CRIME DE TRÁFICO
PERDA DE OBJECTOS
Sumário

Tráfico de khat
A planta denominada khat contém, enquanto fresca, a substância proibida designada por catinona, para além da catina, substância igualmente proibida, que se encontra na planta no estado de seca.
A declaração de perda de objectos e valores detidos pelo traficante no momento da apreensão implica a existência de uma relação com a actividade do tráfico, nos termos do artigo 35º/1, do DL 15/93.

Texto Integral

Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal.


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I–Relatório:


Em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, os arguidos:
AH…, solteiro, montador de palcos e de equipamentos electrónicos e funcionário de bares, nascido a 9/02/1990, na Moldávia, nacional da Letónia, filho de NH… e de SH…, residente em … Road, n.º …, Enfield, Londres, actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Caxias; e
AO…, casado, colocador de vidros, nascido a 16/04/1979, na Somália, nacional da Noruega, filho de AA… e de S…, com residência em Kirkeveien, n.º …, 0368 Oslo, Noruega, actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Caxias.

Foram julgados e condenados pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 21º/1, do DL 15/93, de 22/01, na sua actual redacção, com referência à Tabela II-B, anexa ao mesmo diploma legal, nas penas de 4 anos e 3 meses de prisão, o arguido AH…, e na pena de 5 anos de prisão o arguido AO….
O arguido AH… foi absolvido da sanção acessória de afastamento do território nacional e o arguido AO… foi condenado na sanção acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 6 anos.
Mais foram declaradas perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes, as quantias monetárias e os demais objectos apreendidos (telemóveis e cartão telefónico), determinando-se quanto às primeiras, a sua destruição.
O arguido O… não apresentou contestação aos termos da acusação.
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O arguido O… recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«1.– O Recorrente recorre de direito e de facto, da sua condenação, da qualificação jurídica dos factos, da medida da pena aplicada, da não suspensão da pena de prisão, da medida acessória e do destino dado aos bens pessoais que lhe foram apreendidos.
2.– Da sua condenação recorre por entender que, da prova produzida, verifica-se o erro sobre a ilicitude.
3.– O Recorrente transportava, para consumo seu e da sua família, khat na forma seca (chá), substância que é legal na origem (Quénia) e permitida no destino (Noruega).
4.– Os avisos que o Recorrente ouvira quanto à possível ilicitude do produto eram relativos à khat na forma fresca, substância que era transportada por outro indivíduo.
5.– Agiu o Recorrente convencido que a sua conduta era legal - desconhecendo ainda que poderia ser implicado pelo transporte da khat fresca quando a substância nunca esteve sequer na sua posse em território português.
6.– Atendendo às circunstâncias concretas do caso, o erro não deverá ter-se por censurável, conduzindo à exclusão da culpa.
7.– Deve dar-se como não provado o facto n.° 7 do Acórdão recorrido (relativamente ao Recorrente), substituindo-se a decisão por outra que reconheça o erro e, consequentemente, absolva o Recorrente do crime pelo qual vem acusado.
8.– Entendendo pela censura do erro, o Tribunal não poderá deixar de apreciar a ilicitude na sua globalidade, não podendo alhear-se do tipo e efeitos da substância apreendida.
9.– Na esteira da muita jurisprudência vertida, retirando-se da prova produzida uma ilicitude consideravelmente diminuída, deverá o tribunal optar pela aplicação do art. 25.° do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro.
10.– In casu verificamos uma ilicitude consideravelmente diminuída para ela contribuindo, em grande medida, o tipo de substância apreendida e seus efeitos semelhantes aos do café/cafeína.
11.– A khat é uma substância monitorizada pela Organização Mundial de Saúde que não gera elevados níveis de cuidado contrariamente.

12.– Face à prova produzida, deverá considerar-se provada a seguinte factualidade com interesse para a boa decisão da causa:
a.- O produto transportado apresentava-se na sua forma seca e fresca.
b.- Na sua forma seca, o produto é admitido na Noruega, pais de residência do Arguido O…, para onde este o pretendia transportar e consumir com familiares.
c.- A khat fresca apresentava-se na sua forma natural, conforme extraída da terra.
d.- O consumo de khat desperta o utilizador à semelhança do que acontece com o café/cafeína.
e.- Para produzir algum efeito, o utilizador deve ingerir cerca de 300 ou 400 gr.
f.- A khat fresca tem uma validade de dois a três dias contados do momento em que é colhido, período após o qual se deteriora e perde eficácia.
g.- Caso não se deteriorasse, os 40 kg transportados de khat iriam gerar cerca de 70 doses.
h.- Não se conhece à khat a perigosidade ou danosidade para a saúde pública reconhecida a outro tipo de drogas mais comuns.

