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INSOLVÊNCIA
APRESENTAÇÃO
DOCUMENTOS
LISTA DE CREDORES
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
Sumário
I - A consequência jurídica aplicável à falta de apresentação dos documentos previstos no nº 1, do artigo 24º do CIRE é também aplicável, por identidade de razão, ao caso em que o documento oferecido não obedece a todos os requisitos legais, sempre que essa insuficiência no documento oferecido se reflita negativamente na consecução das finalidades imediatas do processo, atenta a fase processual em que os autos se acham e não seja viável o seu ulterior suprimento. II - No caso de insolvência por apresentação do devedor, o oferecimento de lista de credores, com a referência de que os respetivos créditos estão vencidos, mas sem indicação da data precisa da data do vencimento, não obsta ao prosseguimento do processo especial de insolvência, com a imediata declaração de insolvência nos termos previstos no artigo 28º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, se nada mais a tanto obstar.
Texto Integral
Processo nº 1502/18.8T8AMT.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 1502/18.8T8AMT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ....................................................................... ....................................................................... .......................................................................
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 15 de outubro de 2018, no Juízo de Comércio de Amarante, Comarca do Porto Este, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação de patrono, B…veio apresentar-se à insolvência requerendo que seja declarada insolvente e que seja admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, instruindo a petição, além do mais, com lista de credores não ordenada alfabeticamente e sem indicação da data do vencimento dos créditos.
Fundamentou as suas pretensões alegando para o efeito, em síntese, que é viúva desde 1998 e que devido a doença crónica nunca pôde trabalhar, fazendo apenas trabalhos esporádicos que iam aparecendo; atualmente vive sozinha em casa arrendada e já não consegue arranjar biscates para fazer face às suas necessidades, tendo sido convencida pelo seu filho C… a contrair um empréstimo de crédito ao consumo para aquisição de uma viatura para este, com a promessa de que não tinha que se preocupar com nada; porém, contra o compromisso que assumira, o filho da requerente deixou de efetuar o pagamento da prestação do crédito ao consumo para aquisição do veículo, estando a requerente a ser alvo de variadas interpelações para pagamento e de ameaças de processos judiciais, bem como de notificações das finanças relativas a coimas pelas passagens pelas SCTS e ao imposto de circulação do mesmo veículo; a requerente vive sozinha e com recurso a uma pensão mensal de sobrevivência de €165,75, sendo todas as dívidas que sobre si recaem, no montante de cerca de dezasseis mil euros, da responsabilidade de seu único filho; o único rendimento de que dispõe, a aludida pensão de sobrevivência, é gasto em alimentação, água, luz, gás, electricidade e farmácia, não chegando por vezes para estas despesas, ficando muitas vezes por pagar a renda de casa; afirma reunir as condições necessárias para que lhe seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante e que para fazer face às despesas mínimas de sustento, de vivência do dia a dia, alimentação e vestuário e para ajuda à sua mãe no pagamento das despesas da casa carece de quantia nunca inferior a dois salários mínimos nacionais.
Com data de 16 de outubro de 2018 foi proferido o seguinte despacho[1]:
“Antes de mais, notifique a requerente para, em 5 dias, juntar aos autos relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais (cfr. artigo 24.º, n.º 1, al. a) do CIRE) e relação de bens que tenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens ou direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, doados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do valor actual (cfr. artigo 24.º, n.º 1, al. e) do CIRE), sob pena de indeferimento liminar.”
Em 17 de outubro de 2018, em resposta ao despacho que se acaba de transcrever, B… relacionou o veículo automóvel de matrícula .. – HG - .., com reserva de propriedade a favor do Banco D…, SA, alegadamente na posse de seu filho e ofereceu nova lista de credores, idêntica à que já havia apresentado com a petição inicial, salvo na ordenação alfabética dos credores que desta feita observou.
