PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM
Sumário

I - A unidade material do crime ou “a unidade material do delito” não se confunde com “a unidade processual do objeto de investigação e decisão (o objeto processual)”, nem entre uma e outra tem de existir uma perfeita simetria. Pois enquanto que com a exata definição da primeira se visa a exclusão do bis in idem punitivo, com a segunda visa-se a salvaguarda da estrutura acusatória do processo penal, ademais com as implicações de possibilidade ou não de conexão ou separação de processos, nos termos nomeadamente dos art.ºs 24º, 25º, 29º e 30º do Código de Processo Penal.
II - Apesar de subsumíveis aos mesmos tipos-de-ilícito da primeira condenação, não ocorre violação do princípio ne bis in idem se os factos objeto do novo julgamento traduzirem uma diferente e autónoma realidade histórica, portadora de uma nova intenção de consumação típica, embora objetiva e subjetivamente enquadráveis na realização plúrima daqueles mesmos tipos de crime, para efeitos do disposto no art.º 30º, nº 1, do Código Penal, encontrando-se por isso, e apenas, com os primeiramente julgados, numa relação de concurso efetivo, real e homogéneo.
III - Ainda que os novos factos pudessem integrar com os primeiros uma relação de continuação criminosa, com o sentido e alcance compreendidos no nº 2 do art.º 30º do Código Penal, a questão a colocar seria então de dosimetria da gravidade dos factos que constituíram o objeto do primeiro julgamento e os que constituem o objeto do processo a ele subsequente, nos termos do art.º 79º do Código Penal, sendo de manter a pena anteriormente aplicada caso no objeto da respetiva condenação já haja sido considerada a conduta mais grave que integra a continuação ou de aplicar a nova pena, em substituição daquela, se se considerar que a conduta mais grave foi a subsequentemente julgada.
IV - Só a falta de algum dos elementos que integram a fundamentação, descritos no nº 2 do art.º 374º é susceptível de gerar a nulidade a que alude o art.º 379º, nº 1, al. a), do Código de Processo Penal.
V - Por isso mesmo a falta de fundamentação, para o efeito de integrar a nulidade da sentença, a que aludem as disposições conjugadas dos art.ºs 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, não se confunde com “a insuficiência ou mediocridade da motivação” da decisão proferida sobre a matéria de facto, e muito menos com a invocação de outras possibilidades de motivação que não coincidam ou que até se pretendam assumir como melhores do que a perfilhada na decisão recorrida, pois neste caso será o mérito que estará em causa e não a validade (formal) da própria decisão.
VI - Constitui vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP, a omissão de facto relevante para a decisão a proferir que devesse ter sido objeto de julgamento e não o haja sido.
VII - Não integra por si só tal vício a omissão relativa à alegação na contestação de factos jurídico-conclusivos ou jurídico-concretos que traduzam apenas contestação indireta ou per positionem dos que haviam sido alegados pelo Ministério Público na acusação, visando-se com eles apenas negar a realidade destes últimos.
VIII - A determinação do que sejam factos juridicamente relevantes para integrarem o objecto da prova ou tema da prova, à luz do disposto no art.º 124º do CPP, há de ser feita na articulação dos art.ºs 283º, nº 3, al. b), 368º, nº 2, al. a), e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, sempre de molde a que com a sua descrição fiquem minimamente salvaguardados os princípios do acusatório, do contraditório e com eles todas as garantias de defesa do arguido, assim como a própria delimitação do âmbito objectivo do caso julgado, desiderato só alcançável com a descrição do facto histórico-concreto da vida, “incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática (…)”.
IX - Pese embora não devam ser incluídos na decisão da matéria de facto juízos valorativos ou de caráter conclusivo, os quais deverão apenas constar da fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica da decisão, a sua inclusão na parte relativa à decisão da matéria de facto dada como provada será todavia inócua se os factos concretos constitutivos do objeto do processo se encontrarem devidamente inscritos naquela decisão, e em termos tais que possam afirmar, na sua autonomia, uma concreta e determinada realidade que fundamente ou logicamente se harmonize com a afirmação contida nos primeiros.
X - O montante da indemnização a cujo pagamento fica sujeita a suspensão da execução da pena de prisão deve ser fixado de acordo com critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo-se nomeadamente em conta as condições económicas e financeiras do condenado, reveladas nos autos, incluindo o potencial de ganhos futuros, assim como a possibilidade de pagamento diferido daquele montante.

[sumário elaborado pelo relator]

Texto Integral

Processo n.º 484/15.2TELSB.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro

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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1. No Processo n.º 484/15.2TELSB, que corre termos no Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 9, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 19 de junho de 2018, foi julgada parcialmente procedente a acusação e, consequentemente, decidiram os Srs. Juízes que compunham o Tribunal Coletivo:

“1. Quanto ao arguido B…:
a) Condenam este arguido, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. a), d), e) e f), do CP, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
b) Condenam este arguido, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
c) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam este arguido na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão;
d) Suspendem a pena de prisão aplicada a este arguido pelo período de 3 anos e 10 meses, com a condição do arguido pagar ao Estado – Serviço Nacional de Saúde – Administração Regional de Saúde do Norte (entidade ofendida), no prazo de 3 anos e 10 meses, a quantia de €38.000,00.2. Quanto ao arguido C…:
a) Condenam este arguido, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. a), d), e) e f), do CP, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
b) Condenam este arguido, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs. 217º, nº 1, e 218º, nº 2, al. a), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
c) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam este arguido na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão;
d) Suspendem a pena de prisão aplicada a este arguido pelo período de 3 anos e 10 meses, com a condição do arguido pagar ao Estado – Serviço Nacional de Saúde – Administração Regional de Saúde do Norte (entidade ofendida), no prazo de 3 anos e 10 meses, a quantia de €38.000,00;
e) Decidem não aplicar a este arguido a sanção acessória de proibição do exercício de função.3. Quanto à arguida D…:
a) Condenam esta arguida, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, nº 1, als. a), d), e) e f), do CP, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
b) Condenam esta arguida, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
c) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam esta arguida na pena única de 3 anos e 10 meses de prisão;
d) Suspendem a pena de prisão aplicada a esta arguida pelo período de 3 anos e 10 meses, com a condição da arguida pagar ao Estado – Serviço Nacional de Saúde – Administração Regional de Saúde do Norte (entidade ofendida), no prazo de 3 anos e 10 meses, a quantia de €38.000,00;
e) Decidem não aplicar a esta arguida a sanção acessória de proibição do exercício de função.4. Quanto à arguida Farmácia E…, Lda.:
a) Condenam esta arguida, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos art.ºs 11º, nº 2, al. a), e nº 4, e 256º, nº 1, al. a), d), e) e f), do CP, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €100,00, no montante total de €5.000,00;
b) Condenam esta arguida, pela prática, em coautoria, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.ºs 11º, nº 2, al. a) e nº 4, 217º, nº 1 e 218º, nº 2, al. a), do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, no montante total de €9.000,00; c) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenam esta arguida na pena única de 100 dias de multa, à taxa diária de €100,00, no montante total de €10.000,00.”
