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CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
FORMA ESCRITA
FORMALIDADE AD SUBSTANCIAM
JUSTIFICAÇÃO DO MOTIVO
ABUSO DO DIREITO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
CONTESTAÇÃO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
BAIXA MÉDICA
TRABALHADOR
Sumário
I - Estando a declaração negocial sujeita a forma escrita e tendo esta natureza ad substanciam, não é, conforme art. 393º, nº 1, do CC, admissível possível prova testemunhal. II - No contrato de trabalho a termo devem ser indicados os concretos factos que justificam a aposição do termo (art. 141º, nº 3, do CT/2009), formalidade esta que tem natureza ad substanciam e de cuja preterição decorre quer a impossibilidade de invocação e apreciação, em sede judicial, da concreta factualidade que terá justificado o termo aposto, quer a conversão do contrato a termo em sem termo (art. 147º, nº 1, al. c), do mesmo). III - Não dá cumprimento ao mencionado requisito a justificação de que “A celebração do presente contrato a Termo Certo justifica-se pelo aumento temporário e excepcional da actividade da empresa” (clª 2ª), contrato que, assim, se deve ter como convertido em sem termo. IV - Não consubstancia abuso de direito a invocação, pelo trabalhador, da mencionada invalidade formal do contrato de trabalho a termo, sendo irrelevante o que, verbalmente, a Ré haja ou possa ter comunicado à A. quanto à justificação da aposição do termo. V - O art. 573º do CPC/2013 estabelece o princípio da concentração da defesa na contestação, sob pena de preclusão da sua dedução (salvas as exceções previstas). VI - A invocação, pela Ré, de que, considerando-se que o contrato a termo se converteu em sem termo e que por isso a sua denúncia teria ocorrido no período experimental, consubstancia defesa por exeção peremptória, porque impeditiva do direito de que a A. se arroga titular, defesa essa que se insere no âmbito de matéria que está na disponibilidade das partes, não sendo de conhecimento oficioso, e que, assim, deve ser invocada na contestação [rectius, no caso, porque se trata de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, na resposta da Ré/empregadora à contestação da A./trabalhadora], sob pena de preclusão. VII - Nos termos do art. 390º, nº 1, e sem prejuízo dos descontos a que se reporta o nº 2 do mesmo, o trabalhador tem direito às retribuições intercalares entre o despedimento e o trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, não havendo, todavia, razão alguma para que tenha direito a auferir retribuições que não auferiria se estivesse estado ao serviço. Daí que não tenha a A. direito a retribuições intercalares correspondentes aos períodos, compreendidos naquele, em que esteve de baixa médica.
Texto Integral
Procº nº 4267/17.7T8MTS.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1098)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B..., aos 12.09.2017, litigando com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação e pagamento faseado de compensação de patrono, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), opor-se ao despedimento efectuado a 24/08/2017 por “C..., Lda” (1).
Frustrada a conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, alegando, em síntese, a existência de justa causa para o despedimento da A. por esta não ter respeitado a sua superior hierárquica, bem como não ter cumprido com as ordens que por esta última lhe foram transmitidas.
Mais alega que a A. incorreu em 11 faltas injustificadas pelo que acrescenta que também por abandono do posto de trabalho se terá de considerar o vínculo findo e, por fim, que, estando em causa contrato de trabalho a termo certo, já verificado, o mesmo não se renovou, pelo que sempre se teria por cessado no seu termo.
A A. apresentou contestação/reconvenção, através da qual negou a prática dos factos que lhe são imputados, defendendo ainda que do contrato de trabalho não consta o motivo justificativo do mesmo pelo que deverá ele considerar-se como celebrado sem termo, pugnando pela ilicitude do despedimento.
Terminou formulando o seguinte pedido:
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A Ré respondeu impugnando o alegado pela A., invocando os motivos da celebração do contrato de trabalho a termo e defendendo a validade do mesmo e concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.
Admitido o pedido reconvencional, fixado o valor da acção em €7.227,18€, proferido despacho saneador tabelar com dispensa da fixação do objecto do litígio e dos temas da prova e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu nos seguintes termos: “1) declarar que o contrato de trabalho celebrado entre as partes se converteu em contrato por tempo indeterminado desde a data da sua celebração; 2) declarar ilícito o despedimento da trabalhadora B... ocorrido a 24/08/2017; 3) condenar a empresa “C..., L.da” a pagar à mesma trabalhadora: a) 1.671€ a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado da presente decisão; b) 7.772,52€ a título de retribuições intercalares, sem prejuízo dos montantes que resultarem à data do trânsito em julgado da presente decisão; c) 258,54€ de diferenças nas remunerações devidas pelo trabalho prestado nos meses de Junho e Julho de 2017; d) 77,04€ a título de férias não gozadas; e) 174,75€ a título de trabalho suplementar; f) os legais juros de mora.
