INJUNÇÃO
FORMA DO PROCESSO
CLÁUSULA PENAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Sumário

I - Só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, mas já não podem ser peticionadas naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil.
II - A cláusula penal, mesmo que se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, está excluída do âmbito da injunção por não se tratar de uma obrigação pecuniária em sentido estrito.
III - Quando o autor/requerente use de forma indevida ou inadequada o procedimento de injunção verifica-se uma exceção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
IV - Tal exceção dilatória inominada, afetando o conhecimento e o prosseguimento da ação especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento.

Texto Integral

Proc. nº 141613/14.0 YIPRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Gondomar – Juiz 1
Apelação
Recorrente: “B...”
Recorridos: C... e outros; D...
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
B..., com sede na ..., n.º .., 6.º, Lisboa, apresentou o requerimento de injunção de fls. 2/3 através do qual pede a notificação dos requeridos C... e E..., residentes na ..., n.º .., 1.º dto., Porto, para procederem ao pagamento da quantia global de 9.273,86€, decomposta nos seguintes termos: 7.008,51€ a título de capital em dívida; 2.112,35€ a título de juros de mora e; 153,00€ a título de taxa de justiça paga.
Alega para tanto que:
- em 15.9.2006 a requerente e os requeridos celebraram um contrato de mútuo, nos termos do qual, a pedido dos requeridos, a requerente disponibilizou-lhes a quantia de 7.805,00€, por meio do contrato de financiamento n.º ............., através de crédito na sua conta corrente;
- nos termos desse contrato, o valor em dívida teria de ser reembolsado à requerente, em prestações mensais, por débito em conta bancária do mutuário ou outra forma indicada pela requerente, sendo o montante dessa prestação determinado em função do montante de crédito utilizado, correspondendo a 161,00€;
- em 1.2.2013, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga;
- desde essa data que o devedor deixou de proceder pontualmente ao pagamento das prestações mensais;
- nada mais pagou, desde então, até à presente data, não obstante as inúmeras interpelações efetuadas pela credora, por carta, contacto pessoal, contacto telefónico;
- em 27.4.2012, por iniciativa do credor, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do devedor;
- nos termos contratuais, desde 1.2.2013, o capital em dívida ascende a 7.008,51€, acrescido de juros de mora, contados desde 1.2.2013 à taxa anual de 19,00%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato, que nesta data ascendem a 2.112,35€;
- a quantia total em dívida ascende a 9.120,86€;
- a este montante deverão acrescer os juros moratórios vincendos, que deverão ser calculados até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 19,00%/ano, bem como, os compulsórios à taxa de 5%/ano.
Regularmente citada para os termos do procedimento de injunção, a requerida apresentou articulado de oposição, através do qual informa que o requerido faleceu no dia 9.11.2014. Alega a exceção dilatória de nulidade do processo com fundamento na ineptidão do requerimento de injunção. Mais alega que desconhece em absoluto o contrato referido no requerimento de injunção, não se recordando de ter assinado qualquer contrato de mútuo com a requerente, assim como não se recorda de, em momento algum, ter recebido a quantia que a requerente alega ter colocado à sua disposição. Na data em que foi notificada da presente injunção, o seu companheiro, o requerido, já tinha falecido, pelo que não pode sequer confrontá-lo com esta realidade no sentido de chegar a alguma conclusão. A requerida nunca foi interpelada pela requerente, fosse por que meio fosse, para efetuar qualquer pagamento, assim como também não recebeu qualquer comunicação da requerente a resolver o contrato de mútuo em apreço. Alega ainda que em mais de seis anos de cumprimento do contrato, entre setembro de 2006 e janeiro de 2013, à razão de 161,00€/mês, como alegado no requerimento de injunção, os requeridos já teriam pago à requerente o montante de 12.236,00€, donde resulta que o contrato de mútuo invocado pela requerente já estaria pago. Conclui assim pela improcedência da ação.
Atenta a dedução de oposição ao requerimento de injunção, os autos foram remetidos à distribuição nos termos do art. 16.º do Dec. Lei nº 269/98, de 1.9., na espécie de ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Foi deduzido incidente de habilitação de herdeiros pela requerente, no qual foi proferida sentença que julgou habilitados para prosseguir a presente ação, em representação do requerido, os seus herdeiros e filhos D..., F... e G....