13.– A supra referida factualidade conjugada com um modus operandi simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação; a falta de estrutura organizativa; a acção isolada; a falta de antecedentes criminais; a integração familiar, social e laboral do Recorrente; o facto de ter agido como mero intermediário; suportam uma conclusão de ilicitude consideravelmente reduzida.
14.– O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.° do DL 15/93, de 22-01, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída sendo abundante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça neste sentido (Acórdãos de 30-04-2008, 21- 09-2011, 12-03-2015 disponíveis em www.dgsi.pt).
15.– O Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, violando o disposto no 21.° do DL 15/93, de 22-01, sendo fundamento de recurso nos termos do disposto no artigo 412.° n.° 2 al. c) CPP).
16.– A norma correctamente aplicável ao caso concreto é a prevista no 25.° do DL 15/93, de 22-01 - que acreditamos vir a tomar-se regra para situações similares logo que enraizadas as características concretas desta planta.
17.– No tocante à determinação da medida concreta da pena, a pena de 5 anos de prisão efectiva aplicada ao Recorrente tem-se por desproporcional e desadequada face a uma ilicitude é manifestamente diminuta.
18.– A pena aplicada mostra-se desconforme com a perigosidade e natureza da substância apreendida e que o Acórdão recorrido reconheceu como sendo “um estimulante que produz dependência psicológica, que varia de leve a moderada
19.– A pena aplicada é até superior a penas pelo transporte de substâncias como cocaína e heroína, drogas cujo dano e perigo para a saúde pública está bem presente e onde meros 1000 gr. têm o potencial de gerar no mais de 4000 doses individuais, podendo ser comercializadas à escala durante um longo período de tempo e com enormes margens económicas.
20.– A pena aplicada ao Recorrente é desproporcional e desajustada, violando o disposto no art. 71.° n.° 2 do CP, 412.° n.° 2 al. a) CPP.
21.– Negando a suspensão da pena de prisão aplicada, o Tribunal a quo não considerou a diminuída ilicitude, equiparando antes a situação dos autos à de comum tráfico de cocaína.
22.– A consideravelmente diminuída ilicitude e as reduzidas exigências de prevenção deverão permitir o necessário juízo de prognose favorável com vista à suspensão da execução da pena de prisão.
23.– O juízo de prognose favorável impõe a valoração global do episódio e da personalidade do agente.
24.– In casu existem ainda razões muito ponderosas que justificam a suspensão da execução da pena de prisão pois verificamos que a prisão preventiva (e os estigma do “tráfico”) já custou ao arguido mais do que qualquer pena: a esposa ficou, chocada com a noticia da sua detenção por tráfico de drogas, foi viver com os filhos para o Egipto.
25.– Não suspender a pena excede as exigências mínimas de prevenção geral e não serve o princípio basilar da prevenção especial, violando assim o disposto nos art. 50.° e 70.° do CP.
26.– A medida acessória de expulsão só poderá exceder o limite máximo previsto no art. 144.° da aplicada Lei 23/2007 de 4 de Julho caso se verifique ameaça grave para a ordem pública, segurança pública ou segurança nacional.
27.– O Acórdão recorrido não focou qualquer ameaça grave, não justificando assim a razão de ter ultrapassado o limite máximo.
28.– Face à já considerada reduzida ilicitude, verificamos que não existe sequer suporte para uma medida de expulsão, menos ainda para que seja aplicada em medida superior ao limite máximo.
29.– A medida acessória aplicada viola o disposto no art. 144.° da Lei 23/2007 de 4 de Julho, devendo por isso ser revogada ou substituída por outra que se mostre mais próxima do limite mínimo e mais ajustada às circunstâncias concretas do caso.
30.– Só poderá ser declarada a perda de objectos que tenham servido ou estivessem destinados a servir o empreendimento criminoso.
31.– Resultando da prova produzida que os bens eram pessoais e prévios ao empreendimento criminoso, deverá ser ordenada a sua restituição.
32.– O dinheiro apreendido ao Recorrente não é produto do empreendimento criminoso, não tendo este chegado a receber qualquer compensação económica.
33.– O telemóvel e cartão do Recorrente são de uso pessoal, contendo contactos de familiares, amigos, trabalho e a sua utilização para uma única chamada não é suficiente para considerar que estivessem destinados a servir o empreendimento criminoso.
34.– A declaração de perda destes objectos viola assim o art. 35.° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
35.– O dinheiro, telemóvel e cartão são essenciais à reintegração do Recorrente na sociedade, devendo ser-lhe restituídos.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que reconheça o erro sobre a ilicitude e absolva o Recorrente do crime pelo qual vem acusado.
Caso assim não se entenda, deverá o Venerando Tribunal, tendo em conta meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade e efeitos das plantas, proceder à alteração da qualificação, aplicando ao Recorrente pena no âmbito do art. 25.° do DL n.° 15/93, de 22 de Janeiro, pena essa que se deverá fixar sobre o limite mínimo, suspensa na execução por emissão do necessário e merecido juízo de prognose favorável, revogando-se ainda a sanção acessória e ordenando-se a restituição dos bens pessoais apreendidos ao Recorrente».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações nos termos que se transcrevem:
«1)– A matéria de facto dada como provada no acórdão é clara e incontroversa, todos os factos para a boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos e suficientes para a conclusão de direito;
2)– Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável (art.º 17.º C.P.);
3)– A falta de consciência da ilicitude para que possa interferir como causa de justificação e da não punibilidade deve resultar da “ignorância” não censurável ao agente;
4)– A “ignorância” do arguido AO… é censurável, logo punível, na medida em que o comum dos cidadãos (de todo o mundo) sabe que um produto estupefaciente (detenção, consumo, venda) pode ser legal num determinado país e proibido noutro e daí que impende sobre cada cidadão que viaja e visita um país o dever de se informar sobre a conformidade legal da conduta no país de destino;
5)– Sendo a conduta censurável porque o agente não teve aquela prévia cautela, não se pode falar em inconsciência ou erro sobre a ilicitude;
6)– O estupefaciente apreendido ao arguido é catina (ou khat), compreendido na Tabela II-B, anexa ao citado diploma legal;
7)– O arguido transportava-o consigo, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados indicados em I) supra e que se dão aqui por inteiramente reproduzidos, com o peso líquido de 43.132,000 gramas, cuja natureza e qualidade estupefaciente conhecia;
8)– A tipificação do art.º 25.º encontra a medida justa da punição nos casos em que a gravidade do ilícito, embora ainda significativa, fica aquém da pressuposta no art.º 21.º, o que não resulta da matéria de facto considerada provada;
9)– Mostram-se verificados os elementos objectivo e subjectivo do crime p.p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
10)– Nos termos do art.º 40.º do C.P. a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa;
11)– A determinação da sua medida faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º, C.P.);
12)– Há a considerar dolo directo, grau de ilicitude acentuado, exigências de prevenção geral elevadas e de prevenção especial mitigadas;
13)– Bem decidiu o tribunal ao aplicar ao arguido AO… em função da culpa e ilicitude reveladas e das necessidades de prevenção, a pena de 5 anos de prisão;
14)– A suspensão da aplicação da pena apenas terá lugar quando se verifiquem cumulativamente duas circunstâncias - que o tribunal se convença de que a ameaça da pena evitará a repetição de condutas delituosas futuras e que a suspensão da execução da pena não coloque irremediavelmente em causa a tutela dos bens jurídicos e não contenda com o sentimento de reprovação social do crime e com a confiança da comunidade nas instâncias judiciais;
15)– Um juízo de prognose perante os factos disponíveis, nomeadamente relativos à sua acentuada ilicitude, à personalidade do arguido e às suas condições de vida, não permite concluir, com probabilidade de segurança, que a ameaça da pena seja bastante para cumprir as finalidades da punição, e que não volte a traficar estupefacientes;
16)– As marcantes necessidades de prevenção geral que no caso ocorrem, face ao tipo e gravidade do ilícito praticado, desaconselham a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução das penas de prisão;
17)– O arguido nasceu na Somália, obteve a nacionalidade norueguesa, não tem qualquer ligação familiar, de amizade ou laboral com pessoas residentes em Portugal e não tem qualquer interesse na sua estadia neste país, sendo o único objectivo da sua vinda e passagem por Portugal a prossecução do desiderato criminoso;
18)– Em caso de condenação por crime previsto no DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos (art.º 34.º do cit. diploma legal);
19)– Os factos dados como provados justificam um especial juízo de censura, o qual, fundamenta nos termos do cit. art.º 34.º, a imposição ao arguido AO… da pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 anos;
20)– Nos termos do art.º 35.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos;
21)– Provado que está que o telemóvel/cartão telefónico e quantias monetárias apreendidas ao arguido estão ligadas ao empreendimento criminoso, bem andou o tribunal ao declará-los perdidos a favor do Estado;
22)– Foi ajustada e suficientemente reprovadora a pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido OA... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua actual redacção, com referência à Tabela II-B anexa ao mesmo diploma legal,
23)– E a sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 (seis) anos, nos termos constantes dos artigos 134.º, n.º 1, alíneas e), f), 140.º, n.º 1, 151.º da Lei n.º 23/2007, de 04/07. e art.º 34.º do DL n.º 15/93, de 22.01.;
24)– Nenhuma censura merece a decisão recorrida, devendo negar-se provimento ao recurso e manter-se o douto acórdão proferido.».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, pelos mesmos fundamentos já alegados na contra-motivação.
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II–Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
As questões colocadas pelo recorrente, arguido, são:
- Absolvição da prática do crime, porque foi cometido com erro não censurável sobre a ilicitude;
- Impugnação do provado sob o ponto 7 e aditamento de novos factos;
- Subsunção dos factos ao crime de tráfico de menor gravidade, por a ilicitude ser consideravelmente diminuída;
- Excesso da medida da pena e aplicação de pena suspensa;
- Excesso na medida da pena de expulsão;
- Ilegalidade na perda de objectos.
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III–Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1.– No dia 21 de Maio de 2017, pelas 12 horas e 40 minutos, o arguido AO…, desembarcou no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de Nairobi (Quénia), via Dubai, no voo EK 191, com destino a esta cidade.
2.– De seguida, o arguido O… e o arguido AH…, que havia chegado nessa manhã a Portugal, proveniente do Reino Unido, apresentaram-se nos serviços alfandegários do referido aeroporto, no corredor verde ou “nada a declarar”.
3.– Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido O… trazia consigo uma mala azul, tipo trolley, que ostentava a etiqueta com o n.º …, enquanto que o arguido A… transportava duas malas, também tipo trolley, uma de cor vermelha e preta e outra de cor preta e cinzenta, que ostentavam as etiquetas … e ….
4.– As três malas estavam registadas/facturadas em nome do arguido O…, tendo sido transportadas pelo mesmo desde Nairobi, no Quénia.
5.– Sujeitas a revisão de bagagem, foi detectada nas três malas:
- Catina com o peso líquido de 43.132,000 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 2.440,00 gramas e o remanescente o peso líquido de 40.182,000 gramas.

6.– Ainda nas referidas circunstâncias, os arguidos foram revistados, tendo-lhes sido encontrados e apreendidos:

i.– Ao arguido O…:
- A quantia monetária de 6.000 (seis mil) shillings do Quénia;
- A quantia monetária de 124 (cento e vinte e quatro) dólares;
- Dois cartões de embarque em nome do arguido, um de Nairobi/Dubai, e o outro de Dubai/Lisboa;
- Um telemóvel, marca Samsung, modelo S6, com um cartão da Safaricom.

ii.– Ao arguido A…:
- Um telemóvel de cor preta, marca Sony, modelo Xperia;
- Um bilhete de viagem de comboio desde Seven Sisters até ao Aeroporto de Stansted, com data de 21.05.2017.

7.– Ambos os arguidos conheciam a natureza e a característica estupefaciente do produto que transportavam e que lhes foi apreendido.
8.– Produto esse que aceitaram deter e transportar por, para tanto, lhes ter sido prometido como pagamento, no caso do arguido O…, a quantia monetária de € 500,00, acrescida do preço da viagem de avião para a Noruega, e, no caso do arguido A…, o montante de 400 Libras. 
9.– Os referidos telemóveis e cartão telefónico foram utilizados pelos arguidos nos contactos que estabeleceram para concretizar o transporte da catina apreendida.
10.– As quantias monetárias apreendidas aos arguidos destinavam-se a ser utilizadas pelos mesmos na actividade de tráfico de estupefacientes e eram também fruto da mesma.
11.– Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, na execução de um plano previamente traçado, destinado a deter, transportar e ulteriormente comercializar o produto estupefaciente apreendido, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
12.– Aos arguidos não são conhecidas quaisquer condenações criminais sofridas em território nacional.