1.2. Do acórdão referido supra interpuseram recurso os arguidos, apresentando motivações que terminam com as seguintes conclusões:
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos a considerar
2.1.1. Na sessão da audiência de julgamento de 05/03/2018 foi proferido o seguinte despacho (transcrição parcial mais relevante):
“(…)
Já referimos que o caso julgado (ou a violação do princípio do ne bis in idem) pode ter dois fundamentos:
- A existência de identidade histórica/naturalística dos factos;
- A inexistência de identidade histórica/naturalística dos factos, mas existência de uma única resolução criminosa.
Ora, analisados os factos vertidos na decisão instrutória do Processo nº 2267/11.0JFLSB e os factos constantes do despacho de acusação/pronúncia dos presentes autos, verifica-se não existir identidade histórica/naturalística de tais factos, nem tão pouco se verifica a existência de uma única resolução criminosa.
De facto, na pronúncia do Processo nº 2267/11.0JFLSB, ao contrário do que sucede na acusação/pronúncia dos presentes autos, não é feita uma única referência à «Farmácia E…» (ou a receitas aqui aviadas), nem uma única referência à «atuação em grupo, de forma concertada e organizada, entre os arguidos C…, B… e D… (esta socorrendo-se da Farmácia E…), de acordo com o plano que delinearam, com vista a obter elevados proveitos económicos através da aquisição fraudulenta de medicamentos, causando elevado prejuízo patrimonial ao Estado – Serviço Nacional de Saúde».
O facto de a forma de atuação do arguido C… ser semelhante em ambos os processos não assume grande relevo, na medida em que a sua intervenção, quer fosse a solicitação de A ou de B, quer fosse por acordo com A ou B, seria sempre a mesma (dada a profissão que exercia).
O que assume relevância é o facto da solicitação ser de A ou de B ou o acordo ser com A ou com B, na medida em que tal revela a existência de condutas objetiva e subjetivamente autónomas.
Só assim se explica a decisão do Ministério Público de separar os factos (e o processo, com a extração de uma certidão do primitivo Inquérito) em causa nos presentes autos, com abertura de um novo Inquérito.
Refira-se, de resto, que o arguido não fundamenta em termos evidentes a existência de uma única resolução criminosa, enfatizando antes a alegada falta de justificação para a separação dos factos por períodos temporais.
Contudo, mais do que a alegada separação dos factos por períodos temporais (que, em rigor, não se verifica totalmente), o que realmente releva é a imputação, que se verifica nas decisões instrutórias em análise, de condutas objetiva e subjetivamente autónomas. Finalmente, a tese do crime continuado, além de contraditória com a identidade objetiva e subjetiva dos factos, não tem a virtualidade de evitar a realização de dois julgamentos (em processos distintos).
De facto, o conhecimento parcial da continuação criminosa num processo (suposta a verificação dos requisitos legais da figura jurídica em causa) não preclude a possibilidade de conhecimento da restante parte da continuação criminosa noutro processo (apenas havendo lugar a ponderação da continuação criminosa no momento da fixação da pena).
Decisão:
Em face do atrás exposto, tendo-se por inverificada nos autos qualquer situação de violação do princípio do ne bis in idem, julga-se improcedente a pretensão deduzida nos autos pelo arguido C… consubstanciada na “revogação” da acusação proferida nos presentes autos, na parte a si referente (e consequente determinação de arquivamento dos autos em conformidade.”
2.1.2. No acórdão recorrido considerou o Tribunal a quo provada a seguinte factualidade:“Breve Introdução:
A) Funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, em matéria de comparticipação de receitas.
1. O Ministério da Saúde define a política nacional de saúde, prosseguindo as suas atribuições através de serviços integrados na administração direta e administração indireta do Estado e outras estruturas e entidades integradas no setor empresarial do Estado.
2. A administração indireta do Estado inclui as Administrações Regionais de Saúde, que têm por missão garantir, a população da respetiva área geográfica de intervenção, o acesso à prestação de cuidados de saúde, bem como cumprir e fazer cumprir políticas e programas de saúde na sua área de intervenção.
3. Para além de outras, é atribuição das Administrações Regionais de Saúde afetar recursos financeiros às instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde integrados ou financiados pelo Serviço Nacional de Saúde.
4. O Serviço Nacional de Saúde é constituído por um conjunto de instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, que tem como objetivo a efetivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na proteção da saúde individual e coletiva, assegurando o direito à saúde a todos os cidadãos.
5. Integram o Serviço Nacional de Saúde todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, os estabelecimentos hospitalares e as unidades locais de saúde.
6. No âmbito do Serviço Nacional de Saúde, o com participação do Estado no preço dos medicamentos é variável, de acordo com diferentes escalões:
a) No escalão A a comparticipação do Estado é de 95% do preço de venda ao público dos medicamentos;
b) No escalão B a comparticipação do Estado é de 69% do preço de venda ao público dos medicamentos;
c) No escalão C a comparticipação do Estado é de 37% do preço de venda ao público dos medicamentos;
d) No escalão D a comparticipação do Estado é de 15% do preço de venda ao público dos medicamentos.
7. A comparticipação do Estado no preço dos medicamentos integrados no escalão A é acrescida de 5% e, nos escalões B, C e D é acrescida de 15%, para os pensionistas cujo rendimento total anual não exceda 14 vezes o valor do salário mínimo nacional.
8. Sempre que a prescrição se destine a pensionistas abrangidos por este regime, deve ser impressa na receita, junto dos dados do utente, a sigla "R".
9. Ainda assim, a comparticipação no preço do medicamento pode ser restringida a determinadas indicações terapêuticas, fixados no diploma que estabelece a comparticipação.
10. Nestes casos, o médico prescritor tem de indicar na receita, de forma expressa, o diploma que prevê a comparticipação em causa.
11. Por outro lado, a comparticipação do Estado no preço de medicamentos utilizados no tratamento de determinadas patologias ou por grupos especiais de utentes é objeto de regime especial e diferentemente graduada em função das entidades que o prescrevem ou dispensam.
12. Sempre que a receita se destine a um doente abrangido por um regime especial de comparticipação, conforme acima descrito, deve ser impressa na receita, junto dos dados do utente, a sigla “O”.
13. Os utentes do Serviço Nacional de Saúde apenas beneficiam de comparticipação quanto aos medicamentos prescritos em receita médica de modelo aprovado por despacho do Ministro da Saúde.
14. Os medicamentos são receitados pelos médicos, no âmbito da sua atividade profissional, após, consulta e exame dos pacientes com vista à realização de diagnóstico sobre o seu estado clínico.
15. Por receita médica, entende-se o documento através do qual são prescritos, por um médico ou, nos casos previstos em legislação especial, por um médico dentista ou por um odontologista, um ou mais medicamentos.
16. Até 28 de Fevereiro de 2011, a receita médica podia ser preenchida de forma manual ou informaticamente.
17. O modelo de receita médica, em suporte de papel pré-impresso, era exclusivo da “Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A.”, e de utilização obrigatória para todos os prescritores de medicamentos no âmbito do SNS.
18. Em cada receita médica podiam ser prescritos até quatro medicamentos distintos, sem, contudo, ultrapassar um total de quatro embalagens por receita.
19. Se a receita médica fosse destinada a um doente abrangido por um regime especial de comparticipação, tal indicação devia ser assinalada manualmente na receita pelo médico prescritor, se não fosse possível a impressão informatizada daquela.
