SIMULAÇÃO
TERCEIROS
HERDEIROS LEGITIMÁRIOS
PROVA TESTEMUNHAL
PRESUNÇÕES
Sumário

I - O herdeiro legitimário do autor da herança é terceiro relativamente aos atos simulados praticados por este em vida em prejuízo daquele.
II - Como tal, pode aquele herdeiro provar por testemunhas e presunções de experiência os elementos de facto da simulação negocial em que foi interveniente o de cujus (art.º 394º, nº 3, do Código Civil).
III - As máximas da experiência relevam especialmente nos casos em que os atos praticados visaram ocultar a realidade, tornando mais difícil a prova direta. São noções extralegais e extrajudiciais a que o juiz recorre, colhidas nos conhecimentos científicos, sociais e práticos, dos mais aperfeiçoados aos mais rudimentares. Tais conhecimentos não representam a íntima convicção do juiz mas fatores que surgem da vivência (experiência) coletiva e são apreensíveis pelo homem médio, adquirindo autoridade precisamente porque trazem consigo essa imagem do consenso geral.

Texto Integral

Proc. nº 3332/17.5T8PNF.P1 (apelação)
Comarca do Porto Este – Juízo Central Cível de Penafiel – J 4

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, casado, residente na Rua …, …, Entrada …, …, Santo Tirso, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra C… e mulher, D…, residentes na Rua …, n.º …, …, Felgueiras, alegando essencialmente que, sendo filho de uma relação extraconjugal de E…, casado com F…, estes, sem filhos em comum e com mais de 80 anos de idade, querendo deserdar o A., obtiveram sentença homologatória de divórcio por mútuo consentimento e, em cerca de 7 dias, celebraram acordo de partilha através do qual a totalidade dos bens comuns foi adjudicada à mulher, tendo o R. declarado que recebeu tornas. Decorridos outros 7 dias, a F…, mais uma vez com a anuência do E…, outorgou testamento pelo qual, caso este lhe sobrevivesse, lhe legou todo o seu dinheiro, bem como o usufruto vitalício de todos os seus bens, móveis ou imóveis e instituiu os RR. como herdeiros do remanescente da herança, na condição de estes cuidarem de si e do E… enquanto fossem vivos.
Alega o A. que o divórcio e partilha foram realizados no cumprimento de uma estratégia montada pelo referido casal e pelos RR. apenas para afastar e prejudicar o A. nos seus direitos sucessórios relativamente à herança de seu pai, em benefício daqueles e de terceiros, pois que, na realidade, o casal nunca quis divorciar-se nem proceder à partilha dos seus bens comuns, tendo declarado falsamente nos documentos relativos a tais atos.
Terminou o seu articulado como seguinte pedido:
«(…) deve a presente acção ser declarada procedente por provada e, em consequência, declarar-se nulos, por simulação absoluta, os acordos de divórcio por mútuo consentimento e subsequente partilha celebrados pelo E… e pela F…, cancelando-se os respetivos registos, restituindo-se situação que existiria se os referidos acordos não tivessem sido celebrados, designadamente, reconstituindo-se o património comum do casal, e determinando-se a anulação do testamento.
- Requer a apensação a estes dos autos de procedimento cautelar com o processo n.º 3010/16.2T8PRD (Juízo de Família e Menores de Paredes – Juiz 3).» (sic)

Citados, os RR. contestaram a ação, impugnando grande parte dos factos alegados na petição inicial. Alegaram que o divórcio e a partilha não foram simulados, antes sustentados no mau relacionamento que existia entre o E… e a F…, consubstanciada em maus-tratos físicos e psicológicos e traições, no desconhecimento da filiação do A. por a mãe dele ter tido outros relacionamentos sexuais, incluindo com os irmãos do falecido, e ainda na alegação de que só souberam do testamento de F… após o seu óbito.
Concluíram os RR. pela improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos que o A. deduziu.
Foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador seguido de identificação do objeto do processo e de especificação dos temas de prova.
Teve lugar a audiência final, em duas sessões, com produção de provas, designadamente testemunhal, após a qual foi proferida sentença, como seguinte segmento decisório, ipsis verbis:
«Pelo exposto, de harmonia com as disposições legais supra citadas, julgo a presente acção procedente e, em consequência, decido:
a) declarar nulos, por simulação absoluta, os acordos de divórcio por mútuo consentimento e subsequente partilha celebrados por E… e por F…, cancelando-se os respectivos registos, restituindo-se a situação que existiria se os referidos acordos não tivessem sido celebrados, designadamente, reconstituindo-se o património comum do casal;
b) determino a nulidade do testamento celebrado por F… na parte em que dispôs de bens além da sua quota disponível.»
*
Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso os RR., em cujas alegações apresentaram as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Os apelantes discordam das respostas dada à matéria de Facto Provada, constantes dos pontos 8., 11., 15., 21., 22., 23. 24., 25., 26. 27., 28., 29., 30., 31. da sentença, pois entendem que a decisão mais correcta e a única possível faceaos documentos juntos e à prova testemunhal produzida, seria a de tal matéria ter sido dada por não provada;
2. A respostas deveriam ter considerado a ponderação e análise crítica de todos os documentos juntos aos autos e de todos os depoimentos das testemunhas inquiridas, e por aplicação das regras de experiência comum, da análise e qualificação de documentos particulares, das condições da sua eficácia entre as partes, das exigências ad substantium dos documentos;
3. Impunha-se uma resposta diferente àqueles pontos da matéria de facto, que deveria ter sido dada como NÃO PROVADA, RELATIVAMENTE AOS ORA APELANTES, a matéria dos pontos 8., 11., 15., 21., 22., 23. 24., 25., 26. 27., 28., 29., 30., 31. da sentença; ou seja:
4. Deveria ter dado como não provado que a vida do casal formado por E… e F… desenrolou-se sem qualquer contacto ou ligação com o A.;
5. Deveria ter dado como não provado que, os falecidos E… e F… puseram em prática , com conselho de terceiros, um plano de acção tendo em vista impedir que o A. viesse a beneficiar das herança do pai e beneficiando terceiros;
6. Deveria ter dado como não provado que, o casal declarou que pretendia por fim ao seu casamento quando, na realidade, nunca o pretendeu fazer, pois que continuaram a sua vida conjugal nos moldes em que sempre praticaram desde que contraíram casamento;
7. Deveria ter sido dado como não provado que, após o divórcio o E… e a mulher F…, continuaram a viver juntos, na habitação em que residiram desde sempre, partilhando cama, mesa e habitação, fazendo vida de casados, como sucedia anteriormente;
8. Deveria ter sido dado como não provado que, no que aos bens do casal diz respeito, E…e á F… não tinham, igualmente, qualquer vontade, de proceder à sua partilha, ao contrário do que declararam no respectivo acto;
9. Deveria ter sido dado como não provado que o E… nunca recebeu as tornas previstas no referido acordo e partilha;
10. Deveria ter sido dado como não provado que o testamento, no que tange ao legado efectuado ao E…, nunca foi executado;
11. Deveria ter sido dado como não provado que filiação paterna do A. era bem conhecida dos RR., os quais, por inerência, não ignoravam os direitos sucessórios daquele em relação ao E…;
12. Deveria ter sido dado como não provado que o facto anterior, não os inibiu de em sede de habilitação de herdeiros em 27/11/2014, declararem a inexistência de outros herdeiros;
13. Deveria ter sido dado como não provado que os RR. e ora Recorrentes, cuja ligação a E… e a F… era muito próxima, sabiam que o divórcio e a partilha levados a efeito pelos mesmos não correspondiam à realidade e foram operados com o objectivo de os beneficiar em detrimento do A.;
14. Deveria ter sido dado por não provado que não obstante, e uma vez que tais actos se destinavam a permitir que F… os instituísse como herdeiros do património do casal, os RR. aceitaram receber os bens que lhe foram atribuídos por aquela através do testamento;
15. Deveria ter sido dado como não provado que os RR. têm vindo a usufruir da herança da F…, incluindo a quantia em dinheiro que aquela tinha legado ao pai do A., cuja utilização vedaram àquele após a morte da testadora.