Valor da acção: 9.953,85€.
Custas pela trabalhadora e pela empregadora, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do apoio judiciário de que a primeira beneficia.”.
Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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A Recorrida contra-alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
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A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, referindo, para além do mais, que a alegação da Recorrente de que o contrato de trabalho teria cessado no período experimental (se o termo aposto ao fosse considerado nulo) consubstancia questão nova, que não foi apreciada na 1ª instância, pelo que não poderá ser conhecida em sede de recurso. A tal parecer respondeu a Recorrente, dele discordando.
Deu-se cumprimento ao disposto no art. 657º, nº 2, 1ª parte, do CPC.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
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............................................... 3.Da validade do contrato de trabalho a termo
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“O contrato em apreço foi qualificado como sendo um contrato a termo uma vez que lhe foi aposto uma data para o seu término, possibilidade essa expressamente prevista pelo art. 140º n.º 1 e 2, al. f), do CT (cfr., ainda, Cláus. 2ª e 9ª do contrato).
A trabalhadora defende, no entanto, que tal termo é nulo.
Por respeito ao princípio constitucional da segurança no emprego (art. 53º da CRP), só excepcionalmente a lei laboral admite a celebração de contratos a termo.
Tais excepções vêm expressamente previstas no já citado art. 140º do CT, cuja al. f) do seu n.º 2 consagra o “acréscimo excepcional de actividade da empresa”.
Exige igualmente a lei determinadas formalidades, a saber, as previstas no art. 141º do mesmo código, das quais se destaca a obrigatoriedade de indicar o “termo estipulado” e o respectivo “motivo justificativo” – al. e) do n.º 1.
O mesmo artigo, no seu n.º 3, refere que ter-se-á de mencionar expressamente no contrato os factos que integram o motivo justificativo da aposição do termo, devendo ainda ser estabelecida a relação entre a justificação invocada e esse mesmo termo.
Caso tal não suceda, o contrato considerar-se-á sem termo – art. 147º n.º 1, al. c), do CT.
A obrigatoriedade de indicar a razão justificativa do termo visa prevenir eventuais divergências entre as partes, permitir o exercício da actividade fiscalizadora por parte das entidades responsáveis nessa área e, ainda, permitir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que determinam a precariedade do seu emprego, dando-lhe assim a possibilidade de aferir a validade dos mesmos e de os discutir em juízo.
A fixação do prazo nos contratos de trabalho, com a consequente instabilidade do emprego para o trabalhador, só encontrará justificação naqueles casos em que os serviços a prestar são de natureza transitória, destinando-se a dar satisfação a essa necessidade de ocupação temporária.
Nos presentes autos, na Cláus. 2ª do contrato junto aos autos indica-se como motivo para a estipulação de um termo o seguinte: “A celebração do presente contrato a Termo Certo justifica-se pelo aumento temporário e excecional da atividade da empresa”.
Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se nos afigura que, com tal redacção, tenha sido dado cumprimento ao supra mencionado art. 140º n.º 2, al. f) do CT.
Na verdade, a redacção da cláusula em análise contém um teor genérico, não descrevendo os factos ou circunstâncias concretas que integram tal afirmação (que aumento? por quanto tempo?...).
Conclui-se, assim, pela nulidade do termo aposto no contrato dos autos pelo que este último se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado.
E, a tal conclusão, não obsta o facto de a admissão da trabalhadora ter sido para exercer funções nas piscinas D..., as quais apenas funcionam durante a época balnear, pois tal facto não foi consignado no contrato celebrado entre as partes.
É que a falta de concretização do motivo justificativo, seja pelo recurso às fórmulas legais contidas nas alíneas do n.º 2 do art. 140º, seja pelo recurso a expressões vagas, genéricas ou imprecisas, não pode – como se tem entendido – ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da acção em que a questão se suscite – neste sentido, entre muitos, veja-se o ac. da RP de 17/11/2015, disponível in www.dgsi.pt.
Por tal motivo se tornando inútil a produção de prova sobre factualidade alegada nos articulados para preencher o conceito invocado no clausulado do contrato tendente à justificação da estipulação do termo.”
