CRIME DE DIFAMAÇÃO ATRAVÉS DO FACEBOOK
INJÚRIA COM PUBLICIDADE ATRAVÉS DO FACEBOOK
Sumário

I- Para ser proferido despacho de pronúncia embora não seja preciso uma certeza da infracção é necessário que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes, para que logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpa do arguido.
II- Quando não existirem nos autos (nomeadamente nos factos descritos na acusação particular) indícios suficientes de que o arguido tenha imputado ao ofendido constituído assistente, quaisquer factos suscetíveis de ofender a honra ou a consideração deste último, impõe-se a prolação de uma decisão de não pronúncia, por inexistência dos elementos objectivos do tipo legal que permitam imputar ao arguido um crime de difamação e de injúria com publicidade nos termos dos artigos 180º, 181º e 183º do C.P.
III- Assim, independentemente da conclusão que possamos retirar da discussão acerca do conteúdo de uma publicação feita no Facebook (no âmbito de um grupo secreto de acesso restrito) quanto a saber se o mesmo é ou não ofensivo para o bom nome e imagem de um determinado sujeito/destinatário constituido assistente nos autos, impõe-se a não pronúncia do arguido quando resultar de toda a prova recolhida em sede de inquérito, que o arguido não foi o autor dessa publicação, nem assumiu como suas as acusações e insinuações que constam da referida publicação considerada ofensiva pelo assistente.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
1 – Nos presentes autos, o ofendido DS..., apresentou queixa crime contra JC... e após se ter constituído assistente (fls 104) deduziu contra ele acusação particular (fls 161 a 177), imputando-lhe o cometimento de factos que na sua visão, integram a prática de crimes de difamação e de injúria com publicidade p.p no artº 180º e no artº 181º e 183º do C.P. acusação esta que o M.P não acompanhou (fls 181).

2 - Inconformado com a acusação particular contra ele deduzida, o arguido JC... requereu a abertura de instrução (fls 191 a 195), pugnando pela prolação do despacho de não pronúncia por não se verificarem quaisquer indícios da prática dos crimes que lhe foram imputados pelo assistente porquanto o recorrido não foi o autor da divulgação das escalas, datas, períodos e voos do recorrente, nem das expressões utilizadas na divulgação de um alegado estatuto de benefício ilícito por parte do assistente, objecto de uma publicação no dia 23.3.2016 no grupo secreto do Facebook “41.000 pés” (composto à data dos factos por 733 membros, todos eles assumindo-se como chefes de cabine, comissários e outros tripulantes de bordo ao serviço da TAP) as quais manifestamente, ao invés do alegado no recurso do assistente, nunca pretendeu fazer suas, desde logo porque não foi o seu autor, tendo-se limitado a fornecer nesse grupo do facebook o nº profissional do assistente na TAP, elemento esse que permitiu de forma mais célere identificar o assistente como sendo a pessoa visada pela referida publicação, mas que esse facto não faz dele o autor de nenhum dos ilícitos que lhe são imputados.

Após realização da instrução e uma vez realizado o debate instrutório com observância do formalismo legal, foi no final da instrução, em 17.11.2017, proferida decisão de não pronúncia do arguido JC... pela prática dos factos que lhe foram imputados pelo assistente na acusação particular (fls 223 a 233).

3 - Não se conformando com essa decisão de não pronúncia, veio o assistente dela interpor recurso a fls 243 a 263 dos autos.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:
a) O presente recurso é interposto da douta decisão que determinou a não pronúncia do Arguido, ora Recorrido, pela prática de um crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade, nos termos dos artigos 180.2, 181.2 e 183.2 do Código Penal;
b) No presente recurso suscita-se unicamente a questão jurídica da errada apreciação dos elementos dos autos e que levaram à decisão de não pronúncia do Arguido, ora Recorrido, pela prática de um crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade, nos termos dos artigos 180.2, 181.2 e 183.2 do Código Penal, verificando-se a existência de indícios que permitem a sua pronúncia pelos crimes referidos;
c) No dia 23 de Março de 2016, pelas 23 horas e 26 minutos, alguém, a coberto do pseudónimo «Anjo da Guarda», colocara online, no espaço do referido grupo «41.000 pés», no Facebook, uma escala de serviço (voos) de um tripulante de cabine, referente ao período entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2014, sem identificar a quem pertencia (documento n2 2, pp. 3-13, juntos aos autos com a participação crime);
d) O Recorrente reconheceu, desde logo, que a escala em causa era a sua, ou seja os voos que o Recorrente tinha efetuado ao serviço da TAP, enquanto comissário de bordo, entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2014;
e) Na lista dos voos realizados pelo Recorrente, o «Anjo da Guarda» introduziu à frente de muitos deles, comentários sarcásticos, interpretações abusivas e insinuações que são falsas, nomeadamente referindo-se aos voos do Recorrente como «incrível», «memorável», «faz o que quer», «seu guloso» e outros epítetos semelhantes, fazendo insinuações sobre a licitude dos voos que fez e até sobre os pagamentos que por eles lhe foram efetuados (cf. documento 2 junto com a participação crime);
f) Quer com a declaração que fez quer com os comentários que adicionou, o já citado «Anjo da Guarda», distorcendo a verdade, quis dar a entender que essa escala de serviços, ou seja, os voos em causa realizados pelo Recorrente, foram obtidos por favor ou compadrio resultante de especiais conhecimentos do Recorrente com os serviços de planeamento e de escalas da TAP, o que é manifestamente falso;
g) Para além da colocação da Escala de Serviço, e das insinuações e ofensas praticadas para com o Recorrente, o denominado «Anjo da Guarda» ao colocar a escala de serviço do Recorrente incitou os colegas membros do grupo c(41.000 pés» para que
identificassem o Recorrente: «Quem é o artista que fez todos estes voos? Quem é Mangolé? (...) Vou dar umas pistas (...)», alertando até para que os seus leitores fossem ao «Portal Dov da TAP», donde resulta a identificação das escalas, voos e respetivas tripulações, para, desse modo, ser mais fácil a identificação do Recorrente (cfr. documento n° 2, p. 13, junto com a participação crime);
h) O Arguido JC..., membro do referido grupo, decide dar a conhecer o número de identificação do Recorrente enquanto trabalhador da TAP - n° 27920.8, pelo que, através desta situação, a identidade do Recorrente foi completamente revelada (cf. documento 2, p. 15, junto com a participação crime), na medida em que através do referido número de identificação TAP qualquer outro trabalhador da TAP tem de imediato acesso à identificação da pessoa correspondente ao referido número;O Arguido ao proceder à divulgação do número TAP do Recorrente transferiu de forma imediata e directa, para a esfera do Recorrente, todos os comentários injuriosos e difamatórios proferidos pelos Colegas do Recorrente na página do grupo «41.000 pés» do Facebook, imputando-lhes assim os mesmos;
j) Se o Arguido não tivesse divulgado o número Tap do Recorrente, ninguém conheceria, de modo inequívoco e claro, a identidade do Recorrente. O Arguido, ao divulgar o número TAP do Recorrente, fê-lo na intenção clara de pôr em causa a reputação profissional e pessoal do Recorrente. Posteriormente ao caso do Recorrente, o autodenominado «Anjo da Guarda» divulgou outras escalas de serviço de outros tripulantes da Tap, insinuando igualmente que teriam sido resultado de esquemas fraudulentos e de compadrios, mas nenhuma teve a repercussão, dentro da Empresa, que teve a que envolve o Recorrente, uma vez que os acusados sempre foram apenas identificados por alcunhas ou nomes supostos, uma vez que ninguém divulgou os seus números Tap, como aconteceu com o Recorrente;
m) I) A intenção do Arguido, com a divulgação do número TAP do Recorrente, foi querer demonstrar que a escala de serviços do Recorrente, ou seja os voos em causa realizados pelo Recorrente, foram obtidos por favor ou compadrio resultante de especiais conhecimentos do Recorrente com os serviços de planeamento e de escalas da TAP, conhecimentos pessoais esses que o Recorrente não tem nem nunca teve;O Arguido assumiu, claramente, como suas e verdadeiras, as acusações feitas pelo autodenominado «Anjo da Guarda», difamando também, e conscientemente, o Recorrente. Sendo prova inequívoca de que o Arguido considerou verdadeiras e justas as acusações feitas, anonimamente, ao Recorrente, estando mesmo disposto a dar a cara por elas é, também, a afirmação do Arguido, já depois de ter revelado o número Tap do Recorrente: «isto tem que ser divulgado sem medos», diz! (Cf. documento n° 2, p. 15 junto com a participação crime);
o) Na verdade, todos os voos que o Recorrente executou, ao longo dos dez anos que leva ao serviço da TAP, ou resultaram do planeamento das chefias da TAP ou de trocas com outros colegas, tudo sempre no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis. Sendo que muitas das trocas referidas e descritas na escala de voos do Recorrente resultaram de solicitações de colegas; Todo o comportamento no grupo «41.000 pés», no Facebook, composto por mais de mil colegas de trabalho do Recorrente, em especial por parte do Arguido JC... ao identificar expressamente o Recorrente, visaram efetivamente denegrir a imagem do Recorrente perante os demais colegas, e colocaram em causa a honra e consideração do Recorrente; Todo o comportamento do Arguido atrás referido, através da divulgação do número TAP do Recorrente, visou efetivamente denegrir a imagem do Recorrente perante os demais colegas. O comportamento do Arguido no grupo «41.000 pés», no Facebook, composto por mais de mil colegas de trabalho do Recorrente, foi no sentido de colocar em causa a honra e consideração do Recorrente; Com a divulgação do número TAP do Recorrente pelo aqui Arguido foi efetiva e directamente difamado o bom nome, pessoal e profissional, do Recorrente, provocando-lhe um forte sentimento de desgosto e humilhação;
p) As expressões referidas e constantes no grupo «41.000 pés», no Facebook, as quais o Arguido fez questão de imputar de forma a direta e clara ao Recorrente ao revelar a sua identificação, são injuriosas e atentam gravemente contra a honra, o bom nome e a consideração profissional e humana do Recorrente;
q) Com o comportamento e os factos atrás descritos, o Arguido por meio de sistema informático, praticou um crime de difamação e injúria com publicidade, punido e previsto pelos artigos 180º, 181º e 183º do Código Penal;
t) Excluir o Arguido, ora Recorrido, ilibando-o de qualquer responsabilidade, além de injusto é também contrário à realidade efectivamente vivida e às regras elementares da experiência e do senso comum. O Tribunal recorrido deveria, e agora o Tribunal de recurso deverá, dar como indiciado, de forma suficiente e bastante, para sustentar a pronúncia do Arguido todos os factos acima descritos e aqueles que constam do requerimento de instrução, que uma vez mais se dá aqui por reproduzido. As concretas provas que devem ser renovadas e impõem uma decisão diversa da recorrida são os depoimentos prestados pelas testemunhas, na sua totalidade, em sede de instrução;
u) Ao decidir a não pronúncia do Arguido, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 180º, 181º e 183° todos do Código Penal, pelo que deverá o referido despacho ser revogado sendo substituído por outro que pronuncie o Arguido pela prática do crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade nos termos dos artigos 180º, 181º e 183º do Código Penal.
NESTES TERMOS,
Deverá ser dado provimento ao presente recurso e revogado o despacho recorrido, com
as legais consequências.
Só assim se decidindo será cumprido o direito e feita JUSTIÇA.

