente na parede antiga e, quando queriam regar, destapavam o buraco e ia por um rego. Agora a água transborda para o terreno dos Autores. Aquilo ali era tudo zona de cultivo e as águas das chuvas desapareciam. A presa que lá estava era mais pequena e estava recuada. Ouviu dizer que houve uma reclamação e, por via disso, fizeram uma abertura na parte de cima da presa. Confrontado com as fotografias de fls. 15 e 16, disse que antes da auto-estrada não havia aquelas águas nem pedras, nem lixo. Chegou a ver «uma montanha de pedra» no terreno dos Autores, confirmando a fotografia de fls. 17: «Eu vi enterrar bastante pedregulho, agora o restante não sei se ficou senão». O buraco do lado direito da presa foi feito já depois da reclamação, muito depois da feitura da presa, sem conseguir determinar as datas. Essa medida não resolveu o problema e as águas continuam a espalhar-se pelo terreno dos Autores, não consentindo que lá vá um trator para cultivar o terreno. E…, engenheiro da Brisa, referiu que o dono da obra foi a Z… que fez um contrato com a G…, que fez a obra. O seu departamento é de fiscalização da obra e os danos aqui peticionados são da responsabilidade do dono da obra e, por isso, quando recebe alguma reclamação comunica ao dono da obra, pois não tem meios para executar qualquer obra ou reparação. A obra acabou em outubro de 2011 e não tem conhecimento que os Autores tenham reclamado junto do seu departamento. Explicou: «O G… dividiu a empreitada em vários trechos e neste caso, suponho, que foi a D… que construiu». No domínio das expropriações o responsável era o Eng. O… e quando há problemas com a obra ou há algum lesado, normalmente dirigem-se à fiscalização da obra, que fica em …. F… disse trabalhar para a Brisa Gestão, S.A., tendo chegado à obra em 2013; substituiu o Eng. O… e ficou a coordenar também as expropriações. Esse terreno – parcela 1030 – foi expropriado e foi registado, na vistoria ad perpetuam rei memoriam, o que o mesmo tinha. Confirmou ter havido reclamação devido à represa de águas, à falta de acesso ao terreno e as escorrências de águas. Houve expropriação amigável, pensando que a reclamação é ulterior. Confrontado com os docs. de fls. 39 e 40, acabou por confirmar que a reclamação é antes da escritura. Por isso, emitiu a opinião de que, sendo uma situação de obra, o responsável é o G… (Eng.os S… e P…). Falou de uma reunião dos Autores com ele próprio, com o Eng. do G… (P…) e com o Eng. do empreiteiro, cujo nome não recordou. Confrontado com o e-mail e as fotografias, disse recordar a abertura da presa e um cano de drenagem. O G… pediu-lhe para estar presente na reunião, que ocorreu depois de 2013, porque antes trabalhava em Leiria. S… disse trabalhar para a T… e foi o diretor-geral da obra, desde maio de 2008, tendo acompanhado toda a construção. Referiu conhecer o terreno que aqui está em causa, tendo as obras deste trecho iniciado em 2010 e terminado em outubro de 2011. Falou da reclamação dos Autores no tocante à existência de pedras no terreno, mas confrontado com o doc. de fls. 39 v.º confirmou que chegou à sua mão, já depois de estar em funcionamento a auto-estrada. Adotou o procedimento normal e remeteu-o à construtora, a H…. Disse não se recordar de o assunto ter sido abordado ulteriormente. Instado acerca dos problemas com uma presa, disse recordar ter havido uma intervenção, sem concretizar a data. P…, engenheiro que trabalha para a T… e G…, confirmou ter tido contactos com o filho dos Autores (I…), que reclamava de danos no prédio. Soube através de um telefonema do Sr. I…, em 2012, a pedir uma reunião e foi a mesma agendada para setembro de 2012 e ocorreu no local: «Que eu me recorde foi só com o Sr. I…». Reclamava da faltava do acesso, do lixo, de pedras. O G… informou a H…, mas foi acompanhando. Por isso, sabe que foi criado um acesso, foi limpo o terreno e foi feita uma presa, que foi sofrendo alterações, foi subida, feita uma abertura, a descarga para