16. Relativamente ao recurso à prova testemunhal para prova da simulação, conforme se decidiu no Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 25/10/2005, processo nº 0524564, nº convencional JTRP00038438, relativamente à admissibilidade e força da prova testemunhal:
« - A prova testemunhal não será admissível como único elemento probatório para comprovação do acordo simulatório.
II - Mas já poderá ser utilizada se existir qualquer documento que, só por si, torna verosímil a existência da simulação e com ela se tiver em vista interpretar e/ou completa a prova documental.
III - A impossibilidade da nulidade da simulação contra o terceiro de boa fé tanto vale para os terceiros adquirentes a título oneroso, como os adquirentes a título gratuito.»
17. Nos autos inexiste qualquer documento que, por si só, torne verosímil a existência da simulação do divórcio e dos acordos de divórcio.
18. O que existe nos autos, quanto a documentos, é tão só e apenas os que documentam a realização do divórcio entre o E… e F…,
19. E, existe a escritura de partilha realizada no pós divórcio, inexistindo qualquer documento que demonstre, ou sequer indicie, que os outorgantes não quiseram praticar a operação de partilha nos termos em que a mesma consta da respetiva escritura junta aos autos.
20. A prova testemunhal poderá ser utilizada se existir qualquer documento que, só por si, torne verosímil a existência da simulação e com ela se tiver em vista interpretar e/ou completa a prova documental.
21. O que no caso dos autos não sucede.
22. O Tribunal para lograr atingir o desiderato de declarar que houve divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos cônjuges no divórcio e pelos outorgantes no acto de partilha, não se socorreu de nenhum documento, escrito, manuscrito, que indiciasse essa divergência entre a vontade real e a declarada, tendo-se baseado de forma exclusiva em prova testemunhal para contrariar o que consta dos documentos autênticos – certidão de divórcio e certidão da partilha.
23. Como vem sendo defendido na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, o recurso à prova testemunhal para demonstrar a existência de acordo simulatório estará sempre dependente de ter sido verificado em outro ou outros documentos/escritos, que só por si tornem verosímil a existência da simulação.
24. No caso sub judice, claramente, se verifica que tal não sucedeu, na medida em que para além dos documentos que comprovam o divórcio e a partilha nenhum outro documento foi junto por A. e ou pelos RR. que tornassem verosímil a existência de um acordo simulatório entre os intervenientes e outorgantes do divórcio e da partilha.
25. Pelo que estava, como está, impedido o recurso à prova testemunhal para demonstração do acordo simulatório, atento que nenhum indício documental se mostra junto aos autos que indiciasse a existência do acordo simulatório.
26. A Meritíssima Juiz a quo, na douta sentença ora posta em crise, aceitou o teor dos documentos juntos aos autos, que demonstraram e provaram a existência do nascimento do autor, a paternidade que foi atribuída ao falecido E… por sentença (embora se possa afirmar que existe uma outra sentença, transitada em julgado no ano de 1973 – Processo nº 42/73 da 1ª secção do Tribunal Judicial de Felgueiras, já arquivado no Maço 153, nº 3, e em depósito no Tribunal de Paços de Ferreira -, que terminou com a improcedência do pedido de reconhecimento da paternidade do A. relativamente ao E…), salientando-se, porém, que o tribunal de 1ª instância não teve acesso a tal informação, porque o Autor não logrou encontrar a tempo o processo), o assento de nascimento do E… com o averbamento do casamento com a F…, a do seu divórcio e do seu óbito, o documento constituído pela partilha do património conjugal de fls. 16 e segs. dos autos, e o testamento de F… de fls. 18 vº e segs. dos autos.
27. O assento de óbito de F… e a habilitação dos herdeiros desta realizada pela Ré, cfr. fls. 22 e segs. dos autos.
28. Não são referidos nem indicados nos autos, nem se mostram juntos aos autos, quaisquer outros documentos que pudessem demonstrar, ou ao menos indiciar, uma probabilidade séria de ter havido um acordo simulatório entre o E… e a F… que fizesse suspeitar que o divórcio e a partilha foram simulados e visaram prejudicar terceiros.
29. Nenhuma prova, documental e nem testemunhal foi apresentada nos autos que pudesse levar à conclusão de que o E… nunca recebeu as tornas previstas no referido acordo e partilha.
30. Como e de igual modo, nenhuma prova, documental e nem testemunhal foi apresentada nos autos que pudesse levar à conclusão de que o testamento no que tange ao legado efetuado ao E… nunca foi executado.
31. Nenhuma testemunha se referiu em concreto e com conhecimento de causa a esses factos.
32. Inexistiu prova, testemunhal e ou documental que permita concluir que os RR. sabiam que o divórcio e a partilha levados a efeito pelos mesmos E… e F… não correspondiam à realidade;
33. Os RR. negaram ter tido conhecimento da realização do divórcio e da partilha no acto e na data em que tais situações tiveram lugar.
34. O facto provado sob o nº 30 dado por provado, é incongruente, constitui uma conclusão e não um facto em si mesmo.
35. A instituição dos RR. como legatários da F… não dependia, nem tinha que depender da realização do divórcio e da partilha anteriormente realizados entre a testadora e o ex marido E….
36. O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções.
37. O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores.
38. O recurso à prova testemunhal apenas pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não ser usado como facto-base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do ?jure constituto? e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil.
39. A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de fumus bonni juris?
40. Poder-se-ia dizer, como se refere na sentença, que a proibição inserta nos nºs 1 e 2 do artigo 394º do Código Civil não se aplica a terceiros.
41. Todavia, no caso dos autos, nenhuma prova indiciária foi realizada, nomeadamente no que concerne à alegada divergência entre a vontade declarada pelas partes no divórcio e na partilha que outorgaram de seguida e, em concreto, nenhuma prova documental e testemunhal foi produzida nos autos que pudesse levar à conclusão de que os ex cônjuges declararam falsamente que se pretendiam divorciar, e nenhuma prova documental ou testemunhal foi efetuada no sentido de demonstrar que o E… não recebeu efetivamente as tornas, como declarou, e nenhuma prova documental ou testemunhal foi produzida acerca da questão de saber se o legado deixado pela F… a favor do ex cônjuge foi ou não cumprido.
42. Nenhuma das testemunhas, revelou ter conhecimento pessoal de nenhuma das circunstâncias concretas dos actos impugnados (divórcio e partilha) e factos referidos no parágrafo anterior.
43. Pelo que a matéria dada como provada nos factos 11, na parte final, 15, 21., 22., 23., 24., 25., 25 e 31. deveria ter sido dado como não provada, certo que inexistem nos autos documentos que pudessem indiciar que tais factos haviam sucedido nos termos que ali se relatam, o que importava a não admissão da prova testemunhal relativamente a essas matérias.
44. O facto de algumas testemunhas terem declarado que desconheciam que o E… e a F… se haviam divorciado, e que apenas o souberam após o falecimento do E…, não permite concluir que os RR. já o sabiam, ou o sabiam antes das próprias testemunhas,
45. Do facto de tais testemunhas terem referido que não tinham conhecimento do divórcio e da partilha não pode inferir-se que tais actos hajam sido realizados de forma fraudulenta ou de forma simulada.
46. Inexiste presunção legal, judicial ou de experiência que permita extrair daquele desconhecimento a presunção de que os RR. já sabiam dos actos e que os mesmos tinham sido realizados de forma simulada.
47. O ónus da prova dos factos que conduziam à verificação da simulação do divórcio e da partilha encontrava-se a cargo do A., competindo-lhe a ele demonstrar que o divórcio tinha sido efetuado simuladamente, isto é, que a declaração de vontade dos E… e F… não correspondiam à sua real vontade, e que tinham em tudo mantido a sua vida como antes do divórcio, e ainda que as declarações prestadas no acto de partilha igualmente não correspondiam à verdade, como decorre do disposto no artigo 342º do Código Civil.
48. E o A. não, fez, no nosso entendimento, essa prova, pelo que, os factos já referidos deveriam ter sido dados como não provados.