Regularmente citado para os termos da presente ação, o requerido/habilitado D... apresentou articulado de oposição ao requerimento de injunção, através do qual alega que nada deve à requerente, uma vez que, por escritura de 20.4.2015, vendeu à requerida C... o seu quinhão hereditário na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do requerido seu pai.
Regularmente citados para os termos da presente ação, os habilitados G... e F..., representados em juízo pela sua mãe, a requerida C..., apresentaram articulado de oposição ao requerimento de injunção, alegando que subscrevem na íntegra o conteúdo, factualidade e demais considerações apresentadas no articulado de oposição ao requerimento de injunção deduzido pela requerida C..., acrescentando que desconhecem o conteúdo, cláusulas, intervenientes e assinaturas que constam do referido contrato, pois nele não foram intervenientes.
Por despacho de fls. 180 foi concedido o exercício do contraditório à requerente relativamente à matéria de exceção alegada, tendo esta apresentado o articulado de fls. 186/192, através do qual alega que por lapso referiu que o montante financiado aos Requeridos foi de 7.008,51€, quando na verdade foi de 7.805,00€. Também por lapso alegou que o vencimento da última prestação não paga ocorreu no dia 1.2.2013, quando na verdade ocorreu no dia 1.9.2011.
Requereu, por isso, a retificação destes lapsos de escrita nos termos do art. 249.º do Código Civil.
Mais esclarece que no extrato de conta que junta, os requeridos, após a resolução do contrato, ainda efetuaram 7 pagamentos no montante de 100,00€, cada, acrescentando ainda que a requerida não tem razão ao afirmar que não se recorda de ter assinado o contrato, uma vez que este se mostra assinado por si. Sustenta também que os juros não são usurários e que procedeu à resolução do contrato não sendo necessária prévia interpelação admonitória.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo.
No seu início foi julgada improcedente a exceção dilatória inominada de nulidade do processo com fundamento na ineptidão do requerimento de injunção.
Por fim, foi proferida sentença que julgou verificada a exceção dilatória inominada de uso indevido/inadequado da providência de injunção e absolveu os requeridos da instância.
Inconformada com o decidido, a autora B... veio interpor recurso de apelação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A Autora, ora Recorrente, não fez qualquer pedido de correcção de lapso de escrita que importasse ampliação do pedido nos termos dos artigos 264.º e 265.º do CPC.
2. Tendo requerido, apenas, que fosse corrigido o montante do financiamento concedido, sendo certo que o montante financiado não se confunde com o valor de capital em dívida, e, quanto a este último, nenhuma alteração ou correcção foi requerida pela Autora.
3. Razão pela qual deveria ter procedido o pedido de rectificação efectuado pela ora Recorrente, em abono da verdade e transparência dos factos.
4. Esclarecida esta questão inicial, importa que nos debrucemos sobre a questão da resolução contratual, sendo certo que a resolução contratual poderá operar de legal ou convencional.
5. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-03-2006: “Ao lado da resolução legal, o Art. 432.º, do CC, admite a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com a autonomia da vontade, o poder de expressamente, por convenção, atribuir a ambas ou a uma delas o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (por exemplo, não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação). A esta estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa.”
6. A cláusula resolutiva expressa constitui fundamento para o exercício do direito de resolução que o seu titular exerce ou não conforme lhe aprouver, não sendo necessária interpelação admonitória, conforme se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-06-2011: “A interpelação admonitória não é necessária se tiver havido recusa de cumprimento, invocada a perda de interesse do credor ou incumprida uma cláusula resolutiva expressa.”
7. Nesta senda, no uso da liberdade contratual consagrada no n.º 1, do artigo 405.º, do CC, a Autora e os Réus estipularam o fundamento para o exercício do direito de resolução, na cláusula 10.1 das Condições Gerais do contrato, dispondo que “Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora…”, acrescentando na cláusula 10.2 que “Mantendo-se o incumprimento, a B... pode resolver o contrato…”
8. O direito de resolução contratual ali atribuído, por incumprimento dos devedores, integra o conceito de cláusula resolutiva expressa, pelo que não é necessária interpelação admonitória.