uma outra linha de água. Afirmou que os trabalhos na presa foram pedidos pelo filho do Autor: «Estive no local e pareceu-me um terreno normal». Confirmou que para a represa estavam encaminhadas as águas pluviais e o estado do terreno viu-o nas fotografias. Disse não se recordar estar no local com o Eng. F…. U…, disse que trabalha para a D… como sub empreiteiro, mas não conhece os Autores; «andou lá uma altura a fazer um muro na presa». Não se recorda do terreno antes da auto-estrada, mas interveio a construir um muro na presa, em betão, com 30/40 cms. de largura. O muro destinava-se a fazer retenção de águas e tem um “ladrão” para as águas saírem, obra que foi feita em simultâneo. O terreno era um bocado lamacento. Disse: «Penso que a água não transborda. Pode alagar agora porque a presa parece um vaso com orquídeas». A auto-estrada foi inaugurada em outubro de 2011, pelo que calculou ter andado lá com as obras em janeiro/março 2012. V… disse ser engenheiro na D…, S.A., tendo sido diretor da obra de construção da auto-estrada. Perguntado acerca do terreno onde está a presa, disse que tem uma linha de água, que tiveram de cortar. Não sabe qual o uso do terreno antes da obra, mas confirmou o depósito de pedras e a sua remoção. Depois da reclamação foi ao terreno e verificou a existência de algumas pedras. Confirmou a construção de valas para escoamento de águas pluviais, de acordo com as linhas de água inscritas no projeto. Encaminharam as águas para as linhas de escoamento naturais. Mantem-se o declive que aquele terreno já tinha e acha que o caudal não aumentou; a quantidade de água é a mesma e a área é menor, mas sendo impermeável a auto-estrada, as águas vão para os terrenos adjacentes. Admitiu, por isso, que a presa tenha mais água. Referiu uma intervenção na presa em 2012, a qual tem uma escapatória, um descarregador, para a água, assim que atinge determinado nível: «Eu penso até que o proprietário acompanhou a intervenção na presa». Não pode precisar se depois da intervenção na presa houve mais reclamações dos Autores. Disse recordar a intervenção na presa com a construção de um muro.
Reinquirido, explicou que usaram o terreno dos Autores para a obra, mas crê não estar cultivado. Não colocaram lá entulhos e lixo, mas colocaram terras e pedra argamassada, usada para a execução de valetas. Deixaram o terreno nas condições em que o encontraram. A obra terminou em setembro de 2011 e os proprietários reclamaram e, em função disso, foram ao local e fizeram o acesso para o terreno, retiraram pedras e regularizaram o terreno. Tinham razão e, por isso, fizeram mais essa regularização, segundo crê, terá sido em 2012. O terreno tem uns órgãos de drenagem, que não estão a funcionar por falta de limpeza. O escoamento das águas pluviais foi feito para as linhas naturais existentes e as águas passam pela presa, porque está na linha de água natural. Verificámos que chegava mais água à presa, melhorámos o muro da presa, fizemos um muro novo e deixámos uma saída que ligava a uma PH (manilha) que está por baixo do terreno. Tem de haver manutenção, senão a água não corre e acumula-se. Exibiu umas fotos tiradas em 2017. A abertura no muro foi feita do lado direito, mas não soube esclarecer se é coeva do muro ou se é posterior. Confirmou que, a montante da presa, estão duas rotundas e a bacia é em sentido descendente, mas não foi alterada. W… disse ser empregado da D…, tendo trabalhado na obra da auto-estrada. Abordado acerca da presa, referiu ter visto o terreno antes e depois da construção. Não se recorda de o ter visto cultivado, mas nele foram colocados materiais para executar a obra e o normal era deixar o terreno limpo, mas não soube concretizar no caso. Não soube de qualquer reclamação, mas confirmou a construção de canais para escoamento de águas pluviais em conformidade com o projeto de obra. Acerca da presa disse que fizeram uma intervenção, construindo um muro em betão a pedido dos Autores.