49. A douta sentença, violou entre outras o disposto nos artigos 394º e 342º do Código Civil, devendo em consequência ser reformada, por outra decisão que, julgando improcedente a ação, absolva os RR. do pedido.
AVALIAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL
50. Das declarações de parte prestadas e dos depoimentos prestados pelas testemunhas, todos identificados supra na avaliação da prova testemunhal, não pode concluir-se que foi efetuada prova de que o divórcio e a partilha teriam sido simulados.
51. Das declarações de parte da Ré D… não se surpreendem respostas estranhas, nem contradições, antes se constata que a Declarante sabia que os falecidos se davam mal, que a D. F… já não aguentava mais o casamento, que se pretendiam divorciar, e que o fizeram, e que ela só soube depois de eles já estarem divorciados, quando ele referiu que teria de sair e ela disse que não precisava, pois continuaria a tratar dele e dela, que lhes faria o comer.
52. Referiu que já antes do divórcio dormiam em camas separadas, e que depois do divórcio passaram a comer separados também.
53. Referiu ainda que só soube da existência do testamento depois de ela falecer. E não antes.
54. As declarações, de cada um dos RR. não foram contraditórias entre si, foram prestadas de modo calmo, orientado no tempo e no espaço, com conhecimento directo dos factos que declararam e a que assistiram, sem hesitações, sem demonstração de nervos, respondendo não saber quando não sabiam e respondendo de pronto sempre que sabiam dos factos que lhes estavam a ser questionados.
55. A 1ª testemunha do Autor com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:29:57, irmão do falecido E… e cunhado da F…, não sabia factos concretos sobre o divórcio, sobre a partilha e nada sobre o testamento.
56. Igualmente não sabia a testemunha se o R. C… sabia ou não que o B… era filho do Autor. Nem diz que sabia que ele sabia. O que diz é coisa bem diversa, é uma conclusão dele, que achava porque isso tinha sido “publicado” então o C… também sabia.
57. Quanto à reunião havida em que refere ter estado presente, primeiro referiu que quem fez a proposta de dividir meio por meio foi o B…, e disse-o até duas vezes, e só quando questionado pela Srª Juiz acerca de ter sido o B… ou o C… a fazer a proposta é que alterou a sua versão e passou a dizer que quem fez a proposta foi o C…,
58. A testemunha falou por alto do irmão e da cunhada, mas confirmou que o relacionamento por vezes não era bom, atribuindo a causa à falecida F… que referiu ser “áspera”, que não se lhe podia falar do filho do irmão, que era o “diabo” quando se falava nisso.
59. Estas afirmações justificam de algum modo a ideia da D. F… se pretender divorciar, e são até um fundamento desse divórcio, na medida em que constituem e integra uma violação do dever de fidelidade, ofensa que era bem mais grave para as pessoas da idade dos falecidos do que actualmente parece ser.
60. Quanto à dita partilha e à autoria da proposta de divisão a meio, a testemunha não foi clara, primeiro disso que foi o B… para depois de ser corrigido, quando se lhe disse que quem tinha feito a proposta foi o C… ele ter vindo a mudar a versão e concordar com esta última.
61. Quanto ao mais que declarou, verifica-se tratar-se de meras conclusões da testemunha, e não de factos a que tenha assistido e de que tivesse conhecimento efetivo, assim nomeadamente no que concerne ao falado divórcio e suas causas, ao facto de não dormirem na mesma cama e não fazerem as refeições juntas, e igualmente quanto às partilhas e ao modo como foram feitas, tendo demonstrado não conhecer factos, mas ter ideias sobre como as coisa se poderiam ter passado.
62. Trata-se de testemunho que não é credível, porque não foi isento, e que não assentou no conhecimento directo de certos factos, das suas ideias sobre quem sabia e quem devia saber, sobre a existência do filho do irmão, do divórcio, da partilha e do testamento.
63. A testemunha G…, primo por afinidade do R. com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:25:32, a testemunha confirma que apenas soube das coisas quando foi chamado, juntamente com outros familiares, ao consultório do solicitador H… para ouvir ler o testamento.
64. O que confirma que o divórcio e a partilha foram mantidos em segredo, sendo que nem os familiares próximos desses actos tinham conhecimento.
65. A testemunha, firmou perante o tribunal as suas próprias conclusões obtidas a partir do momento em que ouviu ler o testamento no consultório do referido solicitador, pois só aí teve conhecimento dos factos relativos ao divórcio. A testemunha tirou as suas conclusões e em depoimento transmitiu essas conclusões e não facos concretos de onde pudesse extrair-se e ou sequer indicar-se que o divórcio e a partilha tinham sido celebrados com recurso à simulação e com vista a deserdar” o Autor.
66. O testemunho transmitido quanto a factos conclusivos não é um testemunho factual, e por isso não merece a credibilidade que mereceria acaso e ao contrário a testemunha não transmitisse conclusões, mas antes factos, deixando ao Tribunal o apuramento das conclusões com base nesses factos.
67. Na Sessão de 27 de Junho de 2018, pelas 14:00 horas, a testemunha I…, sobrinha do falecido e prima do autor, com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:25.03, usou muitas conclusões para se expressar;
68. Disse muitas vezes que sabia, que viu, que o tio lhe disse, mas sem que tal pudesse ser confirmado por alguém. O recurso à expressão o tio disse-me, eu falava muito com ele, ele desabafava comigo, foram a forma que a testemunha teve para se exprimir acerca de conversas e conhecimento de alegados factos que mais ninguém podia, nem pôde confirmar;
69. Trata-se pois de testemunha prestado com muita debilidade, porque baseado no que diz que o tio lhe disse, sem que seja possível obter a sua confirmação. O depoimento prestado não pode ser considerado porque não é passível de ser confirmado por nenhuma outra testemunha, que tivesse estado presente no mesmo dia hora e local e pudesse confirmar que o que a testemunha afirmou ter ouvido tinha de facto sido ouvido e proferido pela mesma pessoa que aquela referiu.
70. A testemunha J…, primo do autor e dos réus, com declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:15:04, ao longo de todo o seu depoimento, nada relatou sobre o divórcio, sobre o conhecimento que tinha do divórcio, apenas tendo referido não ter conhecimento da existência de maus tratos por parte do falecido E… à F…, mas avançou ao minuto 02:34, que referindo-se ao relacionamento entre o tio e mulher que, … de vez em quando, não era muitas vezes, encontrava-se algumas vezes com eles, mas ir a casa deles não ia assim muitas vezes, algumas. E ao minuto 02:51 perguntado se sabia que eles se tinham divorciado, respondeu: Não.
71. A referência quer estas testemunha efetuou a que o tio tinha medo da mulher significa que o relacionamento não poderia ser tão bom como as testemunhas do Autor pretenderam fazer o tribunal crer.
72. Não compreende esta testemunha nem explica, depois de ter afirmado o que afirmou quanto ao receio que o tio tinha da tia, que não tivesse sabido do divórcio anteriormente, pois até era confidente do tio e foi a ele que aquele pediu – na versão que trouxe aos autos – para ir ver às escondidas o filho.
73. Finalmente refira-se que, todas as testemunhas ora indicadas e referenciadas são familiares directos do falecido E…, são irmãos vivos e filhos de irmãos já falecidos, pelo que tinham todos eles interesse direito em que não tivesse havido qualquer divórcio e qualquer patilha, uma vez que atento que a D. F… faleceu em primeiro lugar, eles seriam os herdeiros, situação em que muito provavelmente todos viriam depor no sentido de que o Autor não era filho do seu irmão e tio.
74. São testemunhas próximas do Autor, com interesse e que não obstante terem também recebido um legado, não do seu próprio tio e parente, mas da falecida mulher F…, que a eles não era nada, senão parente por afinidade, excetuado o caso da I… que era parente de ambos os falecidos.
75. Quanto às TESTEMUNHAS DOS RÉUS, o posicionamento do Tribunal foi diverso, pois onde não encontrou nas testemunhas do Autor relações próximas, ou as encontrou e não as valorizou, nem considerou, veio nas testemunhas dos RR. a valorizar negativamente o facto de as mesmas terem relação próxima com os RR.