Do assim decidido discorda a Recorrente alegando que: pese embora a expressão, que é a consagrada no referido dispositivo legal, seja um pouco genérica, a verdade é que a mesma corresponde à realidade dos factos e mostra-se devidamente demonstrada; é matéria assente que a Entidade patronal celebrou com a Trabalhadora um contrato de Trabalho destinado a vigorar pelo prazo de 3 meses, entre os dias 15 de Junho de 14 de Setembro de 2017; é igualmente ponto assente que tal contrato se destinava ao exercício, pela Autora, das funções de empregada de limpeza e também não restam duvidas que a entidade patronal obteve a concessão de limpeza das piscinas D..., em Matosinhos, apenas para o período da época balnear, ou seja, de 15/06 a 15/09 (nos restantes meses, as piscinas estão encerradas ao público); é igualmente assente que a trabalhadora exercia as suas funções nas piscinas D... e tal como acima de defende, deveria ter ficado a constar da matéria de facto provada que a trabalhadora foi expressamente e exclusivamente contratada para prestar a sua actividade na piscina D...; a obtenção de uma concessão de um serviço pelo período apenas de 3 meses consubstancia um acréscimo temporário (3 meses) e excepcional (trata-se de uma concessão que terá que ser sempre renovável pois não opera de forma automática e por vezes está sujeita a concurso) da actividade da empresa e a duração do contrato era exactamente coincidente com a referida concessão; tanto mais que a trabalhadora apenas trabalhava naquele local, pelo que, não é possível, de boa fé, considerar-se não demonstrada a existência do fundamento para o termo do contrato.
3.1. Desde já se dirá que se concorda com o aduzido na sentença recorrida, sendo a aposição do termo (certo) ao contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré formalmente inválido.
Com efeito:
À apreciação da validade do contrato de trabalho a termo em causa nos autos, celebrado aos 16.05.2017, é aplicável o CT/2009(2), a cujas disposições nos reportaremos sem menção de outra origem.
Como corolário do princípio constitucional da segurança no emprego consagrado no art. 53º da CRP, o contrato de trabalho sem termo constitui a regra geral, sendo a aposição do termo apenas admitida excepcionalmente (tal como já sucedia no âmbito dos antecessores DL 64-A/89 e do CT/2003), nas circunstâncias e com os condicionalismos previstos na lei, isto é, desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos:
- O primeiro, de natureza formal, nos termos do qual, e de harmonia com o disposto no art. 141º, nº 1, o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, indicação esta que “deve ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” (nº 1, al. e) e nº 3).
- O segundo, de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração caso se verifique alguma das situações previstas no artº 140º: é necessário, desde logo, que esse motivo seja enquadrável nas situações previstas nesse artigo; e, sendo-o, que o motivo invocado tenha correspondência com a realidade.
A fundamentação formal do contrato constitui formalidade de natureza ad substanciam, visando a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140º e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato, formalidade essa que, assim, bem se compreende considerando a ratio que a ela preside – permitir, seja ao trabalhador, seja ao tribunal, sindicar das razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo.
E de tal natureza decorre que: (a) qualquer contrato a termo em que, nele e por escrito, não seja mencionado o motivo que o justifica nos termos prescritos na lei, é considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes os fundamentos que a entidade empregadora possa vir a invocar na ação judicial, assim como irrelevante é que, do ponto de vista material, pudesse ocorrer justificação bastante para a contratação a termo; (b) apenas o motivo justificativo invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo absolutamente irrelevante que, caso ele não se prove, outro possa ou pudesse existir e que, substantivamente, justificasse a contratação; ainda que assim fosse, não se poderia igualmente a ele atender, havendo então que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em sem termo.
No sentido da natureza ad substantiam se tem pronunciado, de forma unanime, a jurisprudência – cfr., designadamente, os Acórdãos mencionados na nota 2 do presente acórdão: desta Relação do Porto de 29.09.2008, Proc. 0842881 (ainda que no âmbito do DL 64-A/89, são as considerações dele constantes aplicáveis ao caso em apreço) e de 04.11.2013 (Proc. 235/11.0TTBCL.P1), estes relatados pela ora relatora; também da RP de 14.07.2010 (Proc. 289/09.0TTGDM.P1) e de 26.09.2011 (Proc. 1993/09.2TTPRT.P1); do STJ de 18.06.2008 (Proc. 08S936), de 28.04.2010 (Proc. 182/07.0TTMAI.S1), de 02.12.2013 (Proc. 273/12.6T4AVR.C1.S1), de 17.03.2016 (Proc. 2695/13.6TTLSB.L1.S1), de 17-03-2016 (Proc. 2695/13.6TTLSB.L1.S1), de 16.06.2016 (Proc. 968/12.4TTLSB.L1.S1) e de 22.02.2017 (Proc. 2236/15.0T8AVR.P1.S1), todos in www.dgsi.pt-
A preterição do mencionado requisito de natureza formal determina que o contrato de trabalho seja considerado como sem termo [art. 147º, nº 1, al. c)].