Repetida a inquirição, devido à inaudibilidade do primeiro depoimento, disse ser o encarregado geral da obra e negou ter colocado lixo no terreno dos Autores, mas apenas terras e pedras. Perguntado como deixaram o terreno fim da obra, respondeu: «Normalmente deixamos tudo limpo», nada se lembrando em pormenor. Foram lá fazer uma represa já no final, depois da construção da auto-estrada, porque não estava a aguentar as águas. Fizeram um muro para retenção de águas e as águas foram encaminhadas para a linha natural de escoamento. As valas de meias argolas descem de certa em certa distância, não escoam todas juntas.
A prova produzida não deixa dúvidas quanto à realidade do terreno dos Autores e danos por ele padecidos em consequência dos trabalhos de apoio à execução da auto-estrada, desde o depósito de terras e pedras até ao provocado alagamento com águas pluviais que procedem das zonas circundantes da auto-estrada. Circunstâncias que, desde logo à luz das regras da experiência comum, retiram ao terreno a anterior capacidade agrícola e produtiva. Situação confirmada pela perícia oficiosamente ordenada pelo tribunal, que verificou a existência de diversas valas para escoamento de águas pluviais que confluem na presa existente no terreno dos Autores (fls. 208 a 223). Embora estejam demonstradas algumas intervenções da construtora no sentido de reforçar a presa e a sua capacidade de escoamento, elas não solucionaram o problema, compreensivelmente, devido ao aumento do caudal de águas para ali conduzidas. Por outro lado, a construção da auto-estrada, com largas faixas submetidas a impermeabilização, aumentou a impermeabilização das suas imediações e, havendo significativa precipitação, as águas inundam o terreno dos Autores e, consequentemente, prejudicam a sua capacidade produtiva, deteriorando eventuais culturas, designadamente devido à erosão que provocam nos terenos por onde escorrem. Também as regras da experiência comum ditam a facilidade de transbordo das águas da presa se houver um aumento de precipitação, pois não basta um “ladrão” para escoar a água que, atenta a cota dos terrenos envolventes (mais altos do que o dos Autores), cai no terreno em causa. Não obstante as testemunhas dos demandados insistirem que tal se deve ao facto de a presa não ser limpa, sabemos que não é seguro que, mesmo limpa, a presa não transborde, como sabemos que não recai sobre os demandantes qualquer ónus de limpeza de uma presa que recebe as águas pluviais de uma auto-estrada.
Os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito (fls. 232 a 234) são inequívocos no sentido da diminuta capacidade de retenção da presa, a qual parece incompatível com a bacia hidrográfica existente. Resulta das regras da vida que a impermeabilização dos solos dificulta a absorção das águas das chuvas e provoca o alagamento dos terrenos, mormente quando o sistema de drenagem da auto-estrada conflui para uma presa de dimensões inadequadas ao caudal das águas pluviais, especialmente em caso de forte precipitação. Aliás, não se percebe que não tenha sido construída uma estrutura hidráulica dimensionada para o previsível caudal de águas pluviais, previsibilidade que não pode deixar de abarcar as situações de forte pluviosidade. Acresce que o encanamento das águas pluviais procedentes da auto-estrada em valeta de cimento provoca uma concentração de águas que, forçosamente, prejudica o seu escoamento pelos canais naturais. Por tudo isto, encontrando-se o terreno dos Autores a jusante dos meios de condução de águas pluviais é razoável o seu alagamento e consequente improdutividade.
A recorrente Z… sinaliza, ainda, acontradição dos factos dados como provados nos pontos 10, 11, 12, 16, 24, 27 com os pontos 30, 31 e 32. Estes últimos itens exibem o seguinte teor: «30) O denominado contrato de concessão de f. 60-102 cujo teor aqui se dá por reproduzido. 31) O denominado contrato de empreitada de f. 27-39 cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que a ré contratou G…, ACE, para este construir a auto-estrada. ..) O denominado contrato de bases de subcontratação e contrato de sub empreitada de f.113-138 cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que G…, ACE, contratou D…, SA, para construir o lanço da auto-estrada em causa».