9. E, face ao incumprimento, nada mais tendo sido pago até à presente data, a Autora comunicou, então, que, iria resolver o contrato, o que veio a fazer, tendo comunicado tal facto às partes (vide Doc. 4 e Doc. 5).
10. A este respeito, importa analisar o seguinte trecho da sentença recorrida: “Finalmente, apesar da Requerida C... em sede declarações de parte ter declarado que foi recebida uma carta da Requerente, mas que não sabia o que continha a carta pois foi o seu falecido companheiro quem a abriu, o certo é que estas declarações não servem para a demonstração de que a resolução foi comunicada ao seu falecido companheiro, desde logo, porque a Requerida não tomou conhecimento do teor da carta”.
11. Esta afirmação merece-nos duas considerações, pois, primeiramente, deixa a porta aberta para que se estabeleça dúvida razoável para aceitar o efectivo recebimento da carta de resolução, uma vez que a própria Ré admite ter sido recebida uma missiva; e, por outro lado, cumpre dizer que, tendo sido recepcionada tal comunicação, ainda que na pessoa do primitivo Réu entretanto falecido, apenas por culpa da Ré se poderia admitir que a mesma não logrou obter conhecimento efectivo do seu teor.
12. Assim, dizer apenas que foi o seu marido quem abriu a carta não pode servir de fundamento para justificar o desconhecimento do seu conteúdo, pois que, estando consciente das obrigações contratuais assumidas e agindo com a diligência que lhe seria exigida, a Ré poderia e deveria ter adoptado todas as condutas necessárias à tomada de conhecimento do teor da missiva.
13. Sem prescindir, sempre se dirá que, não tendo logrado demonstrar inequivocamente que tal comunicação da resolução do contrato chegou ao conhecimento efectivo dos então devedores, a resolução do contrato adquire eficácia com a citação dos Réus para os presentes autos.
14. E, sobre esta problemática, salientamos e transcrevemos aquilo que ficou dito na própria sentença recorrida, que, por sua vez, invoca uma outra sábia decisão do Supremo Tribunal: “Sucede que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22/06/2006, com o n.º de processo 06B1272, com o n.º convencional JSTJ000, relatado pelo Exmo. Sr. Conselheiro Oliveira Barros, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj “V – Por consequência, seja essa exigência extrajudicial ou judicial, e mesmo que, neste último caso, só se mostre levada ao conhecimento da contraparte com a citação para a ação, não caberá, propriamente ao tribunal declarar a resolução do contrato-promessa, mas sim, e apenas, apreciar a validade e eficácia da resolução operada pelas partes mediante comunicação efetuada, quando não antes disso, ao menos com a citação para a ação ou com a notificação nela realizada”.
O que significa que a citação dos Requeridos para os termos do procedimento de injunção tem como consequência a comunicação aos mesmos da resolução operada pela requerente do contrato em apreço.”
15. Igualmente neste sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-03-2010, disponível em www.dgsi.pt: “Quando se estabelece num contrato que qualquer das partes pode proceder à sua rescisão por incumprimento da outra parte, a citação desta em acção judicial para exigir a indemnização pelo incumprimento, pode constituir uma declaração resolutiva tácita.”
16. Face ao exposto, é evidente que é contraditória a própria fundamentação da sentença recorrida pois, invocando que a resolução do contrato não tem eficácia por não ter sido comunicada aos Requeridos, admite, expressamente, que a citação dos Requeridos para os termos do procedimento de Injunção tem como consequência a comunicação aos mesmos da resolução contratual.
17. Pelo que, em última análise, o contrato sempre estaria resolvido com a citação dos Réus, pois, com esse advento, não podem negar que tenham tomado efectivo conhecimento da vontade da Autora, ora Recorrente, de resolver o contrato.
18. Por isso, padece de nulidade a fundamentação da sentença recorrida, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
19. Por fim, cumpre analisar aquele que é o único fundamento da decisão de absolvição dos Réus da instância: o alegado uso indevido do procedimento de Injunção pela Recorrente.
20. Com efeito, a ora Recorrente lançou mão do procedimento de Injunção para obter o pagamento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos abrangidas pelo DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, nos termos do qual “considera-se Injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
21. Isto é, o procedimento de Injunção destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos visando, evidentemente, o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária e a imposição aos Réus devedores do cumprimento dessa prestação.