4 - O arguido veio nos termos do artº 413º do C.P.P responder ao recurso interposto pelo assistente (fls 276 a 284), defendendo que o mesmo seja julgado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida, terminando as suas alegações com as seguintes (transcritas) conclusões:
1ª No seu recurso, o recorrente faz errada apreciação dos factos e pretende imputar ao recorrido o que foi praticado por outrem – o Anjo da Guarda.
2ª Com efeito, como o próprio recorrente aceita, o recorrido não foi o autor da divulgação das escalas, datas, períodos e voos do recorrente, nem das expressões utilizadas nessa divulgação sobre um estatuto de benefício ilícito por parte do recorrente.
3ª Sendo que, ao invés do descrito no recurso, nunca as pretendeu fazer suas, desde logo porque não foi o seu autor.
4ª E mesmo que o recorrido não tivesse divulgado o número profissional do recorrente a sua identificação, após a divulgação do “Anjo da Guarda”, estava acessível a qualquer tripulante que consultasse o portal das operações de voo – DOV e fizesse o cruzamento das tripulações com os voos e escalas, nesse período, como sucedeu com o próprio recorrente e com colegas do recorrido que revelaram já a sua identificação antes do recorrido ter indicado o seu número – artgsº 11, 13 e 17 do recurso.
5ª Tendo o recorrido se limitado a comentar a divulgação feita pelo “Anjo da Guarda” no grupo “41.000 Pés”, comentário esse que constituía apenas uma crítica a uma situação que, dada a forma como foi descrita, se afigurava preferencial face aos restante colaboradores.
6ª Não existindo, assim, a prática de qualquer ilícito por parte do recorrido.
7ª Não se entendendo também o segmento recursório em que o recorrente propugna pela “renovação de provas” uma vez que não impugna matéria de facto, nem o podia fazer porque não foi produzida qualquer prova testemunha ou outra na instrução.
8ª Sendo certo que também não poderia estar em causa um ilícito de injúria, do art.º 181 do C.Penal, uma vez que o recorrido apenas se dirigiu a terceiros.
NESTES TERMOS e noutros de direito doutamente supridos deverá negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão de não pronúncia do recorrido, com o que se fará TOTAL JUSTIÇA

5 - O Ministério Público na 1ª instância, respondeu à motivação apresentada (fls. 270/275), defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão instrutória de não pronúncia (conforme havia defendido em sede de debate instrutório e se encontra exarado em acta) terminando as suas contra-alegações com as seguintes (transcritas) conclusões:
a) Os elementos de prova carreados para os autos permitem integrar o tipo objectivo dos arts. 180 n.º 1 e 181 n.º 1 do CP
b) Os comentários escritos, visando o assistente não são de molde a integrar o crime de difamação e ou o crime de injuria na medida em que não excederam o direito de expressão e de opinião critica do arguido
Termos em que deve negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se a decisão recorrida.

6 – Este recurso foi admitido pelo despacho de fls.266.
7 – Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral-Adjunto, quando o processo lhe foi com vista nos termos e para os efeitos do artº 416º do C.P.P emitiu o parecer de fls 292/293 dos autos, no qual se pronuncia no sentido do não provimento do recurso, aderindo na íntegra à argumentação sustentada pelo M.P na 1ª instância.
8 – Foi oportunamente cumprido o artº 417º/2 do C.P.P e nenhuma resposta foi apresentada.
9 - Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
Delimitação do objecto do recurso ou questões a decidir:
Do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente definem as questões a decidir em cada caso, exceptuando aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso.
- A questão principal colocada pelo assistente recorrente é a da subsunção jurídico-penal da conduta objecto da acusação particular e por ele imputada ao arguido - no seu entender tal conduta, integra todos os elementos objectivos e subjectivos dos crimes de difamação e de injuria com publicidade, nos termos dos artigos 180º, 181º e 183º do C.P, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao não pronunciar o arguido por tais crimes.