20. Se a prescrição fosse dirigida a um doente pensionista que auferisse um rendimento total anual não superior a 14 vezes o valor do salário mínimo nacional e não fosse possível a impressão informática da receita médica, deveria ser oposto no local próprio, pelos serviços respetivos, a vinheta de cor verde identificativa da unidade de saúde.
21. As receitas médicas, para terem validade, tinham obrigatoriamente de ter preenchidos os seguintes campos:
a) O número da receita e sua representação em código de barras;
b) O local de prescrição e sua representação em código de barras, sempre que aplicável;
c) A identificação do médico prescritor, com a indicação do nome e especialidade médica, número de cédula profissional e respetivo código de barras;
d) O nome e número de utente, incluindo a letra correspondente, constantes do cartão de utente do Serviço Nacional de Saúde ou número de beneficiário e sua representação em código de barras sempre que aplicável;
e) A indicação da entidade financeira responsável e do regime especial de comparticipação, se aplicável;
f) A designação do medicamento, sendo esta efetuada através da denominação comum internacional (DCI) ou nome genérico para as substâncias ativas em que existam medicamentos genéricos autorizados;
g) A dosagem, forma farmacêutica, número de embalagens, dimensão das embalagens e posologia;
h) A data da prescrição.
22. No caso de preenchimento manual da receita médica, a sua validação dependia ainda da aposição da vinheta identificativa do médico prescritor e da assinatura deste, bem como, quando aplicável, da vinheta da unidade prestadora de cuidados de saúde.
23. Quando a receita médica fosse preenchida informaticamente, a sua validação dependia da aposição dos códigos de barras relativos à identificação do médico prescritor e à unidade prestadora de cuidados de saúde, bem como da assinatura do médico.
24. As receitas médicas renováveis estavam sujeitas às seguintes condições de validade adicionais:
a) Só podiam ser objeto de duas renovações (num total de 3 vias);
b) Tinham uma validade máxima de 6 meses;
c) Eram constituídas por um original e duas cópias, quando emitidas em suporte de papel;
d) Eram constituídas por 3 exemplares impressos, quando preenchidas em suporte informático.
25. São suscetíveis de ser prescritos através de receita médica renovável os medicamentos que se destinem a determinadas doenças ou tratamentos prolongados e que possam, no respeito pela segurança da sua utilização, ser adquiridos mais de uma vez, sem necessidade de nova prescrição médica.
26. Após 1 de março de 2011, data a partir da qual passou a ser obrigatória a prescrição de medicamentos por via eletrónica, foi definido um novo modelo de receita médica.
27. Assim, por regra, a partir daquela dota, a receita eletrónica passou a ser emitida de forma exclusivamente informática, sem prejuízo de, numa fase inicial, ter de ser materializada, isto é impressa.
28. Em cada receita eletrónica podem ser prescritos até 4 medicamentos distintos, com o limite máximo de duas embalagens por medicamento sem, contudo, se ultrapassar o total de quatro embalagens por receita.
29. Sempre que a prescrição se destine a um pensionista cujo rendimento total não exceda 14 vezes o salário mínimo nacional, deve ser impressa a sigla «R» na receita materializada, junto dos dados do utente.
30. Quando a receita eletrónica se destinar a um doente abrangido por um regime especial de comparticipação de medicamentos utilizados no tratamento de determinadas patologias ou utilizados por grupos especiais de utentes, a menção ao despacho que consagra o regime que abrange o utente deve ser impressa na receita eletrónica, no campo relativo à designação do medicamento, devendo ainda ser impressa, na receita materializada, a sigla «O», junto dos dados do utente.
31. A receita eletrónica só é válida se incluir os seguintes elementos:
a) O número da receita, constituído por 19 dígitos, atribuído pelo Sistema Central de Prescrições ou, em casos excecionais, pelo software de prescrição;
b) O local de prescrição, que é de preenchimento automático pelo software de prescrição;
c) A identificação do médico prescritor, com a indicação do nome profissional, especialidade médica, se aplicável, número da cédula profissional e contacto telefónico, que é de preenchimento automático pelo software de prescrição;
d) O nome e número de utente e, sempre que aplicável, de beneficiário de subsistema;
e) A entidade financeira responsável pelo pagamento ou comparticipação dos medicamentos da receita;
f) O regime especial de comparticipação de medicamentos, representado pelas siglas «R» e ou «O», se aplicável;
g) A designação do medicamento, sendo esta efetuada através da denominação comum da substância ativa, da marca e do nome do titular da autorização de introdução no mercado;
h) O código do medicamento representado em dígitos;
i) A dosagem, forma farmacêutica, dimensão da embalagem, número de embalagens e posologia;
j) A identificação do despacho que estabelece o regime especial de comparticipação de medicamentos, se aplicável;
k) A data de prescrição, preenchida automaticamente pelo software de prescrição;
l) A assinatura, manuscrita ou digital, do prescritor.
32. A receita eletrónica materializada deve ainda conter códigos de barras relativos:
a) O número da receita;
b) O local de prescrição;
c) O número da cédula profissional;
d) O número de utente e, sempre que aplicável, de beneficiário de subsistema;
e) O código do medicamento.
33. Podem ser emitidas receitas eletrónicas renováveis, até ao número máximo de 3 vias por receita, sendo o prazo de validade de cada via de 6 meses contados desde a data de prescrição.
34. Com o novo regime da prescrição eletrónica, a prescrição manual passou a ser possível apenas em situações excecionais, nomeadamente nos seguintes casos:
a) Falência informática;
b) Prescrição no domicílio;
c) Profissional com volume de prescrição igualou inferior a 50 receitas por mês;
d) Inadaptação comprovada do prescritor.
35. O novo modelo da receita médica manual (a utilizar apenas nas situações atrás referidas), assim como os modelos de vinheta, são exclusivos da Imprensa Nacional - Casa da Moeda e a sua aquisição é feita através do Portal de Requisições de Vinhetas e Receitas (PRVR), disponível para os prescritores e instituições públicas e privadas.
36. Mantém-se a obrigatoriedade de aposição de vinhetas nas receitas manuais.
37. Não é permitida mais do que uma via da receita manual e para que seja válida, o prescritor deve incluir os seguintes elementos:
a) A identificação do local de prescrição ou respetiva vinheta, se aplicável;
b) A vinheta identificativa do prescritor;
c) A especialidade médica e o contacto telefónico;
d) A identificação da exceção que justifica a utilização da receita manual;
e) O nome, o número de utente e o número de beneficiário;
f) A entidade financeira responsável;
g) O regime especial de com participação de medicamentos, representado pelas siglas R e /ou O;
h) A identificação do medicamento;
i) A justificação técnica;
j) A identificação do despacho que estabelece o regime especial de comparticipação de medicamentos;
k) A data da prescrição;
l) A assinatura do prescritor.
38. Salvo casos de força maior, devidamente justificados, os medicamentos sujeitos a receita médica só podem ser dispensados ao utente nelas indicado ou a quem os represente.
39. No ato de aviamento das receitas, o utente tem de confirmar obrigatoriamente os medicamentos que lhe foram dispensados, apondo a sua assinatura na receita médica.
40. Quando o utente não sabe ou não pode assinar, a assinatura, confirmando a dispensa do medicamento, é feita a rogo, com a indicação da pessoa que assina, que pode ser o farmacêutico ou um seu colaborador.