Provou-se ainda relativamente às condições sócio-económicas dos arguidos:
13.– (…).
23.– O arguido O… nasceu na Somália, sendo o mais velho de uma fratria de três, sendo ambos os progenitores também oriundos daquele país.
24.– Teve uma infância e adolescência normais, sem registo de privações económicas e/ou afectivas.
25.– Devido à situação do país, assolado por constantes guerras civis, nunca frequentou a escola, dedicando-se a ajudar a família na lavoura.
26.– Com 23 anos decidiu emigrar para a Noruega para fugir aos conflitos do seu país e para procurar melhores condições de vida, tendo conseguido subsistir através de diversos trabalhos indiferenciados e ocasionais, até lograr uma ocupação profissional na Carglass, onde tem trabalhado nos últimos cinco anos, auferindo actualmente um vencimento mensal equivalente a cerca de € 2.000,00.
27.– Obteve a nacionalidade norueguesa e casou nesse país, tendo três filhos desse matrimónio, todos eles ainda menores, sendo que a esposa também é natural da Somália, trabalhando como auxiliar num hospital.
28.– O arguido mantém o contacto (telefónico) com os seus irmãos a residir na Somália e em Inglaterra, o mesmo acontecendo com a sua mãe.
29.– Todavia, não mantém contactos com a sua mulher e filhos desde a sua prisão, pois a esposa ficou muito chocada com a notícia da sua detenção por tráfico de drogas, tendo ido viver com os filhos para o Egipto.
30.– No meio prisional não regista medidas disciplinares, mantendo um comportamento adequado às normas e regras da instituição.
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Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que os arguidos desconhecessem ou ignorassem que era proibida em Portugal a detenção e transporte do produto estupefaciente que lhes foi apreendido.
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IV–Fundamentação probatória:
O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«(…) Considerando o acabado de referir quanto aos princípios fundamentais que devem nortear a apreciação da prova, serviram para formar a convicção do Tribunal, quanto à factualidade assinalada, os seguintes meios de prova:
Em primeiro lugar, no que concerne ao produto estupefaciente, nomeadamente a sua natureza, características e quantidade, o Tribunal atendeu às conclusões do exame pericial (cfr. fls. 126), bem como aos esclarecimentos prestados em juízo pela técnica/perita que o realizou (JA…), sobretudo quanto aos métodos de pesagem utilizados, mais referindo não ter sido feita qualquer destrinça entre o produto “seco” e “fresco”, por a substância activa – catina – ter sido detectada em ambos.

Depois, e em segundo lugar, foram relevantes as declarações dos arguidos, que reconheceram a detenção do produto estupefaciente em causa, tendo o arguido O… confirmado o seu transporte desde Nairobi (Quénia), via Dubai, a pedido de um amigo, de nome H…, residente em Londres, que lhe pediu para trazer as três malas para Portugal, país onde se encontraria com ele. Mais referiu que o dito H… acabou por enviar outra pessoa, o co-arguido A…, sendo que pelo referido transporte iria ganhar o preço da viagem de avião de Portugal para a Noruega, acrescido de €500,00. Acrescentou, ainda, que a mala que transportava no aeroporto no momento da apreensão, contendo catina “seca”, seria para levar consigo para a Noruega, destinando-se a consumo próprio, estando convencido que a detenção e transporte deste produto não era proibida em Portugal, porquanto, para além de isso lhe ter sido referido pelo aludido H… e de consumir habitualmente essa substância como um simples “chá”, nada lhe foi comunicado nos serviços alfandegários do aeroporto no Nairobi, no Quénia, quando facturou as três malas.

Por seu turno, o arguido A… referiu que o mencionado H…, pessoa que havia conhecido recentemente, lhe pediu para vir de Londres a Lisboa buscar duas das malas transportadas pelo co-arguido O…, contendo “chá da Somália”, pagando-lhe pelo transporte a quantia de 400 libras. Tal como o co-arguido O…, estava convencido que a detenção e transporte da catina não era proibida em Portugal, à semelhança do que ocorre em Inglaterra, país onde reside há já alguns anos.

Ora, se as referidas declarações revelaram verosimilhança na parte relativa aos contactos (telefónicos ou não) mantidos por ambos com o referido H…, bem como quanto à detenção, transporte e circuito do produto estupefaciente antes da sua chegada a Portugal, já não se mostraram minimamente convincentes na parte em que pretenderam transmitir ao Tribunal o convencimento sobre o desconhecimento da proibição de tais condutas, circunstância que levou a dar como não provada a respectiva factualidade.   

Com efeito, pese embora os esforços encetados pelos arguidos no sentido de tentarem transmitir a ignorância da proibição, o certo é que dos demais elementos de prova resultou totalmente infirmada tal versão dos acontecimentos. Desde logo, e contrariamente ao que referiu o arguido A…, a posse ou detenção de catina ou khat é criminalmente punida no Reino Unido, desde Junho de 2014 (veja-se a este propósito o sítio http://www.drugwise.org.uk, onde se explica, para além do mais, que até essa data o país servia como principal porta de entrada para o khat que chegava, pela via aérea, na sua rota para o norte da Europa), tal como na Noruega (há já mais anos), sendo certo que, também o arguido O…, quando confrontado em juízo com as declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial (de arguido detido), no decurso do qual referiu que o haviam alertado nos serviços alfandegários do aeroporto em Nairobi (no Quénia) para a natureza estupefaciente da substância que transportava, alegou, de forma titubeante e nada convincente, que só disse isso por estar nervoso com toda a situação que envolveu a sua detenção. Ademais, os arguidos, com maior ou menor clareza, acabaram por assumir que conheciam a natureza e característica estupefaciente do produto apreendido, nomeadamente a circunstância de se tratar de uma substância com propriedades estimulantes.

Neste contexto, não é minimamente verosímil que os arguidos, tendo presente a natureza psicotrópica daquele produto, bem como a consciência da comunidade em geral quanto à proibição do tráfico de drogas, não lograssem alcançar ou representar que a sua conduta – deter e transportar cerca de 43 quilos (!?) de um tipo de planta com propriedades estimulantes – fosse proibida em Portugal.

De resto, mesmo que os arguidos, fruto das respectivas proveniências (Inglaterra e Noruega, com raízes em áfrica), tivessem sido confrontados com dúvidas, também nada fizeram, como os próprios reconheceram, no sentido de se informarem devidamente sobre o eventual carácter ilícito (em termos penais) dessas suas condutas noutros países da união europeia, nomeadamente em Portugal, para onde se dirigiram com o propósito exclusivo de transportar a catina apreendida. Aliás, o próprio circuito do produto estupefaciente, provindo de um país africano e entrando na europa através do nosso país, necessitando de ser ulteriormente transportado para outros países da união por intermédio dos arguidos, era mais do que suficiente para alertar estes últimos de que não estavam perante uma simples mercadoria, ou “chá”(que, se assim fosse, poderia ter sido enviada directamente, via correios, para o destino final), como pretenderam fazer crer ao Tribunal. 
 
Assim, perante este panorama fáctico, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos relativos aos elementos subjectivos do tipo legal de crime, afastando, assim, a possibilidade dos arguidos terem agido sob qualquer forma de erro.

Foram ainda valorados os depoimentos credíveis e isentos das testemunhas PN… e RR…, tendo o primeiro, inspector da Polícia Judiciária, confirmado o teor dos autos de apreensão e os fotogramas de fls. 17 e segts., sendo que o segundo, verificador alfandegário, relatou o circunstancialismo que envolveu a abordagem dos arguidos no aeroporto de Lisboa.

