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PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
CIRE
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
CREDORES
CODEVEDORES
TERCEIROS GARANTES
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário
I - São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a “sumario cognitio”. E o seu objectivo essencial é obviar ao “periculum in mora”. II - Com a providência cautelar pretende-se evitar a “lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito” que pode advir da demora da tutela definitiva da sua situação jurídica. III - O n.º 4 do artigo 217.º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, ao Processo Especial de Revitalização (PER), por interpretação extensiva. IV - Aprovado e homologado por decisão judicial, em processo especial de revitalização instaurado pelo devedor, plano consagrando medidas com vista à recuperação do mesmo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo deles exigir tudo aquilo por que respondem e no domínio de responsabilidade originária. V - Tal interpretação não sofre de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
Texto Integral
Processo n.º 16211/18.0T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – J1
Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO.
1. B..., S.A. e C..., S.A. instauraram Procedimento Cautelar Comum Não Especificado contra D..., SA, Sucursal em Portugal, requerendo que a Requerida seja intimada a se abster de qualquer utilização do título – escritura pública de Contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca - que tem em seu poder, designadamente, não o dando à execução em acção executiva a instaurar contra as Requerentes, e, bem assim, a conservar em sua posse exclusiva essa escritura pública, ficando inibida de transmitir ou ceder a terceiros, seja a que título e por que modo for, as garantias nele constituídas pelas Requerentes, até que seja proferida decisão definitiva na acção principal que as Requerentes vão propor para verem judicialmente declarado o seu direito.
Alega, para tanto, que:
- Requerentes e requerida outorgaram o contrato a que se refere o artigo 2..º do requerimento inicial, mediante o qual esta concedeu à E..., SA, o financiamento da quantia de € 1.235.000,00, e aquelas surgem como garantes no que ao contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca e Consignação de Rendimentos diz respeito;
- A “E...” instaurou um PER em 30.05.2017, tendo o plano sido aprovado pelos credores e homologado por decisão judicial transitada em julgado;
- Relativamente ao contrato supra referido, ficou estabelecido que o crédito se cifrava em € 735.170, 32 e tinha a natureza de crédito comum;
- Este crédito comum de € 735.170,32 da Requerida sobre a Devedora E... ficou sujeito e vinculado aos exactos e estritos termos e condições estabelecidos no Plano de Recuperação;
- A partir da data do trânsito em julgado da sentença que homologou o Plano de Recuperação da E..., em 07.06.2018, a Requerida vem pretendendo, e ainda continua a pretender, e exigindo das Requerentes, que lhes paguem a dívida referente ao Contrato que acima se identificou, pretendendo – a Requerida – haver delas – Requerentes – o pagamento da quantia de € 735.170,32, acrescida de juros e demais despesas e encargos, que contabiliza, até 06.07.2018, em € 56.072,09, tudo no valor global de € 791.242,41, tendo feito expressa e formal interpelação das Requerentes para esse pagamento, através de cartas registadas, com aviso de recepção, uma datada de 22 de Junho de 2018, que a 1.ª Requerente recepcionou em 28.06.2018, e a outra datada de 2 de Julho de 2018, e ainda uma outra que a 2.ª Requerente recepcionou em 10 de Julho de 2018, referindo mesmo a Requerida nessas interpelações que iria lançar mão do recurso à via judicial caso as Requerentes lhe não pagassem a quantia reclamada até 06.07.2018, prazo depois prorrogado por mais uma semana, porventura dando à execução como alegado título a citada escritura pública que tem em seu poder;
- Só em execução instaurada contra a Devedora E... (e não pode nem há motivos para ser instaurada) é que poderiam ser nomeados à penhora os bens dados em garantia pelas Requerentes, e, mesmo assim, com uma dúplice condição: que o património daquela Devedora não fosse suficiente e bastante para cumprir a obrigação principal e que essas garantias (as dadas pelas Requerentes) não devessem considerar-se extintas considerando o princípio da acessoriedade da garantia em causa;
- A alteração da obrigação resultante do Plano aprovado é ineficaz para as garantes, no sentido de que estes não são obrigados a manter as garantias para a nova obrigação, ou obrigação modificada, e subordinada aos termos e condições em que foi modificada, tanto mais que o prazo de manutenção das garantias aumentou sete vezes, o que é manifestamente ilegal por irrazoável e intolerável e gera e determina a extinção de todas as garantias prestadas pela Requerentes;
- Acresce que as circunstâncias em que as Requerentes fundaram a sua decisão de constituir as citadas garantias – a “base do negócio” – sofreram uma alteração anormal, resultante da modificação da dívida da E... para com a Requerida nos termos e condições operados pelo Plano de Recuperação, o que confere às Requerentes o direito de resolverem o contrato, no caso específico da constituição das garantias que prestaram, por alteração anormal de circunstâncias;
- Mesmo que se entenda que, não obstante a modificação da obrigação garantida pelas hipotecas e consignação de rendimentos nos termos que resultam do PER, a requerida está legitimada a reclamar e a exigir das Requerentes, como garantes, o cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato de Abertura de Crédito celebrado entre a Requerida e a E..., a Requerida não pode reclamar e exigir a quantia de 791.242,41, como reclamou e exigiu, mas o montante de € 367.585,16, a pagar nos prazos e formas previstas no Plano de Recuperação da E..., e que as fracções autónomas identificadas no artigo 120.º do requerimento inicial são suficientes para garantirem o bom e pontual cumprimento dessa obrigação;
- Inexiste incumprimento da obrigação por parte da E... e exigibilidade do pagamento da dívida, pois não há incumprimento da E... dos termos e condições do pagamento da dívida, montante, prazos e formas, tal como estão previstas no PER;
- Relativamente ao requisito da justo receio de lesão grave e dificilmente reparável invocaram as requerentes, em súmula, não disporem de meios financeiros para prestar caução de modo a suspender a execução que se pretende travar.
Citada a Requerida, deduziu ela oposição, alegando que o crédito em discussão nas relações entre requerida e requerentes não sofreu qualquer alteração, face ao teor do artigo 217.º, n.º 4 do CIRE, aplicável por força do estatuído no artigo 17.º-A, n.º 3, do mesmo diploma legal.
Invoca ainda a existência de abuso de direito por parte das requerentes quando se referem à alteração superveniente das circunstâncias do contrato face ao teor da redacção do contrato nessa matéria, o qual prevê que “(...) a hipoteca é feita por tempo indeterminado, e subsistirá enquanto se mantiverem quaisquer das responsabilidades que assegura”.
Por fim, suscita o incidente de litigância de má-fé por parte das requerentes pela dedução de pretensão cuja falta de fundamento dolosamente não ignoram, nos termos do artigo 543.º do C.P.C., pedindo a condenação das Requerentes em “indemnização condigna”.
Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar instaurada pelas requerentes, bem como o pedido de condenação por litigância de má fé contra elas formulado.