41. Se não for o utente identificado na receita a deslocar-se à farmácia para adquirir os medicamentos, mas antes uma terceira pessoa, é esta que procede à confirmação do fornecimento efetuado, através da aposição da sua assinatura no verso da receita.
42. Na prática, contudo, não é, muitas vezes, confirmada pela farmácia a identidade de quem "representa" o utente no aviamento da receita, sem que daí decorra qualquer penalização legal para a farmácia em causa.
43. É ao farmacêutico ou ao seu colaborador que incumbe datar, assinar e carimbar a receita, para além de indicar o preço total de cada medicamento, o valor total da receita e o valor da comparticipação do Estado, bem como colar na receita a etiqueta destacável das embalagens dispensadas ou, em alternativa, imprimir nela informaticamente os respetivos códigos identificadores.
44. Quando for dispensado um medicamento genérico em vez do medicamento prescrito, a receita deverá igualmente ser assinada pelo utente ou por quem o represente.
45. Compete ainda às farmácias proceder à verificação física das prescrições, designadamente, conferir se existem rasuras na receita no que toca às quantidades e à denominação dos medicamentos prescritos, ou se houve lugar a aditamentos desconformes com a letra do médico e a validade da receita.
46. No princípio de cada mês, as farmácias reúnem todas as receitas aviadas com prescrição de medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde e relativas ao mês anterior e remetem-nas ao Centro de Conferência de Faturas, para conferência e pagamento das com participações devidas.
47. Desde março de 2010, a conferência do receituário remetido mensalmente, pelas farmácias de Portugal Continental encontra-se centralizada no Centro de Conferências de Faturas, estrutura criada pela “Administração Central do Sistema de Saúde I. P.”.
48. O Centro de Conferência de Faturas é responsável por gerir e assegurar todas as atividades relacionadas com o processamento de conferência de faturas, desde a sua receção até ao correto apuramento dos valores devidos pelo Serviço Nacional de Saúde às farmácias, bem como o arquivo dos respetivos suportes documentais.
49. Cada farmácia envia ao Centro de Conferência de Faturas, até ao dia 10 do mês seguinte ao do seu aviamento, as receitas médicas onde foram prescritos medicamentos comparticipados dispensados a beneficiários do Serviço Nacional de Saúde que não estejam abrangidos por qualquer subsistema.
50. No mesmo passo, as farmácias remetem igualmente ao Centro de Conferência de Faturas a fatura mensal respetiva, em dois exemplares, correspondente ao valor mensal da comparticipação do Estado no preço de venda ao público (PVP) dos medicamentos dispensados.
51. No Centro de Conferência de Faturas, as receitas são digitalizadas e sujeitas a um processo de conferência onde é verificado se a dispensa está de acordo com a prescrição e se os valores das comparticipações aplicadas estão corretos, analisando-se, designadamente, as substituições dos medicamentos, os preços e as comparticipações devidas.
52. Logo que concluída a operação de validação do receituário e das faturas, o Centro de Conferência de Faturas envia, ou disponibiliza no portal do Centro de Conferência de Faturas, à respetiva Administração Regional de Saúde, para efeitos de validação e pagamento das comparticipações, os seguintes elementos:
a) Informação mensal das faturas recebidas;
b) Resultado da conferência;
c) Notas de crédito e notas de débito recebidas.
53. No dia 10 do mês seguinte ao do envio da fatura mensal, o Estado, através da Administração Regional de Saúde competente, procede ao pagamento do valor da fatura mensal entregue no mês anterior e informa a Administração Regional de Saúde em causa do montante transferido, do valor da fatura, das eventuais retificações a crédito ou a débito, da data da transferência e do número de identificação bancária para onde esta foi efetuada.
B) Atuação desenvolvida pelos arguidos.
54. Os arguidos B…, C… e D…, em razão das funções profissionais que desempenhavam no meio médico e/ou farmacêutico, sabiam como funcionava o Serviço Nacional da Saúde e das Administrações Regionais de Saúde, conhecendo, nomeadamente, os procedimentos, atrás descritos, em matéria de comparticipação de receitas.
55. O arguido B… exerceu funções como Delegado de Informação Médica, pelo menos das empresas F…, G…, H… e I…, Lda..
56. Enquanto delegado de informação médica e ao serviço daqueles laboratórios, competia-lhe divulgar informação sobre medicamentos e produtos de saúde aos profissionais do Serviço Nacional de Saúde.
57. A arguida D… é farmacêutica e exerceu funções de diretora técnica da arguida Farmácia E…, sita na …, desde 2007.
58. Compete, em especial, ao diretor técnico de uma farmácia, assumir a responsabilidade pelos atos farmacêuticos praticados na farmácia e assegurar que a gestão económica da farmácia não interfere com qualquer ato farmacêutico, nomeadamente, com a dispensa de medicamentos ou produtos de saúde.
59. Cabe-lhe ainda verificar e assegurar o cumprimento das regras deontológicas, bem como dos princípios e deveres da atividade farmacêutica dentro da respetiva farmácia.
60. O arguido C… é médico com especialidade em medicina geral e familiar com o nº M ……., exerceu funções no Algarve, nos Centros de Saúde de J…, K…, L… e M… e também em consultório particular, situado em J….
61. No âmbito das suas funções, compete-lhe, como a qualquer outro médico, praticar atos médicos, nomeadamente proceder ao atendimento, consultas e exame dos utentes e realizar diagnóstico sobre o seu estado clínico, bem como prescrever medicação adequada ao diagnóstico efetuado de acordo com as terapêuticas disponíveis ou em conformidade com o registo existente no serviço médico para efeitos de prescrição.
62. A arguida “Farmácia E…, Lda.”, com o NIPC ……….. é uma sociedade por quotas, constituída em 2007.
63. A “Farmácia E… - Unipessoal, Lda.” teve como sócia única até janeiro de 2014, a arguida D…, sua diretora técnica, desde outubro de 2007.
64. Em outubro de 2014, foi pedida alteração da propriedade a favor da sociedade "Farmácia E…, Lda." que tem como sócios N…, O…, P…, Q….
65. O arguido B… conheceu o arguido C…, que exercia funções no Algarve, no âmbito do exercício das suas funções de delegado de informação médica.
66. Em data não concretamente apurada, mas anterior a outubro de 2011, o arguido B… conheceu a arguida D…, com quem passou a manter uma relação de natureza pessoal.
67. Os arguidos B…, C… e D…, esta última socorrendo-se ainda da arguida Farmácia E…, Lda., de forma concertada e de acordo com plano que delinearam, em data não apurada mas anterior a outubro de 2011, tirando proveito dos conhecimentos que tinham sobre o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde e das Administrações Regionais de Saúde, decidiram pôr em execução um esquema fraudulento, traduzido (i) na emissão de receituário médico forjado, (ii) no processamento informático e contabilístico do aviamento de tal receituário médico forjado e (iii) no recebimento indevido de elevadas quantias monetárias, por via do funcionamento do sistema de comparticipação do Estado (Serviço Nacional de Saúde) na aquisição de medicamentos.
68. Tal atuação dos arguidos desenvolveu-se, de forma contínua, entre outubro de 2011 e setembro de 2012, tendo causado elevados prejuízos patrimoniais ao Estado – Serviço Nacional de Saúde.