Finalmente, e quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, teve-se em consideração o teor dos CRC´s., de fls. 272 e 273, tendo ainda merecido relevância, quanto às suas condições sócio – económicas, a análise crítica dos respectivos relatórios sociais (elaborados pela DGRSP, cfr. fls. 275 a 277 e 291 a 293), complementados com as declarações dos próprios a esse respeito em sede de audiência de julgamento»
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V–Fundamentos de direito:
1– Erro de linguagem:
Antes de entrarmos na apreciação das questões colocadas pelo recorrente há que determinar com precisão aquilo que foi apreendido ao arguido: se a planta khat, se a substância catina, porque não se trata da mesma realidade. A khat «é uma planta angiosperma, nativa das áreas tropicais da África Oriental e da península Arábica. Contém o alcalóide chamado catinona, um estimulante similar à anfetamina, que causa excitação e euforia» [3]
A catina, tal como a catinona, «é um alcalóide monoamina encontrado naturalmente em Catha edulis (khat), e contribui para os seus efeitos globais. Catina, também conhecida como d-norpseudoefedrina, é uma droga psicoativa dos fenetilamina e anfetaminas classes químicas que agem como um estimulante.  Tem aproximadamente 10-14% da potência de anfetamina» ([4]).
Ora, em face dos termos da fundamentação da aquisição probatória e do próprio relatório pericial dúvidas não restam que aquilo que foi apreendido foram, única e exclusivamente, plantas, sendo duas malas no estado de verdes e uma no estado de secas, pelo que a referência à substância activa feita no ponto 5 do provado não se mostra consonante com a realidade.
Não se trata de uma apreensão de 43 quilos de catina mas de 43 quilos de khat que, nos termos do relatório pericial contem a substância activa catina – sendo que em termos comuns a khat fresca também contem catinona, que é a substancia mais relevante e que desaparece quando é seco, restando apenas a catina: «O efeito estimulante da planta foi atribuído originalmente à catina, um tipo de fenetilamina que foi isolado da planta. Esta atribuição foi, no entanto, refutada por estudos que mostravam que os extratos retirados das folhas frescas continham outra substância, muito mais ativa do que a catina. Em 1975, um alcaloide aparentado, a catinona, foi isolado, e a sua configuração absoluta foi estabelecida em 1978. A catinona não é muito estável e se decompõe, produzindo catina e norefedrina, substância da família das fenilpropanolaminas, que, por sua vez, são integrantes do grupo das feniletilaminas, aparentadas às anfetaminas e às catecolaminas (epinefrina e norepinefrina).[…] Os dois principais ingredientes ativos do khat, a catina e a catinona, têm estruturas moleculares muito similares à estrutura da anfetamina.[…]
Quando a folha do khat seca, a substância mais potente, a catinona, evapora em menos de 48 horas, deixando para trás a substância mais leve, a catina. Assim, os agricultores e comerciantes transportam as folhas e ramos de khat em sacos plásticos ou os enrolam em folhas de bananeira para preservar a umidade e manter a potente catinona» ([5]).
No caso, não obstante a apreensão ter maior incidência sobre plantas frescas, da perícia e da acusação não ficou a constar a detenção, por parte dos arguidos, de plantas contendo catinona, que é uma substância proibida pela tabela II-A, anexa ao DL 15/93, mas apenas a catina, que é proibida pela tabela II-B, do mesmo diploma.
Estamos, portanto, face a uma situação de lapso de linguagem, devendo do respectivo ponto do provado ficar a constar que: «5. Sujeitas a revisão de bagagem, foram detectadas nas três malas:
- Plantas de khat, contendo a substância activa catina, com o peso líquido de 43.132,000 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 2.440,00 gramas e o remanescente o peso líquido de 40.182,000 gramas».
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2–Erro notório na apreciação da prova:

O Acórdão recorrido dá como provado que:
«6.– Ainda nas referidas circunstâncias, os arguidos foram revistados, tendo-lhes sido encontrados e apreendidos:

i.–Ao arguido O…:
- A quantia monetária de 6.000 (seis mil) shillings do Quénia;
- A quantia monetária de 124 (cento e vinte e quatro) dólares;
- Dois cartões de embarque em nome do arguido, um de Nairobi/Dubai, e o outro de Dubai/Lisboa;
- Um telemóvel, marca Samsung, modelo S6, com um cartão da Safaricom.

ii.–Ao arguido A…:
- Um telemóvel de cor preta, marca Sony, modelo Xperia;
- Um bilhete de viagem de comboio desde Seven Sisters até ao Aeroporto de Stansted, com data de 21.05.2017.
8.– Produto esse que aceitaram deter e transportar por, para tanto, lhes ter sido prometido como pagamento, no caso do arguido O…, a quantia monetária de € 500,00, acrescida do preço da viagem de avião para a Noruega, e, no caso do arguido A…, o montante de 400 Libras. 
9.– Os referidos telemóveis e cartão telefónico foram utilizados pelos arguidos nos contactos que estabeleceram para concretizar o transporte da catina apreendida.
10.– As quantias monetárias apreendidas aos arguidos destinavam -se a ser utilizadas pelos mesmos na actividade de tráfico de estupefacientes e eram também fruto da mesma».
Acontece, porém, que não foi vertida qualquer fundamentação para o entendimento vazado em 9 e 10 do provado.
O arguido O…, recorrente, invoca no recurso a existência de uma chamada entre si e o tal H…, sem dizer como a fez, sendo que a localiza no aeroporto de Lisboa. Na pior das hipóteses poder-se-ia considerar que a fez do telemóvel que lhe foi apreendido, mas tal consideração é meramente teórica e não tem correspondência com nenhum fundamento contido na aquisição probatória.
Por outro lado, dá-se como provado que ambos os arguidos iriam receber as quantias referidas em 8, o que significa que elas não podem coincidir com aquelas que lhes foram apreendidas, sendo que não se estabelece, em lugar algum, qualquer relação de causa ou efeito na sua produção com os factos criminosos em apreço, consistentes na detenção (que abrange o transporte das plantas).
Temos, portanto, que concluir que não há fundamento para os factos provados em 9 e 10 nem há qualquer probabilidade de se vir a estabelecer esse fundamento, porquanto contraditório com o demais assumido no provado e na respectiva fundamentação.
Resta assim, considerar que tais pontos do provado foram estabelecidos mediante erro notório na apreciação da prova.
O erro notório na apreciação da prova, a que alude o artº 410º/2-c), do CPP, é o vício que tem a ver com a aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram, ou não, provados. Existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal. Ocorre o vício, quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de «leges artis», ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do «in dubio».
A reparação do vício, devida nesta instância, determina a exclusão dos referidos pontos do provado e a sua passagem para o não provado.
***

3–Da absolvição da prática do crime, porque foi cometido com erro não censurável sobre a ilicitude:

O recorrente invoca erro sobre a ilicitude, relativamente à detenção de khat seca, fundamentando a supra referida pretensão nos seguintes termos:
i- Trouxe khat a mandado de um tal H… que lhe pediu para fazer o transporte de 3 malas, duas de plantas frescas e uma de plantas secas, sendo que as frescas teriam por destino a Inglaterra e as secas eram para ele, O…, que as levaria até à Noruega, onde são permitidas;
ii- Não foi sequer ele quem transportou as malas até ao aeroporto de Nairobi;
iii- A mala transportada por si continha apenas khat na forma seca (chá), produto que destinava a seu consumo na Noruega;
iv- Nunca foi alertado para a natureza ilícita desse “chá”: com efeito, os agentes em Nairobi, quando lhe disseram que a erva era proibida em Portugal reportaram-se apenas à fresca, que era transportada nas malas transportadas por outro indivíduo - e que depois foram despachadas no aeroporto em nome do Recorrente;
v- O H… tinha-lhe dito que a khat fresca era permitido em Portugal e confiou que H… melhor saberia do assunto do que a policia queniana, já que ele era o destinatário final das malas;
vi- Na Noruega as autoridades não colocam qualquer entrave à entrada de khat seca, proibindo apenas a khat fresca;
vii- Trouxe as 3 malas desde Nairobi e, chegado a Lisboa, informou telefonicamente H… de que as malas estavam disponíveis, e então ele disse-lhe que não ia estar no aeroporto e que ia aparecer outra pessoa, que foi o A…, sendo que ele pegou na sua mala de khat seca e o A… pegou nas duas malas de khat fresca e, pegando apenas na mala contendo chá, procurou embarcar com destino à Noruega.
viii- Só aqui, em Portugal, é que apareceu o co-arguido que transportou duas malas consigo;
vix- Sempre distinguiu duas condutas: a sua, fazendo o transporte de khat seca; e o transporte das duas outras malas de khat fresca para Hassan, pessoa que encomendou e garantiu ser legal em Portugal;
xix- Nos países do norte da Europa, podendo não ser legal a posse de khat seca, ela vem sendo consentida;
x- Terá pensado que, se a khat fresca porventura fosse ilegal, nenhuma responsabilidade lhe poderia ser assacada pois aquelas duas malas eram responsabilidade do dito H….
Resulta ainda da fundamentação da aquisição probatória que «pelo referido transporte iria ganhar o preço da viagem de avião de Portugal para a Noruega, acrescido de € 500,00».
A primeira questão que se coloca é a existência de discrepâncias evidentes no discurso do recorrente. Quer ele distanciar-se, de todo, do transporte das malas de khat fresca - tanto mais que invoca o erro sobre a ilicitude apenas relativamente ao khat seca, que assume ser seu, ao mesmo tempo que refere ter sido transportada a mando do H…. E para isso trata de utilizar uma linguagem por via da qual quer fazer crer que as malas de khat fresca foram transportadas ora sob a responsabilidade do mandante, H…, ou do seu co-arguido, A…, não tendo ele qualquer intervenção na situação. Mas ignora o óbvio: que as malas foram despachadas em seu nome e transportadas sob a sua responsabilidade desde Nairobi a Lisboa, sendo que só em Lisboa lhe apareceu A…, a quem tratou de entregar as malas com as plantas frescas (coisa que se afirma na medida em que é óbvio que todas as malas estavam sob a sua posse e cabia-lhe assim, na conformidade, a entrega das malas que quisesse ao indivíduo que lhe apareceu), ficando ele a transportar a mala com as plantas secas. E para isso, tanto diz que: trouxe as 3 malas sob ordens do H…, como só duas; que trouxe as malas com as plantas frescas porque o H... lhe garantiu que eram permitidas em Portugal, como que não as transportou; que as malas eram da responsabilidade do H…, como eram da sua responsabilidade ou ainda do A… …. enfim, uma série de contradições estruturadas de modo a tentar tapar a realidade, de que foi ele quem trouxe as três malas, desde Naoribi até Lisboa, que as malas foram despachadas em seu nome, que foi alertado pela polícia em Nairobi para que o produto fresco (pelo menos) era proibido e que não podia ignorar que era por esse motivo (por estar a transportar produtos ilícitos) que lhe estavam a pagar, para além de lhe oferecerem a viagem – tudo isto considerando a motivação do recurso, que, repare-se, não tem correspondência com o provado.
Aliado a isto o arguido, que se diz residente na Noruega, não podia deixar de saber que nesse país, a detenção de khat assim como a sua venda são actividades ilícitas (havendo notícias de apreensão de grandes quantidades de khat desde, pelo menos, 2008) tal como na maioria dos países europeus. E, nos países em que o produto é consentido, esse consentimento é, necessariamente, proveniente de uma licença que não demonstrou ser portador. Mais: sendo consumidor de khat, menos podia ignorar que há países em que estas plantas são proibidas e consideradas estupefaciente, pelo que sempre se lhe impunha um dever de informação, prévio ao transporte, que não refere ter tido – mas antes pelo contrário, segundo refere, ignorou a informação dada pelas autoridades no local de embarque, estoicamente.
Significa isto que há prova indiciária bastante que o arguido assumiu a actividade de correio de todas as plantas de khat, secas e frescas, sabendo perfeitamente que são consideradas produto estupefaciente em Portugal e que a sua detenção é proibida e punida pela lei penal.
Longe de resultar dos fundamentos que enuncia alguma dúvida sobre a ilicitude da sua conduta, verifica-se, isso sim, que ela evidencia uma actuação livre, determinada e consciente, com pleno conhecimento das características estupefacientes das plantas e da punibilidade penal da sua detenção, em espaço Português.