III- ANALISANDO

1. Fundamentos de Facto
Na decisão instrutória de não pronúncia proferida em 17.11.2017, o Tribunal a quo considerou não existirem nos autos (nomeadamente nos factos descritos na acusação particular) indícios suficientes que permitam imputar ao arguido um crime de difamação e de injúria com publicidade nos termos dos artigos 180º, 181º e 183º do C.P
Procede-se assim à transcrição dessa decisão instrutória de não pronúncia ora recorrida (com sublinhados nossos):

DECISÃO INSTRUTÓRIA

O arguido JC... veio requerer a abertura de instrução por não se conformar com o teor da acusação particular deduzida pelo assistente DS... que lhe imputou a prática de um crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade previsto e punido pelos artºs. 180º, 181º e 183º CP.
O MP não acompanhou a acusação particular.
Não se procederam a diligências nesta fase de instrução.
Realizou-se o debate instrutório com observância do formalismo legal, tendo o Ministério Público e o mandatário do arguido pugnado pela não pronúncia do mesmo e o mandatário do assistente em sentido contrário por existência de indícios.
*
O Tribunal é competente.
*
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
*
Cumpre, agora, proferir decisão instrutória que será de pronúncia ou de não pronúncia, conforme o juízo que se faça sobre a suficiência ou insuficiência dos indícios de verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena.
A finalidade e âmbito da instrução, definida no artº. 286º nº.1 do CPP, consiste em deslocar a investigação sob a égide e direção de um juiz, para obter “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
Finda a instrução, a decisão de pronunciar tem na sua génese, um juízo sobre os elementos colhidos nos autos, sobre o conjunto da prova indiciária. Resume-se ao conjunto de indícios dos quais possa resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena.
Não se exige, por conseguinte, o juízo de certeza do julgamento, subjacente à condenação, mas antes um juízo de probabilidade séria e razoável, de modo a que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes para que formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido impondo um juízo de probabilidade da sua condenação.
*
O arguido vem acusado da prática de um crime de difamação e de um crime de injúrias com publicidade previsto e punido, respetivamente, pelos artºs. 180º, 181º e 183º CP.
Dispõe o nº.1 do artº. 180º CP que quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido(…).
Por sua vez o artº. 181º CP refere que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra e consideração é punido(…).
O elemento distintivo entre a difamação e a injúria consiste na imputação de factos concretos e determinados que sejam ofensivos da honra e consideração do ofendido perante terceiros e sem a presença do ofendido, no caso da difamação, ou a mesma conduta perante o ofendido, no caso da injúria. Estamos perante crimes de perigo abstracto o que significa que ocorrem com a adopção, pelo agente, de um comportamento objetivamente idóneo a causar a ofensa à honra e consideração de um sujeito, independentemente da concreta causação desse perigo ou da efetiva produção do dano.O tipo objetivo de ilícito pode ser perpetrado mediante a imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita ou a formulação de um juízo, ofensivos da honra e consideração de outrem. A pedra de toque na distinção entre aqueles conceitos está em que na imputação de um facto há ausência de valoração e mera constatação de uma realidade, ao contrário da formulação de um juízo.O caráter ofensivo da imputação ou do juízo avalia-se, entre outros critérios, a partir das condições ambientais, particularidades da linguagem utilizada no meio, classe social e cultural, grau de educação e instrução, formas de relacionamento, formação moral e laços de parentesco ou doutro género do ofendido e do agente(Ac RP de 30/11/1988, in CJ V, 121), isto é, utiliza-se um critério baseado na impressão que as expressões em causa produziram no homem médio, do meio socioecónomico e cultural em questão, que estivesse na posição do destinatário médio e do visado. Quanto ao elemento subjetivo exige-se que o agente represente e queira o comportamento por si adoptado, com consciência da ilicitude dessa conduta, ou seja, que o agente atue voluntariamente, com consciência de que o seu comportamento ofende ou pode ofender a honra e consideração alheia e de que tal é proibido por lei(Ac. RP, de 3/2/1988 in CJ, I, 232; Ac. RP de 18/5/1988, in CJ, III, 180 e Ac. RP de 30/11/1988, in CJ,V, 221)não se tornando necessário que o agente atue com o propósito de ofender(Figueiredo Dias, in RLJ, 116º, 133 e 134; Maia Gonçalves, Código Penal Anotado-8º ed., pg.657). A honra é um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior(Comentário Conimbricense do C.Penal, Tomo I, 1999, pg. 607), enquanto a consideração é o património do bom nome, de critério, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspeto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros(Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 2º vol., pg., 317).
Há que verificar se as expressões mencionadas e imputadas se encontram abrangidas pela cláusula de exclusão prevista no artº. 180º nº.2 CP .Refere este preceito legal que a conduta não é punível quando:a)a imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b)o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. Em relação à primeira premissa visa excluir a ilicitude da conduta do agente quando a imputação por si formulada, apesar de ser susceptível de ferir a honra e a consideração do visado, o for na realização de um interesse legítimo no sentido de “interesses públicos legítimos e ainda interesses privados juridicamente protegidos, o mesmo é dizer todos os interesses privados que possam ser objeto de legítima defesa, no primeiro caso se houver uma relação de proximidade entre o agente e o interesse por ele realizado e no segundo se o agente ou alguém muito próximo dele forem o próprio titular do interesse”. O que o legislador quis com a previsão desta justa causa de exclusão da ilicitude do crime de difamação foi prever um princípio de ponderação de interesses, pois, em certos casos quando está em causa um motivo relevante, sério e determinado pela utilidade geral do fim que visa prosseguir, a imputação feita pelo agente, apesar de ser susceptível de ofender a honra e a consideração do visado, não é punível, desde que cumulativamente, se faça prova da verdade da imputação, na parte em que colide com o direito à honra ou que a mesma seja tida, de boa fé, como verdadeira pelo agente.
*
Na acusação particular, o assistente, que é comissário de bordo ao serviço da TAP, desde 2006, alega o seguinte: -no dia 25/3/2016, pelas 9h13m, recebeu um email, cujo emissor é completamente desconhecido do assistente, dirigido para além do assistente a diversas pessoas e entidades, entre elas, a administração e chefias da TAP.-o assunto do email recebido era ”CC Ernesto Ribeiro publica planeamento CAB no Facebook (grupo “41.000 pés”) - comentários incluem ameaças”. O email incluía, apenas, uma seleção quer do planeamento CAB(planeamento de voos de tripulantes de cabine) quer de comentários colocados online no referido grupo denominado “41.000 pés” na rede social Facebook. -acedeu à página do grupo “41.000 pés”( UM grupo secreto e todos os seus membros são chefes de cabine, comissários e assistente de bordo ao serviço da TAP) por intermédio de terceiros já que não fazia parte do referido grupo.-da referida página resultava que no dia 23/3/2016, pelas 23h26m, alguém, a coberto do pseudónimo “Anjo da Guarda” colocara online, no espaço do grupo “41.000 pés”, no Facebook, uma escala e serviço(voos) de um tripulante de cabine, referente ao período entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2014 sem identificar a quem pertencia. -o assistente reconheceu, desde logo, que a escala em causa era a sua e o Anjo da Guarda introduziu à frente dos voos comentários sarcásticos, interpretações abusivas, insinuações que são falsas, referindo-se aos voos do assistente como “incrível”, “memorável”, “faz o que quer”, “seu guloso”, fazendo insinuações sobre a licitude dos voos e até sobre os pagamentos que por eles lhe foram efetuados, referindo, ainda, o que consta no ponto 13º da acusação particular. -com essa declaração o citado “Anjo da Guarda” quis dar a entender que os voos foram obtidos por favor ou compadrio resultante de especiais conhecimentos do assistente com os serviços de planeamento e de escalas da TAP o que é manifestamente falso, incitando os colegas, membros do grupo “41.000 pés”, para que identificassem o assistente.-o arguido JC..., membro do referido grupo, decide dar a conhecer o número de identificação do assistente enquanto trabalhador da TAP nº. 27920.8, pelo que através desta situação a identidade do assistente foi completamente revelada, uma vez que através desse número qualquer trabalhador da TAP tem, de imediato, acesso à identificação da pessoa correspondente ao referido número. -a divulgação do número de identificação do assistente suscitou um conjunto enorme de comentários e teve enorme repercussão transferindo para a esfera do assistente todos os comentários injuriosos e difamatórios proferidos pelos colegas do assistente na página do grupo “41.000 pés”.-se o arguido não tivesse divulgado o número TAP do assistente ninguém conheceria a identidade do assistente.-o arguido ao divulgar o número TAP fê-lo na intenção clara de por em causa a reputação profissional e pessoal do assistente querendo demonstra que os voos realizados pelo assistente foram obtidos por favor ou compadrio, que os voos foram obtidos de forma ilegal bem como os ganhos inerentes a esses voos. -os voos que o assistente realizou resultaram do planeamento das chefias ou de trocas com outros colegas no cumprimento das normas legais aplicáveis e de forma a viabilizar essas trocas o assistente abdicou sempre do recebimento de horas extras, não existindo qualquer tipo de fraude ou esquema de corrupção ou conivência coma s chefias.
*
No requerimento de abertura de instrução, o arguido alega, em síntese, o seguinte:-o arguido é estranho à publicação feita pelo grupo “41.000 pés” e desconhece quem é o “Anjo da Guarda”, não foi o autor do texto constante do artº. 13º da acusação, não efetuou qualquer publicação no grupo “41.000 pés”, limitou-se a comentar a informação do “Anjo da Guarda”” sendo uma mera crítica a um comportamento que, dada a forma como foi descrita, se afigurava preferencial relativamente aos restantes colaboradores, nunca tendo imputado factos suscetíveis de ofender a honra ou a consideração do assistente.-no comentário do “Anjo da Guarda”, cujo texto consta do artº. 13º da acusação, este incita os membros do grupo a identificarem o assistente e diz ”…vou dar pistas, passa a vida nos quartos(para não gastar). Quer tirar um PLA sem recurso acredito…vejam o voo a voo Portal Dov-Escalas voos e tripulações –está lá tudo”.-qualquer tripulante que atentasse no Portal DOV onde constava o número de voos e tripulações imediatamente saberia que era o assistente o visado pelo “Anjo da Guarda”.-mesmo antes do arguido ter indicado, apenas, o número do assistente a sua identidade, já, era do conhecimento de colegas e tripulantes.
*
Vejamos.Na informação prestada pelo “Anjo da Guarda” – fls. 30 (transcrito no ponto 13º da acusação), cuja identidade se desconhece, o mesmo chama a atenção do grupo “41.000 pés” para um “artista” que “…em 32 meses fez um total de 96 estadias e 13 night stops.
Dá para imaginar a fortuna que amealhou… vejam o voo a voo Portal DOV-Escalas voos e tripulações – está lá tudo”.Como alegou o arguido, qualquer tripulante que acedesse no Portal DOV, onde constava o número de voos e tripulações, imediatamente, saberia que era o assistente o visado pelo “Anjo da Guarda”. Ainda antes de o arguido dar o número do assistente, NM... arrisca o nome “É um tal D...?????” – fls. 31 .E, posteriormente, o arguido dá a conhecer o número de identificação do assistente enquanto trabalhador da TAP nº. 27... revelando a identidade do assistente – fls. 32.O assistente não nega que efetuou em 32 meses fez um total de 96 estadias e 13 night stops. O que o assistente alega é que os voos que realizou resultaram do planeamento das chefias ou de trocas com outros colegas no cumprimento das normas legais aplicáveis e de forma a viabilizar essas trocas o assistente abdicou sempre do recebimento de horas extras, não existindo qualquer tipo de fraude ou esquema de corrupção ou conivência com as chefias.Não se vislumbra que o arguido tivesse assumido como suas as acusações feitas pelo “Anjo da Guarda” difamando o assistente como este veio alegar na acusação particular.Na verdade, atento ao teor do comentário de fls. 31, o arguido, apenas, exerceu os seu direito de crítica perante uma situação dada a conhecer dizendo que “…é escandaloso, vergonhoso…que estas situações possam ocorrer com conivência de responsáveis pela gestão direta da empresa. Sim porque o serviço de escalas e planeamento são órgãos de gestão direta…” Não existem, assim, indícios de que o arguido tenha imputado quaisquer factos suscetíveis de ofender a honra ou a consideração do assistente.O comentário que o arguido(fls. 31) fez à informação dada pelo “Anjo da Guarda” é, como alega, uma mera crítica a um comportamento que, dada a forma como foi descrita, se afigurava preferencial relativamente aos restantes colaboradores.
*
Procedendo à comprovação judicial da decisão de acusação, através, quer da sua aferição jurídica, quer da análise crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos à luz do direito aplicável e para efeito de formulação de um juízo indiciário positivo ou negativo, ter-se-á de concluir que não existem elementos suficientes nos autos que permitam sustentar tal acusação em sede de julgamento. Fazendo um juízo crítico sobre os indícios constantes dos autos terá que se concluir que eles são insuficientes para poder imputar, mesmo nesta fase processual, o cometimento de qualquer dos crimes pelo arguido. Face ao exposto e nos termos do disposto nos artºs. 307º e 308º CPP, decido não pronunciar o arguido JC... pela prática de um crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade previsto e punido pelos artºs. 180º, 181º e 183º CP. Custas a cargo do assistente fixando-se a taxa de justiça em 3UC - artºs. 515º nº.1 a) CPP e 7º nº. 3 RCP. Notifique. Oportunamente, arquive.Processei e reviLisboa, 17 de Novembro de 2017