2. Não se conformando com o decidido, interpuseram as Requerentes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: 1ª – Vem o presente Recurso interposto da douta sentença da 1ª Instância que julgou improcedente o Procedimento Cautelar Comum Não Especificado deduzido pelas Requerentes, aqui Apelantes. 2ª - Na audiência final, ambas as Partes convieram que não havia matéria de facto controvertida, pelo que a Meritíssima Sra. Dra. Juíza a quo considerou, e bem, que a matéria de facto alegada no RI ficou assente por acordo das partes. 3ª – A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, no sentido da sua ampliação, por forma a nela ser incluída como provada a factualidade constante dos artºs 14º, parte final, 31º, 43º, 44º, 73º, 74º, 75º, 89º a 93º, 96º, 98º a 100º, 129º, 138º, 149º a 153º e 180º a 186º do RI. 4ª - Do processo constam todos os meios de prova – documentos de fls. 28 a 83 e 89 a 134 e acta da audiência final de 17.08.2018 que antecede a sentença recorrida da qual consta o acordo das partes quanto a considerarem incontrovertida e provada toda a matéria de facto vertida no RI – que impõem que esses factos sejam integrados na matéria de facto provada. 5ª - A sentença incorre num insanável salto ilógico, porque, se, de uma banda, considera “que o beneficiário de uma hipoteca constituída a favor de terceiro só pode accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor”, e se, de outra banda, não foi demonstrado esse incumprimento, não se pode concluir pela improcedência do requerido pelas Apelantes. 6ª - A sentença recorrida decidiu com apoio em posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais publicadas sem que haja feito a devida exegese jurídica e necessária tarefa de hermenêutica da norma do nº 4 do artº 217 do CIRE. 7ª - Se esse trabalho de busca de uma interpretação crítica, detalhada e rigorosa tivesse sido feita, facilmente se verificaria que nenhuma, mas nenhuma, das situações tratadas nas posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais citadas tem identidade com a que é objecto do presente procedimento cautelar. 8ª - Cremos até que a Meritíssima Sra. Dra. Juíza a quo terá deixado escapar uma excelente oportunidade para, independentemente de qual viesse a ser o sentido da sua decisão, aportar um contributo e deixar jurisprudência sobre esta questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é (no caso, teria sido) claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito. 9ª - Da busca jurisprudencial feita, e estamos convictos de ter sido rigorosa e profunda, não foi encontrado nenhum caso idêntico ao sub judice; e a única, mesmo a única, referência relevante encontrada a propósito foi no Acórdão da Relação de Guimarães, de 15.09.2016, Proc. 307/15.2T8PRG.G1, de resto num caso de prestação de aval em dívida bancária, que elabora no seguinte argumento: “No que diz respeito à garantia real de hipoteca de terceiros dada ao crédito da apelante, há que ter em conta que este crédito é sobre a revitalizante e não sobre os terceiros garantes. Estes, por força da garantia, apenas garantem o crédito que existir.pt/jtrg aquando do incumprimento. E só pode ser executado quando houver incumprimento da revitalizante. É uma situação diferente das garantias pessoais emergente das relações cartulares como os avais prestados. (in, www.dgsi.pt/jtrg.nsf). 10ª - Constitui questão nuclear no caso em apreço saber se, mesmo para quem sustente que o nº 4 do arto 217º do CIRE se aplica ao PER, essa aplicação é para todos os “codevedores ou terceiros garantes da obrigação” ou se estão fora do seu âmbito de previsão e de aplicação os terceiros meros garantes da obrigação (do devedor) principal que não assumiram qualquer responsabilidade ou pessoal ou solidária ou autónoma e independente do cumprimento dessa obrigação. 11ª - A Meritíssima Sra. Dra. Juíza a quo, em abono da decisão que acabou por tomar, cita doutrina e jurisprudência que nada tem a ver com esta questão, e, por isso, salvo o respeito devido, falha o alvo. 12ª - Todas as posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais citadas na sentença recorrida (e também na Oposição) em abono da decisão que tomou, mas em todas, é sustentada a aplicação da citada norma – 217º, nº 4, do CIRE – em situações ou casos em que os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, em paralelo ou “ao lado” do devedor principal, também se obrigaram ao cumprimento da obrigação principal, a título ou pessoal ou solidário ou autónomo e independente. 13ª - Na esmagadora maioria desses casos jurisprudenciais citados o que está em causa são obrigações decorrentes de aval prestado pelos terceiros garantes da obrigação, com assinatura de fianças em branco e pactos de preenchimento à mistura, ou fianças com renúncia ao benefício da excussão prévia. 14ª - Quer no aval quer na fiança com renúncia ao benefício da excussão prévia está subjacente uma obrigação autónoma e independente do avalista ou do prestador da fiança em relação á obrigação principal, de tal sorte que se o devedor principal não cumprir o credor pode exigir desses garantes o cumprimento da obrigação, posto que eles se vincularam ao dever de cumprimento da obrigação principal com carácter de autonomia e independência do devedor principal. 15ª - No caso sub judice, não é disso que se trata, aqui não está em causa a assumpção por parte das Apelantes de uma obrigação autónoma e independente, a que, aliás, se nunca se vincularam. 16ª - As Apelantes limitaram-se a constituir hipoteca e consignação de rendimentos voluntárias em garantia do cumprimento do financiamento concedido pela Apelada à E..., SA, mas essas garantias são intrínsecas, dependentes e acessórias da obrigação principal ou originária a que servem de garantia. 17ª - A hipoteca e a consignação de rendimentos, que são conceptualmente garantias especiais das obrigações (cfr. Secção III e Secção V do Capítulo VI do Título I do Livro II do Código Civil), têm por função garantir o cumprimento de obrigações, não constituindo nem consubstanciando, de per se, uma obrigação principal, sendo antes dependentes e acessórias desta, enquanto expressão e emanação do princípio básico da acessoriedade da garantia. 18ª - Os terceiros garantes que, tal como as Apelantes, constituem hipoteca e consignação de rendimentos para garantia de obrigações, não são responsáveis independente e autonomamente pelo cumprimento da obrigação a que servem de garantia, nem como devedores pessoais, nem como devedores solidários, nem como avalistas, nem como fiadores, nem sequer a qualquer outro título. 19ª - Extinta, total ou parcialmente, a obrigação a que serve de garantia (obrigação principal ou originária), a hipoteca igualmente se extingue (cfr. artº 730º, a), do Código Civil), igual regime se aplicando à consignação de rendimentos (cfr. artº 730º, a), aplicável ex vi artº 664º, ambos do Código Civil). 20ª - Em nenhuma das posições doutrinárias e arestos jurisprudenciais citados na sentença recorrida (e na Oposição) é tratada uma situação ou caso de garantia dependente e acessória da obrigação principal, nem em nenhuma delas se diz que o nº 4 do artº 217º do CIRE comporta uma derrogação do princípio da acessoriedade da garantia. 21ª - O entendimento sufragado nessas posições doutrinárias e arestos jurisprudenciais citados na sentença recorrida é o de que nos casos de insolvência (ou de PER para quem entenda nele aplicável a norma em causa) do devedor principal “As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação” (artº 217º, nº 4, do CIRE) porque estes se vincularam, e estão vinculados, a uma obrigação autónoma e independente da obrigação principal. 22ª - As Apelantes, mesmo na interpretação sufragada pelo tribunal, que se não aceita, sempre teriam de responder “no regime de responsabilidade originário” ou “nos termos em que anteriormente o credor delas podia exigir a execução das garantias”. 23ª - O regime de responsabilidade originário (e único) das Apelantes para com a Apelada é o que decorre da prestação de meras garantias de hipoteca e consignação de rendimentos, de natureza dependente e acessória da obrigação da devedora principal, cujo escopo é, no dizer do próprio tribunal: “A função da garantia é, pois, a de estar ao serviço do crédito, é acessória dele e só existe na medida em que existir a obrigação garantida, extinguindo-se com esta: artº 730 al. a) do CPC.”. 