76. Tal facto, por si só, e desacompanhado de outros elementos não demonstra a menor credibilidade destas testemunhas.
77. Assim, sucedeu com as testemunhas K…, que conhecia o autor e ser prima dos réus, e cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:12:17, e
78. Com a testemunha L…, mãe do réu C… e sogra da ré D…, e cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:12:23, e
79. Com a testemunha M…, que apenas conhecia os réus e os falecidos por terem sido seus clientes, e cujas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:11:39, e
80. com a testemunha N…, que apenas conhecia os réus e cujas suas declarações foram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:09:52, que embora na parte final do seu testemunho tivesse declarado que foi o R. C…, quem levou a D. F… ao Notário onde foi feito o testamento, frisou de forma clara e assertiva que o mesmo não entrou para o Notário, só entrou ela a D. F… e outra pessoa, e
81. a última testemunha O…, que apenas conhecia os réus por ter sido caseira dos falecidos, tendo as suas declarações ficado gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, com início em 00:00:00 e termo em 00:12:34, esta que pouco ou nada soube dizer acerca dos factos em discussão nestes autos.
82. Não restam assim dúvidas de que a prova testemunhal produzida não abalou, e antes confirmou, na íntegra o que já resultava evidente de toda a documentação existente nos autos, isto é que, entre o E… e mulher F… foi extinto o matrimónio através de divórcio por mútuo consentimento, que posteriormente os ex cônjuges realizaram a partilha dos bens comuns, tendo o ex cônjuge marido recebido tornas e tendo todos os bens sido adjudicados à ex cônjuge mulher.
83. Não se provou, nomeadamente, através dos documentos, e bem assim nem através da prova testemunhal, analisada pelo tribunal a quo em sentido diverso do que dela se pode apurar, matéria de facto que possa indiciar e menos ainda em demonstrar que o divórcio foi simulado e que a partilha operada de seguida também teria sido simulada,
84. Não se apuraram, com a certeza exigível, que a declaração de vontade dos E… e F… de se divorciarem não correspondeu à sua vontade real.
85. Não se apurou nem através dos documentos dos autos nem através da prova testemunhal que as declarações de vontade prestadas pelos partilhantes na escritura de partilha tenham sido desconformes com a sua vontade real.
86. Nada se apurou, nem nos documentos e muito menos através das testemunhas, que o E… não recebeu as tornas que lhe eram devidas.
87. Nenhuma prova foi feita nesse sentido, pelo que valem aqui somente as declarações que constam dos documentos autênticos que não foram contrariados por outros documentos, nem por quaisquer declarações de testemunhas.
88. A prova testemunhal produzida, conjugada com a prova documental, é consistente no sentido de que não foi feita prova da intenção de enganar e prejudicar terceiros, nomeadamente o Autor,
89. não ficou demonstrada a divergência de vontades declaradas quer no divórcio quer na partilha, quer por parte dos intervenientes, quer que os RR tenham tido alguma intervenção nesses actos.
90. As respostas à matéria de facto exigiam que se tivesse lançado mão da análise e leitura dos documentos juntos aos autos, conjugados com a prova testemunhal produzida, que não foi capaz de para além de manifestar surpresa no divórcio – o que nada prova – e de insistir que os RR. sabiam da existência do Autor enquanto filho do E…, não logrou demonstrar a existência da divergência de vontades no divórcio e na partilha, não se bastando para uma decisão fundamentada as meras conclusões das testemunhas do A., desprovidas de factualidade e de conhecimento concreto dos factos indispensáveis à prova cabal da existência de simulação naqueles dois actos.
91. Assim é que, em face do que antecede, as respostas à matéria de facto constante da lista de factos provados da sentença, máxime sob os ponto 8, 11, 15, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29 e 30 deveria ter sido não provados.
92. A douta sentença ao dar a resposta como factos provados, que deu aos factos fez errada análise, leitura e interpretação dos depoimentos prestados pelas testemunhas, violou o disposto nos artigos 343º e 394º ambos do Código Civil» (sic)
Terminaram os RR., essencialmente, como concluíram a contestação.
O A. produziu contra - alegações que sintetizou assim:
«1. Ao declarar nulos, por simulação absoluta, os acordos de divórcio por mútuo consentimento e subsequente partilha celebrados por E… e F…, o Tribunal a quo, ao contrário do alegado pelos RR. apelantes, não se baseou de forma exclusiva na prova testemunhal para contrariar o que consta de documentos autênticos – certidão de divórcio e certidão de partilha;
2. No contexto do pedido formulado nos autos, aqueles documentos, bem como o documento contendo o testamento da F…, evidenciam divergência entre a vontade real e a vontade declarada, ou para usar a terminologia utilizada no sumário do Acórdão deste Venerando Tribunal (Ac. de 25/10/2005, processo n.º 0524564, n.º convencional JTRP 00038438), transcrito a págs. 30 da alegação de recurso dos RR. apelantes, tornam verosímil a existência de simulação, susceptível de interpretação e complemento por meio da prova testemunhal;
3. Essas evidências têm a ver, resumidamente, com o divórcio em idade já muito avançada do casal (octogenários); com a adjudicação, em partilha, de todos os bens (incluindo imóveis) ao cônjuge mulher por um valor muito inferior ao real; e com a generosidade do testamento feito pela F… em relação ao E…, apesar do divórcio e posteriormente a ele;
4. A divergência entre a vontade real e a vontade declarada patenteada naqueles três documentos viria a ser confirmada, em absoluto, pela prova testemunhal oferecida pelo A., apelado, em conformidade, de resto, com a citada jurisprudência deste Venerando Tribunal;
5. O disposto no artigo 394.º, n.ºs. 1 e 2, invocado pelos apelantes não tem aplicação ao caso concreto pois que, para além de este se reportar aos vícios de vontade, há que ter em atenção o seu n.º 3 - o apelado é terceiro, aliás de boa fé, em relação aos simuladores - dando-se, no mais, com a devida vénia, aqui inteiramente reproduzido o doutamente expendido pela Mma Juíza a quo em III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO, com menção do Ac. Do STJ, de 03/03/2005, proferido no processo n.º 05B200, in www.dgsi.pt, da decisão recorrida;
6. A nulidade do divórcio e da partilha conduz necessáriamente à nulidade do testamento pelas razões de direito, incluído a oponibilidade da simulação aos RR. apelantes, enquanto terceiros de má fé, determinada pela não aplicação dos artigos 243.º / 291.º, do C. Civil, vertidas na douta decisão recorrida que igualmente, com a devida vénia, o apelado aqui dá como reproduzidas;
7. A decisão de direito, ao tornar nulos, com eficácia retroactiva, o divórcio, a partilha, e o testamento, mostra-se estribada em sólidos fundamentos jurídicos, sendo do ponto de vista dos apelantes, inatacável em sede de recurso;
8. Irrepreensível é, também, a decisão de facto, não restando dúvidas de que os acordos de divórcio e partilha, constituíram actos notoriamente simulados com o propósito de prejudicar o A., terceiro de boa fé, único filho do E… e seu herdeiro legitimário;
9. Com efeito, ficou sobejamente provado que o E… e a F… continuaram a viver como marido e mulher e a usufruir em comum os bens do casal, após os acordos de divórcio e partilha;
10. E para além do mais que ficou provado através dos documentos e das testemunhas, constante da motivação da decisão recorrida, que o A. apelado aqui dá, sempre com a devida vénia, como integralmente reproduzida, não é crível o divórcio de um casal com mais de sessenta anos de matrimónio, de vivência rural, sem filhos, onde o marido contava com 81 e, a mulher, com 84 anos de idade;
11. Menos verosímil é que os simulados acordos de divórcio e partilha entre o E… e a F…, e a feitura do testamento, tenham ocorrido sem a ajuda de terceiros, designadamente dos RR., apelantes, que deles saíram fortemente beneficiados;
12. Igualmente, não é crível que o relacionamento extra conjugal havido entre o E… e a mãe do A., apelado, pudesse determinar, volvidos quarenta anos, o divórcio entre aquele e a, mulher, F…;
13. Não é crível, ainda, que algum relacionamento extra conjugal, mais recente, aliás, não provado, do E… com outra mulher, fosse suficientemente activo ao ponto de provocar, no fim da vida, a ruptura de um matrimónio com dezenas de anos de duração;
14. Esta ruptura matrimonial, em que ninguém acredita à luz das regras de experiencia comum, é transversal a toda a questão de facto sub judice;
15. A divergência entre a vontade real e a vontade declarada, que está na origem da decisão que tornou nulos o divórcio, a partilha, e o testamento, restou completamente confirmada por meio da prova testemunhal produzida;
16. Provado ficou, também, que os RR., apelantes, sabiam que o A., apelado, era filho do E…, e que nomeadamente o R. C… acompanhou o casal aquando dos acordos de divórcio e partilha, e elaboração do testamento;
17. Das declarações de ambos, em comparação com os depoimentos testemunhais ouvidos, não restam dúvidas de que relativamente à simulação dos acordos de divórcio e partilha, são terceiros de má fé, porquanto sabiam que deles sairiam beneficiados, através do testamento, em prejuízo do A., filho do E…, e herdeiro legitimário deste último;
18. Nesse sentido, foram decisivas as testemunhas, indicadas pelo A., apelado, P…, Q…, I… e J…, parentes e próximos do E… e da mulher, F…, que depuseram de modo credível à matéria de facto;
19. Pelo contrário, as testemunhas apresentadas pelos RR., cujos depoimentos estes, curiosamente, não transcreveram para a respectiva alegação de recurso, não mostraram razão de ciência, e só muito ocasionalmente conviviam com o E… e a F…;
20. Consequentemente, ao contrário do que pretendem os apelantes, andou bem o tribunal a quo ao dar como provada a matéria constante dos pontos 8, 11, 15, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, e 30 da fundamentação de facto (II – FUDAMENTAÇÃO DE FACTO – A) FACTOS PROVADOS).» (sic)
Defendeu, assim, o A. a confirmação da sentença.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação dos RR., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil[1]).