2. CUMPRE DECIDIR:
Nos termos do artº 286º nº 1 CPP, o fim da instrução é a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Por outras palavras, a lei permite que a actividade pelo Ministério Público durante a fase de inquérito, possa ser controlada através de uma comprovação judicial, sendo tal possibilidade reflexo da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente consagrada (cfr. artº 35°, nº2 da Constituição da República Portuguesa).
No presente caso, veio o arguido com o requerimento de abertura da instrução, pôr em causa os fundamentos da acusação particular que o assistente deduziu contra ele (uma vez findo o inquérito levado a cabo pelo M.P), procurando com essa instrução alcançar um objectivo principal – não ser pronunciado relativamente ao crime de difamação e de injúria com publicidade previstos e punidos respectivamente pelos artºs. 180º, 181º e 183º CP. que o assistente lhe imputou naquela acusação particular (não acompanhada pelo M.P cfr fls 181) e em relação aos quais entende que não foram reunidos indícios suficientes - o que se coaduna com os fins descritos no artº 286º do CPP.Urge então verificar agora se decisão do assistente DS... de acusar o arguido JC..., constitui ou não uma decorrência natural dos factos apurados e dos meios de prova recolhidos no decurso do inquérito.
Nestes termos, a presente instrução está limitada pelo seu objecto que se reconduz à factualidade participada pelo assistente e que se resume em síntese, a saber se a conduta do arguido integra ou não a prática dos ilícitos supra referidos pressupondo pois a resposta a tal questão uma análise da seguinte matéria:
– quando o arguido procedeu à divulgação do número da TAP do Recorrente no Grupo Secreto do 41.000 pés do Facebook transferiu ou não de forma imediata e directa, para a esfera do assistente, todos os comentários proferidos pelos Colegas do Recorrente na página desse o grupo «41.000 pés» do Facebook, relacionados com a publicação da autoria do “Anjo da Guarda” nesse mesmo grupo, efectuada no dia 23.3.2016 imputando-lhe assim nesse momento e de forma directa aqueles comentários e expressões? e são aqueles comentários injuriosos e difamatórios?