Em 22 de outubro de 2018, foi proferida a seguinte decisão[2] que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz:
“Por despacho de 16-10-2018 foi ordenada a notificação da requerente para, em 5 dias, juntar aos autos relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais (cfr. artigo 24.º, n.º 1, al. a) do CIRE) e relação de bens que tenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens ou direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do valor actual (cfr. artigo 24.º, n.º 1, al. e) do CIRE), sob pena de indeferimento liminar. Veio a requerente responder ao convite formulado, nos termos que constam de fls. 13 e ss. (requerimento de 17-10-2018). Ora, a relação de credores junta a 17-10-2018 não cumpre integralmente com o determinado no artigo 24.º, n.º 1, al. a) do CIRE e, por inerência, com o despacho de 16-10-2018, pois não indica a data de vencimento dos créditos em causa, limitando-se a afirmar que os créditos já se encontram vencidos. Note-se, que ao contrário do que sucede quando a petição inicial é apresentada por requerente que não seja o devedor, situação em que a lei expressamente permite que os documentos aludidos no artigo 24.º sejam juntos posteriormente pelo próprio devedor (cfr. artigo 23.º, n.º 2 do CIRE), o mesmo não sucede quando a petição é apresentada por este. De facto, nesta ultima situação, que é a dos autos, o devedor deve juntar os documentos mencionados no artigo 24.º, n.º 1 do CIRE, não permitindo a lei relegar a sua junção para posterior momento. Ademais, a data de vencimento da divida constitui um elemento fundamental, designadamente, para efeitos de exoneração do passivo restante e qualificação de insolvência e sendo, ou devendo ser, do conhecimento dos devedores. Pelo que se indefere liminarmente o presente processo especial de insolvência. ”
Em 10 de novembro de 2018, inconformada com a decisão que precede, B… interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A. A sentença do Tribunal “a quo” de que se recorre indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pela ora Recorrente por considerar que a petição inicial não estaria acompanhada de documentos imperiosos à sua instrução. B. A Recorrente não concorda com tal posição. C. Apresentado o pedido de insolvência, a Recorrente foi notificada para juntar aos autos “relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, e da eventual existência de relações especiais (cfr. Artigo 24º, nº 1, al. a) do Cire e relação de bens que tenha em regime de arrendamento, aluguer ou locação financeira ou venda com reserva de propriedade, e de todos os demais bens ou direitos de que seja titular, com indicação da sua natureza, lugar em que se encontrem, dados de identificação registral, se for o caso, valor de aquisição e estimativa do valor atual (cfr. Artigo 24º, nº 1, al. e) do Cire), sob pena de indeferimento liminar.” D. A Recorrente respondeu juntando novos documentos a que aludem as alíneas a) e e) do nº 1 do artigo 24º do Cire. E. Entendeu o Tribunal “a quo” que o documento a que alude a alínea a) não cumpria integralmente a lei, pois “não indica a data de vencimento dos créditos em causa, limitando-se a afirmar que os créditos já se encontravam vencidos.” – sublinhado nosso. F. Essa foi a única razão para o indeferimento liminar: a não indicação da data do vencimento dos créditos. G. Tudo o resto consta do referido documento, da relação de credores. H. A Recorrente não procedeu à indicação das datas de vencimento dos créditos que relacionou porquanto, conforme tinha sido indicado no seu requerimento inicial do pedido de declaração de insolvência, todas as dívidas relacionadas foram contraídas a pedido do seu filho, nomeadamente o crédito automóvel para financiamento da viatura que está na posse do seu filho, as dívidas fiscais resultantes dos impostos de circulação da mesma viatura e de passagens do filho pelas scuts sem pagamento, etc. I. A Recorrente é há largos anos pessoa de débil saúde física e mental, viúva, com este filho único, cujos pedidos anuía sem qualquer hesitação mas desconhecendo as implicações dos mesmos. J. A maioria das cartas que recebia pedindo o pagamento de valores em atraso, o filho ficava com elas dizendo que não se preocupasse, que estava tudo resolvido. K. O filho está agora ausente no estrangeiro, sem a Recorrente conseguir com ele qualquer contato. L. Não tinha a Recorrente como proceder à indicação das datas de vencimento dos créditos. M. Sendo certo que indicou os credores, e os mesmos seriam naturalmente posteriormente notificados da sentença de declaração de insolvência, e viriam eles próprios aos autos reclamar o seu crédito e proceder à indicação cabal do vencimento dos mesmos. N. Destarte, entende a Recorrente que a “falta de indicação da data de vencimento dos créditos” não é elemento essencial que deva constar do documento a que alude o artigo 24º, nº 1, al. a) do CIRE, sendo que a falta de indicação da data de vencimento dos créditos não impede o Tribunal “a quo” de se pronunciar sobre a situação ou não de insolvência da ora Recorrente. O. Neste sentido é unânime e abundante a jurisprudência: “I - Em conformidade com o disposto no artigo 27º, nº 1, alínea b) do CIRE, a falta de