Trata-se, como é bom de ver, da reprodução dos contratos outorgados pela demandada e intervenientes acessórias, cuja vinculação e âmbito serão apreciados em sede de fundamentação jurídica, pelo que a afirmação contida no item 11 de que a Ré levou a cabo a construção da auto-estrada reconhece-lhe apenas a qualidade de dona da obra, aliás confirmada nos contratos em causa, sem referir o seu grau de responsabilidade perante os Autores. É, pois, patente a inexistência de qualquer contradição nem divisamos fundamentos para alterar a matéria de facto dada por demonstrada e, na improcedência da argumentação dos recorrentes, mantemos na íntegra a decisão proferida sobre a matéria de facto.
2. Factos provados
1) Os autores são proprietários de um prédio rústico, terreno de cultura sito no lugar de …, anterior extinta freguesia de …, atual União freguesia de …, …, Concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na actual União de freguesias de …, … sob nº …., anteriormente inscrito na extinta freguesia de … sob nº …..
2) A Ré é concessionária para a conceção, projeto, construção, aumento de número de vias, financiamento, conservação e exploração dos lanços de auto-estrada e conjunto viários associados designados por concessão G…, de acordo com o Decreto Lei nº 392-A/2007 de 27 de dezembro, que aprovou as bases de concessão outorgada pelo Estado à Z….
3) Por despacho de vinte sete de maio de dois mil e nove, do presidente do conselho directivo do Inir - Instituto de infra-estruturas Rodoviárias, I.P, foram aprovadas as plantas parcelares e o respectivo mapa de áreas das parcelas de terreno necessárias à execução da obra de concessão Z… – A…- IC… – … –IP… (…) Trecho … - …. –IP.. (…), resultante da declaração de utilidade pública urgente das expropriações consideradas necessárias à efectivação da obra, conforme despacho nº 19247/2009 de 12 de julho de 2009, do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações publicados no Diário da República nº 161, IIª Série, de 20 de agosto de 2009.
4) Das parcelas acima referidas e necessárias à execução da obra, entre outras, estava incluída uma parcela com a área de 3674 m2, correspondente à parcela nº 1030 e que correspondia a parte do prédio dos AA., acima identificado e que foi objeto de expropriação amigável celebrada entre os Autores e a Ré.
5) Por escritura lavrada em 12 de junho de 2012, no cartório Notarial AB…, com cartório na Avenida …, número …, freguesia …, Concelho de Santa Maria da Feira, primeira e segunda outorgante acordaram na expropriação amigável com vista à construção do Sublanço, da parcela número mil e trinta, uma parcela – parcela mil e trinta, constituída por terreno com a área de 3674 m2, a confrontar de norte com AC…, Sul com AD… e outros, nascente com restante prédio, poente com AE…, a destacar do prédio rústico sito em …, freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na extinta matriz rústica da freguesia de … sob nº 4282.
6) O prédio dos AA., antes da referida expropriação, era um prédio que, no seu todo, era anualmente tratado e cultivado.
7) Era um terreno agrícola fértil e de regadio, onde se cultivava essencialmente milho e erva.
8) Todo o prédio, nomeadamente a área que não foi expropriada, era permanentemente tratado e cuidado, em que, anualmente, os AA. lavravam a terra, semeavam e colhiam os produtos agrícolas.
9) Os AA. cultivavam e colhiam os produtos agrícolas para seu consumo e de seus filhos.
10) Na sequência das obras levadas a cabo pela Ré com a construção da referida auto-estrada e acessos, nomeadamente no prédio do Autores – parcela expropriada e junto à mesma, obras essas finalizadas em 2011, o prédio dos AA. nomeadamente a parcela restante que não foi expropriada ficou inculta, sem qualquer possibilidade de ali se cultivar o que quer que fosse.
11) E isto por força da colocação de pedras e montes de terras que saíam das obras que estavam a ser executadas, tendo a Ré na execução das referidas obras, sem autorização dos AA., utilizado o referido terreno, parte não expropriada, depositando aí terras e entulho das obras, ficando todo calcado de camiões e desnivelado.