Para decidir estão as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
2. Consequências jurídicas da (eventual) modificação da decisão referida em 1.
*
III.
Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos[2]:
1. O autor é o único filho e descendente de E…, já falecido.
2. O A. nasceu de uma relação extraconjugal, mantida no Verão de 1971, entre o referido E… e T….
3. Ao tempo, o E… era casado, em comunhão geral, com F….
4. Do matrimónio do E… com a F… não houve filhos.
5. A paternidade do A. foi declarada por sentença, transitada em julgado, proferida no processo n.º 1027/14.0T8PRD, cujos termos correram pelo Juízo de Família e Menores de Paredes – J3, da Comarca do Porto Este.
6. A filiação paterna do A. era conhecida de vizinhos e familiares do E… e chegou ao conhecimento da mulher, F….
7. Esta última nunca aceitou essa relação de filiação e E…, apesar de saber que o A. era seu filho, sempre o ignorou, alheando-se por completo das responsabilidades de pai.
8. A vida do casal formado por E… e F… desenrolou-se de modo estranho ao crescimento e necessidades do A..
9. F… nunca escondeu o sentimento de ‘animadversão’ que nutria em relação ao A. e E… cultivou distanciamento e desinteresse no tocante ao A., seu filho.
10. Em 2013 o E… e a F… contavam, respectivamente, com 81 e 84 anos de idade, não gozando uma e outro de boa saúde.
11. Estando ambos no fim da vida e sentindo a morte a aproximar-se, o E… e a mulher, F…, puseram em prática, com o conselho de terceiros, um plano de acção tendo em vista impedir que o A. viesse a beneficiar da herança do pai e beneficiando terceiros.
12. Em 16/08/2013, divorciaram-se por mútuo consentimento, tendo o competente processo, sob o n.º 1653/2012, corrido termos junto da Conservatória do Registo Civil de Felgueiras.
13. Seis dias depois, em 22/08/2013, o casal celebrou acordo de partilha através do qual a totalidade dos bens comuns foi adjudicada à mulher, F….
14. Ao património do casal foi atribuído o valor de €74.145,99, tendo o E… declarado no acordo de partilha que recebeu tornas no valor de €37.073,00.
15. Para concluir a estratégia traçada, de exclusão do direito do A. à herança, F…, mais uma vez com o conhecimento e anuência do E…, outorgou testamento em 29/08/2013, treze dias após o divórcio.
16. No âmbito do testamento a F… legou ao “ex” marido, o dito E…, caso este lhe sobrevivesse, todo o seu dinheiro, bem como o usufruto vitalício de todos os seus bens, móveis ou imóveis;
17. Instituiu os RR. como herdeiros do remanescente da herança, na condição de estes cuidarem de si e do E… enquanto fossem vivos;
18. E na circunstância de o E… falecer antes dela, testadora, os requeridos passariam a ser herdeiros únicos e universais do património daquela.
19. F… faleceu em 15/04/2014 e E… faleceu, intestado, em 23 de Novembro do mesmo ano.
20. E… e F… faleceram no declarado estado de divorciados e foram casados em primeiras e únicas núpcias de ambos.
21. O casal declarou que pretendia pôr fim ao seu casamento quando, na realidade, nunca o pretendeu fazer, pois que continuaram a sua vida conjugal nos moldes em que sempre a praticaram desde que contraíram matrimónio.
22. Após o divórcio, E… e F… continuaram a viver juntos, na habitação em que residiram desde sempre, partilhando cama, mesa e habitação, fazendo vida de casados, como sucedia anteriormente.
23. No que aos bens do casal diz respeito, E… e F… não tinham, igualmente, qualquer vontade de proceder à sua partilha, ao contrário do que declararam no respectivo acto.
24. Após o declarado acto de partilha, o E… continuou a usufruir de todos os bens adjudicados à F…, inclusive, permaneceu e ocupou a casa de morada de família até à sua própria morte.
25. E… nunca recebeu as tornas previstas no referido acordo e partilha.
26. O testamento, no que tange ao legado efectuado ao E…, nunca foi executado.
27. A filiação paterna do A. era bem conhecida dos RR., os quais, por inerência, não ignoravam os direitos sucessórios daquele em relação ao E….
28. Isso, porém, não os inibiu de em sede de habilitação de herdeiros em 27/11/2014, declararem a inexistência de outros herdeiros.
29. Os RR., cuja ligação a E… e a F… era muito próxima, sabiam que o divórcio e a partilha levados a efeito pelos mesmos, não correspondiam à realidade e foram operados com o objectivo de os beneficiar em detrimento do A..
30. Não obstante, e uma vez que tais actos se destinavam a permitir que F… os instituísse como herdeiros do património do casal, os RR. aceitaram receber os bens que lhe foram atribuídos por aquela através do testamento.
31. Como tal, os RR. têm vindo a usufruir da herança da F…, incluindo a quantia em dinheiro que aquela tinha legado ao pai do A., cuja utilização vedaram àquele após a morte da testadora.
32. O R. foi criado pelos falecidos E… e F… como um filho, desde os dois anos de idade, tendo os RR. cuidado deles até à data da sua morte.
*
Quanto à materialidade não provada, reza assim a sentença[3]:
«Não se provaram todos os demais factos (excluindo a matéria conclusiva e de Direito), factos esses que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais (sendo certo que em relação a parte deles se provou exactamente o oposto, designadamente, provou-se que existiu simulação no divórcio e partilha efectuados e que os RR. tinham conhecimento da simulação efectuada pelos falecidos e da intenção de afastar o A. da herança e que os falecidos faziam vida em comum como casal e não como alegado que viviam em divisões separadas ou que não tomavam as refeições juntos).»
*
IV.
Conhecendo…
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
Os recorrentes deram suficiente cumprimento ao ónus de impugnação estabelecido no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a).
Impugnaram os pontos 8, 11, 15, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31, dos factos dados como provados, pretendendo que sejam dados como não provados.
Para tanto, defendem, em primeira linha, que o tribunal não podia ter levado em consideração a prova testemunhal para prova dos pontos 11, parte final, 15, 21, 22, 23, 24, 25 e 31, por estar vedada por lei nos termos do nºs 1 e 2 do art.º 394º do Código Civil.