junção dos documentos enunciados no artigo 24º, nº 1, do mesmo diploma e a falta de justificação dessa omissão, de acordo com o disposto no nº 2, alínea b) deste artigo 24º, conduz ao indeferimento liminar da petição inicial (quando apresentada pelo devedor), se essa falta persistir na sequência da notificação a que alude o artigo 27º, nº 1, alínea b). II – O mesmo não acontece (necessariamente) quando tais documentos são apresentados mas não cumprem os requisitos legais; nestes casos, só se justificará o indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências forem substancialmente graves e de molde a poderem ser equiparadas à falta dos documentos e isso apenas acontecerá quando os documentos, tal como foram apresentados, não possuem a aptidão necessária para cumprir minimamente os objetivos e as finalidades que visam alcançar. III – Assim sendo, não há lugar ao indeferimento liminar da petição quando as falhas ou deficiências dos documentos apresentados são de natureza formal e sem relevância bastante para comprometer a sua função e utilidade, podendo ser facilmente colmatadas com o desenrolar do processo.” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 6540/12.1TBLRA.C1, in www.dgsi.pt) P. Ora, a Recorrente juntou TODOS os documentos a que alude o artigo 24º do Cire. Q. Apenas não indicou a data de vencimento dos créditos, situação que facilmente os credores poderão colmatar com o desenrolar do processo. R. A mesma conclusão teve o Acórdão proferido pelo da Relação de Guimarães, Processo nº 4551/11.3TBGMRA.G, disponível em www.dgsi.pt: “O indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência com base apenas na falta de junção de documentos a que alude o artigo 24º do Cire, após o decurso do prazo de cumprimento do despacho de aperfeiçoamento, só terá lugar nos termos do disposto no artigo 27º, nº 1, al. b) do Cire no caso de ocorrer essencialidade dos documentos em causa.” S. Já o Acórdão da Relação de Évora, Processo nº 747/16.0T8OLH.E1 dizia que “em face do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 27º do Cire, o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência está reservado apenas para as duas situações ali elencadas: quando é manifesta a improcedência do pedido e quando, mesmo oficiosamente, se verifique a existência de exceções dilatórias insupríveis.” T. No caso em concreto nenhuma destas situações se verifica! U. Assim sendo, só poderá haver indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência nos termos do disposto no artigo 27º, nº 1, al. b) do Cire, e nesse caso apenas quando ocorrer essencialidade dos documentos em causa, ou da informação que neles deve constar. V. O que no caso, é manifesto que não existe pelas razões atrás aduzidas. W. Assim nos ensina o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 3527/13.0TBVLG.P1, disponível em www.dgsi.pt: “O indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência com fundamento apenas na falta ou desconformidade de junção dos documentos a que alude o artigo 24º do Cire, após o decurso do prazo de cumprimento do despacho de aperfeiçoamento, só terá lugar nos termos do disposto no artigo 27º, nº 1, al. b) do mesmo código, no caso de ocorrer essencialidade dos documentos em causa, consistindo esta em o processo não estar legalmente em condições de poder prosseguir, na hipótese de permanência do vício. A junção da relação de credores a que se refere o artigo 24º, nº 1, al. a) do Cire, sem indicação da data de vencimento de todos os créditos, não é elemento essencial que impeça o prosseguimento do processo e, a falta da sua junção, não justifica o indeferimento liminar do pedido de declaração de insolvência da requerente/devedora. A relação de credores referida na al. a) daquele artigo 24º destina-se, por um lado, a facilitar a atividade do administrador e, por outro, complementarmente, a tonar mais expedita a verificação de créditos, não sendo estruturalmente condicionante da apreciação da situação do devedor/requerente.” X. Face ao exposto, julgou mal o Tribunal a quo quando indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência pela Recorrente.”
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, a sua relativa simplicidade e a natureza urgente dos autos, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir desde já. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil.
A única questão a decidir é a de saber se constitui fundamento legal de indeferimento liminar mediato da petição inicial, a apresentação de relação de credores sem indicação das datas de vencimentos dos créditos relacionados, no processo especial de insolvência por apresentação do devedor, na sequência de despacho judicial adrede efetuado para apresentação de relação de credores que, além do mais, contenha a data de vencimento dos créditos?
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos necessários e pertinentes para conhecimento da questão decidenda constam do relatório que precede e não se reproduzem nesta sede por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
A recorrente, abonando-se com vários acórdãos de variados Tribunais da Relação[3], pugna pela revogação da decisão recorrida e pelo decretamento da sua insolvência.