3.2. Revertendo ao caso em apreço, do contrato de trabalho escrito apenas consta, como fundamentação da aposição do termo, que “A celebração do presente contrato a Termo Certo justifica-se pelo aumento temporário e excepcional da actividade da empresa” (clª 2ª), justificação esta que é manifestamente insuficiente, limitando-se a reproduzir o texto da lei e não contendo, como imposto pelo art. 141º, nº 3, do CT/2009, qualquer concreto facto que integre esse alegado acréscimo temporário e excepcional da actividade da empresa e, bem assim, que permita estabelecer o nexo causal entre a motivação e o prazo estipulado, devendo, por consequência e necessariamente, ser o contrato a termo considerado como sem termo nos termos do art. 147º, nº 1, al. c), do mesmo, improcedendo a argumentação aduzida pela Recorrente.
Com efeito, sendo a aposição do termo ao contrato de trabalho formalmente inválida e devendo o contrato, por isso, ser considerado como sem termo nos termos das disposições legais citadas é irrelevante tudo quanto é aduzido no sentido de justificar a validade material ou substancial da aposição do termo ao contrato, designadamente que a A. sempre tivesse desempenhado as suas funções nas piscinas D..., que tivesse sido contratada para aí as desempenhar, que tais piscinas apenas funcionam no período de 15 de Junho de 14 de Setembro de 2017 (estando depois encerradas) e que a concessão à Ré apenas tivesse tal duração, factualidade esta que não consta do contrato de trabalho e que, pelo que já se deixou dito, não é susceptível de ser invocada em sede judicial para justificar a validade da aposição do termo.
É também o que resulta da já citada jurisprudência, de onde decorre a impossibilidade e irrelevância do mais que, não constando do contrato a termo, possa ser invocado e/ou provado quanto à justificação da sua celebração, mostrando-se, por consequência, prejudicado o conhecimento dessa alegada justificação material do contrato.
Improcedem, assim e também nesta parte, as conclusões do recurso.
4. Do abuso de direito
Invoca ainda a Recorrente o abuso de direito, o que sustenta no que já acima, a propósito da questão anterior, deixámos referido.
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Dispõe o art. 334º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ”.
Está aqui em jogo um princípio de ordem e interesse público, não dependendo da invocação das partes saber se, quem exercita o direito que se arroga, age motivado e sob condicionantes que tornem o seu exercício ilegítimo.
Manuel de Andrade (in “Teoria Geral das Obrigações”, pg. 63), ainda antes do actual C.C., defendia a existência de abuso de direito quando este era exercido "em termos clamorosamente ofensivos da justiça", mostrando-se "gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na colectividade" – nesse sentido, vide ainda Prof. Vaz Serra (B.M.J., 85º-253).
Para que possa funcionar o comando contido no art. 334º tem, pois, de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível.
Ou seja, haverá abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu (in “Abuso de Direito”, pg. 43) "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem".
Há, assim, um comportamento antijurídico, que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, e não pela violação de um direito de outrém ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio – cfr., ainda, Castanheira Neves (“Questão de Facto - Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade”, pg. 518 e ss.) e Orlando de Carvalho (“Teoria Geral do Direito Civil - Sumários Desenvolvidos”, Coimbra, 1981, pg. 44).
Para que exista abuso de direito, não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém (dado que a atribuição de um direito traduz a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes), sendo necessário que manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido.
A sua manifestação mais corrente é aquela que corresponde a condutas contraditórias, ou seja, de venire contra factum proprium.
In casu, na versão defendida pela empregadora, a trabalhadora conhecia e aceitou a motivação pela qual o contrato foi celebrado por três meses, sendo que tal contrato nunca poderia ser de duração superior por as piscinas estarem encerradas nos restantes meses do ano.
No entanto, impõe-se reafirmar que tal argumentação não colhe.
Por um lado, a trabalhadora mais não fez do que exercer um direito que a lei laboral lhe confere, direito esse que foi exercido tempestivamente (cfr. art. 337º n.º 1 do CT) e, como decorre do supra decidido, tem fundamento.
Por outro, não tendo sido referido expressamente que a sua contratação era para trabalhar nas piscinas D..., e sendo a empregadora uma empresa que leva a cabo a sua actividade não apenas nessas piscinas mas também em outros locais, sempre a manutenção do vínculo poderia perdurar. Aliás, como decorre da Cláus. 1ª do contrato de trabalho, a admissão da trabalhadora ocorreu para o exercício de funções “nos locais previamente designados” pela empregadora. (…)”.
4.1. Estamos de acordo com as considerações aduzidas na sentença, acima transcritas, não existindo qualquer abuso de direito.
O abuso de direito pressupõe a existência do direito; só que o seu exercício, porque excedendo os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, é considerado ilegítimo (cfr. art. 334º do Cód. Civil).