12) A Ré levou a cabo naquela zona e imediações do referido terreno, no âmbito da construção da referida autoestrada e acessos, diversas valas para escoamento das águas pluviais que conduziam as águas para uma presa existente na extrema nascente do prédio dos AA., valas essas construídas em meia cana, a céu aberto, com profundidade de mais de 50 cm e mais de 30 cm de largura, cimentadas, construídas nas bermas da estrada, numa extensão de pelo menos 600 metros em linha recta, desde a rotunda aí construída que fica a cerca de 600/700 metros do terreno dos AA. e que se situa numa zona mais alta do que o terreno dos AA., recebendo também as águas que vem da Capela …, e em …, que se situa numa zona bastante mais elevada em relação ao terreno e a cerca de 800 metros.
13) Toda esta construção e criação de valas provocou que tais águas venham desaguar na referida presa existente na extrema do prédio dos AA, que acaba por não ter capacidade para suportar as mesmas, passando as águas a correr para o terreno dos AA.
14) Com a construção da referida auto-estrada, na imediação do prédio dos AA., milhares de metros de solo que até então eram terrenos de cultura, foram alvo de transformação e de colocação de betão na construção da estrada, o que tornou o solo impermeável na zona do pavimento da estrada, sendo que a referida estrada tem uma inclinação para o lado do terreno dos AA. e para as valas de drenagem que vão desembocar na referida presa.
15) Com o consequente aumento do caudal de água das chuvas para a presa.
16) A referida presa devido ao aumento do caudal de água, provocada pelas obras levadas a cabo pela Ré, não tem capacidade para receber todas as águas, principalmente em tempo de chuvas fortes, fazendo com que a água que vai parar acabe por transbordar, em grandes quantidades e em toda a extensão da referida presa, para o terreno dos AA., deixando o mesmo completamente alagado.
17) As obras levadas pela Ré junto ao prédio dos AA. aumentaram o caudal de água que até então corria e ia parar à referida presa.
18) Sendo que, até à realização das obras acima referidas, as águas das chuvas corriam naturalmente, sem qualquer intervenção humana, infiltrando-se pelos solos de forma natural e não era concentrada para um único local.
19) Na estrema do prédio dos AA. nascente – existe e sempre existiu, já antes da referida expropriação –, a nascente da sobrante, uma presa que que serve para as regas do prédio e dos prédios vizinhos.
20) Presa essa cujo curso de água que, até à construção da auto-estrada e acessos, não chegava a encher a mesma, salvo circunstâncias muito excepcionais.
21) Presa essa que era aberta para efetuar a rega dos campos lavradios aí existentes, entre eles o terreno dos AA. e cuja água da presa para os referidos campos corria posteriormente por um rego existente a norte do referido termo.
22) Atualmente, as águas canalizadas para tal presa são de tal forma em quantidades elevadas que, quando chove e porque a referida presa não tem capacidade de suportar as mesmas, as águas acabam por inundar o terreno dos autores.
23) Para além da grande quantidade de água, devido ao volume de água e força da mesma, dada a inclinação existente para o prédio dos AA., a corrente de água arrasta consigo todo o tipo de lixo que depois vai parar ao terreno dos AA.
24) Depois de várias reuniões, interpelações e conversações entre os AA. e Ré e chamadas, estas comprometeram-se a solucionar o problema, e, em 2013, procederam aos trabalhos junto do terreno dos AA, com vista a resolver o problema das águas que transbordam para o terreno.
25) Tendo então efectuado no muro em betão/cimento que construíram na referida presa obras com vista a desviar a água em excesso, criando uma abertura na parede cima para baixo, em parte da presa.
26) Após, as inundações de água supra mencionadas mantiveram-se.
27) Também a Ré se comprometeu a retirar as terras e pedras do terreno dos AA., deixando o mesmo limpo, tendo em 2013 retirado o monte de pedras e de terra que se encontrava no terreno dos AA.