Para tanto, afirma que a falta de indicação das datas de vencimento dos créditos relacionados se deve ao facto de todas essas dívidas terem sido contraídas a pedido de seu filho, recebendo este a maioria das cartas com as interpelações para a efetivação dos pagamentos em atraso e ficando com elas, dizendo à recorrente para não se preocupar que estava tudo resolvido; além disso, os credores seriam notificados da sentença de insolvência, podendo, nessa sequência, reclamar os seus créditos e proceder à indicação cabal dos vencimentos dos mesmos, sendo que em seu entendimento a falta de indicação de vencimento dos créditos não é elemento essencial que deva consta da relação de credores.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 2º, nº 1, parte inicial da alínea a), do CIRE[4], podem ser objeto de processo de insolvência quaisquer pessoas singulares.
A recorrente é uma pessoa singular podendo assim ser sujeito passivo de um processo de insolvência.
De acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.”
O artigo 20º, nº1 do CIRE prevê que “a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se alguns dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento de obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 218º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua atividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no nº 2 do artigo 3º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.”
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 24º do CIRE, com a petição, o devedor junta, além do mais, relação alfabética de todos os credores, com indicação dos respetivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem e da eventual existência de relações especiais, nos termos do artigo 49º do mesmo código.
Prevê a alínea b) do nº 2 do artigo antes citado que o devedor deve ainda justificar a não apresentação ou não conformidade de algum dos documentos exigidos no nº 1.
“No próprio dia da distribuição, ou não sendo tal viável, até ao 3º dia útil subsequente, o juiz:
a) Indefere liminarmente o pedido de declaração de insolvência quando seja manifestamente improcedente, ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer oficiosamente;
b) Concede ao requerente, sob pena de indeferimento, o prazo máximo de cinco dias para corrigir os vícios sanáveis da petição, designadamente quando esta careça de requisitos legais ou não venha acompanhada dos documentos que hajam de instruí-la, nos casos em que tal falta não seja devidamente justificada” (artigo 27º, nº 1, do CIRE).
No caso dos autos, não há nem nunca houve verdadeiramente uma falta de junção do documento referido na alínea a), do nº 1, do artigo 24º do CIRE, mas sim o oferecimento de uma relação que não contém todos os elementos requeridos pela citada previsão legal, não tendo a devedora justificado por que razão omitiu a indicação das datas de vencimento dos créditos relacionados, apenas vindo esboçar essa justificação em sede de alegações de recurso.
Assim, a primeira questão que importa abordar é a de saber se a consequência jurídica aplicável à falta de apresentação dos documentos[5] previstos no nº 1, do artigo 24º do CIRE é também aplicável, por identidade de razão, ao caso em que o documento oferecido não obedece a todos os requisitos legais.
A nosso ver, a tarefa da delimitação do âmbito de aplicação da consequência jurídica prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 27º do CIRE não se pode dissociar da finalidade visada com a exigência de oferecimento dessa documentação.
Deste modo, sempre que a insuficiência no documento oferecido se reflita negativamente na consecução das finalidades imediatas do processo[6], ou seja, da fase processual em que os autos se acham, afigura-se-nos que deve ser equiparada a uma falta de oferecimento, sendo-lhe aplicável a consequência jurídica prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 27º do CIRE.
A conclusão que antecede obriga-nos a determinar se a falta de indicação das datas de vencimentos dos créditos relacionados[7] pela recorrente obsta à prossecução dos autos e à eventual apreciação da reunião dos requisitos para a declaração de insolvência, nos termos previstos no artigo 28º do CIRE.
Na decisão recorrida, refere-se que a indicação das datas de vencimento dos créditos relacionados releva, nomeadamente, para efeitos de exoneração do passivo restante, bem como para a qualificação da insolvência.
De facto, cremos que esta observação do tribunal a quo é certeira, já que com a indicação das datas de vencimento dos créditos relacionados se pode aferir se houve atraso na apresentação à insolvência, para os efeitos previstos na segunda parte da alínea d), do nº 1, do artigo 238º do CIRE, se está indiciada a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência (artigos 186º, nº 1 e 238º, nº 1, alínea e), ambos do CIRE).
Porém, sendo certeira esta observação do tribunal recorrido, não menos certo é que a relevância da indicação das datas precisas de vencimento dos créditos relacionados apenas se projeta em momentos ulteriores do processo de insolvência, quando se curar do deferimento inicial do incidente de exoneração do passivo restante e do incidente de qualificação da insolvência, não obstando essa omissão à imediata declaração de insolvência.
Ora, declarada a insolvência, serão chamados ao processo os credores relacionados os quais, com toda a certeza, não deixarão de indicar as datas de vencimento de cada um dos seus créditos, tal como o administrador da insolvência terá em regra condições para determinar essas datas mediante os contactos que estabelecer com cada um dos credores e com a insolvente.