Passam depois a invocar a conjugação das declarações de parte da R. D…, dos depoimentos testemunhais indicados pelos AA., P…, Q…, I…, J…, e pelos RR., K…, L…, M… e N…, para concluírem que a matéria impugnada deve ser dada como não provada.
Considerando a motivação da sentença, o teor das contra-alegações, a natureza dos factos (alegadas simulações, com inerentes dificuldades de obtenção de prova direta) e a necessidade de percecionar toda a realidade relatada para melhor aquilatar da credibilidade de cada um dos depoentes e decidir com o menor risco possível para a realização da justiça material e concreta, vai ser ouvida toda a prova produzida e gravada em audiência (art.º 640º, nº 2, al. b), 1ª parte).
Como refere A. Abrantes Geraldes[4], com toda a pertinência, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[5] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Vejamos então.
Antes de ouvirmos e conjugarmos provas, é necessário saber a que provas podemos atender, já que os apelantes alegam que a 1ª instância cometeu uma ilegalidade ao fundamentar na prova testemunhal os factos que constituem os pontos 11, parte final, 15, 21, 22, 23, 24, 25 e 31, que consideram proibida por lei nos termos do nºs 1 e 2 do art.º 394º do Código Civil.
Será assim?
O art.º 394º dispõe:
«1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.° a 379.° quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.»
A proibição de prova testemunhal contra (conrta scripturam) ou além do conteúdo (praeter scriputram) de documentos autênticos ou particulares funda-se nos perigos dessa prova (com a qual poderia querer infirmar-se o conteúdo do documento, prova mais segura que a testemunhal) e na circunstância de ser possível às partes munirem-se de uma prova escrita dos pactos contrários ou adicionais ao que consta do documento.[6] Através de uma prova de maior risco (falsidade ou infidelidade) permitir-se-ia a inutilização da prova emergente de um documento com aquela natureza, à partida mais solene e mais segura.
Trata-se de uma das concretizações da norma contida no artigo 221º, n.º l, do Código Civil, segundo o qual as estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração.
Se as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos forem nulas, não há sequer que colocar o problema da admissibilidade da prova testemunhal, por nada haver que provar através do seu depoimento. A inadmissibilidade da prova testemunhal na parte em que os documentos autênticos têm força probatória plena, decorre dos artigos 371º e 372° e em relação aos documentos particulares, do artigo 376°, conjugados com o disposto no artigo 393º, nº 2, todos do Código Civil. Nesta parte a prova testemunhal só é de admitir se o documento for arguido de falsidade.[7]
O regime estatuído no Artigo 394º, nº l, do Código Civil, não impede o recurso à prova testemunhal e por presunções para a prova de vícios de consentimento bem como qualquer divergência, não convencionada (exclui-se a simulação), entre a vontade real e a vontade declarada, porquanto tais situações não consubstanciam quaisquer pactos contrários ou adicionais ao conteúdo do documento, mas simples factos estranhos a esse conteúdo.[8]
Tal regime também não obsta a que se faça prova testemunhal que tenha por objeto o motivo ou o fim do negócio, o qual não é contrário ao conteúdo do documento nem constitui uma cláusula adicional à declaração.[9]
Mas, mesmo nas situações em que a prova testemunhal e por presunções (por maioria de razão, art.º 351º do Código Civil) está vedada, a doutrina nacional e estrangeira, assim como a nossa jurisprudência têm vindo a admiti-la, com maior ou menor amplitude, quando existe um começo de prova por escrito, caso em que a prova testemunhal terá o papel “de um suplemento de prova, pois as testemunhas não são já o único meio de prova do facto; e a exceção justifica-se pela circunstância de, neste caso, o perigo da prova testemunhal ser, em grande parte, eliminado, uma vez que a convicção do juiz está já formada em parte com base num documento”[10].
Como ensina Vaz Serra[11], “(…) afigura-se razoável que (…) se permita a prova de testemunhas contra ou além do conteúdo do documento (…) quando essa prova seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção que com ela se quer demonstrar, afastando-se, assim, os perigos que a simples prova testemunhal implicaria. O tribunal deveria convencer-se de que o pacto contrário ou adicional é, vistas as circunstâncias do caso, verosímil”.
Escreve Luís Pires de Sousa[12] citando Carvalho Fernandes[13], que “o começo da prova por escrito pode ser constituído por um só escrito ou por vários, mesmo que não subscrito. Deve emanar daquele a quem é oposto, não de um terceiro. A letra ou assinatura desse escrito devem ser previamente reconhecidas ou verificadas; “enquanto não é verificado, o escrito discutido não pode servir de começo de prova porque não se sabe de quem emana.” Será de admitir o escrito que não seja do punho da contraparte (ou seu procurador) mas que tenha sido criado com a sua participação, v.g., auto que contenha respostas da parte a interrogatório formal. Não é necessário que o escrito esteja dirigido à parte que o exibe. O escrito deve tornar verosímil o facto alegado. Entre o facto indicado pelo escrito e aquele que deveria ser objeto de prova testemunhal, deve existir um nexo lógico tal que confira ao último um relevante fumus de credibilidade. Esse nexo lógico não corresponde a um simples momento inferencial de uma argumentação presuntiva, mas deve ser entendido como dado instrumental de um convencimento probabilístico, que o juiz pode firmar com uma razoável correlação lógica entre o conteúdo do escrito e o facto controverso”. “O que se exige é que o documento ou o conjunto de documentos disponíveis no processo torne plausível ou razoável admitir a verosimilhança dos factos que segundo a parte que os alega, qualificam a simulação. Por outras palavras, esses documentos têm de permitir, como um dos sentidos possíveis do seu conteúdo, a comprovação dos factos em que se traduz a simulação.[14]
Numa referência à jurisprudência francesa, afirma L. Filipe Pires de Sousa[15] que tem sido entendido nos tribunais daquele país que constituem princípio de prova por escrito as seguintes situações:
- O documento que reconhece uma dívida cuja assinatura é rasurada pelo credor;
- Cheques cuja assinatura do sacador não é contestada constituem escritos que tornam verosímil a existência do crédito invocado pelo beneficiário contra o sacador;
- O testamento revogado depois do ato litigioso;
- Um documento não assinado desde que a parte contra quem é oposto reconheça que é da sua autoria;
- As declarações verbais relatadas num escrito, v.g. num inquérito criminal.
A jurisprudência portuguesa tem aderido à referida construção e Vaz Serra, admite expressamente três exceções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393º, nºs 1 e 2 e 394º do Código Civil:
a) Existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado;
b) Impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal;
c) Ocorrência da impossibilidade de prevenir a perda, sem culpa, da prova escrita.[16]
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.3.2011[17] expressou de forma clara que a prova testemunhal relacionada com convenção contrária ao conteúdo de escritura pública é de ter como admissível quando complementar (coadjuvante) de um elemento de prova escrito que constitua um suporte documental suficientemente forte para que, constituindo a base da convicção do julgador, se possa, a partir dele, avançar para a respetiva complementação, ou seja, demonstrar não ser verdadeira a afirmação produzida perante o documentador.
Como se denota, não são lineares os fundamentos da admissibilidade da prova testemunhal nas situações a que se referem os art.ºs 393º e 394º do Código Civil, devendo partir-se da doutrina citada para o caso concreto tendo em consideração a ampla diversidade das suas circunstâncias e condições.
Certo é que a nossa doutrina e jurisprudência têm caminhado no sentido de uma interpretação restritiva dos art.ºs 351º e 394º, nºs 1 e 2, do Código Civil, alargando a possibilidade de consideração a prova testemunhal.[18]
Os recorrentes argumentaram com a falta de quaisquer documentos que, tornando inverosímeis os atos documentados (divórcio e partilha), viabilizem a prova testemunhal no caso sub judice na demonstração da simulação. Ou seja, na sua perspetiva, não existe qualquer documento ou conjunto de documentos junto ao processo que permita abrir a porta à prova testemunhal, com a segurança de um princípio de prova documental que autorize a produção daquela prova como simples complemento probatório.