A lei é absolutamente clara quanto à exigência dos requisitos formais, de natureza ad substantiam, acima apontados, bem como quanto às consequências da sua inobservância. O contrato celebrado entre as partes não dá, do ponto de vista formal, cumprimento à imposição legal de indicação dos concretos motivos que integram a justificação nele apresentada, limitando-se a A., na acção, a retirar as consequências legais de tal facto, não se descortinando que isso atente, muito menos manifestamente, contra os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito.
Nem da circunstância de a A. ter assinado o contrato a termo e/ou porventura de lhe ter sido verbalmente comunicada a alegada natureza transitória da necessidade da sua contratação consubstancia excesso de exercício do direito, não a impedindo de impugnar judicialmente a validade, designadamente formal, do termo aposto ao contrato; trata-se de direito que lhe assiste, que não atenta contra nenhum dos pressupostos do art. 334º, sendo de salientar que a Ré sabia, ou tinha obrigação de saber, as circunstâncias, designadamente de forma, que lhe eram exigíveis para a validade formal do contrato de trabalho.
Acresce que, tendo a obrigação da justificação da aposição do termo ao contrato, com a indicação dos respetivos factos, natureza ad substantiam é perfeitamente irrelevante o que, verbalmente, a Ré haja ou possa ter comunicado à A.
Acrescente-se que nada foi alegado, na contestação, no sentido de que a preterição do requisito formal em causa nos autos resulte de comportamento imputável à A.. E apenas perante a prova de um tal comportamento é que se poderia equacionar o abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Chama-se, a este propósito, à colação o citado Acórdão desta Relação de 14.07.2010, acima citado, que discorreu, para além do mais que nele se refere, do seguinte modo:
“(…)
In casu, a R. invocou o abuso do direito apenas nas alegações de recurso, mas isso não impede o conhecimento da matéria, como se referiu.
Dos factos provados resulta que a A. foi admitida ao serviço da R. para trabalhar com a categoria de “administrativa”, só mais tarde tendo sido solicitada por correio interno para assinalar o contrato de trabalho a termo e com a data do início da actividade. Ora, se assim é, parece claro que é da R. a autoria das cláusulas dele constante, nomeadamente, da cláusula 7.ª e seu teor, sendo a intervenção da A. limitada à assinatura do documento. Tal significa que, competindo o ónus da prova do motivo justificativo do termo ao empregador, é ele que deve, em princípio, tomar as especiais cautelas na descrição do mesmo, nomeadamente, elencando os factos concretos que o integram. Já para o trabalhador, não tendo interesse no termo, pois a sua existência e validade tornam precário o contrato que poderia ter sido celebrado por tempo indeterminado, a invocação da sua nulidade corresponde ao exercício normal do seu direito ao trabalho, não configurando abuso do direito. Abuso de direito existiria se quem deu azo à inobservância de forma, viesse amanhã a invocá-la para obter os efeitos jurídicos correspondentes, (…). Porém, aqui, nestes casos citados, quem omite a forma é a mesma pessoa que invoca a sua falta, tendo a omissão de forma sido levada a cabo preordenadamente. Porém, na hipótese vertente dos autos, não sendo imputável à A., ora apelada, a inobservância de forma, a invocação da nulidade do termo e suas consequências não traduz o exercício anormal do seu direito ao trabalho, pelo que a A. – a nosso ver e com o devido respeito por diferente opinião – não agiu de má fé, nem com abuso do seu direito.
Improcedem, assim e também nesta parte, as conclusões do recurso da Ré.
5. Da rescisão no período experimental
Sustenta a Recorrente que, caso se conclua no sentido da conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, então haveria que se concluir que o mesmo foi rescindido pela Ré dentro do período experimental (este de 90 dias).
Contrapõe a Recorrida que tal alegação consubstancia questão nova, que não pode agora ser conhecida em sede de recurso, no que é acompanhada pelo douto parecer do Ministério Público, do qual a Recorrente discordou, alegando, em síntese, que a factualidade correspondente consta dos articulados e da matéria de facto provada.
5.1. Como é sabido, não pode a Relação, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, conhecer de questões que não hajam sido conhecidas pela 1ª instância, chamando-se, a este propósito, à colação o Acórdão do STJ de 07.07.2016, Proc. 156/12.0TTCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt, no qual se refere o seguinte:
“Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social.
Por isso, e quanto à questão suscitada pelo recorrente, não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Supremo Tribunal[1] emitir um qualquer juízo de reavaliação ou reexame, (…)
Assim sendo, constituindo a matéria suscitada pelo recorrente na motivação/conclusões do recurso, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.”
Por outro lado, dispõe o art. 573º do CPC/2013 que: “1. Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado. 2. Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”
O preceito estabelece o princípio da concentração da defesa na contestação, sob pena de preclusão da sua dedução (salvas as exceções previstas).