Mas mesmo que se entendesse que a detenção do arguido era exclusivamente relativa às plantas secas, haveria que considerar válido o já referido pelo Tribunal recorrido, quando afirma que:
«A este propósito (do preenchimento dos elementos subjectivos do tipo), cumpre apreciar mais detalhadamente a defesa apresentada em juízo pelos arguidos, designadamente que terão agido em erro, sem consciência da ilicitude (jurídico – penal) do facto. (…) no caso do arguido O…, essa falta de consciência derivaria da circunstância de estar convencido de que se tratava de um simples “chá”, habitualmente consumido no seu país natal (Somália) e outros em áfrica, pelo que, concluímos nós, sendo o crime doloso, não podem ser condenados pela sua prática. (…)
O Código Penal distingue o erro consoante a sua natureza: a ignorância ou a errada apreensão da realidade pode corresponder a um problema cognitivo, ou pode traduzir-se num problema valorativo. No primeiro caso, estamos perante um erro de natureza intelectual ou meramente cognitivo (erro de conhecimento ou erro intelectual), que excluirá o dolo (cfr. artigo 16.º, do Código Penal), sendo que no segundo estamos perante um problema de natureza axiológica ou de valoração do agente sobre a realidade (erro de valoração ou erro moral), correspondendo a um problema de culpa, devendo a sua relevância ser apreciada segundo um critério de censurabilidade que poderá conduzir à sua irrelevância, à exclusão da culpa ou à sua atenuação (cfr. artigo 17.º, do Código Penal).
Considerando os dados do caso, bem como a própria defesa apresentada em juízo pelos arguidos, estaremos perante um caso de erro deste segundo tipo, isto é, um erro de valoração, em que o objecto do erro é a ignorância da própria proibição legal. 
Taipa de Carvalho entende que “o erro sobre a ilicitude será censurável, ou não, consoante ele próprio seja revelador e concretizador de uma personalidade (de uma atitude ética pessoal jurídica) indiferente perante o dever ser jurídico-penal, isto é, perante o bem jurídico lesado ou posto em perigo pela conduta do agente. Sendo revelador dessa atitude ético-pessoal de indiferença, o agente responderá por crime doloso; não o sendo (caso de condutas cuja licitude ainda não está sedimentada na consciência ético-social – o que é possível sobretudo nos direitos penais especiais ou direito penal secundário), afirmar-se-á a exclusão da culpa e, portanto, não haverá responsabilidade penal” (in Direito Penal, Parte Geral, 2.ª edição, 2008, Coimbra Editora, p. 480 a 486, e Direito Penal Parte Geral, II, Teoria Geral do Crime, 2006, Universidade Católica, Porto, p. 321 a 331.).
No entendimento de Cavaleiro Ferreira, censurável será o erro “invencível”, donde, nesta ordem de ideias, só uma consciência certa e segura da licitude permite a atenuação da culpa. A questão limita-se assim a saber se naquela situação concreta o agente tinha a obrigação de suspeitar se aquele acto era realmente ilícito ou lícito e, em consequência disso, deveria informar-se e verificar se assim era ou não (in Lições de Direito Penal, I, Editorial Verbo, 1985, p. 220 a 222).
Também neste sentido, Teresa Beleza (in Direito Penal, 2.º vol.), escreve que “Na problemática do erro sobre a ilicitude, o que está em causa é saber-se se, numa situação concreta, a pessoa tinha a obrigação de suspeitar que aquele acto realmente fosse ilícito ou lícito e, em consequência disso, intentar verificar se assim era ou não” (...), concretamente, informar-se (...). E isto porque (...) “haverá que evitar o «amolecimento ósseo» do Direito Criminal”. Por isso, “o agente não tem de conhecer a norma violada, bastando-lhe uma consciência da ilicitude material que, normalmente, se presume. E quando o facto, para além de ser uma infracção do Direito, constitui também uma violação da ordem moral e ética, o erro é normalmente evitável, já que a valoração normativa pode surgir do próprio sentimento jurídico com um maior ou menor esforço da consciência” (a mesma autora, in “Problemática do erro sobre a ilicitude”, pág. 71)”.
De resto, diz a jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça, que a consciência da ilicitude fica implícita no próprio facto, desde que seja do conhecimento geral que ele é proibido e punível (acórdão de 14.10.92, tirado no processo n.º 42.918, da 3.ª Secção).
Pois bem, tendo bem presente o acabado de expor e retornando ao caso concreto, parece-nos evidente, desde logo, ser do conhecimento geral (seja no nosso país, seja em qualquer outro, desde logo europeu) que a detenção e transporte de produtos e substâncias psicotrópicas é proibida e punida por lei penal, sobretudo quando estão em causa quantidades elevadas (como ocorre na situação que nos ocupa), sendo ainda comummente reconhecido que o escopo dos legisladores é evitar a degradação e destruição dos seres humanos provocada pelo consumo de estupefacientes, potenciado pelo tráfico.
Por outro lado, se é verdade que os arguidos invocam falta de consciência da ilicitude, não é menos verdade que nem sequer alegaram que se tentaram informar (devidamente) sobre o eventual carácter ilícito (em termos penais) dessa sua conduta noutros países da união europeia, nomeadamente em Portugal, para onde se dirigiram com o propósito exclusivo de transportar a catina apreendida. E muito menos o demonstraram no decurso da audiência de julgamento.
Aliás, como vimos, a detenção desta substância também é proibida e punida no Reino Unido (e também na Noruega), tendo o arguido O… sido alertado, ainda no aeroporto em Nairobi, para a sua natureza estupefaciente, sendo certo que, são os próprios arguidos que acabaram por reconhecer em julgamento que sabiam que se tratava de uma substância com qualidades ou propriedades estimulantes, o que vale por dizer que tinham necessariamente a “consciência da ilicitude material”, a que se refere Teresa Beleza na citação supra indicada. De resto, tal como se referiu supra, o “simples” circuito do produto estupefaciente, provindo de um país africano e entrando na europa através do nosso país, necessitando de ser ulteriormente transportado para outros países deste continente por intermédio dos arguidos, era mais do que suficiente para os alertar de que estavam perante algo mais do que uma simples mercadoria, ou “chá”, como pretenderam fazer crer ao Tribunal.” ».
Improcede, na conformidade, a referida questão.
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4–Da impugnação do provado sob o ponto 7 e aditamento de novos factos:
Com fundamento no pretenso erro não censurável sobre a ilicitude, pretende o recorrente a passagem do ponto 7 do provado para o não provado. A questão é improcedente, na estrita medida em que o erro foi considerado inexistente.
Mais pretende o recorrente o aditamento de uma série de factos ao provado - com fundamento em excertos, que transcreve, do seu depoimento em julgamento - e designadamente que:
«a.- O produto transportado apresentava-se na sua forma seca e fresca.
b.- O produto na sua forma seca era transportado pelo arguido O… que procurava dirigir-se para a Noruega, onde reside.
c.- Na sua forma seca, o produto vem sendo admitido na Noruega.
d.- A khat fresca apresenta-se na sua forma natural, conforme extraída da terra.
e.- O consumo de khat desperta o utilizador à semelhança do que acontece com o café/cafeína.
f.- Para produzir algum efeito, o utilizador deve ingerir cerca de 300 ou 400 gr.
g.- A khat fresca transportada tem uma validade de dois a três dias, período a partir do qual se deteriora e perde eficácia.
h.- Caso não se deteriorasse, os cerca de 40 kg transportados de khat iriam gerar cerca de 70 doses.
i.- Não se conhece à khat a perigosidade ou danosidade para a saúde pública reconhecida a outro tipo de drogas mais comuns».
Ora, em face dos termos da questão o que o arguido pretende é precisamente provocar um pedido de reapreciação da prova, na medida em que toda a sua argumentação radica em prova que entende que se produziu, sem qualquer correspondência com a letra da sentença. Mas nesse âmbito a questão não tem procedência.
No caso dos autos temos que o arguido não deduziu contestação. Ou seja, os factos que agora pretende ver considerados como provados não foram invocados perante o Tribunal como thema decidenduum.
São factos novos que não têm que ver com a estruturação da factualidade tal como foi presente ao Tribunal recorrido, que sobre eles não se pronunciou nem tinha que pronunciar na medida em que não considerou que eles tinham resultado provados em face da produção de prova e que fossem pertinentes para a boa decisão da causa. Não sendo factos contidos no provado ou no não provado está prejudicada a sua reapreciação pois que sobre os mesmos não foi feita qualquer apreciação.
O nosso sistema de recurso é de reapreciação e não de apreciação, em primeira vez, das questões colocadas. Isso pressupõe que elas tenham sido colocadas e decididas na instância recorrida, o que no caso não sucedeu.
Mas, ainda que assim não fosse, sucede que os factos que pretende ver aditados não têm correspondência com a prova produzida, numa parte, e não são verdadeiros factos mas questões de direito, noutra. Vejamos:
Como acima se disse resulta da prova produzida - e aliás corroborada pela alegação de recurso supra apreciada - que o recorrente transportou tanto khat seca como fresca, desde Nairobi até Lisboa, pelo que não é verdade que transportasse apenas a erva seca – sendo que chá não é erva seca mas uma infusão, quanto muito.
É irrelevante à prática do crime saber qual o destino final do estupefaciente e saber se nesse local o produto é, ou não, considerado ilícito. Foi detido com ele em Portugal e é esse o facto punido.
Não é verdade que o produto fresco se deterioraria se não consumido em 3 dias. O que sucede é que a partir do momento em que seca passa da forma fresca a seca, mas isso não inibe o facto de continuar a ser utilizável nem proibido. Apenas determina que a catinona desapareça, permanecendo apenas a catina, o que é irrelevante em face da acusação deduzida, que não considerou a existência de catinona - que, afinal, é a droga mais “pesada” que se retira das plantas frescas - quiçá por já não estar presente em quantidade relevante.
Sobre o assunto reveja-se o teor do velhinho artigo 4º do revogado DL 430/83, de 3/12, que não tendo passado para o DL 15/93 não deixa de ser elucidativo sobre a forma como as substâncias proibidas são classificadas no ordenamento jurídico nacional. Aí se refere, sob a epígrafe de “critérios específicos”, entre o mais, que «2 - A tabela II-A incluirá qualquer substância natural ou sintética que possa provocar alucinações ou distorções sensoriais graves. A tabela II-B incluirá substâncias do tipo anfetamínico que possuam efeitos estimulantes sobre o sistema nervoso central». Ora a catinona está incluída na tabela II-A, enquanto a catina está incluída na tabela II-B.