Acontece que os apelantes falham no fundamento que invocam. Para que a questão que colocam tivesse viabilidade seria necessário assentar em que o A. é um dos simuladores, com aplicação do nº 2 do art.º 394º do Código Civil. Mas não é assim.
Como explica Pires de Sousa[19], “no que tange à arguição da simulação pelos herdeiros dos simuladores, partindo do pressuposto de que os herdeiros sucedem globalmente na precisa situação jurídica de natureza não pessoal que tinha o autor da herança, é de admitir, à partida, que lhe sejam aplicáveis as restrições de prova que impendiam sobre o simulador.
Todavia, não é de excluir que possam ser tratados como terceiros quando visem satisfazer interesses específicos da sua posição de herdeiros que seriam afetados pela subsistência de tal ato e, desta forma, arredá-los das limitações de prova a que ficam sujeitos os simuladores”.
Carvalho Fernandes[20] escreve a propósito que “é, sem dúvida, como terceiro que após a morte do autor da simulação, atua o herdeiro legitimário que, por exemplo, pretende demonstrar que certo ato de compra e venda praticado pelo seu progenitor encobre, na realidade, uma doação”.
Têm, obviamente, os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respetiva legítima, ainda que não com esse intuito. Deste modo, os herdeiros legitimários devem ser considerados como terceiros quando se proponham defender um direito próprio contra os atos simulados do autor da herança.[21] Como tal, são considerados terceiros e não estão sujeitos às restrições dos nºs 1 e 2 do art.º 394º, ex vi nº 3 do mesmo artigo.
Os terceiros podem utilizar a prova testemunhal contra as partes simuladoras, mesmo nos casos em que semelhante recurso está vedado entre elas.[22]
Sendo o A. terceiro relativamente às alegadas atos simulados em que terão intervindo como simuladores o seu progenitor e a mulher dele, F…, é de admitir e relevar a prova testemunhal produzida.
O caso, pelas suas caraterísticas, justifica ainda que se faça uma breve referência às máximas da experiência, aqui especialmente relevantes, como na generalidade das situações que envolvem a simulação de atos jurídicos. Precisamente por visarem ocultar a realidade, normalmente atos dissimulados, ninguém pode esperar facilidade na sua demonstração.
Gilberto Silvestre[23], seguido por L. F. Pires de Sousa, define as máximas da experiência como sendo noções extralegais e extrajudiciais a que o juiz recorre, as quais são colhidas nos conhecimentos científicos, sociais e práticos, dos mais aperfeiçoados aos mais rudimentares. Tais conhecimentos não representam a íntima convicção do juiz mas fatores que surgem da vivência (experiência) coletiva e são apreensíveis pelo homem médio, adquirindo autoridade precisamente porque trazem consigo essa imagem do consenso geral.
No concerne à utilização das máximas da experiência na função probatória (apuramento de factos e formação da convicção do juiz), elas intervêm na construção das presunções judiciais, nas quais operam como a premissa maior do silogismo factual que se produz ao adotar o facto indiciado como premissa menor.
No sistema de persuasão racional, as máximas da experiência atuam como elemento auxiliar na análise das provas produzidas, incidindo diretamente na valoração das provas. Ou seja e de forma geral, a valoração dos resultados probatórios consiste numa operação gnoseológica que leva o juiz a aceitar a alegação factual x em decorrência da aquisição do meio de prova y mediante o recurso a uma máxima de experiência, com base na qual se pode considerar provavelmente verdadeira a alegação x em presença do meio de prova y.[24]
Sobre o tema, considera Pires de Sousa:[25] “É certo que as máximas da experiência não podem oferecer uma certeza absoluta mas não deixam de conceder um valor cognitivo de probabilidade mais racional porquanto decorrem daquilo que ordinariamente acontece e é apreensível pelo homem de cultura média.
Iluminados pelas referidas considerações, aproximemo-nos mais do caso concreto.
Na impugnação da decisão sobre matéria de facto, não está em causa a ocorrência de determinados atos jurídicos. Ambas as partes aceitam que ocorreu o divórcio entre o C… e a F…, por mútuo consentimento, no dia 16.8.2013, que, seis dias depois, em 22.8.2013, puseram fim à comunhão de bens do casamento, por partilha amigável, pela qual todos os bens comuns foram adjudicados à F…, que treze dias após o divórcio, a F… legou ao E…, por testamento, todo o seu dinheiro, bem como o usufruto vitalício de todos os seus bens, móveis ou imóveis, caso este lhe sobrevivesse e que instituiu os RR. como herdeiros do remanescente da herança, na condição de estes cuidarem de si e do C… enquanto fossem vivos, passando os mesmos a ser herdeiros únicos e universais do património da F… se o E… falecesse antes dela, testadora.
Da prática destes atos, resultou o afastamento do A., herdeiro legitimário (art.º 2157º do Código Civil) da sucessão de seu pai, fora das condições de deserdação previstas no art.º 2166º do mesmo código, em benefício dos RR., instituídos, por testamento da F…, seus únicos e universais herdeiros.
A questão essencial é saber se, na origem dos mesmos atos e pela sua prática, está o facto psicológico intenção do casal de afastar o A. da referida herança.
Está provado e aceite pelos RR. que o A. nasceu de uma relação extraconjugal do C… (com T…), que do matrimónio dele com a F… não nasceram filhos, que aquela filiação paterna era conhecida de vizinhos e familiares do E… e chegou ao conhecimento da sua mulher, F… que nunca a aceitou e que o seu cônjuge sempre ignorou alheando-se por completo das suas responsabilidade de pai.
Se, a estes elementos, aportarmos ainda que, no ano de 2013 (ano da prática dos referidos atos jurídicos) o E… tinha 81 anos e que a sua mulher contava então 84 anos, idades que se situam próximas dos limites da esperança de vida do homem e da mulher portugueses e ainda que é do conhecimento geral serem, compreensivelmente, raríssimos os divórcio nos termos de vida, havemos de encontrar boas e fundadas razões para justificar tão repentina prática de atos jurídicos que não sejam a deserdação de um homem de quem o pai sempre se alheou e que o casal nunca aceitou.
A primeira impressão que nos fica é a de que tudo foi feito para prejudicar o A. em benefício dos RR. Note-se que o R., era sobrinho da testadora F… (filho da testemunha L…, irmã da F…) e que esta nunca escondeu o sentimento de animosidade que nutria em relação ao A. e que também o C… cultivou, em relação a ele, seu filho, distanciamento e desinteresse.
Acautelada, pelo testamento, a posição do C… - para a hipótese de sobrevivência à testadora -, apenas com dinheiro e um direito real menor que se extinguiria no final da sua vida, é óbvio que os RR. viriam a ser, com exclusão do A., os grandes beneficiários dos bens que integravam o património comum do casal.
Impressiona a forma rapidíssima com que todos os atos se desenrolaram, deixando a ideia de que serviam o referido propósito.
Qualquer homem razoável e normalmente avisado e informado, perante os referidos factos (que não foram postos em causa neste recurso) se convenceria, ao menos, primordialmente, de que tudo foi feito pelo casal para deslocar os bens, comuns (estavam casados em comunhão geral de bens), do casal para o património exclusivo da F… e, assim, não permitir que o A., filho do C…, sucedesse nos bens do pai.
Será que a prova produzida permite inverter esta ideia?
A resposta é francamente negativa.
As testemunhas indicadas pelos RR. - K…, prima afastada dos demandados, L…, mãe do R. M…, ex-prestador de serviços de seguros aos RR. e atualmente amigo do R. na Suíça, N… e O…, que foram inquilinas dos RR. e suas vizinhas - não prestaram depoimentos suficientemente fortes para abalarem, no essencial, as prestações das demais testemunhas, indicadas pelo A. – P…, irmão do falecido C…, Q…, marido da sobrinha da F…, I…, a mulher da testemunha anterior e J…, primo do A. e dos RR. - formando estas um bloco de prova mais consentâneo com o conjunto dos factos dados por provados e não impugnados, numa versão que, no geral, não deixou dúvidas assinaláveis.