24ª - As Apelantes não assumiram para com a Apelada qualquer responsabilidade pessoal ou solidária ou autónoma da obrigação do devedor principal que a legitime a delas reclamar e exigir o cumprimento da obrigação principal! 25ª - A norma do nº 4 do artº 217º do CIRE não comporta no seu campo de previsão e de aplicação os terceiros garantes que hajam prestado garantias dependentes e acessórias da obrigação do devedor principal, aplicando-se apenas às situações e casos de vinculação e assumpção pelos terceiros garantes de responsabilidade ou pessoal, ou solidária ou autónoma e independente pelo cumprimento da obrigação do devedor principal. 26ª - A norma do nº 4 do artº 217º do CIRE não é aplicável ao PER, já que, nos termos do arto 17º-A, nº 3, do CIRE apenas são aplicáveis ao PER as regras previstas no código que não sejam incompatíveis com a sua natureza. 27ª - O artº 217º, nº 4, é incompatível com a natureza do PER, porquanto essa norma se refere a plano de recuperação de entidade declarada insolvente e, nesse caso, com a insolvência é declarado o incumprimento do devedor com vencimento das suas obrigações; ao invés, no PER não há incumprimento do devedor! 28ª - O legislador no nº 7 do artº 17º-F do CIRE não faz remissão para o artº 217º, quando o faz expressamente para outros artºs, designadamente, para os 215º e 216º e nº 1 do artº 218º, isto é, salta por cima do artº 217º. 29ª - É numa norma específica, no caso o nº 12 do artº 17º-F do CIRE, que o legislador dispõe que: “É aplicável ao plano de recuperação o disposto no nº 1 do artigo 218º.” 30ª - Se a aplicação do artº 217º ao PER estivesse no pensamento do legislador ao criar a citada norma do nº 7 do artº 17º-F do CIRE, seria muito fácil que tivesse agregado o nº 1 do artº 218º aos artºs 215º, 216º, com o segmento “..., e nos artigos 200º a 202º e 215º a 218º”, o que não fez. 31ª - É apenas com recurso a uma interpretação extensiva que a decisão recorrida aplica a norma do nº 4 do artº 217º do CIRE ao PER, o que é evidenciador que o legislador não abrangeu no campo de previsão da norma a sua aplicação ao PER. 32ª - Ainda o artº 217º, nº 4, apenas se refere a codevedores ou terceiros solidários, referindo-se a acção de regresso. Acontece que no caso de terceiros não solidários que cumpram a obrigação, não há direito de regresso, mas sub-rogação. 33ª - Dada a similutude de regimes, será antes aplicável ao PER o disposto nos artigos 11º, n2 e 19º,nº 7 da Lei 8/2018 (RERE), que estabelecem, aprovado que seja o Plano de Recuperação, por um lado extinção das execuções movidas contra o devedor e os seus garantes e, por outro, que a redução da obrigação do devedor acarreta a redução das garantias, normas que revestem verdadeira natureza interpretativa - ver PARECER do Professor Doutor Manuel António Carneiro da Frada junto aos autos. 34ª - Seria, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade que, relativamente ao mesmo Crédito, a Requerida pudesse ser paga pela sua totalidade e as Requerentes, sub-rogadas no direito desse Crédito apenas pudesse ser paga em função dos montantes e prazos aprovados no Plano de Recuperação no âmbito do PER, em flagrante e clara violação do arto 13º da Constituição da República Portuguesa. 35ª - Está assente que a E... não foi declarada em incumprimento do Plano de Recuperação e que a Apelada, não obstante não existir incumprimento, está a exigir das Apelantes o pagamento integral da dívida de € 735.170,32, acrescida de despesas, ameaçando recorrer aos tribunais, 36ª - Assente também que de uma execução a propor pela Apelada contra as Apelantes com base no contrato de financiamento concedido à E..., penhora e venda das fracções, decorrerão prejuízos incalculáveis, que colocam em risco a própria viabilidade e sustentabilidade económica-financeira das Requerentes, factualidade que está assente (cfr. matéria de facto provada – artºs 170º a 176º do RI). 37ª - Estão reunidos todos os requisitos, factuais e legais, elencados na sentença para que seja decretada a providência cautelar pretendida pelas Apelantes, em concreto, i) a probabilidade séria da existência do direito invocado pelas Apelantes, ii) o fundado receio de que a Apelada cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito das Apelantes, iii) a adequação da providência a assegurar, em concreto, a efectividade do direito ameaçado (ou, no dizer da sentença, à remoção da situação de lesão iminente), mas também, a iv) insusceptibilidade desta providência implicar um prejuízo superior ao dano que com ela se pretende evitar (que a Apelada nem sequer invocou) e, v) a inaplicabilidade de qualquer dos procedimentos cautelares típicos. 38ª - O presente procedimento cautelar comum não especificado não comporta qualquer violação, na vertente da sua restrição, aos princípios do acesso ao direito e aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artº 20º da CRP. TERMOS EM QUE admitido o recurso, deve ser dado provimento à presente Apelação, revogando-se a douta sentença recorrida, e substituindo-a por outra que julgue procedente, por provado, o Procedimento Cautelar Comum Não Especificado deduzido pelas Requerentes, aqui Apelantes, com as legais consequências.
A apelada apresentou contra-alegações, nelas pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
a) Se deve ser ampliada a matéria de facto;
b) Se ocorre vício que afecte a sentença;
c) Verificação dos pressupostos necessários ao decretamento da providência requerida.
d) Aplicabilidade do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE ao PER.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados indiciariamente provados em primeira instância:
- 1.º a 6.º, 8.º a 10.º, 12.º, 15.º a 28.º (parte final), 30.º, 32.º, 36.º a 40.º, 170.º a 176.º do requerimento inicial.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Pretendem as recorrentes que à matéria de facto provada seja aditada a factualidade constante dos artigos 14º, parte final, 31º, 43º, 44º, 73º, 74º, 75º, 89º a 93º, 96º, 98º a 100º, 129º, 138º, 149º a 153º e 180º a 186º do requerimento inicial.
Argumentam, para tanto, que ambas as partes convieram que não havia matéria controvertida, pelo, em virtude dessa posição por elas expressa, a Sr.ª Juiz considerou que a matéria alegada naquele articulado se achava assente por acordo.
Como resulta da acta de fls. 220 a 223, declarou a requerida no início da audiência concordar “que não há matéria factual controvertida”, sugerindo, em virtude disso, a não produção da prova testemunhal, no que concordaram as requerentes, manifestando igualmente a desnecessidade de inquirição das testemunhas, “uma vez que a requerida aceita a matéria de facto vertida no R.I.”, prescindindo das declarações de parte, ao que a requerida informou que, “em função dos factos dados como assentes”, prescindia da testemunha arrolada.
Do manifestado pelas partes em audiência resulta, assim, evidenciado terem as mesmas acordado quanto à fixação da matéria de facto, acordo que foi considerado pela Sr.ª Juiz, dando por assente, com base nele [mas também com base nos documentos que identifica], a matéria que transpôs para os factos provados elencados na sentença.
Da circunstância de terem as partes fixado por acordo a matéria de facto, declarando a requerida não existir matéria factual controvertida, com tal afirmação aceitando os factos alegados pelas requerentes no requerimento inicial, não resulta que devesse o tribunal, com base nesse acordo, considerar assente todos aqueles factos.
Sempre teria, com efeito, de selecionar apenas os relevantes ao conhecimento do objecto da causa, ignorando os demais, que não revelassem tal relevância.
E, de entre o alegado pelas requerentes, sempre teria de desconsiderar as afirmações conclusivas ou valorativas, os juízos interpretativos, extirpando dos factos a matéria de direito, evitando, em todo o caso, formulações repetidas.
Vejamos, então, se, tal como reclamam as recorrentes, deve proceder-se à ampliação da matéria de facto, adicionando-se aos factos provados os por ela indicados em sede de alegações de recurso:
- o artigo 31.º constitui repetição do alegado no artigo 30.º, matéria considerada provada, além de, na última parte, conter afirmação conclusiva;
- os artigos 43.º, 44.º, 73.º, 74.º, 75.º, 89.º a 93.º, 138.º encerram em si afirmações conclusivas e/ou juízos valorativos
- os artigos 149.º a 153.º constituem repetição do alegado, designadamente, nos artigos 38.º, 39.º e 40.º, matéria dada como assente;
- a demais matéria é irrelevante para a apreciação do que se discute na providência cautelar.