Por outro lado, não se produziu prova de qual a quantidade média diária, que também não consta da tabela anexa à portaria Portaria 94/96, de 2/3 e muito menos se sabe o que seja isso de “produzir algum efeito”, sobretudo quando não se distingue a erva seca da fresca e se sabe que o efeito pode ser substancialmente distinto. E por fim, o recorrente, mais uma vez ignorando o simples senso comum, pretende que um Tribunal defina um produto estupefaciente como isento de «perigosidade ou danosidade para a saúde pública» ainda que com reporte a «outro tipo de drogas mais comuns», que é mais um chavão insusceptível de conteúdo preciso.

Analisados os termos do processo, verifica-se que Tribunal apreciou o objecto do processo, tal como vinha definido nas peças pertinentes, ou seja, na acusação e contestação, contestação essa onde o arguido nada invocou como factualidade a apurar. Toda a factualidade levada a juízo foi apreciada e sobre ela o Tribunal se pronunciou, dando-a como provada ou não provada.

Improcede, assim, quer o alegado vício quer a requerida alteração do provado.
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5–Da subsunção dos factos ao crime de tráfico de menor gravidade, por a ilicitude ser consideravelmente diminuída:

Mais defende o recorrente que em causa está um tráfico de menor gravidade, com fundamento nos factos que pretendia ver aditados, supra referidos, e mediante a argumentação de que:
i- Apenas metade do produto transportado é mastigável e o resto é deitado para o lixo;
ii- O efeito é equivalente ao da cafeina;
iii- Para se sentir algum efeito é necessário consumir três a quatro vagens de cerca de 100 gramas cada;
iv- A substância havia sido colhida há 24 horas pelo que, no momento em que chegasse ao destino (Londres), estaria ainda apta a ser consumida mas seguramente não se destinaria a distribuição por vários consumidores. O seu destino seria certamente o consumo imediato, possivelmente pelo referido H…;
v- O modus operandi era simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação: o produto vinha aconchegado em folhas de bananeira e em malas de viagem, sem refrigeração sequer pese embora a khat se deteriore rapidamente;
vi- O Recorrente actuou como mero facilitador do envio;
vii- O Recorrente não tem antecedentes criminais, nem lhe são conhecidas outras condutas desviantes;
viii- Tratou-se de uma situação isolada que não foi sequer concretizada;
xix- As plantas não tinham como destino Portugal;
x- As plantas teriam como destino provável o seu consumo imediato por quem a encomendou;
xi- Não se conhece qualquer estrutura organizada, tendo o Recorrente identificado o único agente que conhecia – H…, de Londres, o suposto destinatário da khat fresca;
xii- Não se apurou qualquer potencial gerador de lesão grave para a saúde pública.