69. No âmbito do referido esquema fraudulento, as receitas médicas forjadas eram emitidas pelo arguido C…, sendo que estas receitas, ao invés de se destinarem aos utentes nelas identificados, eram entregues aos arguidos B… e D…, para aviamento simulado na Farmácia E….
70. Estas receitas médicas eram passadas (i) em nome de utentes do Serviço Nacional de Saúde, com preferência, sobre aqueles que beneficiavam do regime especial de comparticipação de medicamentos, identificados com as letras "R" e "O", uma vez que têm acesso a um conjunto alargado de medicamentos com elevada comparticipação do SNS, e/ou (ii) com prescrição de medicamentos selecionados, com preferência, em função da elevada comparticipação do SNS no seu pagamento, em regra, entre os 69% e os 100% (escalões A e B).
71. A seleção dos medicamentos a prescrever pelo arguido C… e dos utentes do Serviço Nacional de Saúde em nome de quem eram emitidas as receitas médicas pelo arguido C…, cabia, preferencialmente, à arguida D… (coadjuvada pelo arguido B…), socorrendo-se aquela da identificação de utentes que se dirigissem à Farmácia E… para adquirir medicamentos e que reunissem as características pretendidas (reformados e beneficiários de elevadas taxas de comparticipação).
72. Nesta tarefa de seleção, a arguida D… socorreu-se de vários utentes da farmácia, nomeadamente, de utentes que, à data, residiam no Lar S…, sito em …, a que a arguida D… teve acesso porque eram aviadas habitualmente na Farmácia E… as receitas médicas que fossem emitidas em nome dos residentes em tal Instituição, pelos médicos que os consultavam.
73. Feita a referida seleção, a arguida D… entregava ao arguido B… listas com nomes de utentes em nome de quem as receitas deviam ser prescritas, bem como indicação dos medicamentos a prescrever.
74. Por sua vez, o arguido B… entregava tais listas ao arguido C…, a quem era pedido que prescrevesse as receitas médicas em nome dos utentes cuja identificação lhe era dada, com os medicamentos que lhe eram indicados.
75. O arguido C… emitia o receituário médico desejado, apesar de saber que o mesmo não se destinava aos utentes em nome dos quais as receitas eram emitidas e que importavam o recebimento indevido de comparticipações pagas pelo Serviço Nacional de Saúde.
76. Depois de emitidas, as receitas eram entregues pelo arguido C… ao arguido B… e este, depois disso, entregava-as à arguida D…, para posterior aviamento, sendo tal recolha de receitas pelo arguido B… coincidente, muitas vezes, com a entrega àquele de novas listas de medicamentos a prescrever.
77. A prescrição do receituário era feita pelo arguido C… sem prévia existência de qualquer ato médico que o justificasse, com a medicação pré-definida nas listagens que recebia, a qual sabia não se destinar aos utentes em nome de quem as receitas eram emitidas.
78. Para a emissão de receitas, o arguido C… tinha em seu poder vinhetas com a sua identificação como médico prescritor e impressos de receitas obtidos em razão da sua atividade profissional, para usar na prescrição de medicação aos pacientes que efetivamente consultasse.
79. Todavia, o arguido C… utilizava indevidamente tais elementos de trabalho, desviando-os em boa parte para a prescrição de receitas médicas nas condições supra mencionadas.
80. Recebidas as receitas, a arguida D… introduzia-as no sistema informático da farmácia como se tivessem sido aviadas pelos utentes em nome de quem haviam sido prescritas.
81. No ato de aviamento simulado das receitas, como forma de “comprovação” do recebimento dos medicamentos aí mencionados, era aposta nas receitas, por pessoa não identificada, um nome ou uma rúbrica, como se dos utentes aí identificados ou pessoa em sua legítima representação se tratasse.
82. Após processamento informático e contabilístico do aviamento de tais receitas, a arguida D… (em nome da Farmácia E…) remetia ao Centro de Conferência de Faturas, para comparticipação, a venda simulada de tais medicamentos, sem que houvesse lugar à dispensa efetiva dos mesmos aos utentes em nome de quem eram emitidas as receitas (sendo, em algumas ocasiões, efetivamente adquiridos os medicamentos utilizados na simulação de aviamento e, em outras ocasiões, não havendo aquisição efetiva destes medicamentos).
83. A arguida D… (em nome da Farmácia E…) remetia também ao Centro de Conferência de Faturas a fatura correspondente ao valor da comparticipação do Estado no PVP daqueles medicamentos.
84. Desse modo, os arguidos, através da Farmácia E…, logravam obter do Estado Português (Serviço Nacional de Saúde), através da Administração Regional de Saúde do Norte, o pagamento do valor de comparticipação dos medicamentos, i.e., a parte do preço dos medicamentos correspondente à comparticipação devida aos utentes, solicitada pela arguida D…, em nome da Farmácia E…, ao Centro de Conferência de Faturas.
85. Muitos dos medicamentos e/ou utentes (a maior parte) incluídos nas receitas e nas vendas simuladas beneficiavam de comparticipação na totalidade (i.e., a totalidade do preço dos medicamentos era suportado pelo Estado, valor que era recebido pelos arguidos).
86. Quando a comparticipação nos medicamentos não era total e existia efetiva aquisição de tais medicamentos em nome da Farmácia E… (muitas vezes – a maior parte – havia simulação na declaração de aquisição de medicamentos), era suportada pelos arguidos, através da Farmácia E…, a parte do valor não comparticipada de tais medicamentos, sendo por vezes destruídos estes medicamentos.
87. No período temporal em que decorreu a atuação dos arguidos, nos termos atrás descritos, foram emitidas e aviadas na farmácia E…, com o código n.º 13773, as seguintes receitas médicas:
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88. Os funcionários da Administração Regional de Saúde do Norte, convictos de que os medicamentos haviam sido efetivamente prescritos aos utentes inscritos nas receitas atrás identificadas e a eles se destinavam, deram ordem para pagamento à Farmácia E… dos valores de comparticipação inerentes a tais receitas.
89. A atuação concertada dos arguidos C…, B…, D… e da “Farmácia E…, Unipessoal, Lda.”, nos termos e período temporal atrás descritos, traduzisse num prejuízo para o Estado – Serviço Nacional de Saúde – no valor de €114.034,00, correspondente às respetivas comparticipações indevidamente pagas.
90. Os arguidos C…, B… e D… (por si e em representação da sociedade “Farmácia E…, Lda.”) agiram de forma livre, deliberada e consciente.
91. Os arguidos C…, B… e D… (por si e em representação da sociedade “Farmácia E…, Lda.”) agiram sempre em comunhão de esforços e união de vontades, pretendendo, com a emissão e a introdução de receitas médicas falsas na faturação da farmácia, com vista a obtenção de comparticipações do Serviço Nacional de Saúde, obter benefícios ilícitos que repartiram entre si de modo que não foi possível apurar.