Justifica-se, no entanto, o aditamento de parte do artigo 14.º do requerimento inicial de forma a permitir ligação à matéria constante do artigo 15.º, dada como provada, sem o qual seria impossível alcançar o significado do que neste consta.
Assim, à excepção desse aditamento, não existe fundamento para proceder à ampliação da matéria de facto, incluindo nos factos provados a matéria indicada pelas recorrentes.
Deste modo, são os seguintes os factos provados (indicados por referência ao número pelo qual se apresentam no articulado do requerimento inicial):
1.º - A aqui Requerida é uma entidade que resulta da cisão da sociedade de Direito Espanhol “F...” (que, por sua vez, resultou da fusão entre as sociedades de Direito Espanhol “G...” com a “F...” (“F1...”) e lhes sucedeu em todos os direitos e obrigações, com a constituição do H..., S.A. (conforme certidão permanente com o código de acesso ....-....-....).
2.º No exercício da sua actividade de comércio bancário, enquanto instituição bancária, a ora Requerida (como se disse, anteriormente denominada H..., S.A.), em 15.02.2013, conjuntamente com a sociedade “E..., SA” (doravante, E...), NIPC ........., e as aqui Requerentes B... e C..., celebraram, através de escritura pública, outorgada no cartório Notarial da Dra. I..., Notária e oficial público, no Porto, um Contrato de Abertura de Crédito (doravante, abreviadamente, o Contrato),
3.º - mediante o qual a Requerida concedeu à dita E... um financiamento, sob a forma de Abertura de Crédito, no montante de € 1.235.000,00 (um milhão, duzentos e trinta e cinco mil euros),
4º - financiamento esse destinado a apoio de tesouraria daquela E...,
5.º - que – a E... – assumiu a posição de “CREDITADA” no Contrato,
6.º - ficando o financiamento a reger-se pelos termos, cláusulas e condições constantes do Contrato, que constitui o Documento Complementar número Um da citada escritura pública, elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64.º do Código do Notariado, o qual ficou a fazer parte integrante daquele acto notarial,
8.º - Do mencionado Contrato, que constitui o Documento Complementar número Um da citada escritura pública, resulta, embora sinteticamente, que os montantes mobilizados pela Requerida a favor da “CREDITADA”, a E..., seriam reembolsados em 34 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a 1.ª em 30.03.2013 e a 34.ª em 31.12.2015 (ver sua Cláusula 4.ª), com juros à Taxa Euribor a 12 meses, acrescida de um spread de 3,35%, correspondente, à data do Contrato, a uma TAE de 5,483% (ver sua Cláusula 5.ª),
9.º e que, em caso de mora no cumprimento das prestações de reembolso nas datas acordadas, acresceria a taxa nominal de juros contratada uma sobretaxa de 4% ou outra mais alta, desde que fosse legal ou regulamentarmente estabelecida, incidente sobre o capital vencido em dívida pelo período em que perdurasse a mora (ver sua cit. Cláusula 5.ª).
10.º Com relevo, resulta também do mencionado Contrato, que constitui o Documento Complementar número Um da citada escritura pública que a aqui 1.ª Requerente B..., para garantia do bom e pontual cumprimento das condições contratualizadas pela “CREDITADA” e devedora nesse Contrato – ou seja, reembolso do capital, juros remuneratórios que, unicamente para efeitos de registo foram fixados em dez pontos percentuais, acrescidos de quatro pontos percentuais, em caso de mora, a título de cláusula penal, relativos a três anos, e as despesas judiciais e extra-judiciais que resultem da execução do Contrato, que, apenas para efeitos de registo, foram fixados em € 49.400,00, sendo o montante máximo de capital e acessórios de € 1.803.100,00 (um milhão, oitocentos e três mil e cem euros) – constituiu hipoteca e consignação de rendimentos voluntárias a favor da aqui Requerida sobre os seguintes imóveis identificados no Documento Complementar número Dois da citada escritura pública, elaborado nos termos do n.º 2 do art.º 64.º do Código do Notariado, o qual ficou a fazer parte integrante desse acto notarial:
- Fracções autónomas designadas pelas letras A, B, Q, R, S, T, U, V, X, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AL, AM, AN, AO, AP e AQ, que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., n.ºs .../..., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo matricial 6.290, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número “duzentos e sessenta e dois (262) – ...”, em regime de propriedade horizontal conforme inscrição “ap. um de vinte e um de Fevereiro de dois mil e três”, e definitivamente registadas a favor de B..., S.A.”, aqui 1.ª Requerente, pela inscrição “ap. vinte e nove, de vinte e um de fevereiro de dois mil e três”;
- Fracções autónomas designadas pelas letras RF, RG, RH, RI, RJ, RK, RL, RM, RN, RO, RP, RQ, RR, RS, RT, RU, RV, RW, RX, RY, RZ, SA, SB, SC, SD, SE, SF, SP, SQ, SR, SS, ST, SU, SV, SW, SX, SY, SZ, TA, TB, TC, TD, TE, TF, TG, TH, TI, TJ, TK, TL, TM, TN, TO, TP, TQ, TR, TS, TT, TU, VT, VU, VV, WA, WB, WC, WD, WE, WF, WG, WH, WI, WJ, WK, WL, WM, WN, WO, WQ, WR, WS, XJ, XK, XL, XM, XN, XO, XP, XQ, XR, XS, XT, XU, XV, XW, XX, XY, XZ, YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH, YI, YJ, YK, YL, YM, YN, YO, YP, YQ, YR, YS, YT, YU, ZL, ZM, ZN e ZO, que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no ..., n.ºs .../..., ..., nºs ., ., Rua ..., nos .../..., Rua ..., nos ../.., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo matricial 11.317, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número “oitocentos e oito (808) – ...”, em regime de propriedade horizontal conforme inscrição “ap. sete, de três de Agosto de mil novecentos e noventa e quatro, e sua alteração pela inscrição “ap. quatro, de dezoito de maio de mil novecentos e noventa e oito”, e definitivamente registadas a favor de B..., S.A.”, aqui Autora, pela inscrição “ap. um, de vinte de março de mil novecentos e oitenta e um” (cfr. cit. Doc. 1).