Ora, os factos com fundamento nos quais a pretensão foi formulada não passaram ao provado. Ou seja, não podem ser considerados para quaisquer efeitos. E depois, há que considerar que:
i e iii- É o arguido e o seu mandatário quem afiram que apenas metade do produto transportado é mastigável e o resto é deitado para o lixo e que para se sentir algum efeito é necessário consumir três a quatro vagens de cerca de 100 gramas cada. Mas tal não chega para prova dos respectivos factos. Nem convence. Não há motivo para transportar partes da planta que não podiam ser utilizadas, sob pena de se estar a transportar lixo – o que não é credível que alguém transporte do Quénia até Portugal passando pelo Dubai. Claramente o desvio até ao Dubai foi uma forma de iludir a origem do voo e a fiscalização alfandegária, pois que é sabido que as alfandegas estão particularmente atentas aos voos com proveniência de África, como da América do Sul. E o valor do produto, que qualquer consulta na net permite estabelecer ainda que por aproximação, não permite o entendimento de que o valor em causa seja compatível com exigências de consumos elevados para a produção de efeito. Se 20 toneladas de plantas valiam, no produtor, em 2006, cerca de 800.000 dólares ([6]), temos, pelo menos, uma equivalência de cerca de 40 dólares por quilo (por defeito, porque não estamos a falar de preços de produção mas de revenda e de algo referente a 12 anos atrás).
ii- O efeito é moderado mas não equivalente a cafeína. Está assimilado ao efeito das anfetaminas, conforme resulta da tabela II-B, produzindo efeitos que incluem sensações de euforia, aumento do estado de alerta e da concentração, excitação, segurança, simpatia, satisfação e fluxo de ideias, com efeitos viciantes leves a moderados.
iv e x - É manifesta a contradição entre a curta duração imputada à khat fresca e a pressupostas intenção de consumo por parte de uma só pessoa. Claramente que se destinava à venda nos mercados de destino, sendo que a Inglaterra é um dos países de maior consumo, tal como a Dinamarca.
v- O modus operandi de simples não tinha nada. O produto era colhido, embalado, transportado acompanhado por um correio, que fazia um desvio do Quénia ao Dubai para entrar por Portugal e depois seria distribuído na Europa, via Londres e Noruega, como o arguido expressamente assume.
Vi e xi- O Recorrente não actuou como mero facilitador mas como transportador do produto. Transportador vigiado por um mandante, sendo que, a crer no que refere, entretanto uma terceira pessoa, aparentemente a mando desse mesmo mandante, apareceu no circuito, tendo este indivíduo, co-arguido do recorrente, referido, em julgamento, que também ia receber dinheiro com o transporte de Lisboa para Londres. Ou seja, vislumbra-se aqui um grupo internacionalmente organizado, de transporte de khat entre o Quénia e a Europa, com entrada por Portugal - sendo que é sabido que algum de khat que se consome nos EUA lá chega precisamente a partir da Europa, também.
Vii e viii- O Recorrente não tem antecedentes criminais nem lhe são conhecidas outras condutas desviantes mas também não vive em Portugal. A primeira vez que é detectado no país é pela posse de estupefacientes, pelo que essa falta de antecedentes é absolutamente irrelevante.
xix- Admite-se que as plantas pudessem não ter como destino Portugal, como acima se referiu, mas isso não influi nem na gravidade do ilícito nem na culpa, que foram considerados já nessa perspectiva. Aqui a mera detenção é punida.
xii- Não se apurou qualquer potencial gerador de lesão grave para a saúde pública, porque se se tivesse apurado o arguido teria sido punido pelo tipo agravado e não pelo tipo simples.
Ora, o crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no artº 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos isto é, a saúde pública. Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Trata-se também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa ([7]).
É grande o desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes. Mas há que reconhecer que essa actividade se pode apresentar em graduações diversas da ilicitude, a que correspondem soluções legislativas diferenciadas. Na conformidade, o DL 15/93 distingue a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém: o grande tráfico, previsto nos artsº 21º e 22º; o médio e pequeno tráfico, previsto no artº 25º e o tráfico para consumo, previsto no artº 26º ([8]) .
Atente-se na nota justificativa, enviada à Assembleia da República, onde, relativamente ao artº 25º referido, foi realçado o propósito de, com ele, permitir «ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial».
O tipo legal, privilegiado, do artº 25º, fica preenchido quando, preenchido o tipo do artº 21º ou do artº 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto há de resultar de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente”, que consta da previsão normativa, dá prevalência, no seu significado etimológico, à ideia de algo notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo, pois, ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os artºs 21º e 22º.
Como refere Maria João Antunes ([9]), o artº 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada. Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais ([10]).
Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no artº 25º, há que distinguir, quanto aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, que eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
No que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao DL 15/93, e pelos resultados da investigação científica.
A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no artº 26º/ 3 ([11]).
Para além destes elementos, devem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo durante o qual exerceu a actividade ([12]).
Ora, considerando que nenhum dos fundamentos pelos quais o arguido pretendia que o crime fosse configurado como de menor ilicitude procede, impõe-se o entendimento de que não há fundamento para entender que se verifica tal circunstância. O arguido agiu integrado num sistema orientado para o tráfico internacional do estupefaciente, mediante o uso de correios; a quantidade de estupefaciente não é despicienda; o estupefaciente em causa tem efeitos nocivos moderados, equivalentes aos das anfetaminas; o arguido agiu com dolo directo, conhecendo a proibição da detenção e motivado pela obtenção de lucro. Nada aponta para uma diminuição da ilicitude mas para um quadro normal de tráfico internacional, em que o país é usado como forma de entrada dos produtos ilícitos noutros mercados europeus.
Improcede, nesta medida, a pretendida alteração da qualificação legal.
***

6–Do excesso da medida da pena e aplicação de pena suspensa:
O recorrente entende que a pena aplicada é desproporcionadamente elevada porquanto:
i- Em causa está um estimulante que produz dependência psicológica, que varia de leve a moderada;
ii- O transporte de 1000 gr. de cocaína (por um mero correio de droga, também por referência ao artº 21º), tem sido punido com penas de 4 anos de prisão efectiva ou próximas deste mínimo, quando 1000 gr de cocaína podem gerar mais de 4000 doses individuais (0,25gr cada) - podendo facilmente duplicar ou triplicar este número se for “cortada” enquanto 40 quilos de khat fresca gerariam, em teoria, menos de 70 doses [= 50% do peso total dividido por doses de 300gr.];
iii- Estes 40 quilos de khat, caso não se estragassem, entretanto, teriam de ser consumidos à chegada a Londres e não poderiam ser distribuídos em larga escala;
iv- A diferença da medida entre a pena aplicada ao co-arguido, de 9 meses a menos, não tem justificação porque o grau de ilicitude de culpa dele seria tão acentuado como o seu, atendendo a que a responsabilidade da introdução da substancia no comércio europeu seria do co-arguido que transportaria a khat para a alegada comercialização;
v- É injustificado o agravamento com fundamento no circuito percorrido com as três malas de droga—desde o Quénia até Portugal, com vista à sua subsequente comercialização na Europa – porque no Quénia a substância é legal.

Vejamos:
i- Antes de mais convém ter presente que o crime em causa é punível com pena mínima de 4 anos de prisão, o que significa que a pena aplicada a arguido está muito próxima da mínima, no que pesou a consideração da natureza do estupefaciente, classificável como droga leve ou moderada.
ii e iii- Não tem razão o arguido também nesta sua argumentação. Desconhece-se, porque o arguido não o identifica - e não corresponde à prática judicial- quando e em que circunstâncias o transporte de um quilo de cocaína por um correio de droga, punido com penas de 4 anos de prisão efectiva. Esta argumentação não tem correspondência com a normalidade, sendo que também é incredível a estimativa que faz de que os 40 quilos de khat gerariam menos de 70 doses, a não ser que a dose seja medida para grandes bolsas, pois de contrário o tráfico seria uma actividade deficitária, coisa que está longe de se admitir. A distribuição tem que corresponder à obtenção de uma séria margem de lucro, pois que só assim se compreende a assunção dos riscos do tráfico e as remunerações que os arguidos admitiram, obviamente por defeito, quando ouvidos em julgamento. No que concerne à “distribuição em larga escala” é evidente que tal não foi considerado, pois se tivesse sido a condenação ter-se-ia processado pelo tipo agravado.
iv e v- Esta argumentação é interessante na medida em que pressupõe que Portugal será um país fora da Europa. Só mediante tal consideração o arguido, patrocinado por mandatário português, pode dizer que o responsável pela introdução da droga na Europa foi o co-arguido e não ele. Foi o arguido quem passeou com as plantas entre a África e a Ásia e as introduziu na Europa – num circuito estranho, na medida em que sendo as plantas perecíveis havia pressa em que chegassem ao destino e é facto de conhecimento notório que há voos directos entre Nairobi e diversas cidades europeias com duração na ordem das 10/12 horas, que é aproximadamente o tempo mais curto de um voo entre Lisboa e o Dubai, que dista mais de 5 horas de voo de Nairobi. Mas, claramente, que a questão tem que ver com a pressuposta maior fiscalização dos voos com origem em África, como acima se referiu.
E a questão de no Quénia a khat não ser proibida é irrelevante para a economia dos autos, conforme acima se referiu. Há um ditado português que explica de modo muito simples como se faz: em Roma sê Romano. É absolutamente indiferente a um determinado sistema jurídico o que se passa noutro – sobretudo quando em causa estão questões económicas e comerciais, pois que, como o arguido deve saber, o Quénia já chegou a proibir a planta, mas regrediu na proibição.
Em face do exposto não encontramos fundamento para alteração da pena, que definitivamente não peca por excesso, face à moldura penal em causa e às circunstâncias dos factos.
No que respeita à suspensão da pena de prisão, o recorrente entende que sendo primário, estando em causa uma droga leve, estando laboral e socialmente inserido e tendo família constituída a pena lhe devia ser suspensa porque é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e a não suspensão excede as exigências mínimas de prevenção geral.

A suspensão da aplicação da pena apenas terá lugar quando se verifiquem cumulativamente duas circunstâncias, como bem refere o MP:
1– Que o tribunal se convença de que a ameaça da pena evitará a repetição de condutas delituosas futuras, atendendo:
a)- À personalidade do arguido;
b)- Às suas condições de vida; 
c)- Ao seu comportamento anterior e posterior ao crime;
d)- Às circunstâncias do facto punível.