92. Os arguidos C…, B… e D… (por si e em representação da sociedade “Farmácia E…, Lda.”), na prossecução do plano delineado e posto em prática pelo grupo, sabiam que a utilização dos modelos de receituário uniformizado, vinhetas de médico e códigos de barras, nas circunstâncias atrás descritas (nomeadamente, o preenchimento e uso de modelos de receituário, apondo neles as vinhetas, como se os mesmos tivessem sido regularmente emitidos para tratamento de doentes) não tinha correspondência com a realidade e que estavam a pôr em causa a credibilidade que tais elementos merecem enquanto tais.
93. Não ignoravam também que, com as suas condutas, prejudicavam o Estado, em benefício próprio.
94. Do mesmo modo, atuaram de forma a que os funcionários do Centro de Conferência de Faturas e da Administração Regional de Saúde Norte que receberam as receitas para comparticipação, convictos de que estas tinham sido regularmente emitidas, tivessem pago as comparticipações requeridas.
95. Agiram com a intenção de induzir em erro a Administração Regional de Saúde Norte e de, através do artifício atrás descrito, levar aquela a entregar-lhes, a título de comparticipações de vendas de medicamentos, quantias monetárias a que sabiam não ter direito, o que conseguiram.
96. Os serviços da Administração Regional de Saúde apenas procederam ao pagamento das referidas quantias a título de comparticipações, por estarem convictos de que as mesmas se destinavam ao pagamento de com participações pela prescrição válida e regular de medicamentos a utentes do Serviço Nacional de Saúde.
97. Tais factos foram praticados através da arguida Farmácia E… de modo a que pudesse, a coberto de uma atividade desta empresa, melhor dissimular-se o carácter forjado das receitas e os benefícios que em razão do aviamento destas auferiram indevidamente.
98. Os arguidos não ignoravam o carácter censurável das suas condutas, vedadas por lei.
99. O arguido B… não possui antecedentes criminais.
100. O arguido C… não possui antecedentes criminais.
101. A arguida D… não possui antecedentes criminais.
102. A arguida Farmácia E…, Lda. não possui antecedentes criminais.
103. O arguido B… nasceu em 01/11/1978 (tem 39 anos de idade). O arguido é o mais novo de cinco filhos, tendo a mãe morrido quando contava um ano de idade.
Nessa sequência, o arguido foi entregue aos padrinhos, enquanto os irmãos permanecerem à guarda do pai, referindo manter apenas contactos pontuais com aqueles por não ter chegado a estabelecer ligação afetiva.
O seu processo de desenvolvimento decorreu no agregado dos padrinhos, que lhe dispensaram cuidados como se de filho se tratasse, e que o arguido considera como pais, os quais vieram a ter três filhos, que aquele considera como irmãos sendo o tratamento mútuo. Recorda uma dinâmica positiva, orientada por valores tradicionais, e uma e situação económica favorecida fruto da atividade laboral dos “pais”.
O arguido apresenta um percurso escolar com registo de duas retenções coincidentes com a mudança de ciclo (no 5º e 7º anos) a que se seguiu o abandono da frequência por volta dos 18/19 anos sem concluir o 12º ano de escolaridade, que completou mais tarde integrado no Programa das Novas Oportunidades, tendo posteriormente frequentado cursos na área do Marketing e Gestão Empresarial, promovidos pela Associação Nacional de Jovens Empresários no Porto, com o objetivo de melhorar as suas competências profissionais.
Durante a adolescência, como ocupação dos tempos livres, o arguido manteve a prática desportiva de futebol e futebol de salão, integrado em equipas (T… e U…).
Em 2004 (aos 26 anos), contraiu matrimónio do qual resultou o nascimento de dois filhos que contam presentemente 12 e 7 anos de idade, tendo o agregado residido sempre na zona …, chegando a construir uma moradia com recurso a empréstimo bancário. À data, ambos acediam a remunerações compatíveis com a assunção de créditos, quer para o efeito já referido, quer para a aquisição de automóveis, assinalando o gosto do arguido por “bons carros”, desfrutando de boas condições de vida.
Em termos de percurso profissional, o primeiro emprego do arguido B… foi como vendedor de serviços de televisão por cabo, que manteve durante cerca de um ano, a que se seguiu a venda de material ortopédico e venda de móveis, integrado em estabelecimentos dos respetivos ramos, atividades que manteve durante cerca de dois anos.
A partir do ano 2002/2003, iniciou atividade laboral como delegado de propaganda médica, tendo trabalhado para diferentes empresas, nomeadamente a “G…”, tendo-lhe sido destinada a zona de Almada 1 (Seixal, Fernão Ferro, etc.).
Fruto de um desempenho positivo, o arguido beneficiou de progressão na carreira, mas acabou por se despedir, passado um ano, por ter sido convidado a acompanhar o então responsável em Portugal pela “I…, Lda.”, altura em que passou a chefe de equipa da zona compreendida entre Almada até ao Algarve.
Durante este período, travou conhecimento e relacionamento de amizade com o coarguido C….
O arguido trabalhou nesta empresa durante 5/6 anos, até que a mesma foi adquirida por um grupo espanhol, tendo então sido despedido.
Após um período de desemprego, o arguido passou a trabalhar para a “H…” onde foi chefe de equipa durante cerca de um ano (empresa onde a ex-esposa também chegou a trabalhar como delegada de propaganda médica). Passado um ano, o arguido aceitou um desafio no sentido de vir trabalhar para o norte do país, com condições remuneratórias bastante vantajosas, mas com o objectivo de revitalizar o laboratório “F…”. Contudo, neste projeto “tudo correu mal”, tendo o arguido, ao fim de dois anos, abandonado esta empresa e regressado para a “H…”, agora para o exercício de funções como delegado de propaganda médica, sendo que ao fim de dois anos a empresa encerrou.
Segundo referiu, foi durante o período em que trabalhou no Norte que travou conhecimento com a coarguida D…, com quem refere ter estabelecido um relacionamento afetivo. Contudo, quando tentou pôr termo ao mesmo, aquela terá desenvolvido estratégias que comprometeram a possibilidade de reconciliação com o cônjuge, o que esteve na origem do divórcio do casal, decretado em 16/05/2011.
À data dos factos na origem do presente processo, o arguido mantinha relacionamento afetivo, com união de facto que perdurou cerca de um ano, com a coarguida D…, residindo em casa daquela em Santo Tirso.
A nível profissional, o arguido B… informou que, com o apoio da então companheira, que se constituiu sua sócia, e utilizando instalações propriedade da família dos "pais", abriu uma farmácia, situada na Rua …, no Porto, referindo que então assumia atividade de atendimento ao público. Contudo, este estabelecimento não apresentou viabilidade pelo que o encerraram, segundo refere, com cessação da atividade, dali não tendo resultado dívidas.
Entretanto, viu-se em situação de desemprego, com dificuldades em conseguir colocação laboral, também por força da crise que se instalou na indústria farmacêutica, pelo que, em setembro de 2013, deslocou-se para Espanha onde, após período exploratório e de trabalho informal, conseguiu o título de residência desde de 30-12-2013. Segundo referiu trabalhou numa empresa de cobrança de dívidas durante cerca de seis meses, a que se seguiram outros seis meses como operário fabril numa fábrica de injeção de plásticos, situada em Vigo.
Posteriormente, foi selecionado para o exercício da função de vendedor para a empresa “V…” (máquinas de tratamento de água) onde informou ter principiado como vendedor, tendo progredido na carreira para chefe de equipa, então a viver e a trabalhar em Pontevedra, até que foi promovido a diretor de unidade em …, onde lhe foi disponibilizado alojamento pela empresa.