12.º Resulta ainda do mencionado Contrato, que constitui o Documento Complementar número Um da citada escritura pública, que a aqui 2ª Requerente C..., para garantia do bom e pontual cumprimento das condições contratualizadas pela “CREDITADA” e devedora nesse Contrato – ou seja, reembolso do capital, juros remuneratórios que, unicamente para efeitos de registo foram fixados em dez pontos percentuais, acrescidos de quatro pontos percentuais, em caso de mora, a título de cláusula penal, relativos a três anos, e as despesas judiciais e extra-judiciais que resultem da execução do Contrato, que, apenas para efeitos de registo, foram fixados em € 49.400,00, sendo o montante máximo de capital e acessórios de € 1.803.100,00 (um milhão, oitocentos e três mil e cem euros) – constituiu hipoteca e consignação de rendimentos voluntárias a favor da aqui Requerida sobre os seguintes imóveis identificados no Documento Complementar número Três da citada escritura pública, elaborado nos termos do nº 2 do artº 64º do Código do Notariado, o qual ficou a fazer parte integrante desse acto notarial:- Fracções autónomas designadas pelas letras EI, EJ, EK, EL, EM, EN, EO, EP, EQ, ER, FY, FZ, GQ, GR, GS, GT, GU, GV, definitivamente registadas a favor de C..., SA”, aqui Autora, pela inscrição “ap. vinte e quatro, de nove de março de dois mil”;
- Fracções autónomas designadas pelas letras IY, IZ, JA, JB, definitivamente registadas a favor de C..., SA”, aqui Autora, pela inscrição “ap. vinte e um, de nove de março de dois mil”;
- Fracções autónomas designadas pelas letras JY, JZ, KA, KB, KC, KD, KE, KF, KG, KH, KI, KJ, QJ, QK, QL, QM, QN e QO, definitivamente registadas a favor de C..., SA”, aqui 2ª Requerente, pela inscrição “ap. vinte e quatro, de nove de março de dois mil”, todas as fracções fazendo parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no ..., nos .../..., ..., nºs ., ., Rua ..., nos .../..., Rua ..., nos ../.., da freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o artigo matricial 11.317, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número “oitocentos e oito (808) – ...”, em regime de propriedade horizontal conforme inscrição “ap. sete, de três de Agosto de mil novecentos e noventa e quatro, e sua alteração pela inscrição “ap. quatro, de dezoito de maio de mil novecentos e noventa e oito”, e definitivamente registadas a favor de C..., SA, aqui 2a Requerente, pela inscrição “ap. vinte e quatro, de nove de março de dois mil” (cfr. cit. Doc. 1). 14.º A E... foi satisfazendo esse serviço de dívida,
15.º - isto pelo menos até à data em que, em 30.05.2017, instaurou – a E... – Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, que correu, e ainda pende, seus termos sob Proc. nº 4689/17.3T8VNG, tudo ao abrigo dos arts. 17º-A e segs. do CIRE.
16º - No âmbito desse PER e no desenvolvimento da sua normal tramitação processual, a E... veio a apresentar uma primeira versão de um Plano de Recuperação, e mais, tarde, concretamente em 27.11.2017, apresentou a versão definitiva desse Plano de Recuperação, com vista à sua revitalização (cfr. Doc. 2).
17º Prosseguindo o PER os seus ulteriores termos, o Plano de Recuperação foi submetido a Votação pelos Credores da Devedora – a E... – tendo sido expressamente emitidas declarações de voto que representavam 95,63853% do Total de Créditos com Direito de Voto,
18º sendo que, desse Total de Créditos com Direito de Voto, o Plano de Recuperação da E... mereceu aprovação favorável de Credores representando 79,54607% dos Votos,
19º na sequência do que, por Decisão da Meritíssima Sra. Dra. Juíza titular do processo, proferida em 12.02.2018, nos termos dos artºs 17º-F, nºs 5 e 7, do CIRE, o Plano de Recuperação apresentado pela Devedora E..., SA e aprovado pelos Credores foi homologado, com vista à sua revitalização,
20º decisão que passou a ser vinculativa para todos os Credores, mesmo para os que não tivessem participado nas negociações, tal como consta de tal Decisão (cfr. Doc. 3).
21º Sofrendo algumas vicissitudes processuais, concretamente um recurso interposto pela aqui Requerida da sentença que homologou o Plano de Recuperação da E..., do qual entretanto veio a apresentar desistência, aquela decisão judicial transitou em julgado, tal como consta do douto Despacho proferido pela Meritíssima Sra. Dra. Juíza titular do processo, proferido em 14.06.2018 (Cfr. Doc. 4).
22º A aqui Requerida foi justamente um dos inúmeros Credores da E... que foi ao PER apresentar Reclamação de Créditos, que fez em 21.06.2017 (Cfr. Doc. 5).
23º tendo a Requerida reclamado um conjunto de créditos emergentes de diversas operações de crédito e/ou financiamento concedidos à Devedora – a E... – os quais ascendiam ao montante global de € 9.411.939,22.
24º Na lista de Créditos desse PER elaborada pelo Administrador Judicial Provisório (o AJP), os créditos da Requerida foram reconhecidos, uns deles na classe de créditos garantidos e outros na classe de créditos comuns,
25º sendo que os créditos admitidos como garantidos pelo AJP foram assim considerados em função de beneficiarem de garantias reais sobre bens integrantes do património da requerente,
26º enquanto que os créditos admitidos como comuns pelo AJP foram assim considerados em função ou de não beneficiarem de garantias reais sobre bens integrantes do património da requerente, ou de beneficiarem de garantias prestadas por terceiros, como foi o caso das garantias prestadas pelas aqui Requerentes.
27º O reconhecimento que foi feito dos créditos da Requerida e nos exactos termos e condições em que foram feitos e que acima se deixou explicitado, assim foi considerado na lista definitiva de créditos submetida à aprovação pelos Credores e votada nos termos que também acima se deixaram relatados (Cfr. Doc. 6, que vai constituído por apenas 4 folhas, relativas às primeira e última folha do requerimento em causa e à folha de onde consta o crédito da Requerida, mas que se juntará na integralidade das suas 56 folhas, caso V. Exa. assim o determine por útil e conveniente).
28º Às datas em que a E... instaurou o PER e a Requerida apresentou a sua Reclamação de Créditos, os créditos e demais responsabilidades emergentes deste concreto financiamento cifravam-se em € 735.170,32.
30.º O AJP, efectivamente, reconheceu este Crédito na lista definitiva de Créditos, justamente pelo valor de € 735.170,32, com a natureza de Crédito comum (isto é, não garantido), dado que o mesmo não beneficiava, como não beneficiava nem beneficia, de garantias reais sobre bens integrantes do património da requerente e devedora.
32º concretamente ao previsto no Ponto 1. – Dívidas a Instituições de Crédito – da alínea F. – CRÉDITOS COMUNS – do Capítulo V. – MEDIDAS PROPOSTAS – do Plano de Recuperação, e mais especificamente ao Subponto 1.1. – Regras Gerais, isto é:
1.1- Regras gerais:
No que respeita às dívidas a Instituições de Crédito, que não beneficiem de garantia, propõe- se o seguinte:
a) Capitalização de juros vencidos e corridos e outros encargos contados até à Data de Submissão a PER;
b) Perdão de juros, comissões e custos corridos desde a Data de Submissão a PER até ao trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano, e juros de mora e outras penalizações;
c) Perdão de 50% do total da dívida, calculado em conformidade com as alíneas a) e b).
d) Montante correspondente a 35% do total da dívida calculada em conformidade com as alíneas a) e b) supra (Dívida Sénior), será pago do seguinte modo:
i. Maturidade de 18 anos, contados a partir da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano;
ii. Carência de reembolso de capital de 5 anos, contados a partir da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano;
iii. Reembolso de capital em 13 prestações anuais e progressivas como se detalha:
. 1.ª a 5.ª prestações: 1,5% do capital inicial cada:
. 6.ª prestação: 7,5% do capital inicial;
·. 7.ª prestação: 10,0% do capital inicial;
. 8.ª a 10.ª prestações: 12,0% do capital Inicial cada; e
. 11.ª a 13.ª prestações: 13,0% do capital inicial cada.
iv. Pagamento de juros semestrais e postecipados;
v. Spread: 1.0%;
vi. Indexante: Euribor a 12 meses, com um mínimo de zero, no caso da dívida denominada em Eur ou USD e Libor a 12 meses para a dívida denominada em AOA ou MZN;
e) Montante correspondente a 15% da dívida, calculada em conformidade com as alíneas a) e b) supra, (doravante designada apenas por “Dívida Júnior”), será pago numa prestação única no final do 18.º ano contado a partir da data de trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano. Ao pagamento da Dívida Júnior aplicam-se as seguintes regras:
i. A Dívida Júnior não vence juros;
ii. O valor em dívida será antecipadamente reembolsado segundo o mecanismo de Cash Sweep, mas apenas após integral liquidação da Dívida Sénior e Linha de Financiamento da Reestruturação; e
iii. A parcela da Dívida Júnior que se encontrar por reembolsar no vencimento (que não foi possível pagar antecipadamente pelo mecanismo de Cash Sweep), após utilização para o efeito do saldo nessa data da conta de Reserva do Serviço da Dívida, será nessa data perdoada.
f) No que respeita aos custos relativos a garantias bancárias, emitidas até à votação do Plano, haverá lugar ao pagamento, trimestral e antecipadamente, de uma comissão anual fixa máxima de 2,0% salvo se dos contratos que regularam a emissão das respectivas garantias bancárias constarem taxas inferiores, caso em que serão essas as taxas aplicáveis (cfr. cits. Doc. 2, págs. 41 a 45 do Plano de Recuperação, principalmente, págs. 41 e 42, e Doc. 3).
