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SUSPEIÇÃO
PARTICIPAÇÃO CRIMINAL
ADVOGADO
MÁ-FÉ
Sumário
1. A existência de um processo criminal com origem em queixa-crime apresentada pela Juíza contra o Advogado pelos crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, n.º 1 e 2, do C. Penal e de difamação caluniosa agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) e 184.º, do C. Penal, relativos a mandato noutro processo é insuscetível de recondução ao conceito de “inimizade grave”, relevante para efeitos de suspeição, previsto no art.º 120.º, n.º 1, al. g), do C. P. Civil. 2. A haver “inimizade grave” essa dirigir-se-ia do Mandatário para a Juíza, não constituindo “…motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a … imparcialidade” da Juíza, configurando-se a sua invocação, por parte do mesmo Mandatário, como a utilização de um ato da sua própria autoria (eventuais ilícitos criminais) em proveito próprio (afastamento da Juíza do processo). 3. Constitui litigância de má-fé, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 542.º, do C.P. Civil, als. a) e d) - (a)- pretensão … cuja falta de fundamento não devia ignorar- e/ou d) - Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal – a conduta da parte que junta substabelecimento a advogado nestas circunstâncias, tendo em vista o afastamento da Juíza da decisão do processo com a invocação de suspeição. 4. O Advogado que junta o substabelecimento e subscreve o requerimento de suspeição, não podendo desconhecer que os fatos constantes dos autos não permitiam atribuir à Juíza a imputação de falta de imparcialidade que lhe é feita, é suscetível de incorrer nas sanções previstas no art.º 545.º, do C. P. Civil, a ponderar pelos órgãos próprios da Ordem dos Advogados.
Texto Integral
Rita …, requerente no processo principal, apresenta este pedido de suspeição contra a Exm.ª Juíza Titular do processo, dizendo que na conferência de 16 de maio de 2018 a Exm.ª Juíza ditou para a ata que tinha pendente queixa-crime contra o seu mandatário, com debate instrutório agendado para o dia 22 de maio e tendo dado a palavra aos mandatários pelo Mandatário da requerente foi dito que existe no Tribunal da Relação um outro processo-crime onde é queixosa uma sua outra constituinte e uma participação sua contra a Exm.ª Juíza, por denúncia caluniosa, requerendo a declaração de impedimento da Exm.ª Juíza para prosseguir com o processo.
Acresce que no P.º n.º 1551/12.0TMLSB-A a Exm.ª Juíza declarou pedir escusa pelo fato de os requerentes estarem representados pelo Mandatário nestes autos, contra o qual tinha apresentado queixa-crime.
A Exm.ª Juíza terá, pois, grande inimizade contra o Mandatário da requerente, sendo esta situação de conflito latente que leva a requente a pedir a sua suspeição, por ocorrer motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, por estarem reunidos os pressupostos do art.º 120.º, n.º 1, al. a), do C. P. Civil.
Sobre este requerimento declarou o requerido que, sendo conhecedor de que a sua presença nos autos poderia suscitar parcialidade, deveria o Exm.º Mandatário da requerente ter recusado o patrocínio e que ao aparecer num processo em que já se encontra a Exm.ª Juíza “Mostra-se que a junção aos presentes autos da procuração passada a ilustre advogado que tem animosidade para com a Senhora Magistrada do processo visou apenas provocar um incidente e atraso na decisão de regulação das responsabilidades parentais sub judice, ou mesmo o afastamento da juiz de Direito, o que não deve ser admitido”.
A Exm.ª Juíza Titular apresentou resposta dizendo, em síntese, que o requerimento apresentado não contém fatos concretos dos quais se extraia motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, nunca se tendo declarado impedida, apenas fazendo constar no inicio das diligências a informação da existência de vários processos criminais em curso, para conhecimento dos demais sujeitos processuais, não existindo nem inimizade grave nem grande intimidade para com o Exm.º Advogado, apesar dos processos existentes.
A fls. 69 destes autos foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre o fato aí identificado, a saber, se “Na data de aceitação do substabelecimento de fls. 56, verso, o Exm.º Advogado aceitante sabia que a Juíza Titular do processo era a Exma Juíza recusada, que figura na ata de 16 de maio de 2018 como “Magistrada Judicial”, nada tendo sido requerido.