Ainda que a propósito da caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, não invocada pelo empregador em sede de 1ª instância e não conhecida por esta, mas apenas suscitada em sede de recurso, e que o STJ, no seu Acórdão de 17.11.2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S2, considerou não ser de conhecimento oficioso, considerações essas aplicáveis ao caso em apreço, nele referiu-se o seguinte [omitem-se as notas de rodapé]:
“Sabido que a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho exercido pelo trabalhador aproveita à empregadora, incumbirá a esta o respectivo ónus de alegação e prova, enquanto facto extintivo do direito invocado pelo trabalhador, conforme decorre do disposto no art. 342.º, n.º 2, do Código Civil.
E o momento oportuno para o fazer é o da apresentação da respectiva defesa, ou seja, através da respectiva contestação, aí deduzindo os meios de defesa – por impugnação e/ou por excepção – que tenha por pertinentes contra a pretensão do trabalhador e tendo em vista neutralizar ou extinguir eventuais direitos deste.
Trata-se do princípio da concentração da defesade que fala José Lebre de Freitas[4], estabelecido na primeira parte do art. 573.º, n.º 1, do NCPC, que dispõe que “a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado”.
Este princípio, que segundo aquele Autor é explicado “(…) pela necessidade dum processo quanto possível célere (…)” é excepcionado nas situações previstas no n.º 2, do art. 573.º, onde se estipula que: “depois da contestação só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que deva conhecer oficiosamente”.
Reporta-se tal normativo aos meios de defesa supervenientes que abarcam:
a) quer os casos em que os factos em que eles se baseiam se verificam supervenientemente (superveniência objectiva), quer aqueles em que esses factos são anteriores à contestação, mas só posteriormente se tornam conhecidos pelo Réu (superveniência subjectiva), devendo em ambos os casos ser alegados em articulado superveniente (art. 588.º, nº 2, do NCPC);
b) os meios de defesa de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente, abrangendo a impugnação de direito (art. 5.º, nº 3, do NCPC) e a maioria das excepções dilatórias (art. 578.º do NCPC) e peremptórias (art.º 579.º do NCPC), sem prejuízo de os factos em que as excepções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo nos casos excepcionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art. 412.º do NCPC), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente.[5]
O mencionado princípio da concentração da defesa é corolário do princípio da preclusão, segundo o qual o Réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo Autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou peremptória, com excepção das que forem supervenientes, e deduzir as excepções não previstas no art. 573.º, n.º 2, do NCPC.
O que significa que ultrapassada determinada fase processual, com as ressalvas previstas na lei, deixam as partes de poder praticar os actos que aí se deveriam inserir. Precludida fica, por conseguinte, a possibilidade de o fazer.[6]
(…)
Ora, nem a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho exercido pelo Autor constitui um meio de defesa cujo exercício a lei expressamente admita posteriormente à contestação, nem é de conhecimento oficioso, nos termos explicitados supra.
Tão pouco está aqui em causa um meio de defesa superveniente, como parece ser o entendimento da Recorrente.
Na verdade, tendo o Autor resolvido o respetivo contrato de trabalho em 25 de Janeiro de 2013, com fundamento no não pagamento integral da respectiva retribuição e subsídios a partir de 2002, poderia a Ré ter desde logo invocado, em sede de contestação, a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo decurso do prazo previsto no n.º 1 do art. 395.º do CT/2009.
A mera circunstância de a sentença da 1.ª instância ter dado como demonstrado estarem em falta apenas as retribuições vencidas a partir de 2010, não tem a virtualidade de conferir natureza superveniente à excepção peremptória de caducidade aqui em causa, para efeitos do disposto no art. 573.º, n.º 2, do NCPC.
E isto porque:
- Por um lado, o facto que fundamenta a caducidade não se verificou supervenientemente ao momento da apresentação da contestação, e
- Por outro lado, o facto que fundamenta a caducidade era do conhecimento da Ré à data da contestação, pois esta já então sabia que o Autor fundava a sua pretensão na falta culposa do pagamento da retribuição e de outros créditos laborais alegadamente vencidos desde 2002.
Deste modo, ao invocar a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador apenas nas alegações da apelação, sem ter colocado tal questão perante a 1ª instância, e sem que esta se tivesse pronunciado sobre a mesma, a aqui Recorrente suscitou indevidamente perante a Relação uma questão nova, não submetida à apreciação na 1ª instância, questão essa que poderia ter deduzido em sede de contestação, ao abrigo do princípio da concentração da defesa e em homenagem ao princípio da preclusão acima referenciados.