36. Acontece que a partir da data do trânsito em julgado da sentença que homologou o Plano de Recuperação da E..., em 07.06.2018, a Requerida vem pretendendo, e ainda continua a pretender, e exigindo das Requerentes que lhes paguem a dívida referente ao Contrato que acima se identificou,
37º e, repita-se, através do qual a Requerida concedeu à E... – a devedora – um financiamento de € 1.235.000,00 para apoio de tesouraria,
38º pretendendo – a Requerida – haver delas – Requerentes – o pagamento da quantia de € 735.170,32, acrescida de juros e demais despesas e encargos, que contabiliza, até 06.07.2018, em € 56.072,09, tudo no valor global de € 791.242,41,
39º tendo chegado ao ponto de fazer expressa e formal interpelação das Requerentes para esse pagamento, através de cartas registadas, com aviso de recepção, uma datada de 22 de Junho de 2018, que a 1ª Requerente recepcionou em 28.06.2018, e a outra datada de 2 de Julho de 2018, e ainda uma outra a 2ª Requerente recepcionou em 10 de Julho de 2018,
40º ameaçando mesmo a Requerida nessas interpelações com o recurso à via judicial caso as Requerentes lhe não pagassem a quantia reclamada, até 06.07.2018, depois prorrogado por mais uma semana, porventura dando à execução como alegado título a citada escritura pública que tem em seu poder. (cfr. Docs. 7 e 8).
170º As fracções autónomas sobre as quais incidem as garantias constituídas no âmbito do Contrato e que são de propriedade da 2ª Requerente, a C..., são parte constitutiva e integrante de um parque de estacionamento aberto ao público, sito no ..., no Porto, que se encontra em exploração, seja no regime de rotação, seja com avenças,
171º sendo que algumas dessas avenças são de utilizadores de outras partes do prédio que nada têm a ver com as fracções autónomas sobre as quais incidem as garantias constituídas pela 2ª Requerente no âmbito do Contrato, sendo indissociáveis dessa utilização.
172º Por isso que a penhora e venda dessas mesmas fracções autónomas inviabiliza a exploração do parque de estacionamento, que é de utilização pública, e que ficaria truncado de uma sua parte e coloca em risco a manutenção dos contratos para utilização ou de arrendamento dos outros espaços do prédio, com prejuízos incalculáveis e que colocam em risco a própria viabilidade económica-financeira das Requerentes.
173º De igual forma, as fracções autónomas sobre as quais incidem as garantias constituídas no âmbito do Contrato e que são de propriedade da 1ª Requerente, a B..., são parte de e um espaço configurado como centro comercial, que, para ser viável exige uma gestão conjunta e integrada, incompatível com a sua dispersão por outros proprietários, com aconteceria com a penhora e subsequente venda das fracções,
174º acresce que esse espaço está em processo de reabilitação para retomar em pleno a sua actividade de acordo com as atuais procuras de mercado e a penhora de parte afugentaria potenciais utilizadores dos espaços, que constituem o património mais valioso da B..., pondo em sérios riscos a sua sustentabilidade económica.
175º Refira-se, ainda, que a prestação de uma caução para suspender a execução não é possível, tendo em conta que as Requerentes, nenhuma delas, conjunta ou individualmente, dispõe de meios financeiros e de liquidez para dar em caução,
176º tendo em conta até que o valor a caucionar é elevadíssimo, sempre superior a € 800.000,00, pois que o crédito que a Requerida reclama é de € 791.242,41, havendo que contar ainda com as despesas prováveis e as custas do processo, incluindo com Agente de Execução, juros vincendos e demais custos.
2. Da nulidade da sentença.
Referem as recorrentes – conclusão 5.ª - que a sentença incorre num insanável salto ilógico, porque, se, de uma banda, considera “que o beneficiário de uma hipoteca constituída a favor de terceiro só pode accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor”, e se, de outra banda, não foi demonstrado esse incumprimento, não se pode concluir pela improcedência do requerido pelas Apelantes.
Ainda que sem o invocarem de forma expressa, o alegado parece apontar à sentença de que recorrem vício de nulidade.
Segundo o artigo 615.º do Código de Processo Civil:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Tal como o n.º 1 do artigo 668.º do anterior diploma, também o n.º 1 do artigo 615.º do actual Código de Processo Civil contém uma enumeração taxativa das causas de nulidade da sentença[1], nelas não se inserindo o designado erro de julgamento, que apenas pode ser atacado por via de recurso, quando o mesmo for legalmente admissível[2].
Imputa a apelante à sentença de que recorre vício que reconduz à previsão do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
No primeiro segmento da alínea c) do normativo citado enquadra-se o vício da sentença em que ocorra oposição entre os seus fundamentos e a decisão.
Não se cuida, no vício contemplado na referida alínea, de indagar se existe contradição/oposição entre a decisão que julga a matéria de facto e os fundamentos que a motivaram, como sucede na hipótese delineada pelo anterior artigo 653.º da lei adjectiva, mas antes de averiguar se essa oposição ocorre entre a decisão que aprecia a matéria controvertida e os fundamentos quer de facto, quer de direito que contribuíram para essa mesma decisão.
Numa perspectiva silogística da sentença, a decisão nela contida deve estar numa relação lógica e coerente com as respectivas premissas, que a hão-de anteceder, sendo aquela o resultado natural decorrente das mesmas.
Isto é, “a decisão tem como antecedentes lógicos os fundamentos de direito (premissa maior) e os fundamentos de facto (premissa menor), não podendo o sentido da decisão achar-se em contradição ou oposição com os fundamentos, o que sucede sempre que na construção da sentença os fundamentos expressos pelo juiz, necessariamente, haveriam de conduzir a uma solução de sentido antagónico: a proposição final (conclusão) revela-se incompatível com as proposições logicamente antecedentes (fundamentos), o que traduz um vício de raciocínio. A nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, ou com a inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”[3].
Configura-se a nulidade tipificada no citado preceito quando “o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[4].
Ou seja: “…se os fundamentos invocados conduzem logicamente, não ao resultado expresso da decisão, mas a resultado oposto ou pelo menos diferente, em última análise a decisão carece de fundamento”[5].
Precisa, também a propósito do vício em análise, Lebre de Freitas[6]: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.”
Tal contradição não se detecta na sentença aqui escrutinada.
Ao nela se fazer consignar que “para que o beneficiário de uma hipoteca constituída a favor dum terceiro só pode accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor e a interpelação do garante para cumprir” e “o beneficiário de uma hipoteca ou outra garantia constituída a favor dum terceiro poderá accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor e a interpelação do garante para cumprir, pelo que não poderá proceder o pretendido pelas requerentes”, não existe o denunciado “salto lógico” denunciado pela recorrentes pelo facto de, segundo elas, não se mostrar comprovado o incumprimento do devedor.