Se acaso por hipótese absurda assim não suceder, resta ao tribunal fazer uso dos poderes que lhe assistem em sede de processo especial de insolvência, tal como previsto no artigo 11º do CIRE.
Neste contexto, afigura-se-nos que a relação de credores apresentada pela recorrente, apesar de omissa quanto às datas precisas de vencimento de cada um dos créditos relacionados, não deve ser equiparada à falta de oferecimento dessa relação, não havendo por isso lugar ao indeferimento liminar mediato da petição inicial e devendo o despacho recorrido ser revogado, prosseguindo os autos com decisão nos termos previstos no artigo 28º do CIRE, salvo se outro obstáculo ainda não conhecido obstar à prolação dessa decisão[8].
De facto, não obstante o disposto no nº 2, do artigo 665º do Código de Processo Civil, atenta a inexistência neste tribunal de uma escala de administradores de insolvência, já que o sorteio legalmente previsto ainda não se acha implementado, bem como a circunstância da declaração de insolvência determinar, em regra, a realização de assembleia de credores para apreciação do relatório, afigura-se-nos que tal obsta a que possa ser proferida neste tribunal sentença de insolvência em substituição do tribunal recorrido.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, já que a insolvência ainda não foi decretada (artigo 304º do CIRE).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, em revogar o despacho recorrido proferido em 22 de outubro de 2018, prosseguindo os autos com decisão nos termos previstos no artigo 28º do CIRE, salvo se outro obstáculo ainda não conhecido obstar à prolação dessa decisão.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a recorrente.
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O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
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Porto, 18 de dezembro de 2018
Carlos Gil
Carlos Querido
Correia Pinto
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[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 16 de outubro de 2018.
[2] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 23 de outubro de 2018.
[3] Note-se que estes acórdãos não vêm referidos nas alegações de recurso, apenas sendo referidos nas conclusões das alegações que, ao invés do que é normal e legalmente exigido (ver artigo 639º, nº 1, do Código de Processo Civil) excedem em muito as alegações. Por outro lado, vêm citados sem indicação da respectiva data e um deles é erradamente atribuído ao Tribunal da Relação do Porto, quando de facto foi proferido no Tribunal da Relação de Guimarães, em 13 de março de 2012, no processo nº 4551/11.3TBGMR-A.G1, acessível na Base de Dados da DGSI. Os outros acórdãos que a recorrente cita são os seguintes, por ordem cronológica: acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de março de 2013, proferido no processo nº 6540/12.1TBLRA.C1, que se debruça sobre um caso em que falta a relação de bens; acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07 de abril de 2014, proferido no processo nº 3527/13.0TBVLG.P1 que conheceu de um caso em que na relação de credores se omitiu a data de vencimento de um dos créditos; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2017, proferido no processo nº 747/16.0T8OLH-E1 que incidiu sobre um caso em que faltava a relação de bens bem como o documento previsto na alínea c), do nº 1, do artigo 24º do CIRE.
[4] Acrónimo com que doravante se identificará o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[5] A este propósito veja-se Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, página 219, anotação 6, segundo parágrafo, em que a propósito da aceitação da justificação do devedor para o não oferecimento de certo documento exigido pelo nº 1 do artigo 24º do CIRE se refere que “sem que isso possa ser entendido como um meio de prejudicar as exigências legais, o tribunal não deve deixar de ponderar o facto de a falta do documento não afetar, por regra, a consecução dos fins do processo.”
[6] Por isso, na nossa perspetiva, sendo apenas relacionados quatro credores, a falta de ordenação alfabética dos referidos credores, atento o seu reduzido número, não deve ser equiparada à falta de oferecimento de documento com a relação de credores, já que a referida ordenação tem em vista uma maior eficiência e controlo das notificações dos credores relacionados, apenas se justificando quando esses credores são numerosos.
[7] Recorde-se que embora a devedora não indique as datas de vencimentos dos créditos relacionados, refere que todos estão vencidos.
[8] A petição inicial está longe de ser perfeita pois não tem a concretização fáctica desejável nalguns pontos, não indicando, por exemplo, o montante da renda de casa paga pela autora, quando é que o filho deixou de viver com a requerente, onde vive a sua mãe que afirma ajudar nas despesas da casa. Contudo, estas insuficiências são supríveis no desenrolar do processo e não obstam, nem o tribunal a quo assim o entendeu, à apreciação da requerida insolvência da autora.