No fundo esta questão desdobra-se em 2 outras questões mais concretas:
1) o Arguido fez questão de imputar de forma a direta e clara ao Recorrente as expressões referidas e constantes no grupo «41.000 pés», do Facebook (as quais o assistente reputa serem injuriosas e atentarem gravemente contra a honra, o bom nome e a sua consideração profissional e humana) quando comentou a publicação do dia 23.3.2016 e quando revelou a sua identificação dando a conhecer o número da TAP do assistente, no referido grupo de Facebook?

3) Isto é, na altura da divulgação do número de profissional da TAP do assistente, feita pelo arguido no referido Grupo secreto do Facebook foi directamente difamado o bom nome, pessoal e profissional, do recorrente, provocando a actuação do arguido, um forte sentimento de desgosto e humilhação ao assistente?.

Em resumo, pretende-se que se afira da existência ou não de indícios da prática dos ilícitos supra mencionados, imputados ao arguido pelo assistente, de acordo com os factos descritos na acusação particular por este deduzida, os quais foram objecto de investigação em sede de inquérito e de instrução e se conclua portanto se é correcta e legítima a decisão da Srª JIC (subjacente à decisão de não pronúncia) no sentido de inexistir a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada uma pena ao arguido.
Dispõe o artº 308º nº 1 do Cód. Processo Penal que se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos respectivos factos, caso contrário, profere despacho de não-pronúncia.
Resulta por outro lado do artº 283º nº 2 do cód. procº penal, para onde remete o artº 308º nº 2 do mesmo diploma legal, que os indícios são suficientes sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança.O despacho de não pronúncia deverá ser proferido sempre que, perante o material probatório constante dos autos, não se indicie que o arguido, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, sendo tal probabilidade um pressuposto indispensável da submissão do feito a julgamento - v. G. Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1994, 205-. Para ser proferido despacho de pronúncia embora não seja preciso uma certeza da infracção é necessário que os factos indiciários sejam suficientes e bastantes, para que logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpa do arguido.

****
Importa assim aferir se nestes autos, se indicia a prática de factos pelo arguido susceptíveis de integrar o preenchimento da tipicidade objectiva e subjectiva dos ilícitos que o assistente lhe imputa.
Vejamos então em que consistiu a publicação em causa e quais as suas consequências.

Nos presentes autos está em causa o conteúdo de uma publicação feita no dia 23.3.2016 no grupo secreto do Facebook “41.000 pés” (composto à data por 733 membros todos eles assumindo-se como chefes de cabine, comissários e outros tripulantes de bordo ao serviço da TAP).
Essa publicação, dava a conhecer aos membros desse grupo secreto do FaceBooK uma escala de serviço (voos) de um tripulante de cabine referente ao período entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2014 sem identificar a quem pertencia essa escala, mas acrescentando à frente de muitos desses voos comentários sarcásticos, interpretações e insinuações, nomeadamente referindo-se aos voos do Recorrente como «incrível», «memorável», «faz o que quer», «seu guloso» e outros epítetos semelhantes, fazendo insinuações sobre a licitude dos voos que fez e até sobre os pagamentos que por eles lhe foram efetuados (cf. documento 2 junto com a participação crime).

Analisemos agora a referida publicação feita na página do referido grupo do Facebook “41.000 pés” no dia 23.3.2016, onde alguém que se denomina como «Anjo da Guarda», veio colocar a escala de voos do assistente, que a seguir se transcreve:
«Nesta bela lista descritiva de Janeiro de 2012 a Agosto de 2014 existe um denominador comum. Quem é o artista que fez todos estes voos? Quem é Mangolé? Vamos puxar por essas cabecinhas. Vou-me ficar por aqui que isto está a dar nojo. Este artista em apenas 32 meses fez um total de 96 estadias e 13 night stops. Dá para imaginar a fortuna que amealhou. Isto sem falar nas majorações, perdiem, ajudas de custo e qualidade de linha. Onde ele trabalha existe uma lista que tem direito a menu a Ia carte, voo, data et Voilá "PN ok para voar". Depois dizem que ninguém sabia, agora ninguém sabe nada e toda a gente anda muito preocupada com estas práticas discriminatórias.
Mas voltando ao Boca Doce, 96 estadias que fez em 32 meses, 70 são CCS (dos quais 8 são nightstops). Por aqui podem ter uma ideia da conta bancária deste artista. Tudo para safar a empresa, só isso, mais nada. Por amor à camisola. Vou dar umas pistas passa a vida nos quartos (para não gastar). Quer tirar um PLA sem recurso ao crédito. Quem é o Boca Doce?
Para finalizar e para quem tinha dúvidas desta pouca vergonha, desta desigualdade, deste tipo de práticas. Sugiro que com paciência vejam voo a voo. Portal Dov — Escala-voos e tripulações- está lá tudo. Deixo aqui os voos as datas, e só irem ver.
P.S. Vampiro se precisares que te avive essa cabecinha de alho xoxo, apita.
O próximo quis será sobre o milagre da multiplicação, que só Santa Teresa de Odivelas sabe como é.
Até a próxima rapaziada. Boa Páscoa» (documento 2, p. 13, junto com a participação crime)

Defende o assistente que com esta publicação e com os comentários que o seu autor adicionou, o já citado «Anjo da Guarda», distorcendo a verdade, quis dar a entender que essa escala de serviços, ou seja, os voos em causa realizados pelo assistente no período em causa, foram obtidos por favor ou compadrio resultante de especiais conhecimentos do Recorrente com os serviços de planeamento e de escalas da TAP, o que segundo o assistente é manifestamente falso.
Mais acrescentou o assistente que todas as publicações efetuadas no grupo «41.000 pés» contra ele, visavam veicular a ideia de que quer os voos que realizou dentro do âmbito do seu planeamento inicial, quer os que realizou por troca com outros colegas, foram obtidos de forma ilegal, bem como os ganhos inerentes a esses mesmos voos, tendo com isso prejudicado os colegas e a própria TAP.
E defende por fim que “o arguido assumiu, claramente, como suas e verdadeiras, as acusações feitas pelo autodenominado «Anjo da Guarda», difamando também, e conscientemente, o Recorrente.Prova de que o Arguido considerou verdadeiras e justas as acusações feitas, anonimamente, ao Recorrente, estando mesmo disposto a dar a cara por elas é, também, a afirmação do Arguido, já depois de ter revelado o número Tap do Recorrente: «isto tem que ser divulgado sem medos», diz! (Cf. documento n2 2, p. 15 junto com a participação crime).