De realçar a manifestação da sua estranheza por um divórcio de que apenas tomaram conhecimento nas circunstâncias do enterro do C…, para mais afirmando que nunca notaram qualquer diferença no modo de vida do casal, sempre a residir na mesma casa, tomando refeições juntos e dormindo na mesma cama, sempre com apoio dos RR., residentes numa casa anexa cedida pelos falecidos, praticamente desde que casaram um com o outro, apoio que se foi acentuando com o envelhecimento deles (sem prejuízo da colaboração que tiveram de uma mulher nos últimos tempos da vida deles).
Ficou suficientemente demonstrado que os falecidos não tinham um bom relacionamento, dizendo uns que era por causa da F… (ciumenta e permanentemente receosa da infidelidade do marido, outros (as testemunhas indicadas pelos RR.) que era por causa dele, que lhe dava maus tratos, exercendo até violência física. Porém, só da existência de desavenças, sem alterações significativas do modo de vida do casal ao longo dos tempo, nos convencemos.
O C… chegava a ter medo da mulher; não falava nem queria que falassem da sua paternidade junto da F….
Numa comunidade de vizinhos muito próximos e conviventes com o casal, como era a generalidade das testemunhas que o A. indicou (a maior parte delas, só o conheceu depois da morte do pai, por não residir, o demandante, nas proximidades), apenas soube dos atos jurídicos em causa aquando do enterro do C…, encarando tais factos com grande surpresa e estupefação. Sendo normalmente a prática de atos daquele tipo publicitados em freguesias rurais, aquela ocultação constituiu também uma circunstância que aponta para a intenção de esconder a sua realização, evitando o controlo da sua veracidade e da intencionalidade dos intervenientes e colaboradores.
Sabendo-se generalizadamente na freguesia da paternidade do falecido relativamente ao A., não faz qualquer sentido a afirmação do R. de que o A. não era tido como filho do C… (mesmo depois de uma sentença que declarou a paternidade). Como não faz sentido a afirmação que fez, tal como a R., de que só depois do óbito do tio souberam do divórcio do casal, da partilha e do testamento. Eles que os acompanhavam, que os levavam e conduziam sempre que era necessário, onde quer que fosse, sendo os falecidos já pessoas idosas e dependentes! O irmão do C…, P…, muito próximos e amigos, mesmo com visitas a casa, disse que o seu irmão não era pessoa para se divorciar e que terá sido o R. que andou a tratar de tudo. Ninguém indicou em audiência que pudesse ter havido ajuda de mais ninguém. Eles é que olhavam pelo casal.
Foram várias, convincentes e explicadas as referências testemunhais de que o C… e a mulher, D…, sabiam muito bem que o C… tinha um filho e que era um verdadeiro disparate a afirmação de que não sabiam disso. Este conhecimento foi perfeitamente desvendado.
Não houve uma única testemunha que indicasse que os falecidos, quando saíam de casa para ir a qualquer lado, tratar de algum assunto, fossem levados por pessoas que não fossem os RR. Eram estes que habitualmente os deslocavam e relatou o Q… (cuja esposa era sobrinha da F…) ser sabedor pela boca do tio C…, há cerca de 4 anos, que foi o R. que levou o casal ao solicitador H… para assinarem documentos com vista a não deixarem nada ao filho. Disse que tentaram que eles se divorciassem para não deixar nada ao filho. Mais lhe disse que ele reagiu mais ou menos assim: “Olha agora, com sessenta e tal anos de casamento é que me ia divorciar da minha mulher!” O C… chegou a dizer-lhe também que gostaria de deixar alguma coisa ao rapaz, referindo-se ao seu filho, mas que a sua mulher se opunha, que não deixava…
A testemunha I… prestou depoimento no mesmo sentido. Referiu que o C… lhe contou que foi assinar uns papéis ao solicitador H… e que foi “o moço” que o levou. Ele referia-se ao R. por “moço”. Era a sua tia que puxava para (o interesse do) o afilhado (o R.).
O C… reconhecia que tinha aquele filho (embora não perante a F…). Veja-se, por exemplo, o depoimento de J…, primo do A. e dos RR. que tirou uma fotografia ao C… com o A. e com o neto (filho do A.) quando os foi conhecer; fotografia que, a pedido do falecido C…, só exibiu à família depois da sua morte.
É certo que, no acordo de partilha, subsequente ao divórcio, ficou a constar que o C… recebeu tornas, mas ninguém diz onde é que elas estão. Sendo referidas pelo valor de €37.073,00, como e onde foram gastas por um homem idoso e dependente dos RR. que viria a falecer pouco mais do que um ano após tal partilha?
A afirmação feita pelas testemunhas do testamento de que a testadora sabia bem o que estava a fazer quando testou, nada tira à matéria dada como provada; parece até apontar para o seu reforço.
Tudo ponderado, conjugando os factos dados como provados e não impugnados com os documentos juntos aos autos, com o conjunto dos depoimentos prestados na audiência final e com as regras da experiência comum, não hesitamos em considerar provada toda a matéria impugnada no recurso.
Concluindo, confirma-se a decisão proferida em matéria de facto.
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2. Consequências jurídicas da alteração da decisão em matéria de facto
Nos termos das alegações da apelação, os recorrentes apenas extraem consequências jurídicas da modificação da decisão da matéria de facto que propõem, ou seja, não recorrem da decisão de Direito tomada pela 1ª instância com base nos factos ali dados como provados.
Assim se tendo impugnado a sentença e não havendo qualquer alteração da decisão da matéria de facto, de acordo com o disposto no art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, nada mais nos cumpre apreciar e decidir.
Neste enfiamento, a sentença deve ser confirmada, com total improcedência da apelação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente, por ter decaído totalmente no recurso.
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Porto, 18 de dezembro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Por transcrição.
[3] Por transcrição.
[4] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[5] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[6] Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, págs. 178, 193, e 202. Cf. ainda Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I 4ª Ed., 1987, pág.. 313.
[7] Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Almedina, 2016, 2ª edição, pág. 171.
[8] Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, Almedina, 2013, pág. 221 e Almeida Costa, Anotação na RLJ, Ano 129º, nº 3872, pág. 361.
[9] Idem, Pires de Sousa, citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.1997, Colectânea de Jurisprudência, T. I, pág.s 121-125
[10] VAZ SERRA, Provas, Direito Probatório Material, BMJ nº 112, pág.s. 219-220.
[11] Provas, Direito Probatório Material), BMJ 112/193 e 194, a propósito das cláusulas ou convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento.
[12] Prova Testemunhal, Almedina 2013, pág. 229, designadamente, citando Luigi Comoglio, Le Prove Civili, pág.s 609-610 e Vaz Serra, ob cit., BMJ 112/223.
[13] Estudos sobre a simulação, Quid Juris, 2004, pág.s 59 e 60.
[14] Pág. 225.
[15] Ob. cit., pág. 230.
[16] Acórdãos citados pelo referido autor, ob. cit., pág. 231.
[17] Proc. 758/06.3TBCBR-B.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[18] Pires de Sousa, ob. cit., pág. 225 e 226, citando ainda Carvalho Fernandes, entre outra doutrina e vários acórdãos dos Tribunais Superiores, para onde também remetemos.
[19] Ob. cit., pág. s 226 e 227.
[20] Publicação citada, pág. 99.
[21] Ob. cit., pág. 227. Ainda, acórdão da Relação de Lisboa de 13.4.2010, proc. 5169/05, ali citado, assim como o acórdão da Relação de Guimarães de 14.10.2010, Colectânea de Jurisprudência, T. IV, pág. 270.
[22] Fernando Pereira Rodrigues, ob. cit., pág. 172.; P. Lima e A. Varela, Código Civil anotado, anot. ao art.º 394ª; José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 3ª edição, pág. 283, nota. 12.
[23] As Máximas de Experiência no Processo Civil, Vitória, 2009, pág. 34,137,138.
[24] António Carrata, Prova e convincimento dei giudice nel processo civileComo , Rivista di Diritto Processuale, Ano 2003, pág. 43.
[25] Ob. cit., pág. 339.