O que a sentença conclui, pelos fundamentos que nela acolhe, é que as requerentes não podem formular a pretensão que deduzem com fundamento no facto de a devedora E... estar sujeita a medidas de recuperação aprovadas em processo especial de revitalização, pelo que o credor, aqui requerido, poderá accionar os terceiros garantes, aqui requerentes, verificados os aludidos pressupostos.
Não existe, assim, qualquer contradição entre a decisão e os seus fundamentos, que invalide a sentença aqui apreciada.
3. Dos pressupostos da providência cautelar requerida.
O direito fundamental de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, incorporando o direito de acção, e o princípio da sua efectiva tutela judicial, é garantido quer em relação à violação efectiva de direitos subjectivos, quer quando esteja iminente ou haja perigo de lesão desses mesmos direitos[7].
De tal forma que se pode concluir que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.
Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.
Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).
A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”[8].
Como afirma Abrantes Geraldes[9], os procedimentos cautelares “… são uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”.
São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.
Como, a propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva[10], “…o ”periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária de probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar, por sua vez justificativa das especificidades próprias deste tipo de processos (…).
O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que, cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto.
Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto)”.
E acrescenta ainda a mesma Autora: “À semelhança do que acontece relativamente ao requisito “fumus boni iuris”, também quanto ao “periculum in mora” se nos afigura não ter o tribunal de estar absolutamente certo de que a actual situação de perigo se converterá em dano (ou seja, de que haverá dano, caso não se decrete a providência cautelar), o que se revelaria de verificação impossível, dado tratar-se de uma circunstância de verificação futura, relativamente à qual se podem formular apenas juízos de prognose”.
Pretendem as requerentes com a providência cautelar – providência cautelar comum, não especificada – que instauraram contra a requerida D..., SA, Sucursal em Portugal, que seja esta “intimada para se abster de qualquer utilização do pretenso título – escritura pública de Contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca que tem em seu poder – designadamente, não a dando à execução em acção executiva a instaurar contra as Requerentes, e, bem assim, a conservar em sua posse exclusiva essa escritura pública, ficando inibida de transmitir ou ceder a terceiros, seja a que título e por que modo for, as garantias nele constituídas pelas Requerentes, até que seja proferida decisão definitiva na acção principal que as Requerentes vão propor para verem judicialmente declarado o seu direito”.
Resulta demonstrado nos autos que no exercício da sua actividade de comércio bancário, a requerida, a “E..., SA” e as Requerentes B... e C..., celebraram, através de escritura pública, um contrato de abertura de crédito mediante o qual a requerida concedeu à sociedade E... um financiamento, sob a forma de Abertura de Crédito, no montante de € 1.235.000,00, ficando o financiamento a reger-se pelos termos, cláusulas e condições constantes do Contrato, que constitui o Documento Complementar número Um da citada escritura pública, dele resultando que os montantes mobilizados pela Requerida a favor da sociedade E... seriam reembolsados em 34 prestações mensais e sucessivas, com juros à Taxa Euribor a 12 meses, acrescida de um spread de 3,35%, correspondente, à data do Contrato, a uma TAE de 5,483%, e que, em caso de mora no cumprimento das prestações de reembolso nas datas acordadas, acresceria a taxa nominal de juros contratada uma sobretaxa de 4% ou outra mais alta, desde que fosse legal ou regulamentarmente estabelecida, incidente sobre o capital vencido em dívida pelo período em que perdurasse a mora.
Nos termos do Documento Complementar número Um da citada escritura pública as Requerentes, para garantia do bom e pontual cumprimento das condições contratualizadas pela devedora nesse Contrato, constituíram hipoteca e consignação de rendimentos voluntárias a favor da aqui Requerida sobre diversos imóveis, identificados nos Documentos Complementares número Dois e Três da citada escritura pública.
Em 30.05.2017 a sociedade a E... instaurou Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, que correu, e ainda pende, seus termos sob Proc. nº 4689/17.3T8VNG, no âmbito do qual foi apresentado plano de recuperação que, submetido a votação, foi aprovado pelos credores da devedora, após o que foi homologado por decisão judicial.
Assim, através da dita escritura as requerentes constituíram-se garantes das dívidas assumidas pela sociedade E... para com a requerida, nos exactos termos que dela constam.
Como precisa a sentença recorrida, “A função da garantia é [...] a de estar ao serviço do crédito, é acessória dele e só existe na medida em que existir a obrigação garantida, extinguindo-se com esta: art. 730º al. a) do CPC.
Tendo sido a garantia constituída por terceiro, não transforma desde logo o seu beneficiário em credor, ou seja, o terceiro beneficiário é credor da obrigação de garantia, mas não credor da obrigação principal, cujo cumprimento compete ao devedor.
Daqui decorre que, para que o beneficiário de uma hipoteca constituída a favor dum terceiro só pode accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor e a interpelação do garante para cumprir”.
Dispõe o artigo 217.º do CIRE: 1 - Com a sentença de homologação produzem-se as alterações dos créditos sobre a insolvência introduzidas pelo plano de insolvência, independentemente de tais créditos terem sido, ou não, reclamados ou verificados. 2 - A sentença homologatória confere eficácia a quaisquer actos ou negócios jurídicos previstos no plano de insolvência, independentemente da forma legalmente prevista, desde que constem do processo, por escrito, as necessárias declarações de vontade de terceiros e dos credores que o não tenham votado favoravelmente, ou que, nos termos do plano, devessem ser emitidas posteriormente à aprovação, mas prescindindo-se das declarações de vontade do devedor cujo consentimento não seja obrigatório nos termos das disposições deste Código e da nova sociedade ou sociedades a constituir. 3 - A sentença homologatória constitui, designadamente, título bastante para: a) A constituição da nova sociedade ou sociedades e para a transmissão em seu benefício dos bens e direitos que deva adquirir, bem como para a realização dos respectivos registos; b) A redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação, exclusão de sócios e alteração dos órgãos sociais da sociedade devedora, bem como para a realização dos respectivos registos. 4 - As providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afetam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os codevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas podem agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos. 5 - A sentença homologatória produz de imediato os efeitos referidos nos n.ºs 1 a 3, ainda que seja interposto recurso.
Como sublinha o acórdão desta Relação de 18.03.2018[11], “do confronto da norma revogada (art.º 63.º do CPEREF) com a que lhe sucedeu (n.º 4 do art.º 217.º do CIRE), conclui-se que o legislador, deliberadamente, visou que o credor, independentemente da posição assumida no processo, após a homologação do plano de recuperação mantivesse incólume os direitos de que dispunha contra os condevedores e garantes”.
Assim, por força da alteração legislativa operada nesse domínio, “...seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no domínio de responsabilidade originário”, sendo que aqueles “independentemente do que paguem, apenas poderão exigir pela via de regresso o que, homologado o plano, o próprio credor poderia solicitar ao devedor e nos termos e condições que o próprio plano estabeleceu – ou que dele decorrem por determinação legal”[12].
O plano de revitalização contém um conjunto de medidas destinado à sociedade que visa a recuperação, vinculando apenas esta e os seus credores, independentemente de terem ou não participado nas negociações e de terem ou não votado favoravelmente o plano. O plano, votado e homologado, apenas vincula os credores em relação à sociedade cuja revitalização visa promover, não sendo vinculativo em relação aos terceiros, sejam estes garantes ou condevedores daquela sociedade, os quais não são abrangidos pelo processo de revitalização e pelo que nele foi deliberado.
Ainda que haja sido objecto de discussão na doutrina e na jurisprudência a abrangência do n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, havendo quem advogue uma interpretação mais restritiva do referido normativo, tem vindo a consolidar-se a posição que defende uma interpretação não limitativa, que afasta dos condevedores ou terceiros garantes o benefício de qualquer medida aprovada no processo de revitalização, como dá conta a sentença recorrida.