É que, como é sabido, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (art. 627.º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que, como vimos, não é o caso. 6. De acordo com a terminologia proposta por Teixeira de Sousa[7], não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.
Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido.[8]
Com efeito, em sede recursória o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.
A este propósito, também Abrantes Geraldes[9] explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas.
O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.
Não permitindo a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas. [10]
Assim sendo, bem andou o Tribunal da Relação ao não tomar conhecimento da excepção de caducidade em causa por considerá-la uma questão nova.”
5.1. Revertendo ao caso em apreço, a Ré, seja no articulado motivador do despedimento, seja na resposta à contestação da A., em lado algum invocou, ainda que subsidiariamente, a questão da cessação do contrato de trabalho no período experimental.
Tal questão consubstancia matéria de defesa, aliás peremptória na medida em que é impeditiva do direito da A. (arts. 342º, nº 2, do Cód. Civil e 576º, nº 2, do CPC), que deveria ter sido alegada, conforme decorre do que acima se disse, na contestação, sendo certo que não consubstancia ela qualquer meio de defesa que seja superveniente, nem é de conhecimento oficioso.
Não é superveniente pois que sabendo a Recorrente quando contratou a A., deveria, assim o tivesse equacionado e pretendido, ter suscitado a questão, senão no articulado motivador, pelo menos na resposta à contestação da A. (em resposta à alegação desta de que o seu contrato de trabalho se converteu em contrato de trabalho sem termo), o que não fez.
E não é de conhecimento oficioso, uma vez que se trata de matéria que se insere no âmbito dos direitos disponíveis da Ré. Estava na disponibilidade desta invocar, ou não, o referido período experimental e o direito de, ao seu abrigo, fazer cessar o contrato de trabalho, correspondendo tal questão a interesse de natureza privada e não a qualquer interesse de ordem e natureza pública que impusesse o seu conhecimento oficioso.
E, por outro lado, não procede também, pelo que se referiu, a argumentação, aduzida pela Recorrente, em resposta ao parecer do Ministério Público de que: nenhum facto novo foi alegado, resultando dos autos a data do início da relação laboral e do despedimento; ao convolar o contrato de trabalho num contrato sem termo, deve o tribunal fazer a subsunção jurídica dos factos constantes dos autos às normas existentes, não estando o tribunal vinculado à subsunção jurídica feita pelas partes; perante a convolação do contrato a termo em sem termo e existindo uma manifestação inequívoca da vontade da Ré de fazer cessar o contrato, o tribunal só teria que fazer o enquadramento jurídico de acordo com as normas aplicáveis.
O período experimental e a possibilidade da cessação, por iniciativa da Ré, do contrato de trabalho nesse período consubstancia questão jurídica que é impeditiva do direito de que a A. se arroga titular, consubstanciado defesa por exceção, de natureza peremptória. Como também já referido tal exceção não é de conhecimento oficioso. E como é sabido, no processo civil, ainda que o juiz não esteja vinculado à subsunção jurídica feita pelas partes, está todavia vinculado ao principio do dispositivo, do qual decorre que as questões que as partes pretendam ver resolvidas lhe deverão ser (atempadamente, nos termos da lei processual) suscitadas.
E, no caso, tal não ocorreu, não bastando, para a possibilidade do conhecimento da questão, que não seja invocado facto novo. Também o respectivo enquadramento jurídico e pretensão de ver o contrato cessado por outra causa (período experimental) que não aquela que havia sido foi invocada pela Ré (despedimento) teria que ser, por via do mencionado princípio do dispositivo, solicitado ao Tribunal no momento adequado (no articulado motivador do despedimento ou na resposta à contestação da A.), o que poderia e deveria ter tido lugar, a título subsidiário, assim a Ré o tivesse pretendido.
Nem, por outro lado e pelo que se disse, se trata a questão que se reconduza à mera divergência na qualificação jurídica dos factos. Trata-se, sim, de uma diferente causa de cessação do contrato de trabalho, que não foi invocada atempadamente, que teria que o ser por via do princípio do dispositivo e que não foi conhecida pela 1ª instância (nem tinha que o ser).
Trata-se, pois, de uma questão nova, de que esta Relação, pelo que se deixou dito, não pode conhecer.
6. Das retribuições intercalares.
Na sentença recorrida, a propósito das retribuições intercalares, referiu-se o seguinte:
“Quanto às retribuições a que alude o art. 390º n.º 1, assiste à trabalhadora o direito a receber as que se venceram entre 24/08/2017 e a data na qual a presente decisão transitar em julgado – cfr. al. b) do n.º 1 – às quais terão de ser descontados os valores pela mesma entretanto auferidos e a que alude o n.º 2 do art. 390º.