22. Não obstante, essa prestação só pode ter por objecto uma obrigação imperativamente pecuniária, isto é, uma entrega em dinheiro.
23. Ademais, a única fonte admissível dessa obrigação pecuniária é um contrato.
24. No nosso caso, verifica-se que a Autora, ora Recorrente, pretende que lhe seja reconhecido o direito a uma prestação pecuniária, condenando os Réus no cumprimento dessa prestação, sendo certo que a tal obrigação tem origem na celebração de um contrato, mais concrectamente, no contrato de financiamento entre a Recorrente, a Recorrida C... e o primitivo Réu.
25. Dando cumprimento ao que lhe é imposto por lei, a Autora expôs de forma sucinta os factos que fundamentam a sua pretensão, elaborando o pedido em conformidade com o contratualmente estipulado, dando, assim, integral cumprimento aos pressupostos de utilização do expediente da injunção, confirmando-se a coincidência perfeita entre o fim a que, segundo a lei, o procedimento de Injunção se destina e o fim para o qual a Autora o utilizou.
26. Nos termos do contrato, em caso de resolução do contrato e/ou recurso a acção judicial para obtenção de pagamento das prestações em mora, as penalidades devidas pela mora seriam substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida.
27. Naturalmente se admite que a obrigação pecuniária cujo pagamento se peticiona no âmbito de uma qualquer injunção pode emergir de um contrato que contempla elementos acidentais, como sejam cláusulas ou estipulações acessórias.
28. Sendo certo que, entre as cláusulas acessórias típicas nos contratos de mútuo, como é o caso dos presentes autos, se encontra a cláusula penal (artigos 810.º a 812.º do Código Civil).
29. A cláusula penal de carácter indemnizatório traduz-se, então, numa quantia pecuniária previamente fixada no contrato, visando pré-determinar a indemnização devida pelo incumprimento definitivo pela mora ou pelo cumprimento defeituoso, reconduzindo-se a uma fixação prévia do montante da indemnização no caso de incumprimento.
30. Acresce que o montante em causa depende directamente do valor em dívida à data da resolução contratual e/ou do recurso à via judicial para ressarcimento das quantias devidas, sendo uma quantia de fácil determinação, resultante de simples cálculo aritmético.
31. Pelas razões invocadas, não se vislumbram quaisquer motivações para a sua exclusão das quantias devidas a este título do âmbito da Injunção.
32. Em abono desta posição veja-se toda a argumentação plasmada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-06-2012, donde pode ler-se, no sumário, o seguinte: “(…)IV - Na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato é admissível ao credor exigir do devedor a indemnização convencionada em qualquer estipulatio poena, desde que a prestação prometida pelo devedor consista numa soma pecuniária.”
33. Ora, a cláusula contratual em discussão (ponto 10.2 das Condições Gerais do Contrato), define o valor da indemnização devida ao credor em caso de não cumprimento – 8% sobre todo o saldo em dívida – fixando o montante em dinheiro do débito de valor e, a partir desse momento, a dívida deverá ser tratada como uma obrigação pecuniária, tout court.
34. Destarte, salvo melhor entendimento, não se verifica, no nosso caso, qualquer uso indevido da Injunção, já que todas as quantias peticionadas no âmbito do procedimento de Injunção correspondem ao pagamento de quantias pecuniárias emergentes de obrigações contratuais.
35. Aliás, sempre se diria que, a inadmissibilidade do pedido fundado em cláusula penal indemnizatória importaria, necessariamente, uma restrição extraordinária da aplicabilidade do procedimento de Injunção, tendo em consideração o enorme volume de processos que seria obrigatoriamente remetido para o âmbito do processo declarativo comum, mormente no que respeita aos contratos de crédito ao consumo em que a utilização de cláusulas desta natureza é frequente.
36. Desta forma, apenas se pode concluir que é admissível, nesta acção especial, a Autora exigir dos Réus a indemnização fundada na cláusula penal, além das restantes quantias peticionadas, não podendo, assim, ser julgada improcedente a acção por uso indevido do expediente da Injunção, pois, certo é que o mesmo foi utilizado para o fim a que se destina: o reconhecimento do direito a uma prestação pecuniária, de valor inferior ao da alçada da Relação, emergente de um contrato, e a imposição aos Réus devedores do cumprimento dessa prestação.