Conhecendo.
A. MATÉRIA DE FATO.
Com interesse para a decisão do incidente indiciam os autos os seguintes fatos:
1) No dia 15/5/2018 a Advogada da requerente outorgou substabelecimento forense, sem reserva, ao Exm.º Senhor Dr. ... Fernandes, nos termos do escrito de fls. 56, verso, aqui reproduzido.
2) No dia 16/5/2018 foi realizada conferência de pais, na qual participou o Advogado ... Fernandes, como mandatário da requerente.
3) No início dessa diligência a Mm.ª Juíza proferiu o seguinte despacho “Faz-se consignar que a juiz titular dos presentes autos apresentou queixa criminal contra o Exm.º Advogado Dr. ... Fernandes, sendo que tal processo se encontra a decorrer…”.
4) Dada a palavra ao Mandatário da requerente por ele foi declarado que “Existe pendente um processo-crime que foi arquivado pelo M. Público e reaberta a abertura da instrução que tem data agendada. Existe igualmente um processo-crime pendente no Tribunal da Relação de Lisboa onde é queixosa uma constituinte do advogado da requerente e onde a mesma tem junta procuração forense em sua representação. Na sequência da abertura da instrução, o Advogado requerente apresentou e nome pessoal, uma participação no Tribunal da Relação de Lisboa contra a magistrada do processo por denúncia caluniosa, processo que se encontra pendente. Face ao exposto existe na perspetiva do advogado requerente impedimento para que a ilustre magistrada do processo prossiga os seus termos, o que se requer”.
5) O processo referido em 3) e 1.ª parte do n.º 4, supra tem o N.º 6810/16.0T9LSB e a ele respeitam os escritos de fls. 4 a 32 destes autos.
6) Na data de aceitação do substabelecimento de fls. 56, verso, o Exm.º Advogado aceitante sabia que a Juíza Titular do processo era a Exma Juíza recusada, que figura na ata de 16 de maio de 2018 como “Magistrada Judicial”.
7) Com o escrito de fls. 56 e sua junção aos autos a requerente teve em vista o afastamento Mm.ª Juíza Titular da decisão do processo, sabendo que tal lhe não era permitido.
Não se mostra indiciariamente provado que:
a) A Exm.ª Juíza Titular tenha pedido escusa no P. N.º 1551/12.0TMLSB-A.
b) Exista um processo-crime no Tribunal da Relação de Lisboa onde seja queixosa uma constituinte do advogado da requerente e onde se encontre procuração forense em sua representação.
c) O Advogado da requerente tenha apresentado em nome pessoal, uma participação no Tribunal da Relação de Lisboa contra a Exm.ª Juíza por denúncia caluniosa, processo que se encontra pendente.
A nossa convicção relativamente aos fatos indiciariamente provados estruturou-se nos escritos que os suportam, constantes dos autos, interpretados segundo o conhecimento próprio de um “bonus pater famílias” e o instituto consagrado nos art.ºs 349.º e 351.º, do C. P. Civil.
B. O DIREITO APLICÁVEL.
O instituto da suspeição do juiz tem a sua ratio legis no valor da imparcialidade na decisão (art.º 120.º, n.º 1, do C. P. Civil), propondo-se eliminar o desvalor da parcialidade decisória, inquinadora da justiça que se pretende assista a essa decisão.
A requerente estrutura o seu pedido de suspeição no disposto art.º 120.º, n.º 1, do C. P. Civil, segundo a qual “As partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” e mais precisamente no disposto no n.º 1, al. g), do mesmo preceito, - inimizade grave … entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários.
Os atos processuais da Mm.ª Juíza no processo, praticados no exercício do seu múnus de “gestão processual”, consagrado no art.º 6.º, do C. P. Civil, segundo o qual a condução do processo é um poder/dever do Juiz, não permitem qualquer aproximação a esse conceito de “inimizade”.
No exercício desse poder/dever, sobre o juiz incide também o dever de fundamentar as suas decisões (art.º 154.º, do C. P. Civil).
E como resulta da conjugação desse poder/dever com a força vinculativa das decisões do Juiz, a parte que delas discorda pode impugná-las com os meios processuais ao seu dispor (art.º 627.º e sgts., do C. P. Civil).