28) Após isto, o terreno mantém-se infértil pois apesar de ter retirado o monte de terras e pedras, o terreno não foi lavrado, nem alisado, muito menos colocado terra fértil para cultura.
29) Os AA., desde 2012, deixaram de poder cultivar o terreno.
30) O denominado contrato de concessão teor de f. 60-102 cujo aqui se dá por reproduzido.
31) O denominado contrato de empreitada de f. 27-39 cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que a ré contratou G…, ACE, para este construir a A...
32) O denominado contrato de bases de subcontratação e contrato de sub empreitada de f.113-138 cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que G…, ACE, contratou D…, SA, para construir o lanço da Auto-Estrada em causa.
33) A ré foi citada a 29/09/2015.
34) G…, ACE, foi citado a 04/12/2015.
35) D…, SA, foi citada a 08/03/2016.
36) Os trabalhos de construção do lote .. - .. do lanço A../IC.. – T3 tiveram início em agosto de 2010 e terminaram em outubro de 2011.
3. Enquadramento jurídico
3.1. Prescrição do direito indemnizatório dos Autores
Pugnam os recorrentes pela prescrição do direito indemnizatório dos Autores, já que a sentença recorrida julgou verificada a interrupção da prescrição pelo reconhecimento do direito daqueles.
A prescrição é causa extintiva das obrigações civis e reconduz-se ao «instituto por virtude do qual a contra parte pode opor-se ao exercício de um direito quando este se não verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos»[1]. Trata-se, portanto, de sancionar a inércia do titular do direito que não o fez valer em tempo útil, assim tutelando os valores de certeza e segurança das relações jurídicas, consolidadas em prazos razoáveis. No fundo, a negligência do titular do direito em operar a sua concretização faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, falecendo a correspondente protecção jurídica.
O pedido dos Autores centra-se na responsabilidade extracontratual e, por isso, o exercício do direito a indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (artigo 498º/1 do Código Civil).
Os danos invocados pelos Autores decorreram da construção da auto-estrada, cuja obra finalizou em outubro de 2011 (n.º 36 dos factos provados), mas não é certo que os danos se tenham consolidado nessa altura, porque é razoável admitir que a limpeza dos terrenos envolventes e a sua reposição no estado anterior à ocupação ocorra já depois da finalização da construção da auto-estrada. Dum ou doutro modo, a verdade é que que houve várias reuniões e conversações tendentes à resolução dessa problemática e, em 2013, foram executados trabalhos tendentes e resolver o alagamento do terreno dos Autores (n.º 24 dos factos provados).
Parece-nos, tal como considerou a sentença recorrida, que as tentativas de resolução dos danos invocados pelos Autores traduzem o reconhecimento do seu direito à sua reparação.
De facto, «[É] razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso, que a demandar»[2].
O reconhecimento do direito para efeito de interrupção da prescrição não está sujeito a qualquer específico meio de prova, podendo demonstrar-se por qualquer meio (artigo 219º do Código Civil)[3].
O artigo 325º do Código Civil reputa, como facto interruptivo da prescrição, o simples reconhecimento tácito, embora expresse que ele só tem tal efeito quando «resulta de factos que inequivocamente o exprimam». Assim, podemos afirmar que não é qualquer reconhecimento que tem efeito interruptivo, sendo necessário que ele seja feito pelo próprio devedor e perante o credor, a significar que não pode ser feito nem por terceiro nem perante terceiros.
No caso, embora admitamos que possa ter sido a empreiteira a efectuar as tentativas de obras de reparação, reconhecendo os danos existentes no terreno dos Autores pela execução da obra, a verdade é que a concessionária demandada tem a veste de dona da obra para a conceção, projeto, construção, aumento de número de vias, financiamento, conservação e exploração dos lanços da auto-estrada e conjunto viários associados designados por concessão G…, de acordo com o Decreto-Lei nº 392-A/2007, de 27 de dezembro. A concessão mencionada no artigo anterior é atribuída ao agrupamento Z… (artigo 2º) e nas bases do contrato de concessão (Capítulo XIX- 73/74) está definida a responsabilidade extracontratual perante terceiros, seja por culpa seja pelo risco, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, incluindo por prejuízos causados por entidades contratadas, nos termos em que o comitente responde pelos atos do comissário. Donde a sua responsabilidade perante os terceiros lesados pelos danos causados na execução da auto-estrada, sem prejuízo de vir a exercer o correspectivo direito de regresso sobre as empreiteiras que, para o efeito, contratou. Nessa medida, sendo a ré citada em 29/09/2015 e constituindo a citação um facto interruptivo da prescrição (artigo 323º/1 do Código Civil), como o reconhecimento ocorreu no ano de 2013 ainda não tinha transcorrido o prazo prescricional. O que transporta a improcedência da exceção.