37. Por todas as razões expostas, os Réus não deveriam ter sido absolvidos da instância, sendo que a injunção é o processo especial adequado ao caso sub judice.
38. Ao absolver os Réus da instância, o Tribunal a quo decidiu em violação do disposto no artigo 7.º do D.L. 269/98 de 1 de Setembro.
39. Fez, ainda, uma incorrecta aplicação do disposto nos artigos 193.º, 278.°, e 577.°, alínea b), todos do Código de Processo Civil, que assim saem violados, devendo, por isso, ser revogada a decisão recorrida.
40. Sem prescindir, ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que a haver decisão de absolvição dos Réus da Instância, tal absolvição, com este fundamento de utilização indevida da Injunção, estaria necessariamente limitada ao âmbito da cláusula penal em discussão.
41. O erro na forma de processo determina, em princípio, apenas a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e, por essa razão, em cumprimento do disposto no artigo 193.º, n.º 1 do CPC, não poderia ter sido proferida decisão de total absolvição dos réus da instância, pelo que, deveriam os autos ter prosseguido, pelo menos, em relação ao crédito relativo ao capital e aos respectivos juros.
42. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-10-2016, disponível em www.dgsi.pt.
43. E, ainda que se pudesse admitir que ocorreu erro na forma de processo, sempre seria poder dever do Tribunal ter convolado os presentes autos em processo comum, nos termos previstos nos artigos 6.º, 193.º, n.º 3 e 590.º do CPC e no artigo 17.º, n.º 3 do DL n.º 269/98.
44. Diante de tudo quanto foi exposto, resulta que, a decisão proferida deverá ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente o pedido, porquanto não só inexiste erro na forma de processo ou utilização indevida de meio processual como, ainda que houvesse, a mesma apenas deveria ter originado a convolação dos presentes autos.
Pretende assim a revogação da sentença recorrida e a condenação dos réus no pedido.
Os réus D... e C..., esta por si e em representação dos seus filhos menores G... e F..., apresentaram contra-alegações, nas quais se pronunciaram pela confirmação do decidido.
Cumpre então apreciar e decidir.

*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
As questões a decidir são as seguintes:
I Retificação de lapso de escrita;
II Nulidade da sentença [art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil];
IIIUso indevido do procedimento de injunção.
*
OS FACTOS
É a seguinte a factualidade dada como provada pela 1ª Instância:
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto, entre outros, financiamento por conta de terceiros com exceção das operações de caráter puramente bancário (resposta ao artigo 1.º do requerimento de injunção).
b) Em 12/09/2006 a Requerente e os Requeridos celebraram o contrato de financiamento com o n.º .............., através do qual a Requerente disponibilizou aos Requeridos, a seu pedido, a quantia de €7.805,00, através de crédito na sua conta corrente (resposta ao artigo 2.º do requerimento de injunção).
c) O contrato referido em b) foi assinado pela Requerida (resposta ao artigo 10.º e 12.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
d) Nos termos do contrato referido em b), o valor em dívida teria de ser reembolsado à Requerente, em prestações mensais, por débito em conta bancária do mutuário ou outra forma indicada pela Requerente, sendo o montante dessa prestação determinado em função do montante de crédito utilizado, correspondendo a €161,00 (resposta ao artigo 3.º do requerimento de injunção).
e) Em 1 de setembro de 2011, na data de vencimento da prestação a mesma não foi paga, nem qualquer outra (resposta aos artigos 4.º e 5.º d o requerimento de injunção).