O que está em causa neste incidente de suspeição não são, pois, os atos judiciais que a Mm.ª Juíza praticou no processo, mas sim, (1) primeiramente, a existência de um processo criminal que teve origem numa queixa-crime apresentada pela Mm.ª Juíza contra um Advogado que exerceu mandato noutro processo, por fatos com esse outro processo relacionados, sendo este mesmo Advogado o mandatário da requerente e (2) em segundo lugar se a aceitação de mandato forense por esse Advogado para este processo se pode repercutir na imparcialidade da Juíza Titular do processo.
Quanto à primeira questão, a existência de um processo criminal com origem em queixa-crime apresentada pela Exm.ª Juíza contra o Advogado por fatos relativos a mandato noutro processo.
Pela análise, necessariamente perfunctória, de fls. 4 a 32, apesar de delas não constar a queixa-crime apresentada pela Exm.ª Juíza, sabemos que a mesma foi dirigida contra o Exm.º Mandatário da requerente e uma sua constituinte, pelos crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365.º, n.º 1 e 2, do C. Penal e de difamação caluniosa agravada, p. e p. pelos art.ºs 180.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, al. b) e 184.º, do C. Penal.
A requerente aduziu também que existe um processo-crime no Tribunal da Relação de Lisboa onde é queixosa uma constituinte do seu Advogado e que este Advogado apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa, em nome pessoal, uma participação contra a Exm.ª Juíza por denúncia caluniosa, mas esses fatos não se encontram indiciariamente provados, como consta sob as alíneas b) e c), supra.
A queixa-crime a considerar é, pois, apenas aquela a que respeitam fls. 4 a 32.
Independentemente da substância de tal queixa-crime, o certo é que a mesma foi determinada por atos imputados ao Exm.º Mandatário da requerente e a uma sua outra constituinte, configurando-se a sua invocação, por parte do mesmo Mandatário, como a utilização de um ato da sua própria autoria (eventuais ilícitos criminais) em proveito próprio (afastamento da juíza do processo).
Ora, esta invocação neste processo é insuscetível de recondução ao conceito de “inimizade grave”, relevante para efeitos de suspeição, previsto no art.º 120.º, n.º 1, al. g), do C. P. Civil.
A haver “inimizade grave” essa dirigir-se-ia do Exm.º Mandatário (a quem é imputada a prática dos atos descritos na queixa-crime) para a Exm.ª Juíza requerida, não constituindo “…motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a … imparcialidade” do juiz, não podendo, por isso, ser por ele invocada como fundamento para o afastamento do juiz, por verosimilhante falta de imparcialidade, sob pena de constituir um autêntico beneficio ao indiciado infrator.
Aliás, a apresentação de queixa-crime constitui exercício de um direito de cidadania não podendo reconduzir-se, só por si, ao conceito de “inimizade”.
Apesar de ter apresentado queixa-crime contra o Exm.º Mandatário da requerente por fatos relativos a um outro processo, a Mm.ª Juíza mantém, pois, as condições de imparcialidade, em substância e em aparência, que são apanágio da função de juiz.
Os cidadãos que recorrem a tribunal não têm o direito de escolha de juiz, tout court, e não têm o direito de pedir o afastamento do Juiz, ainda uma forma de escolha, para além dos casos previstos na lei.
Aportamos, assim, à segunda questão, que acima identificámos, qual seja, a de sabermos se a junção de procuração, com outorga de mandato forense por Advogado contra quem a Juíza Titular do processo tenha apresentado queixa-crime, se pode repercutir na imparcialidade dessa Juíza.
O incidente de suspeição tem os efeitos expeditos previstos nos art.ºs 122.º, n.º 2 e 125.º, n.º 1, do C. P. Civil, fazendo intervir o juiz substituto, que o mesmo é dizer, afastando de imediato o juiz de que se discorda, mas não é o meio adequado para prosseguir tal escopo, com a invocação de uma queixa-crime anterior.
Se a existência dessa queixa-crime anterior for de tal modo que a ela se possa associar, verosimilhantemente, o conceito de “inimizade” entre os intervenientes, as respetivas inferências processuais devem ser, primeiramente, extraídas pelo interveniente que também primeiramente se tenha confrontado com a situação em que possa ser relevante uma tal inimizade.