3.2. Indemnização
As considerações tecidas enjeitam a posição da ré/recorrente quando pretende declinar a sua responsabilidade pelos danos cuja indemnização aqui vem peticionada. A circunstância da G…, ACE ter assumido contratualmente as obrigações, riscos e responsabilidades que resultam para a concessionária do Contrato de Concessão (cláusula 3.1), designadamente a sua responsabilidade extracontratual perante terceiros, não posterga a sua responsabilidade diretamente estabelecida pelo diploma que regula as bases da concessão. Evidentemente, que a sua responsabilidade direta perante o lesado não afasta o exercício do seu direito de regresso sobre qualquer das entidades contratadas, como a G…, ACE. Todavia, sendo ela a concessionária, responde diretamente perante os aqui Autores. Donde a falência da sua argumentação no sentido de postergar a sua responsabilidade pelos danos que a construção da auto-estrada geram no património dos demandantes.
O proprietário goza dos direitos de uso e fruição da coisa (artigo 1305º do Código Civil), pelo que, impedido de fruir o seu prédio, assiste-lhe o direito a indemnização que repare os prejuízos decorrentes daquela privação. Trata-se de obter da Ré a adoção da conduta necessária ao restabelecimento do direito de propriedade dos Autores, violado em decorrência da sua atuação material, ao invadir, sem título jurídico que a legitimasse e sem consentimento daqueles, o seu prédio.
Consabido que o procedimento expropriativo não atingiu a propriedade da “parcela sobrante”, afetada pelos danos apurados, e que a indemnização por expropriação não integra os prejuízos que têm lugar antes dela e aqueles que são derivados de factos posteriores à expropriação, a fonte de reparação do prejuízo resultante da ocupação temporária de um terreno antes da expropriação, o prejuízo derivado da cessação de uma atividade que teve lugar em momento anterior àquele ato ablatório ou o prejuízo verificado depois do ato expropriativo em virtude da obra situa-se na responsabilidade civil extracontratual[4]. E, na realidade, a pretensão indemnizatória dos Autores é a lesão sofrida no seu direito de propriedade sobre o prédio cuja aptidão agrícola foi suprimida durante e após a execução da construção da auto-estrada. Situação que se enquadra, como decidido pela sentença recorrida, no domínio da responsabilidade extracontratual por facto ilícito (atuaram sem autorização dos Autores – n.º 11 dos factos provados)[5].
Constituem pressupostos da responsabilidade civil extracontratual o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 483º do Código Civil).
Sufragamos o entendimento da sentença recorrida no sentido da verificação de todos esses requisitos, desde o facto voluntário e ilícito, por violar o direito de propriedade dos Autores, sem a sua autorização, gerador de danos que, em termos de causalidade adequada, derivaram daquela conduta culposa, culpa bem delineada na mesma sentença numa argumentação a que aderimos sem mais, por não ter merecido expressiva refutação da parte dos recorrentes.
A recorrente Z… colocou a tónica da sua defesa na inexistência de uma relação de comissão e na inexecução direta de quaisquer trabalhos no terreno dos Autores. Argumentário que tem expressiva rejeição nas bases do contrato de concessão que, como dissemos, lhe assaca a responsabilidade extracontratual perante terceiros, seja por culpa seja pelo risco, por quaisquer prejuízos causados no exercício das atividades que constituem o objecto da concessão, incluindo por prejuízos causados por entidades contratadas, nos termos em que o comitente responde pelos atos do comissário. As posições doutrinárias e jurisprudênciais que cita em abono da sua tese são bem anteriores ao indicado regime.