f) Dispõe a 10.ª, 10.1 do contrato identificado em b) que “Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4% sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a B... poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com os preçários em vigor” (resposta ao artigo 19.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
g) Dispõe a cláusula 10.ª, 10.2 do contrato identificado em b) que “Mantendo-se o incumprimento, a B... pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo o capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a B... resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora serão substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em divida, a título de cláusula penal” (resposta ao artigo 19.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
h) Em 14 de maio de 2012 a Requerente declara que procedeu à resolução do contrato referido em b) (resposta ao artigo 7.º do requerimento de injunção e ao artigo 28.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
i) No dia 20 de abril de 2015, foi declarado por meio de escritura pública pelo Habilitado D..., na qualidade de 1.º outorgante, e por C..., na qualidade de 2.ª outorgante que “(…) pela presente escritura e pelo preço de VINTE E DOIS MIL TREZENTOS E SETENTA E TRÊS EUROS E VINTE CÊNTIMOS, já recebido, vende à segunda outorgante, o quinhão hereditário que lhe pertence na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai, E..., falecido em nove de novembro de dois mil e catorze, no estado de divorciado de H..., e que teve a sua última residência habitual na ..., concelho de Gondomar, sem testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade (…)” (resposta ao artigo 2.º do articulado de oposição ao requerimento de injunção apresentado pelo Habilitado D...).
*
Não se provaram os seguintes factos:
1) A declaração referida em h) foi comunicada aos Requeridos (artigo 28.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção)
2) O capital em dívida ascende a €7.008,51 sendo a quantia total em dívida de €9.120,86 (resposta ao artigo 7.º do requerimento de injunção e ao artigo 28.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
3) O capital em dívida ascende a €7008,51, sendo a quantia total em dívida de €9.120,86 (resposta aos artigos 8.º e 9.º do requerimento de injunção).
4) A Requerente contactou a Requerida e o falecido Requerido para que estes regularizassem a sua situação, sendo que a resposta da Requerida e do Requerido falecido foi, invariavelmente, que não o iriam fazer (resposta aos artigos 22.º e 23.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
5) Por causa do referido em 3) a Requerente comunicou que iria resolver o contrato, sendo que a Requerida e o Requerido falecido disseram que não iriam proceder ao pagamento dos valores em dívida (resposta aos artigos 24.º e 25.º do articulado de pronúncia à matéria de exceção).
*
O DIREITO
IRetificação de lapso de escrita
A autora/recorrente formulou pedido de retificação de lapso de escrita, pretendendo que no requerimento de injunção onde consta a quantia de 7.008,51€ passe a figurar a de 7.805,00€, pedido que, porém, foi indeferido pela Mmª Juíza “a quo” por não se verificarem os pressupostos do art. 146º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil.
Contra este entendimento se insurge a autora, em sede recursiva, mas sem razão.
Dispõe o referido art. 146º, nº 1 que «é admissível a retificação de erros de cálculo ou escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada
Acontece que no art. 2º do requerimento de injunção se alega que a requerente “B...” disponibilizou aos requeridos a quantia de 7.805,00€, ao passo que no item correspondente ao capital em dívida se apôs a importância de 7.008,51€.
Do contexto da peça processual aqui em causa não resulta que a divergência destas duas importâncias decorra de qualquer erro de cálculo ou de escrita. E a Mmª Juíza “a quo” acertadamente explica porquê:
“(…) desde logo, nenhum cálculo se mostra efetuado no requerimento de injunção, por outro lado, também não resulta que seja um erro de escrita, pois se a Requerente disponibilizou aos Requeridos em 2006 a quantia de €7.805,00, não significa que em 2014 o capital em dívida seja o de €7.805,00, poderá ser outro, pois desde 2006 a 2014 os requeridos foram pagando alguma coisa e, bem poderia ser a quantia de €7.008,51€.”
Deste modo, em consonância com o decidido pela 1ª Instância, por não se verificar a previsão do art. 146º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, entendemos não haver lugar a qualquer retificação nos termos desta disposição legal, assim improcedendo o recurso interposto neste primeiro segmento.
*
IINulidade da sentença [art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil]
A autora/recorrente, na primeira parte das suas alegações, sustenta que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil.
Considera que a fundamentação da sentença é contraditória, uma vez que invocando que a resolução do contrato não tem eficácia por não ter sido comunicada aos requeridos, admite, expressamente, que a citação destes para os termos do procedimento de injunção tem como consequência a comunicação aos mesmos da resolução contratual.