Ora o assistente sustenta ser falso e injurioso o conteúdo da referida publicação, porquanto:
- todos os voos que executou, ao longo dos dez anos que leva ao serviço da TAP, ou resultaram do planeamento das chefias da TAP ou de trocas com outros colegas, tudo sempre no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis.(...) muitas das trocas referidas e descritas na escala de voos do Recorrente resultaram de solicitações de colegas;
- grande parte dessas trocas foi executada nos voos com destino a Caracas, na Venezuela, país que na época se caracterizava por um grau elevadíssimo de violência, onde existia sempre uma enorme instabilidade política e social, o que fazia com que muitos colegas do Recorrente, e principalmente colegas do sexo feminino, tivessem receio de viajar para esse destino.(...) É manifesto que esses voos foram pagos ao Recorrente, mas ao contrário do que quer fazer crer o denominado «Anjo da Guarda» com a caluniosa perseguição que tem movido contra o Recorrente, bem como o Arguido ao divulgar a sua identidade, a TAP não ficou defraudada por isso;
- os valores que foram pagos ao Recorrente teriam sido pagos do mesmo modo e no mesmo montante à colega ou ao colega que tivesse efetuado o voo, tal como o montante do voo que inicialmente fora atribuído ao Recorrente foi pago ao colega que quis trocar com o Recorrente;
- de forma a viabilizar essas trocas, o Recorrente abdicou sempre do recebimento de horas extra e, mesmo quando abdicou das folgas, nunca o trabalho realizado foi pago a dobrar.
Em resumo defende que não houve, qualquer tipo de fraude ou esquema de corrupção, nem qualquer tipo de conivência do Recorrente com as chefias de planeamento dos voos.
Conclui ainda que todo o comportamento do autor da publicação no referido grupo secreto do Facebook e do arguido JC... ao identificar expressamente o assistente como sendo o visado por essa publicação visaram denegrir a imagem dele perante os demais colegas e colocaram em causa a honra e consideração do recorrente que ficou profundamente indignado com a calúnia de que estava a ser alvo.
Referiu nomeadamente que após ter sido idenficado como o visado naquela publicação, “houve membros do referido grupo «41.000 pés» que dizem ter ficado em estado de choque, enojados, escandalizados com o comportamento do recorrente; outros que o acharam vergonhoso ou escandaloso; outros que optaram por piadas jocosas, através de palavras ou de desrespeitosos símbolos de sentimentos; houve quem entendesse a escala dos voos do Recorrente como crime laborai, com direito a queixas à administração e à polícia e, outros ainda, sugeriram que se desse uma lição ao Recorrente, resolvendo a questão à pancada (cfr. documento n2 2, pp. 14, 15, 16, 17, 18, 20, 21 e outras, juntos com a participação crime).
E que se o arguido não tivesse divulgado o número Tap do recorrente, ninguém conheceria, de modo inequívoco e claro, a identidade do recorrente.
Que o arguido ao proceder à divulgação do número TAP do Recorrente transferiu de forma imediata e directa, para a esfera do Recorrente, todos os comentários injuriosos e difamatórios proferidos pelos Colegas do Recorrente na página do grupo «41.000 pés» do Facebook, imputando-lhes assim os mesmos.
Com a divulgação do número TAP do Recorrente pelo aqui Arguido foi efetiva e directamente difamado o bom nome, pessoal e profissional, do Recorrente, provocando-lhe um forte sentimento de desgosto e humilhação.
As expressões referidas e constantes no grupo «41.000 pés», no Facebook, as quais o Arguido fez questão de imputar de forma a direta e clara ao Recorrente ao revelar a sua identificação, são injuriosas e atentam gravemente contra a honra, o bom nome e a consideração profissional e humana do recorrente.

Pede pois a revogação da decisão instrutória de não pronúncia e a sua substituição por uma outra decisão que pronuncie o arguido pelos ilícitos referidos na acusação particular, porquanto com o comportamento e os factos atrás descritos, o arguido por meio de sistema informático, praticou um crime de difamação e injúria com publicidade, punido e previsto pelos artigos 180º, 181º e 183º do Código Penal.

Por sua vez o arguido veio defender no seu requerimento de abertura de instrução que desconhece quem seja o “Anjo da Guarda” e é estranho à referida publicação de 23.3.2016, sendo aliás que o próprio assistente/recorrente quem alega que o autor dessa publicação se trata de pessoa não identificada cfr artigo 3º e 10º das sua motivação de recurso.
O arguido assume apenas ter feito um comentário a essa publicação onde manifestou o seu repúdio a uma eventual situação de favorecimento e uma crítica a uma situação que, dada a forma como foi descrita, se afigurava evidenciar ter sido dado um tratamento preferencial ao assistente nas suas funções profissionais relativamente aos restantes tripulantes, no que respeita à organização das escalas de voo.
Mais reitera ser absolutamente falso que o recorrido ter assumido como suas as afirmações contidas nessa publicação da autoria do “Anjo da Guarda”.
Acresce que ao invés do que o assistente alega no seu recurso, não foi devido ao facto do recorrido ter indicado o número profissional do assistente no referido grupo secreto do Facebook de que era membro, que se chegou à identidade da pessoa visada nessa publicação, isto é que se chegou à identificação do assistente.
Segundo o arguido, mesmo que não tivesse publicado o número profissional do assistente qualquer tripulante que consultasse o portal da empresa e cruzasse as tripulações com o número de estadias, o período das mesmas e os night stops referidas no artigo 13º da motivação de recurso, entre Janeiro de 2012 e Agosto de 2014, poderia constatar que o visado na referida publicação era o assistente, como aliás sucedeu com o próprio assistente – que reconheceu de imediato tratar-se da sua escala facto mencionado no artº 11º da motivação de recurso – e para além do mais a identidade do assistente já havia sido revelada antes do arguido ora recorrido ter indicado o seu número profissional – conforme é dito expressamente no artigo 17º da sua motivação de recurso.
Por isso, ao invés do que o assistente alega no recurso, não foi devido ao facto do recorrido ter indicado o número profissional do assistente no referido grupo secreto do Facebook que se apurou quem era o recorrente, isto é que se chegou à identificação deste.
Aliás é o próprio assistente quem chama a atenção no ponto 15º do seu recurso, para o facto de ter sido o próprio “Anjo da Guarda” que incitou os colegas membros do referido grupo « 41.000 pés» para que identificassem o destinatário da crítica veiculada na referida publicação, tendo para tanto indicado o número de estadias, o período das mesmas, a duração e os nightstops das escalas de serviço (voos) do tripulante de cabine visado nessa publicação, sendo apenas o nome o único elemento que não é expressamente mencionado.

No respeitante à posição do M.P na 1ª instância, já vimos que o mesmo não acompanhou a acusação particular deduzida pelo assistente e posteriormente em sede de debate instrutório, defendeu a não pronúncia do arguido tal como ficou exarado em acta – posição esta reiterada na sua resposta ao recurso.
Em resumo, o objecto deste recurso consiste em saber se a conduta do arguido ao divulgar o número da TaP do assistente e ao comentar a publicação supra mencionada incorreu ou não na prática dos referidos crimes que lhe foram imputados pelo assistente.