2– Que a suspensão da execução da pena não coloque irremediavelmente em causa a tutela dos bens jurídicos e não contenda com o sentimento de reprovação social do crime e com a confiança da comunidade nas instâncias judiciais.

Ora, em causa está um serviço de correio de droga, com as características já referidas. Daqui se evidencia uma personalidade temerária, disposta a enfrentar riscos de prisão – porque em todo o mundo ocidental o tráfico é punido com prisão – ou seja, perfeitamente indiferente aos valores sociais e penais da sociedade ocidental e, particularmente, da sociedade portuguesa e dos pressupostos países de destino do khat.

Há que questionar o porquê deste tipo de actuação. E o fundamento típico dos serviços de correio de droga é, invariavelmente, a obtenção de pagamentos relevantes para melhoria das condições de vida. Ou seja, não obstante o que o arguido referiu quanto às suas condições de vida, o facto é que é evidente que não as considerava satisfatórias, pois caso contrário não se daria ao risco de ser preso e desfazer a sua família constituída, a viver na Noruega, como se desfez, sendo incredível a teoria que pretende fazer crer, de que ninguém explicou à sua mulher, estupefacta com a sua actuação, que em causa estava khat.

A questão da falta de antecedentes em Portugal é inócua, pelos motivos já explicados.

As circunstâncias do cometimento do crime não têm nada de relevante para o juízo de prognose positiva que pressupõe a suspensão da pena.

E a comunidade convive pessimamente com o tráfico de estupefacientes, que gera danos irreparáveis em quem as consome e nas respectivas famílias. Neste particular ao facto de as drogas em causa poderem ser menos prejudiciais para a saúde pública do que outras, na típica contraposição entre drogas leves e duras não se pode fazer corresponder uma grande distinção de penas, porque como se sabe, o caminho das drogas duras passa pelo consumo de drogas leves. Conforme se referiu no acórdão recorrido « (…) O crime de tráfico de estupefacientes postula elevadas necessidades de prevenção geral. No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020 (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros, de 23 de Outubro de 2014, constituindo o seu Anexo I, e publicado no Diário da República, I Série, n.º 250, de 29 de Dezembro de 2014, pp. 6294-6348), a matéria da prevenção está presente, constituindo objectivo geral, de acordo com aquele Plano, “reduzir a disponibilidade de drogas ilícitas e das novas substâncias psicoactivas (NSP) no mercado, através da prevenção, dissuasão e desmantelamento das redes de tráfico de drogas ilícitas, em especial do crime organizado, intensificando a cooperação judiciária, policial e aduaneira, a nível internacional, bem como a gestão de fronteiras».

O mais que resulta da actuação do arguido e do “grupo” onde se inseriu, é que usaram Portugal como ponto de inserção de estupefaciente na Europa, o que é duplamente grave: grave para a sociedade portuguesa, que não tem que ser confrontada com os riscos inerentes a tal actividade e para com os compromissos internacionais de Portugal no combate ao tráfico internacional, o que não se compadece com a aplicação de pensas suspensas, sobretudo se tivermos em conta que os correios de droga não residentes tenderão, necessariamente, a sair do país e a emitir-se, desse modo, à acção da justiça penal.

A suspensão da pena não encontra justificação nas necessidades de prevenção especial nem geral que rodeiam a prática deste preciso crime, pelo que não pode ser aplicada.
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7–Do excesso na medida da pena de expulsão:
Analisamos a questão fazendo uso dos termos da contra-motivação, porque outra construção não se revela necessária.
«Ao ora recorrente foi aplicada a sanção acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 anos, tendo o tribunal considerado tal período em face das considerações de culpa e prevenção geral explanadas no acórdão.
O recorrente entende que o período de tempo decretado excede o limite máximo previsto no art.º 144.º da Lei n.º 23/2007, de 04.07. sendo que o acórdão – cita-se - “(…) não reflecte qualquer ameaça grave para a ordem pública, segurança pública ou segurança nacional que justifique tão severa medida – nem a há – (…)” violando assim o disposto naquele artigo. Por conseguinte, entende não ser de aplicar esta pena acessória.
Crê-se haver confusão por parte do arguido uma vez que não está em causa o art.º 144.º do citado diploma legal, o qual, refere-se, isso sim, ao prazo de interdição de entrada».
Na verdade, o arguido sabe qual foi a legislação em que o Tribunal suportou a pena de suspensão, porque consta expressamente do acórdão recorrido: «o Ministério Público requereu ainda, em sede de acusação, a aplicação ao arguido O… da sanção acessória de expulsão do território nacional, em conformidade com os artigos 134.º, n.º 1, als. e) e f), 140.º, n.º 1 e 151.º, da Lei n.º 23/2007, de 04/07, e 34.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01». Mal se entende, pois, a questão que coloca ao abrigo de uma disposição que não foi aplicada nem tem aplicação, porquanto o regime da droga tem norma especial.
«Está provado que o arguido nasceu na Somália, obteve a nacionalidade norueguesa, não tem qualquer ligação familiar, de amizade ou laboral com pessoas residentes em Portugal e não tem qualquer interesse na sua estadia neste país. O único objectivo da sua vinda e passagem por Portugal visou unicamente a prossecução do desiderato criminoso.
Deve atender-se ao interesse de ordem pública e de segurança dos cidadãos portugueses ínsitos no DL n.º 15/93, de 22.01. Dispõe o art.º 34.º deste diploma legal – cita-se: “1- Sem prejuízo do disposto no artigoº 48.º, em caso de condenação por crime previsto no presente diploma, se o arguido for estrangeiro, o tribunal pode ordenar a sua expulsão do País, por período não superior a 10 anos, observando-se as regras comunitárias quanto aos nacionais dos Estados membros da Comunidade Europeia.”

Os factos dados como provados justificam um especial juízo de censura, o qual, fundamenta nos termos do art.º 34.º, daquele diploma legal, a imposição ao arguido AO… da pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 6 anos, não cabendo razão ao recorrente».
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8–Da ilegalidade na perda de objectos:
O recorrente pretende a devolução do telemóvel, do cartão telefónico e das quantias monetárias declaradas perdidas, com fundamento em que não serviram para a prática do crime.
Nos termos do artigo 35º/1, do DL 15/93, «são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».
Efectivamente, em face da exclusão dos pontos 9 e 10 do provado, passadas para o não provado, nos termos supra-referidos, não há fundamento para a perda das quantias monetárias, telemóveis e cartão telefónico e bilhete de avião, porquanto não se estabelece qualquer relação entre os mesmos e a prática da infracção. Relativamente ao bilhete de avião detido pelo arguido AH…, a crer nos termos do recurso do arguido O…, ele destinar-se-ia a continuar a prática da infracção. Contudo, tal não tem correspondência com a matéria de facto provada pelo que se impõe, também, a sua devolução.
O arguido AH… não é recorrente mas a reparação do vício de erro notório na apreciação da prova, de conhecimento oficioso, afecta toda a decisão, que carece de ser alterada, ao abrigo do disposto no artº 402º/1, do CPP.
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VI–Decisão:
Acorda-se, pois, em negar o provimento ao recurso.
Oficiosamente, procede-se à alteração do provado e não provado nos termos referidos, fazendo passar o conteúdo dos pontos nove e dez do provado para o não provado e revoga-se a decisão recorrida quanto à declaração de perdimento dos objectos apreendidos a ambos os arguidos, exclusivamente dos telemóveis, dinheiro, cartão telefónico e bilhete de avião, mantendo-a no demais, nos seus precisos termos.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 ucs.
                                                                                                              ***


Lisboa,11/04/2018
                                                                                                                    
                                           
(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva) – (Texto processado e integralmente revisto pela relatora).
                                           
(A.Augusto Lourenço)


[1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3]Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Khat
[4] https://www.indice.eu/pt/medicamentos/DCI/catina/informacao-geral
[5]Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Khat
[6]«Segundo um político da localidade de Ntonyiri, no Distrito de Meru do Norte, a região já havia se especializado no cultivo de khat, de tal maneira que 20 toneladas, valendo cerca de 800.000 dólares, eram enviados para a Somália diariamente, e uma proibição dos voos seria devastadora para a economia local», em https://pt.wikipedia.org/wiki/Khat.
[7]Cf. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em  http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174
[8]Cf. Ac. do STJ de 24/05/2007, CJ, S, XV, II, 200 e de 22/03/2006, CJ, S, XIV, I, 216
[9]Cf. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296
[10]Cf. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174
[11]Cf. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51
[12]Cf Acs do STJ de 2.06.1999, no proc.nº.99P269, de 7.12.1999, no proc.nº.99P955, de 18.12.2003, no proc.nº.9511/2003-9,  e Ac. do TRC, de 14-01-2009, no proc. 76/03.9GBFIG.C1, todos em www.dgsi.pts