O art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil estabelece que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Esta nulidade, no seu primeiro segmento [oposição entre os fundamentos e a decisão], verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam, logicamente, conduzir não ao resultado expresso na decisão, mas sim ao resultado oposto.[1]
“Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.”[2]
Já no seu segundo segmento [ininteligibilidade da decisão], esta nulidade ocorre quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal, isto é, quando um declaratário normal não possa retirar da parte decisória ( e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[3]
Ora, da leitura da sentença recorrida, constante de fls. 301 e segs., logo se verifica que a mesma não enferma de qualquer nulidade, desde logo porque entre a sua fundamentação e a decisão de absolvição da instância por verificação de exceção dilatória inominada decorrente do uso indevido do procedimento de injunção não ocorre qualquer oposição.
Tal como não ocorre, na parte decisória, qualquer ininteligibilidade resultante de obscuridade ou ambiguidade.
De resto, a fundamentação da sentença mostra-se pormenorizada, exaustiva e inteiramente percetível, não se vislumbrando razão para a arguição da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do Cód. de Proc. Civil.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto.
*
IIIUso indevido do procedimento de injunção
1. Na sentença recorrida considerou-se que a autora/recorrente, no caso dos autos, fez uso indevido/inadequado do procedimento de injunção, o que, constituindo exceção dilatória inominada, conduziu à absolvição da instância dos réus/recorridos.
Entendimento contra o qual se insurge agora a autora por via recursiva, pugnando pela adequação do procedimento de injunção à situação “sub judice”.
Vejamos então.
2. Da matéria fáctica dada como provada resulta que a requerente “B...” e os requeridos celebraram um contrato de mútuo, através do qual a primeira entregou aos segundos a quantia de 7.805,00€, com a obrigação destes a restituírem em prestações mensais.
Em caso de incumprimento de prestações, conforme consta da cláusula 10ª, 10.1., a requerente, ficando os requeridos em mora, pode exigir a prestação em falta acrescida de penalizações. E caso o incumprimento se mantenha, a requerente, nos termos da cláusula 10ª, 10.2., poderá resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida, acrescida de penalizações, onde se salienta a circunstância de as penalidades devidas pela mora serem substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal.
3. Ora, no caso dos autos, face ao teor do requerimento de injunção, o que se verifica é que a requerente utilizou este procedimento não para exigir uma obrigação pecuniária emergente de um contrato, mas sim para exigir uma obrigação pecuniária decorrente da resolução de um contrato.
Prosseguindo, referir-se-á que sobre a questão aqui em análise se escreveu o seguinte no Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2015 (proc. nº 122528/14.9 YIPRT.L1-2, disponível in www.dgsi.pt.):
“É (…) pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa[4], apenas nos interessando para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária actuável pela via da injunção - as obrigações pecuniárias acima referidas, como obrigações de quantidade (aquelas que têm por objecto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária).
É, no entanto, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito.
Enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação[5], já as obrigações de valor não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação.[6]
Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção»[7].
E por isso, Paulo Duarte Teixeira demarca negativamente a pretensão substantiva que pode ser processualizada no processo de injunção: «apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objecto da prestação seja directamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária», para concluir que, «daqui resulta que só pode ser objecto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro».”
Assim, apoiando-nos neste aresto, entendemos que circunscrevendo-se o procedimento de injunção ao cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contrato, não pode o mesmo ser utilizado quando o que se visa, como neste caso sucede, é a exigência de uma soma pecuniária decorrente da resolução de um contrato e onde estão em causa quantias que resultam da aplicação da penalização estipulada na cláusula 10º, 10.2, desse contrato.
E, de resto, conforme afirma a Mmª Juíza “a quo”, não se poderá deixar prosseguir como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos a injunção na qual a requerente declara que resolveu o contrato e peticiona um montante em dívida, mas nem sequer explica, no respetivo requerimento, o modo como esse montante foi alcançado.
Aliás, a requerente alega que emprestou 7.805,00€, no ano de 2006, os requeridos cumpriram o contrato desde 2006 até Setembro de 2011 e, apesar deste extenso período de cumprimento, peticiona a requerente a quantia global de 9.273,86€, largamente superior àquela que foi emprestada, e que só poderá ser fruto das significativas penalizações constantes do contrato.