Quid Juris?
Vejamos.
Estatui-se no artº 180º do C.P que comete o crime de difamação: “Quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo ofensivos da sua honra ou consideração ou reproduzir uma tal imputação ou juízo…”
Por sua vez o artº. 181º CP refere que quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra e consideração é punido(…). O elemento distintivo entre a difamação e a injúria consiste na imputação de factos concretos e determinados que sejam ofensivos da honra e consideração do ofendido perante terceiros e sem a presença do ofendido, no caso da difamação, ou a mesma conduta perante o ofendido, no caso da injúria.
Assim se vê que o tipo objectivo do crime nestas duas situações consiste em o agente, imputar a determinada pessoa, factos ou juízos de valor, através de palavras de gestos, imagens ou de qualquer outro meio de expressão, ofensivos da honra e consideração dessa mesma pessoa.
E a diferença que existe entre difamação e injúria, resulta como acima ficou dito do facto de na Injúria o agente do crime se dirigir directamente à pessoa que visa atingir e na difamação atingir a vítima através de terceiros.
Quanto ao tipo subjectivo, basta para haver dolo que o agente que pratica voluntariamente a acção tenha consciência da capacidade ofensiva das palavras que profere e o queira fazer, bem sabendo proibida por lei a sua conduta. É hoje pacífico na jurisprudência e na doutrina que tanto o crime de difamação como o de injúria são crimes dolosos, e que o “animus injuriandi, vel diffamandi” ou fim específico de ofender a honra ou consideração de terceiro não integra o tipo subjectivo deste crime ( v.g. Ac. da R.C. de 3.10.84 in B.M.J. 340º, 477, e Ac. R.P. de 24.10.84 in C.J. IX,4,251, Ac do S.T.J de 1.7.87 in B.M.J 369º,593, e Ac. da R.P de 3.2.88 in C.J 88, T1, 232).
Finalmente entendemos com Augusto da Silva Dias, in “Alguns aspectos jurídicos dos crimes de difamação e injúrias”, que o crime de difamação bem como o de injúrias são crimes de resultado, funcionando a compreensão do destinatário como momento da sua consumação.
Isto é, a emissão de vocábulos objectivamente adequados para desacreditar outrém e que são compreendidos pelo seu destinatário, tem de violar efectivamente e não apenas de colocar em perigo a pretensão de respeito que decorre de um objecto ideal - a dignidade da pessoa humana.
E a interpretação deste ponto de vista, requer uma análise cuidada do significado social das expressões que em cada caso são proferidas, tendo em conta o conjunto das circunstâncias internas e externas, nomeadamente o grau de cultura do sujeitos intervenientes, a sua posição social, as valorações do meio e os objectivos reconhecíveis das diferentes afirmações.
Por outras palavras, para poder ajuizar em concreto se determinadas expressões são ou não ofensivas para a honra ou consideração social, é importante para o Tribunal conhecer as condições ambientais, a classe social do ofendido e ofensor, o seu grau de educação e instrução, o seu relacionamento, os laços de parentesco, o grau de confiança, os hábitos de linguagem, a formação moral, etc (neste sentido veja-se Ac. da Relação do Porto de 30.11.88 in C.J. 88, TV, 221).
O direito de expressão “tout court” emerge da incontrolável liberdade de pensar, a qual mais do que tutelada é inerente à própria condição humana, particularmente ínsita nos estudos de Kant (“Cogito ergum sum”).
A honra tem a ver com a integridade moral de cada um, refere-se à probidade, ao carácter, rectidão, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral.
A consideração refere-se à reputação social, ao nome, ao crédito e confiança adquiridos, ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social (veja-se quanto a estes conceitos a R.L.J ano 60 e o Ac. da Relação de Lisboa de 16.2.93 in C.J.,93,T.I, 159).
Assim para apurar se as expressões proferidas pelo agente são ofensivas da honra ou consideração da pessoa visada, importa averiguar em cada caso concreto se a imputação é objectivamente difamatória ou injuriosa face aos padrões médios da valoração social, e não em função da sensibilidade ou susceptibilidade pessoal.Já escrevia Beleza dos Santos, in “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúrias” na RLJ, ano 92, pag.165 e 166 : “Aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem ) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora como é a pena”.
Não deve pois considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrém tudo aquilo que o queixoso entende que o atinge, de certos pontos de vista, mas sim apenas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores.
Por tudo isto que acima ficou dito, se vê que a mesma imputação de factos ou juízos de valor pode ser ofensiva em certas circunstâncias mas verdadeiramente inócua em outros cenários e com outros protagonistas, podendo traduzir uma falta de educação ou um exagero da linguagem mas não consubstanciar um comportamento violador de bens penalmente tutelados e por isso não merecer uma censura jurídica criminal - em obediência ao princípio da mínima intervenção do direito penal segundo o qual as sanções penais surgem como última ratio e só deverá recorrer-se a elas para tutelar os bens jurídicos mais importantes e fazer frente aos ataques mais graves a esses bens.
Nesta linha de pensamento, cremos ser defensável que mesmo que que o ora queixoso e assistente se pudesse ter sentido ofendido e ferido na sua susceptibilidade pessoal com as insinuações e expressões utilizadas na publicação on line do dia 23.3.2016, a verdade é que sentimentos e emoções ou a estima que os indivíduos têm por si próprios, não podem ser objecto de tutela de um direito penal racional e por isso não deve ser valorada aqui o sentimento individual (ou honra subjectiva).
No sentido de que não comete o crime de difamação, o arguido que em audiência e para esclarecer o Tribunal, acusa o queixoso e assistente da prática de um crime de furto, veja-se o Ac. da Relação do Porto de 2.12.93 in C.J 93, TV, 264).
E como melhor explicaremos adiante, a nossa conclusão final sobre a não responsabilização criminal do arguido neste caso concreto, irá assentar em fundamentos que não se prendem directamente com a análise do conteúdo das expressões utilizadas na referida publicação on line acima transcrita, no sentido de apurar se as mesmas são ou não efectivamente lesivas do bom nome e da honra do assistente.
Com efeito, desde já podemos adiantar que tendo em conta os elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente o conteúdo dos documentos e os depoimentos que foram prestados em sede de inquérito, bem como o contexto em que as expressões alegadamente ofensivas, constantes da referida publicação foram redigidas, consideramos que fazendo um juízo de prognose, se afigura como mais provável a absolvição do arguido em julgamento do que a sua condenação por atribuição de responsabilidade criminal pela autoria dessas mesmas expressões.
Concordamos assim inteiramente com a leitura de todos os meios de prova que foi feita pela Srª JIC e com a conclusão que deles retirou de não se mostrar indiciáriamente demonstrado que a conduta do arguido integrasse objectiva e subjectivamente o crime de difamação ou de injuria com publicidade que lhe foram imputados pelo assistente, em relação ao quais não foram pois apurados em sede de instrução, suficientes e fortes indícios necessários para suportar uma decisão instrutória de pronúncia.
Desde logo porque da acusação particular (que delimita o objecto do processo) não constam todos os factos necessários para ser possível imputar a responsabilidade criminal ao arguido quanto às expressões constantes daquela pulicação, não obstante o assistente reputar as mesmas como sendo claramente ofensivos para a sua imagem de comissário de bordo ao serviço da TAP desde 2006.
É que antes de entrarmos na análise do conteúdo dessas expressões em ordem a saber se as mesmas poderiam ou não ser censuradas penalmente por serem éticamente reprováveis e ofensivas para o bom nome do assistente (nos termos supra referidos pelo próprio e ponderando os ensinamentos da doutrina nesta matéria já mencionados) importava que a acusação contivesse factos que claramente delimitassem a imputação dessas expressões ao arguido, em ordem a poder configurar uma autoria nos termos do artº 26º do C.P e consequentemente equacionar uma possível responsabilidade penal do arguido, o que a acusação não faz.
Consideramos por isso importante e deveras relevante o que claramente ficou dito na decisão recorrida e aqui se sublinha:
“Não existem, assim, indícios de que o arguido tenha imputado quaisquer factos suscetíveis de ofender a honra ou a consideração do assistente.(...)
Procedendo à comprovação judicial da decisão de acusação, através, quer da sua aferição jurídica, quer da análise crítica de todos os elementos probatórios constantes dos autos à luz do direito aplicável e para efeito de formulação de um juízo indiciário positivo ou negativo, ter-se-á de concluir que não existem elementos suficientes nos autos que permitam sustentar tal acusação em sede de julgamento.
Fazendo um juízo crítico sobre os indícios constantes dos autos terá que se concluir que eles são insuficientes para poder imputar, mesmo nesta fase processual, o cometimento de qualquer dos crimes pelo arguido.(...)”
Não podíamos estar mais de acordo.
Na verdade, não resulta dos autos, isto é da acusação particular deduzida pelo assistente e ora recorrente que aí tenha sido alegado ser o arguido o único ou principal responsável pelo conteúdo daquela pulicação e pelas imputações que nela são feitas ao assistente, pelo que tal facto ficou por demonstrar.
Posto isso, resulta claro, pelas razões de facto e de direito acima enunciadas, que relativamente à matéria de facto descrita na acusação particular da assistente, não é possível em nosso entender formular nenhum juízo de censura penal ao arguido JC... não resultando dos autos indícios suficientes que lhe permitam imputar objectiva e subjectivamente, a prática de um crime de difamaçãp p.p no artº 180º do C.P ou de um crime de injúria com publicidade p.p no artº 181º e artº 183º do C.P.
Nesta medida temos forçosamente que concluir, tal como fez o Tribunal recorrido, pela não punibilidade da conduta do arguido, sendo altamente provável repete-se, que se fosse sujeito a julgamento, viria a ser absolvido.
Admite-se que o facto de o arguido ter divulgado o nº de profissional da TAP do assistente num grupo secreto do FaceBook, contra a vontade do titular desse número e sem ser por essse titular autorizado, possa quanto muito vir a ser alvo de censura a nível disciplinar, num plano interno da TAP.
Mas mas tal actuação está longe de poder integrar os elementos objectivos dos tipos de ilícito que o assistente lhe imputou na sua acusação particular (tipo objectivo) e também não foram reunidos quaisquer indícios de que o arguido ao agir desta forma quisesse de alguma forma ofender ou denegrir o bom nome e a honra/consideração do assistente e agisse com consciência dessa aptidão dos seus actos para a lesão da honra do assistente (tipo subjectivo).
Por isso, independentemente da conclusão que possamos retirar da discussão acerca do conteúdo da publicação (feita no Facebook no âmbito de um grupo secreto de acesso restrito, no dia 23.3.2016 ) quanto a saber se o mesmo é ou não ofensivo para o bom nome e imagem do assistente, a verdade é que resulta de toda a prova recolhida em sede de inquérito, não restando dúvidas nesta matéria, de que o arguido não foi o autor dessa publicação, nem assumiu como suas as acusações e insinuações que constam daquela publicação de 23.3.2016.
Dos indícios de prova indiciáriamente recolhidos nos autos, apenas dois actos é possível imputar ao arguido:
1) O arguido fez on line no âmbito do mencionado grupo secreto do Facebook um comentário sobre a referida publicação (comentário esse junto a fls 31 dos autos) sendo que o objecto do seu comentário incide tão só sobre o serviço de escalas e planeamento que na altura vigorava na TAP, isto é, sobre a forma como estava a ser gerida essa concreta função de organização das escalas dos voos, para a critricar mas não se dirigiu à pessoa em concreto que é visada na publicação (o assistente), para o vexar ou denegrir de alguma forma.
Assim concorda-se inteiramente com a apreciação que ficou feita na decisão recorrida a qual se revela acertada por ser consentânea com toda a prova indiciária produzida: “Na verdade, atento ao teor do comentário de fls. 31, o arguido, apenas, exerceu os seu direito de crítica perante uma situação dada a conhecer dizendo que “…é escandaloso, vergonhoso…que estas situações possam ocorrer com conivência de responsáveis pela gestão direta da empresa. Sim porque o serviço de escalas e planeamento são órgãos de gestão direta…” Não existem, assim, indícios de que o arguido tenha imputado quaisquer factos suscetíveis de ofender a honra ou a consideração do assistente.O comentário que o arguido (fls. 31) fez à informação dada pelo “Anjo da Guarda” é, como alega, uma mera crítica a um comportamento que, dada a forma como foi descrita, se afigurava preferencial relativamente aos restantes colaboradores.