Ao contrário do que sustentam as recorrentes, o n.º 4 do citado normativo é também aplicável, com as necessárias adaptações, ao Processo Especial de Revitalização (PER), por interpretação extintiva que o artigo 17.º - F do CIRE não arreda, antes consente.
Este é o entendimento que vem merecendo acolhimento das instâncias superiores[13], tendo sido também o por nós seguido no acórdão proferido a 11 de Outubro de 2018 no processo n.º 2524/17.1T8AVR.P1.
Como refere o acórdão do STJ de 25.11.2014[14], “A unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER – constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo aquele normativo, para o Titulo IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não descartando a aplicação de todos os outros que o enformam, parece não se poder concluir que as regras respeitantes àquele plano insolvencial não tenham aplicação no PER”, conclusão que também se ajusta à aplicação do artigo 217.º, incluindo o seu n.º 4, ao processo especial de revitalização.
E do acórdão da Relação de Lisboa de 7.06.2018[15] pode retirar-se: “É certo que, formalmente, o plano de insolvência e o plano de recuperação, aprovado no âmbito de um processo especial de revitalização, são realidades jurídicas distintas.
Mas, como se referiu no Ac. TRC de 27.06.2017 (Pº 780/14.6TBVIS-A.C1), acessível em www.dsgi.pt., na prática, a diferenciação entre essas duas realidades decorre apenas da circunstância de se inserirem em processos distintos (processo de insolvência ou processo de revitalização), sendo que, no primeiro caso, o plano incide sobre um devedor já declarado insolvente, incidindo, no segundo caso, sobre um devedor que está em situação de insolvência meramente iminente.
No que concerne ao conteúdo e objectivos, tais processos são semelhantes, visando essencialmente a adopção de um conjunto de providências que se destinam a satisfazer os direitos dos credores pela forma que se entenda necessária para permitir a efectiva recuperação e viabilidade económica do devedor.
Determina, aliás, o próprio artigo 17º-F, nº 5, do CIRE, que o juiz, na decisão a proferir sobre a homologação ou não do plano de recuperação, deve aplicar, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, sendo que, nesse título IX, estão incluídas as normas referentes ao conteúdo do plano, bem como o supra referido artigo 217º do CIRE”.
Do que se deixa exposto, e retornando ao que nos autos se debate, haverá de concluir-se que, não obstante as medidas deliberadas no processo especial de revitalização accionado pela devedora originária E..., cujo plano foi judicialmente homologado, os credores, nomeadamente o requerido, mantêm incólume os direitos que tinham sobre os terceiros garantes, incluindo os aqui recorrentes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem, independentemente da natureza acessória da obrigação que hajam assumido.
Deste modo, não fica o credor inibido de accionar os condevedores ou os terceiros garantes do devedor originário, nem aqueles podem opor ao credor quaisquer soluções que resultem das medidas aprovadas no processo especial de revitalização com vista à recuperação do devedor a ele submetido.
Importa notar que o n.º 4 do artigo 217.º do CIRE, como “norma especial que protege os credores do devedor e, mediatamente este último”[16], sobrepõe-se às próprias normas do Código Civil, nomeadamente ao seu artigo 730.º.
A interpretação que envereda pela solução aqui plasmada não se acha afectada por qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da igualdade, pois, como elucida o recente acórdão desta Relação de 11.04.2018[17], “em causa não está a execução de bens do devedor que respondem perante todas as dívidas nos termos a definir em sede própria, mas de terceiro que em garantia das obrigações assumidas perante o credor foram oferecidos.
Os demais credores da devedora, não beneficiários da garantia prestada por terceiro in casu o aqui A. nunca poderiam ter a expetativa de vir a beneficiar da mesma para a satisfação do seu crédito.
E realidades diferentes justificam tratamentos diferentes, tal como o Tribunal Constitucional se pronunciou, nomeadamente no Ac. de 16/05/96, Relator Tavares da Costa, cujo sumário se reproduz pela sua pertinência: “O princípio da igualdade do cidadão perante a lei postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais). O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (e devam) estabelecer diferenciações de tratamento. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada.”.
Ainda no mesmo sentido se afirma no Ac. T. Constit. nº 353/12 de 05/07/2012, Relator João C. Mariano “A igualdade não é, porém igualitarismo. É antes igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais se dê tratamento desigual, mas proporcionado.”
Em conclusão, porque o alegado tratamento desigual tem por referência realidades distintas, resta-nos concluir pela improcedência da invocada inconstitucionalidade”.
A pretensão das requerentes com a providência cautelar instaurada contra o requerido – inibindo-o de recorrer às instâncias judiciais reclamar a efectividade do direito de que é titular, conferido pelas garantias por aquelas oferecidas à dívida contraída pela devedora E..., através da constituição de hipotecas e consignação de rendimentos, limitando-o no seu direito de executar o título de que dispõe contra elas - não só não tem tutela jurisdicional, como, a ter acolhimento, configuraria “uma inadmissível restrição da garantia de acesso aos tribunais, corolário do direito de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efectiva que assiste ao requerido, consagrada no artº 20º da CRP e no artº 2º do CPC”[18].
Não merece, por conseguinte, censura a sentença impugnada que negou procedência a uma tal pretensão, sendo, como tal, de confirmar o decidido.
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, de facto e de Direito, interposto pelas apelantes, confirmando a sentença impugnada.
Custas: pelas apelantes.
Porto, 7 de Dezembro de 2018
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
____________
[1] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, pág. 137.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 686.
[3] Acórdão do STJ, 07.05.2008, processo nº 3380/07, www.dgsi.pt.
[4] Alberto dos Reis, ob. cit., vol. V, pág. 141; cf. Antunes Varela, Miguel Bezerra, ob. cit., pág. 690.
[5] Anselmo de Castro, ob. cit., pág. 142.
[6] “A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código do Processo Civil de 2013”, 3ª ed., pág. 333.
[7] Cf. artigo 20º da CRP e 2º, nº2 do Código de Processo Civil.
[8] Acórdão da Relação de Coimbra, 08.04.2000, processo nº 285/07.1TBMIR.C1, www.dgsi.pt.
[9] “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, III vol., pág. 35.
[10] “Processo Cautelar Comum”, pág. 144 e segs.
[11] Processo n.º 1563/16.4T8AMT.P1, www.dgsi.pt.
[12] Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa Anotado, reimpressão, ed. Quid Juris, págs. 724, 725.
[13] Cfr., entre outros, acórdãos desta Relação de 11.04.2018, processo n.º 472/14.6TVPRT.P1, de 19.03.2018, processo n.º 1563/16.4T8AMT.P1, de 18.04.2017, processo n.º 10562/16.5T8PRT-A.P1, de 25.11.2014, processo n.º 2055/13.9TBGDM-A.P1, de 25.09.2014, processo n.º 1527/13.0TBVNG-A.P1; da Relação de Lisboa de 17.05.2016, processo n.º 20931/12.7TYLSB-A.L1-7, todos em www.dgsi.pt.
[14] Processo n.º 414/13.6TYLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[15] Processo n.º 7643/14.3YYLSB-A.L1-2, www.dgsi.pt.; cfr. ainda acórdão da Relação do Porto de 16.09.2014, processo n.º 1527/13.0TBVNG-A.P1, www.dgsi.pt.
[16] Acórdão da Relação de Coimbra de 12.12.2017, processo n.º 430/15.3T8MGR.C1, www.dgsi.pt.
[17] Processo n.º 472/14.6TVPRT.P1, www.dgsi.pt.
[18] Acórdão da Relação de Lisboa de 19.09.2013, processo n.º 877/13.0TVLSB.L1-8, www.dgsi.pt.