Ajuizando uma situação de inimizade com a Exm.ª Juíza Titular do processo em que iria cumprir o mandata forense, pela existência de queixa-crime anterior, deveria o Exm.º Mandatário ter declinado o substabelecimento.
É que, como refere o requerido, “Não é a Senhora Magistrada que aparece num processo em que o…ilustre Advogado é mandatário mas o contrário”.
O fato de ter sido a Exm.ª Juíza a exarar despacho informativo dando conta da existência de processo criminal anterior não inverte os termos da proposição anterior.
Se entendia que a pendência de processo criminal contra si podia gerar “inimizade” na Exm.ª Juíza, não deveria o Exm.º Advogado aceitar o mandato.
Nos autos não se vislumbram, pois, quaisquer circunstâncias, de natureza objetiva ou subjetiva, suscetíveis de alicerçar um juízo de desconfiança sobre a imparcialidade da Exm.ª Juíza.
O pedido de suspeição não poderá, pois, deixar de improceder, uma vez que não se vislumbram fatos suscetíveis de recondução aos conceitos de “…motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” e/ou de “inimizade grave”.
Nos termos do disposto no art.º 123.º, n.º 3, do C. P. Civil, cumpre-nos apreciar também se a recusante procedeu de má-fé.
O conceito de má-fé encontra-se definido pelo n.º 2, do art.º 542.º, do C.P. Civil, e a conduta da requerente poderia, eventualmente, reconduzir-se ao disposto nas suas alíneas a)- pretensão … cuja falta de fundamento não devia ignorar- e/ou d) - Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal.
Com efeito, não dispondo de qualquer fundamento objetivo que lhe permitisse suspeitar da imparcialidade da Exm.ª Juíza, por razões que desconhecemos, a requerente utilizou uma vicissitude anterior, logrando o afastamento da Mm.ª Juíza Titular da condução e decisão do processo, fazendo uma utilização desviante do instituto da suspeição.
A imputação de falta de imparcialidade é uma das acusações mais graves que se pode fazer a um juiz no exercício das suas funções, porque a imparcialidade é a primeira condição para o exercício dessas mesmas funções.
Quem não é imparcial não pode ser juiz.
A requerente conhecia e não podia deixar de conhecer a gravidade da sua imputação, de inimizade e de parcialidade, cerne da função de juiz e causa primeira da sua dignidade, tendo agido com dolo, pelo menos, na modalidade de dolo necessário, tal como definido, pelo art.º 14.º, n.º 2, do C. Penal, encontrando-se preenchido o elemento subjetivo do conceito de litigância de má-fé, previsto no art.º 542.º, do C. P. Civil, qual seja, a atuação “…com dolo ou negligência grave…”.
Afigura-se-nos, pois, que ao suscitar o presente incidente, a requerente agiu de má-fé.
Atento o disposto no art.º 27.º, n.º 3, do Regulamento de Custas Processuais, que estabelece a moldura da respetiva multa entre 2 e 100 UC, e a natureza do processo afigura-se-nos adequado fixar a multa à requerente em seis (6) UC.
O Exm.º Causídico que subscreve o requerimento de incidente de suspeição não podia desconhecer os fatos constantes dos autos e que os mesmos não permitiam atribuir à Exm.ª Juíza a grave imputação que lhe é feita, assim contribuindo para a execução do ato de má-fé da sua constituinte, que aceitou, o que é suscetível de o fazer incorrer nas sanções previstas no art.º 545.º, do C. P. Civil, a ponderar pelos órgãos próprios da Ordem dos Advogados.
Não poderemos, pios, deixar de encaminhar este expediente para o respetivo órgão da Ordem dos Advogados.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações:
A) Indeferimos o incidente de suspeição.
B) Tendo a requerente deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (art.º 542.º, n.º 2, al. a) do C. P. Civil) e feito do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de entorpecer a ação da justiça (al. d), do mesmo preceito), condeno-a como litigante de má-fé em multa que fixo em seis (6) UC, nos termos do disposto no art.º 27.º, n.º 3, do Regulamento de Custas Processuais.
Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.
Envie certidão de todo o processo ao Exm.º Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, nos termos do disposto no art.º 545.º, do C. P. Civil.
Notifique (a requerente e a Mm.ª Juíza titular desta decisão e o/a juiz/a substituto/a de que a suspeição foi desatendida).