2) o arguido deu a conhecer, no referido grupo secreto do Facebook o número profissional do assistente enquanto trabalhador da TAP revelando assim a identidade deste (cfr fls 32) logo que se apercebeu que a escala dos voos a que se fazia referência na publicação acima referida do dia 23.3.2016, respeitava à pessoa do assistente, respondendo desta forma a uma solitação expressa do autor dessa publicação, no sentido de os membros do referido grupo descobrirem de quem se tratava.
Por isso, importa também sublinhar aqui quanto a este segundo acto, dois aspectos:
1) – no referido grupo secreto do Facebook o arguido não foi o único a perceber qual era a identidade da pessoa visada na publicação do dia 23.3.2016.Com efeito, tal como consta da decisão recorrida:
Na informação prestada pelo “Anjo da Guarda” – fls. 30 (transcrito no ponto 13º da acusação), cuja identidade se desconhece, o mesmo chama a atenção do grupo “41.000 pés” para um “artista” que “…em 32 meses fez um total de 96 estadias e 13 night stops.
Dá para imaginar a fortuna que amealhou… vejam o voo a voo Portal DOV-Escalas voos e tripulações – está lá tudo”.Como alegou o arguido, qualquer tripulante que acedesse no Portal DOV, onde constava o número de voos e tripulações, imediatamente, saberia que era o assistente o visado pelo “Anjo da Guarda”.Ainda antes de o arguido dar o número do assistente, Nadine Morgado arrisca o nome “É um tal Davis?????” – fls. 31 .E (só posteriormente), o arguido dá a conhecer o número de identificação do assistente enquanto trabalhador da TAP nº. 27920.8 revelando a identidade do assistente – fls. 32.

2) Por outro lado, é perfeitamente defensável e legítimo, considerar que o facto de o arguido ter trazido à colação o número de identificação profissional do assistente, na discussão que se gerou no referido grupo secreto do Facebook sobre a publicação do artigo datada do dia 23.3.2016, tornando assim clara a identidade da pessoa visada por aquele artigo, não “criou” ou fez nascer “a carga ofensiva” que o assistente atribuiu ao conteúdo daquela publicação...antes pelo contrário, ao tornar clara essa identidade, o arguido estava até a permitir que o assistente pudesse vir defender-se das irregularidades e “tratamento preferencial” nas escalas dos voos, que o autor daquele artigo (que se auto intitulou Anjo da Guarda) lhe imputava, em vez de deixar em aberto aquelas “insinuações” e “críticas mordazes” sem menção directa do nome do visado, as quais como se sabe, são quantas vezes muito mais gravosas e perniciosas para a imagem e bom de nome do destinatário respectivo, como se sabe...
Daí que o facto de o arguido ter dado a conhecer esse número profissional do asistente, não pode nem de longe nem de perto, ser considerado um facto susceptível de o fazer incorrer em responsabilidade penal pela prática de um crime contra a honra, nos termos referidos pelo recorrente, não podendo nós esquecer o princípio da mínima intervenção do Direito Penal, que só deve ser aplicado para sancionar as condutas mais gravosas daqueles que infringem as regras da vida em sociedade como já acima ficou dito.
Tal como bem ficou salientado na decisão recorrida: “O assistente não nega que efetuou em 32 meses fez um total de 96 estadias e 13 night stops.
O que o assistente alega é que os voos que realizou resultaram do planeamento das chefias ou de trocas com outros colegas no cumprimento das normas legais aplicáveis e de forma a viabilizar essas trocas o assistente abdicou sempre do recebimento de horas extras, não existindo qualquer tipo de fraude ou esquema de corrupção ou conivência com as chefias.Não se vislumbra que o arguido tivesse assumido como suas as acusações feitas pelo “Anjo da Guarda” difamando o assistente como este veio alegar na acusação particular.

Assim sendo, não resultando dos autos indícios suficientes e bastantes para justificar a submissão do arguido a julgamento pela prática do crime de difamação e de um crime de injúria com publicidade p.p respectivamente nos artigos 180º, 181º e 183º do C.P que lhe foram imputados pelo assistente, decide-se julgar integralmente não provido o recurso deste último, mantendo-se na integra a decisão instrutória de não pronúncia.

IV- DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em :
a) Julgar não provido o recurso interposto pelo assistente DS..., e consequentemente manter inalterada nos termos e pelos fundamentos supra expostos a decisão recorrida de não pronúncia do arguido JC....
b) Custas pelo assistente recorrente, fixando-se em 3 UCs a Taxa de Justiça devida.
*
Lisboa, 25 de Julho de 2018
Processado e revisto pela relatora (artº 94º, nº 2 do CPP)

Ana Paula Grandvaux Barbosa

Maria da Conceição Gonçalves