De resto, o Código das Expropriações[6] estatui que a declaração de utilidade pública da expropriação confere à entidade expropriante o direito de ocupar prédios vizinhos e de neles efetuar os trabalhos necessários ou impostos pela execução destes, nos termos previstos nos estudos ou projectos aprovados, ou daqueles que forem definidos em decisão da entidade que produziu aquele ato, sendo devidas as indemnizações nos termos gerais de direito aos respetivos proprietários e demais interessados (artigo 18º).
Também o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RRCEE)[7], ao definir os pressupostos da indemnização pelo sacrifício, estipula que o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais ou anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado (artigo 16º).
Esta indemnização pelo sacrifício encontra fundamento nos princípios do Estado de
Direito e da igualdade perante os encargos públicos (artigos 2º, 9º e 13º da Constituição da República Portuguesa). Tendo todos os cidadãos a mesma dignidade social e sendo iguais perante a lei, devem ser compensados aqueles que são sacrificados pela realização do interesse público.
A indemnização é calculada pela avaliação concreta do dano de acordo com a teoria da diferença, confrontando-se a situação em que o lesado se encontra com a situação em que se encontraria se não se tivesse verificado a lesão, correspondendo a indemnização à diferença entre as duas situações (artigo 562º do Código Civil e 3º do RRCEE). Logo, nela se enquadra o dano emergente e o lucro cessante, a significar que são compensáveis a perda dos bens ou valores existentes no património do lesado e os benefícios que o mesmo deixou de auferir devido à lesão e tanto relevam os danos já produzidos como os danos futuros, os danos patrimoniais e os não patrimoniais.
A responsabilidade pelo sacrifício é uma responsabilidade por atos lícitos em consequência dos encargos ou danos especiais e anormais causados ao particular por razões de interesse público. E, nesse âmbito, são indemnizáveis os danos que afetem apenas uma ou algumas pessoas e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. É assim que o RRCEE reputa como especiais «os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas», e anormais os que, «ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito» (artigo 2º).
Independentemente da natureza jurídica desta responsabilidade do poder público, a ocupação temporária de terrenos vizinhos não compreendidos no ato de declaração de utilidade pública ou da parte de determinado prédio excluída daquela, seja para estaleiros, depósitos de materiais ou outros trabalhos impostos pela realização de obra pública representa uma restrição à utilização do terreno pelo seu proprietário e, ainda que seja lícita, não pode deixar de ser ressarcida.
Danos esses que, no caso, se reconduzem à feitura das obras definidas pela sentença recorrida, traduzidas na restauração natural da situação anterior à lesão, aqui correspondendo à colocação do terreno dos Autores no estado anterior à lesão, tal como vem pedido e foi sentenciado em primeira instância, restaurando-se in natura o direito de propriedade infringido.
Quanto aos danos emergentes e lucros cessantes derivados da impossibilidade de cultivar o terreno, na ausência de prova dos prejuízos que, em concreto, ocorreram, aderimos à à ulterior liquidação do respetivo valor nos moldes e limites decididos pelo tribunal a quo.
Em suma, os considerandos relatados geram a integral confirmação da sentença apelada.
Regime de custas: decaindo na apelação, são as respetivas custas suportadas pelos recorrentes na proporção de 1/3 para cada um (artigo 527º do CPC).
V. Dispositivo
Ante o exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes na proporção de 1/3 para cada um.
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Porto, 15 de novembro de 2018.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10ª ed., págs. 1120/1121.
[2] Vaz Serra, Prescrição extintiva e Caducidade, in Separata do BMJ, Lisboa, 1961, pág. 429.
[3] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, pág. 462
[4] Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, pág. 128.
[5] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 07/10/2002, processo 0250857.
[6] Aprovado pela Lei n.º 168/1999, de 18 de setembro.
[7] Aprovado pela Lei 67/2007, de 31 de dezembro.