Em face do volume de trabalho que tinha de executar, o arguido apresentou sinais de doença (“crises de ausência e perda de sentidos”), que motivaram uma primeira situação de baixa médica com período de internamento em 2016, tendo também tido diagnóstico por depressão. Por força da situação de baixa prolongada, foi convidado pela empresa a rescindir o contrato, o que efetuou.
Uma vez recuperado, o arguido iniciou trabalho por conta do "W…" (trata-se de um grupo editorial e de comunicação, líder em Espanha e Portugal, França e América Latina). Começou como funcionário da empresa, até que passou a trabalhar como comissionista na zona da Galiza, recebendo comissão por venda e ajudas de custo, mas referindo que continua a pertencer ao quadro de pessoal da empresa.
Contudo, desde julho de 2017 que novamente se encontra em situação de baixa médica, mantendo a mesma sintomatologia (ausência e desmaios, ainda não diagnosticados) e depressão.
O arguido refere manter, há cerca de 2/3 anos, um relacionamento afetivo, com união de facto, com uma cidadã espanhola (43 anos, empregada de limpeza), com quem refere manter relacionamento positivo, residindo em apartamento arrendado de tipologia T2.
A situação económica é descrita como exigente do ponto de vista da gestão, indicando auferir €1.137,00 de baixa médica, a que se acresce o salário da companheira, que varia entre os 200 e os 300 euros, consoante o trabalho que executa. Como despesas fixas mensais estimou um total de 805 euros (do quais se destaca a renda de casa 300 euros e a amortização de um automóvel 250 euros).
O arguido encontra-se obrigado a pagar uma pensão de alimentos aos filhos (300 euros) despesa que refere no momento não conseguir assegurar, só remetendo 50 euros, contudo vindo a contar com atitude compreensiva por parte do ex-cônjuge, com quem nos últimos tempos tem conseguido manter um relacionamento cordato em torno do assuntos que envolvam os filhos.
O arguido é descrito como bom pai, como uma pessoa ambiciosa, com total dedicação ao trabalho e aos objetivos a que se propõe, mas também generoso.
Sempre que tem oportunidade, o arguido desloca-se a Lisboa para visitar os filhos, ou ao Porto para visitar aos "pais" e "irmãos", sendo que a mãe refere que sempre que necessário se articula com a mãe dos netos no sentido de aqueles virem até ao Porto para beneficiarem de visitas com eles e com o pai.
104. O arguido C… nasceu em 23/07/1949 (tem 68 anos de idade).
Natural do Brasil, o arguido é filho de pai brasileiro e mãe portuguesa, sendo reportada uma situação económica suficiente, o pai trabalhou por conta própria, vindo a ficar com uma representação comercial luso-brasileira e a mãe foi professora do ensino básico. É o segundo de quatro irmãos, educado num ambiente familiar descrito como equilibrado e afetuoso, assumindo a mãe maioritariamente as responsabilidades na educação dos descendentes, atenta as deslocações do pai em trabalho.
O arguido C… tinha interesse em estudar medicina e, incentivado pelo cônsul português no Brasil, amigo do seu pai, integrou a aliança entre os dois países e veio aos 19 anos para Portugal.
Frequentou o curso de medicina no Hospital Z…, vivendo vários anos nesta cidade, autonomizando-se do grupo familiar de origem, preservando o contacto com os progenitores que continuaram a apoiá-lo economicamente. Foi o único elemento da fratria a emigrar, continuando a não ter intenção de regressar. Os restantes irmãos licenciaram-se e constituíram família no Brasil.
O arguido casou pela primeira vez aos 21 anos, matrimónio que durou cerca de 9 anos, sendo pai de um rapaz nascido desta relação.
Foi um bom aluno e disciplinado, conseguindo conciliar os estudos com o trabalho e a família: chegou a trabalhar um par de meses na Alemanha em fábricas para assegurar a manutenção da família e conseguir pagar os estudos. O filho, com 41 anos de idade, tem agregado familiar constituído, reside na zona do Porto e preservou o relacionamento com o progenitor, com convívios mais prolongado em períodos de férias.
O arguido C… exerceu a sua profissão de médico – especialidade de medicina geral e familiar – no distrito do Porto distrito do Porto, onde estagiou e trabalhou cerca de 9 anos no Centro de Saúde AB….
O arguido voltou a casar, em 1989, tendo a esposa três filhos de relação anterior e em comum o casal teve uma filha, atualmente com 29 anos de idade.
Existiram períodos de rutura afetiva, tendo a ex-esposa iniciado outro relacionamento e ausentado para o sul do país com a filha mais nova. Na tentativa de reconciliação e pensando no bem-estar desta descendente, o arguidoC… mudou-se para o Algarve, onde a ex-esposa tinha trabalho como educadora de infância. O arguido deu continuidade à sua atividade profissional em Centros de Saúde entre L… e posteriormente no concelho de J….
Projetando de si uma imagem de motivação pela profissão, valorizando o trabalho em detrimento do lazer, possibilitou à família boas condições de estabilidade económica e qualidade de vida.
Como consequência, o arguido tem noção de que a dinâmica familiar e vinculação afetiva dos descendentes foi penalizada, em especial a filha mais nova.
Socialmente, a sua imagem é a de um indivíduo cordato, modesto, investindo com interesse nos seus pacientes. Dedicando algum tempo livre a conviver com colegas de profissão ou outros profissionais conhecidos no meio laboral, nomeadamente delegados de informação médica.
À data dos factos em causa neste processo, o arguido C… residia com a ex-esposa no …. A filha do casal tinha-se mudado há cerca de 3 anos para Lisboa para estudar. Manteve até dezembro/2017 a residência no …: uma moradia de tipologia V3 que estava a adquirir mediante empréstimo bancário desde há 15 anos.
Nos últimos dois anos, o arguido constatou que a filha não concluiu o curso e tem estado sem trabalho regular, ocultando o seu modo de vida ao progenitor. Expressou-se com mágoa pela reduzida falta de franqueza da jovem em falar consigo abertamente, sentindo-se que a ligação que é tida consigo é manipulada por interesses materiais. Nesta perspetiva não conta com o apoio nem da ex-mulher nem da filha.
O quadro económico do arguido, referenciado pela estabilidade e possibilitando ao seu grupo familiar beneficiar de um nível de vida confortável, veio a infletir-se nos últimos dois anos e meio.
Com a proibição de exercer a profissão de médico desde dezembro/2014, os rendimentos do arguido C… reduziram-se substancialmente: limitam-se à sua pensão de aposentado (€2.215,75) e ao vencimento da ex-esposa como educadora de infância (aproximadamente no valor €1.000,00).
Foram referidos encargos mensais fixos com o empréstimo bancário do imóvel onde vive no …: no valor de €1.000, acrescido de montantes variáveis com despesas de manutenção superiores a €300. Além deste imóvel o arguido paga mais de €400 pelo arrendamento do apartamento onde a filha vive em Lisboa (continuando a jovem a depender economicamente dos pais).
O arguido optou por vender a moradia em dezembro/2017, permitindo-lhe reajustar a sua situação financeira, passando a viver, desde janeiro/2018 num apartamento arrendado situado na morada indicada nos autos (J…).