4. Ora, mesmo que a cláusula penal se traduza numa quantia pecuniária desde logo fixada contratualmente, decorrendo esta de uma simples operação aritmética, consideramos, na esteira do referido Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2015, estar excluída do âmbito da injunção, isto porque, nas palavras de Paulo Duarte Teixeira «não estamos perante uma obrigação pecuniária em sentido estrito, mas sim perante uma indemnização pré-fixada, e depois porque a mesma não se baseia numa pretensão de cumprimento, mas sim meramente ressarcitória».
Ora, a lógica que preside ao procedimento de injunção é a da cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança (juros e despesas de cobrança).
Dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito.
Acontece que quando esteja em causa uma obrigação secundária derivada do incumprimento do contrato, e não se vise o seu cumprimento, estar-se-á a extravasar o âmbito deste procedimento, pelo que sempre se deverá concluir que a injunção não é a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato.[8] [9]
5. Perante este circunstancialismo, consideramos, à semelhança da 1ª Instância, que a requerente usou de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma exceção dilatória inominada[10], que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos arts. 576º, nº 2 e 577º do Cód. do Proc. Civil e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspetiva, possa conduzir a idêntico resultado processual.[11] – cfr. Ac. Rel Coimbra de 20.5.2014, proc. 30092/13.6 YIPRT.C1, disponível in www.dgsi.pt., também referenciado na sentença recorrida.
E continuando a seguir este aresto:
“Na verdade, tal excepção dilatória inominada, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.”[12]
A transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição que seja deduzida, em acção declarativa de condenação - acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato -, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam.”[13]
Deste modo, impõe-se a confirmação da sentença recorrida, com a consequente improcedência do recurso interposto.
*
Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
..............................................................
..............................................................
..............................................................
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora “B...” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 15.1.2019
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
_______________
[1] Cfr. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, 1984, pág. 141.
[2] Cfr. Lebre de Freitas “A Ação Declarativa Comum”, 4º ed., págs. 381/2.
[3] Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 382.
[4] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 18.
[5] Cfr João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 15, que aqui citam o Ac RL 27/5/2010 que a refere como aquela em que «a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário»
[6] Paradigmática obrigação de valor é a obrigação de indemnização – com tal obrigação visa-se reparar os danos efectivamente sofridos pelo lesado. (…)
[7] Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184.
[8] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, ob. cit., pág. 23
[9] Cfr., no mesmo sentido, por ex., Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.2.2010, proc. 206720/08.1YIPRT.L1-1 e 12.5.2015, proc. nº 154168/13.4YIPRT.L1-7; em sentido contrário, por ex., decisão singular da Relação de Coimbra de 26.6.2012, proc. nº 365/09.9 TBCNT-A.C1. todos disponíveis in www.dgsi.pt..
[10] Cfr., neste sentido, Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6ª edição, págs. 171 e seguinte e Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção”, in Themis, VII, n.º 13, págs. 169 e seguintes e, entre outros, os acórdãos do STJ de 14.02.2012-proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da RP de 26.9.2005-proc. 0554261 e 18.12.2013-proc. 32895/12.0YIPRT.P1, da RL de 07.6.2011-proc. 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29.3.2012-proc. 227640/10.4UIPRT.L1-2 e da RC de 24.01.2012-proc. 546/07.0TBCBR.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt. (o segundo, também na CJ, XXX, 4, 177).
[11] Cfr., neste sentido, os acórdãos da RL de 14.4.2005-proc. 2661/2005-6, 18.6.2009-proc. 6201/06.0TBAMD.L1-2 e 30.4.2013-proc. 162450/12.1YIPRT.L1-7, da RC de 18/01/2005-proc. 3714/04 e da RE de 23.02.2011-proc. 349766/09.0YIPRT.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. os acórdãos do STJ de 14.02.2012-proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da RC de 24.01.2012-proc. 546/07.0TBCBR.C1, da RP de 18.12.2013-proc. 32895/12.0YIPRT.P1 e da RL de 17.12.2015- proc..122528/14.9 YIPRT.L1-2, todos disponíveis in www.dgsi.pt..
[13] Cfr. os acórdãos do STJ de 14.02.2012-proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1 e da RC de 24.01.2012-proc. 546/07.0TBCBR.C1, disponíveis in www.dgsi.pt.