Tais retribuições, nesta data, ascendem, ao montante global de 7.772,52€ [(557€+90,40€ - a título de subsídio de alimentação, seria de considerar 99,44€ mas tendo apenas sido peticionado 90,40€, está o tribunal limitado a tal quantia -+92,84€, sendo esta última verba correspondente aos duodécimos de subsídios de férias e de natal, ou seja, 46,42€x2) = 740,24€ x 10 meses e meio = 7.772,52€].
A tal montante será descontado o valor que eventualmente a trabalhadora tenha auferido a título de subsídio de desemprego.”.
E, na parte dispositiva da sentença, condenou a Ré a pagar à A. “b) 7.772,52€ a título de retribuições intercalares, sem prejuízo dos montantes que resultarem à data do trânsito em julgado da presente decisão;”.
Alega a Recorrente que não foram tidos em conta os períodos de baixa médica da A. e, bem assim, que não foi determinado o desconto do subsídio de desemprego.
6.1. Quanto ao desconto das quantias que a A. haja auferido a título de subsídio de desemprego, na sentença recorrida, embora a ele se fazendo referência na fundamentação, não foi contudo determinado na parte dispositiva da sentença, como o deveria ter sido, quer em consonância com o que nela é dito, em sede de fundamentação, quer nos termos do disposto no art. 390º, nº 2, al. c), do CT/2009, devendo a Ré entregar tais quantias à Segurança Social.
Quanto aos períodos de baixa médica, decorre do nº 15 dos factos provados que a A. esteve em situação de baixa médica entre 28/07 e 08/08, entre 09/08 e 01/09, entre 02/09 e 01/10, entre 02 e 31/10, entre 01 e 15/11, entre 16/11 e 15/12 e entre 16 e 31/12, sempre do ano de 2017.
Nos termos do art. 390º, nº 1, o trabalhador, em caso de despedimento ilícito, tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao transito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento. Se o trabalhador tem direito a tais retribuições, não há todavia razão alguma para que tenha direito a mais retribuições do que aquelas que auferiria se estivesse estado ao serviço.
Ora, no caso, tendo a A. sido despedida aos 24.08.2017 e estado de baixa médica desde essa data até 31.12.2017 carece de fundamento o recebimento das retribuições correspondentes a este período.
Assim, e tendo em conta o montante retributivo mensal de 740,24€ [[(557€+90,40€ - a título de subsídio de alimentação- +92,84€, sendo esta última verba correspondente aos duodécimos de subsídios de férias e de natal, ou seja, 46,42€x2)] considerado na sentença recorrida e não posto em causa no recurso, à quantia global de 7.772,52€ haverá que descontar a quantia global de €3,133,70 [(740,24 x 4 meses)+(740,24/30 dias x 7 dias)].
Assim, a título de retribuições intercalares contabilizadas até à data da sentença recorrida (09.07.2018) é devida a quantia global de €4.638,82 [7.772,52€ - €3,133,70], à qual, bem como às vencidas e vincendas até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, haverá que descontar as quantias que a A. haja auferido, desde 31.01.2018 e até ao referido trânsito, a título de subsídio de desemprego, que deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social. De esclarecer que os subsídios de desemprego a ter em conta são os vencidos desde 31.01.2018 pois que as retribuições intercalares, dado a A. ter-se encontrado de baixa médica, são as devidas desde essa data. Há também que esclarecer que as quantias, em consequência, devidas são a liquidar em incidente de liquidação nos termos dos arts. 609º, nº 2, e 358º, nº 2, ambos do CPC.
Quanto ao restante segmento condenatório da Ré em consequência da ilicitude do despedimento, não se vê que nada mais de concreto seja invocado no recurso.
Assim, e nesta parte, procedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide: A. Revogar o ponto 3.b) da parte dispositiva da sentença recorrida [em que se condenou a Ré a pagar à A. a quantia de “7.772,52€ a título de retribuições intercalares, sem prejuízo dos montantes que resultarem à data do trânsito em julgado da presente decisão”], a qual é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré, C..., Lda, a pagar à A., B..., a quantia de €4.638,82 a título de retribuições intercalares desde a data do despedimento até à data da sentença recorrida (09.07.2018), sem prejuízo dos montantes que resultarem até à data do trânsito em julgado do presente acórdão, quantias essas às quais haverá que descontar o subsídio de desemprego que a A. haja auferido desde 01.01.2018, a liquidar em incidente de liquidação, subsídio esse que deverá ser entregue pela Ré à segurança Social. B. No mais impugnado, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente e Recorrida na proporção dos respectivos decaimentos.
Porto, 18.12.2018
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, inA nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos à Autora (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, à trabalhadora e à empregadora.
[2] Abreviatura de Código do Trabalho aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02.