Desde maio de 2016, o arguido exerce a atividade profissional de médico no Centro Médico da AC…, sendo maiores os rendimentos na época do Verão, pelo afluxo de turistas. Continua a viver sozinho, mas devido a um problema de saúde da ex-mulher, o arguido C… prestou-lhe apoio e, por esse motivo, a filha reaproximou-se.
O arguido encontra-se a ser julgado no âmbito do Processo nº 2267/11.0JFLSB (Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 15), onde está acusado de um crime de burla agravada e de um crime de falsificação agravada.
O envolvimento com o sistema judicial, até então tido como uma ocorrência inédita no percurso pessoal do sujeito, causou um impacto negativo quer pessoal, quer profissional no arguido. A par desta situação ocorreu a separação e divórcio, aumentando a pressão emocional e refletindo-se na saúde do arguido (diabético tipo II), passando a isolar-se e a ficar mais em casa, preservando o contacto com amigos e colegas de profissão.
Durante muito tempo, o arguido evitou expor o seu envolvimento judicial à família de origem, no Brasil, e ao filho mais velho, apenas o fazendo depois do último julgamento.
O período em que esteve inibido de exercer a sua profissão aumentou mais o sentimento negativo e o constrangimento relativamente aos seus pacientes antigos.
O arguido cumpriu de forma responsável as restantes medidas de coação que lhe foram aplicadas.
105. A arguida D… nasceu em 20/06/1961 (tem 56 anos de idade).
O processo de crescimento da arguida D… decorreu em agregado familiar composto pelos progenitores e um irmão mais novo, em condições sócio-económicas favoráveis face às atividades laborais daqueles, o pai como técnico de fotografia médica na Faculdade AD…, a mãe como docente do ensino básico. A dinâmica familiar foi descrita como rigorosa e pautada por reduzidas manifestações de afetividade.
Depois de concluir o 12º ano de escolaridade em percurso escolar contínuo e motivado, a arguida ingressou no curso AE… da Universidade AF…, em 1979, vindo a concluir duas licenciaturas – AG… e AH… –, com frequência e conclusão no regime de trabalhadora-estudante.
A arguida D… iniciou atividade laboral em 1985 como técnica de laboratório de análises clínicas em …, seguindo-se experiências profissionais como Técnica Superior de Saúde no Hospital AI…, no Porto, e no Hospital AJ…, em …, tendo sido nesta cidade que conheceu o marido, com quem vem a casar em 1987, e onde fixou residência.
Após o casamento, a arguida D… desempenhou o cargo de Diretora Técnica em farmácia entretanto adquirida em … – …, enquanto o marido estabeleceu clínica de Medicina Dentária, também naquela cidade.
A arguida descreve percurso pessoal, familiar e profissional investido, assumindo o processo educativo dos três filhos e desempenhando cargos sociais ao nível do voluntariado, designadamente nos Julgados de Paz e nos Rotários de …, assim como na direção da Escola AK….
Entre 1997 e 2007, a arguida teve participação ativa na vida política, ingressando em lista partidária do candidato à Câmara Municipal de …, que resultou vencedor por dois mandatos.
A partir de 2007, a arguida desenvolveu a mesma atividade profissional de Diretora Técnica na “Farmácia E…, Lda.”, na …, adquirida entretanto e descrita como economicamente viável até à crise do sector, situada em 2010/2011.
Em simultâneo, a arguida D… acusava desgaste emocional associado à rutura do casamento, em alegado quadro de violência doméstica paulatinamente agravado ao longo dos anos, ocultado por motivos da elevada projeção social da família na localidade de residência.
À data dos factos subjacentes ao presente processo, a arguida D…. vivenciava um período de complexidade emocional e perturbação familiar, protagonizando alteração da residência para Santo Tirso, após separação do cônjuge em junho de 2011 e divórcio em setembro do mesmo ano.
A arguida manteve atividade profissional como Diretora Técnica na “Farmácia E…, Lda.” até 2013, sendo neste contexto profissional que conheceu o coarguido B…, à data delegado de informação médica e com o qual terá assumido relação de namoro durante 6 meses.
Após 2013, no âmbito de processo de insolvência da farmácia, a arguida deixou de exercer o cargo de direção técnica para o de funcionária de loja, iniciando então período prolongado de baixa médica por agravamento das suas condições de saúde, nomeadamente manifestações decorrentes de Perturbação Depressiva Recorrente de que padece desde 2006. Regista vários episódios depressivos, internamento em instituição hospitalar e mantém consultas regulares de psiquiatria, com medicação associada.
A arguida D… encontra-se a receber prestação social de desemprego desde janeiro de 2018, no valor de 1.070€, que considera suficiente para os gastos pessoais e domésticos, mediante gestão criteriosa das despesas.
Reside atualmente na morada dos autos, tratando-se de apartamento dos filhos, de tipologia 2, inserido em zona urbana da cidade e que oferece boas condições de habitabilidade. A arguida beneficia do convívio regular das filhas adultas e profissionalmente independentes, sendo que o mais novo, com 22 anos, encontra-se a ultimar formação universitária. Mantém relacionamento afetivo que avalia como estável e emocionalmente gratificante.
O presente contacto com o sistema de justiça penal veio acentuar as fragilidades psicológicas da arguida.
A arguida beneficia de apoio incondicional de familiares e amigos, que com consternação receberam a sua constituição como arguida; sobre a mesma teceram referências a características pessoais que a desassociam de qualquer ação e/ou atitude desadequada.”
2.1.2. O Tribunal considerou não provada a seguinte factualidade:
“1. A emissão de receitas médicas sem que os doentes sejam consultados é uma prática muito comum nas próprias unidades de saúde do SNS.”
2.1.3. O Tribunal motivou a decisão de facto, nos seguintes termos:
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2.2 Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
É entendimento reiteradamente perfilhado pela jurisprudência dos tribunais superiores que são as conclusões que definem e delimitam o objeto do recurso. Isto sem prejuízo do conhecimento daquelas que devam ser suscitadas oficiosamente, como acontece, por exemplo, com os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2, ou o art.º 379º, nº 1, do CPP.[1]
Por outro lado, e usando as palavras do Professor Alberto dos Reis, “para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.”[2] Sendo que as conclusões da motivação do recurso, segundo o Professor Germano Marques da Silva recurso, “são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado (…) devem ser concisas, precisas, claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão de ser objeto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto da motivação (…) Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta.”[3]
É com base, portanto, nas conclusões oferecidas pelos recorrentes que iremos abordar o mérito dos recursos.
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3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido C…;
b) Negar provimento aos recursos interpostos do acórdão final pelos arguidos B…, C… e Farmácia E…, Lda.;
c) Condenar os recorrentes no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 4 ½ para o arguido B…, em 4 UC para o arguido C… pelo recurso interlocutório interposto, em 5 UC pelo recurso interposto pelo mesmo arguido do acórdão final, e em 4 UC para a arguida Farmácia E…, Lda..
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Porto, 18 de dezembro de 2018
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Cf., por todos, Ac. do STJ, de 11/04/2007, Pº 07P656, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora, LIM., Coimbra 1984, p. 358 e 359.
[3] Curso de Processo Penal, III, 3ª Edição revista e atualizada, Verbo, 2009, p. 347.