CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
ESTIPULAÇÕES VERBAIS ACESSÓRIAS
CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
Sumário

I - O direito à execução específica de contrato-promessa só é possível de ser exercido em situação de mora e não quando já se verificou o incumprimento definitivo pelo promitente demandado.
II - Existe incumprimento definitivo e culposo de contrato-promessa de compra e venda de prédio urbano por parte da promitente-vendedora (1.ª Ré) quando esta, encontrando-se em situação de mora, rompe, injustificadamente, o contacto com a promitente-compradora, empresa do ramo imobiliário (Autora), para negociar e subscrever novo contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real e inscrição no registo, relativo ao mesmo prédio urbano, com terceiros com quem Autora vinha mantendo conversações e estava em vias de concluir a assinatura de um contrato-promessa de compra e venda daquele imóvel.
III - Isto porque tal comportamento da devedora (1.ª Ré) exprime de modo absoluto e inequívoco, a vontade de não querer cumprir o contrato, que não deixa quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido.
IV - As estipulações verbais acessórias posteriores a contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, que a lei sujeita a forma especial, apenas são válidas desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) tratar-se de cláusulas acessórias; b) não lhes ser aplicável a razão determinante da forma; c) corresponderem essas estipulações à vontade das partes.
V - Além disso, deve tratar-se de estipulações adicionais ou complementares que estejam para além do conteúdo do documento (CPCV) e não de estipulações que o contradigam, que estejam em contradição com o que nele se estipula
VI - A notificação para a consignação em depósito prevista no n.º 5 do artigo 830º do CC constituiu um pressuposto da apreciação de mérito, pelo que deverá ser efectuada pelo tribunal imediatamente antes de proferir a decisão, caso a mesma não tenha sido efectuada findos os articulados.
VII - A responsabilidade pré-contratual só existe quando durante as negociações para a conclusão de um contrato ou antes da conclusão do negócio perspectivado, uma parte sofre danos, em virtude de a outra parte ter abandonado, injustificadamente, ao arrepio dos ditames da boa-fé, o projecto negocial, defraudando a expectativa e confiança que aquela depositava na conclusão do contrato.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
               
1. Relatório[[1]]:
               
1.1. Nos presentes autos de acção de processo comum de declaração, em que são Autora “Cup…, S.A.” e Réus Albertina…, Alessandro …e Stefania …, melhor identificados nos autos, veio aquela pedir:
a) seja proferida sentença que substitua a declaração negocial da 1ª Ré, ou seja, que transmita a favor da Autora a propriedade do prédio urbano e em regime de propriedade total, composto por rés-do-chão, 2 andares e sótão, situado (…) Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o artigo …, da mesma freguesia, nos termos do art.º 830º, nº 1, do Cód. Civil;
2) sejam os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora, a título de indemnização no âmbito da responsabilidade pré-contratual, os prejuízos derivantes da sua conduta, causados pela sua violação do dever de conclusão do acordo e pela recusa na concretização do negócio, que se computam em € 127.970,00.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- A autora desenvolve a actividade comercial de compra e venda de imóveis e revenda, gestão e coordenação de projectos imobiliários, bem como a prestação de serviços imobiliários;
- Autora e 1ª ré celebraram contrato-promessa de compra e venda de um imóvel que é propriedade da 1ª ré;
- Apesar das três datas que a 1ª Ré agendou para a celebração da escritura, a mesma comunicou ao notário a desmarcação das mesmas;
- A Autora, após a celebração do contrato-promessa, entregou o imóvel para comercialização;
- Apesar dos 2.ºs Réus terem demonstrado interesse na aquisição do mesmo, terem acordado com a autora o preço e as demais condições negociais e terem discutido as cláusulas contratuais para a celebração do contrato promessa, os 2.ºs Réus não compareceram na escritura pública onde seria celebrada a cessão da posição contratual acordada;
- Os Réus criaram na Autora a convicção na realização do negócio e a ruptura injustificada do negócio por parte dos Réus determina que os mesmos sejam condenados a pagar à Autora a quantia de € 127.970,00 correspondente à diferença entre o preço de aquisição do prédio prometido comprar pela autora no valor de € 160.000,00 e o valor do negócio que a Autora deixou de auferir por força da conduta de todos os Réus no valor de € 300.000,00, descontado o montante de € 350.000 relativo às despesas com escritura e registo.
1.2. Citados, os 2.ºs Réus apresentaram contestação, pugnando pela sua absolvição do pedido, por improcedência da presente acção.
Alegaram, para tanto e em substância, que:
- A procuração apresentada pela Autora não está regular;
- À data da celebração do contrato promessa a Autora não havia apresentando a declaração de início de actividade em Portugal;
- A Autora não alega qualquer facto relativamente à Ré Stefania …, pelo que a mesma é parte ilegítima;
- O contrato-promessa com a Autora nunca chegou a ser celebrado porque a vendedora não tinha ainda adquirido o prédio;
- Atento o contrato-promessa celebrado entre a 1ª Ré e os 2.ºs Réus e o subsequente registo na Conservatória do Registo Predial da promessa de alienação não faz qualquer sentido que a Autora venha pedir a execução específica do contrato;
- A Autora não pode pedir a execução específica do contrato e uma indemnização por o negócio não ter sido realizado;
- Na indemnização peticionada a Autora tem também que atender às despesas que teria com a mediação imobiliária.
No mais, impugnaram os factos articulados pela Autora.
1.3. Citada, veio a 1ª Ré pedir a sua absolvição do pedido por improcedência da presente acção, com os fundamentos seguintes:
- A Autora não está devidamente representada na presente acção;
- A Autora não apresentou a declaração de início de actividade que constitui o seu objecto de actividade;
- O contrato-promessa é nulo por não ter as assinaturas reconhecidas pelo notário, por a Autora ter-se recusado a proceder ao referido reconhecimento notarial;
- A escritura pública não se realizou nas datas em que esteve marcada por a Autora não ter a sua procuração regularizada;
- A Autora nunca notificou a Ré, tal como estava contratualmente estipulado, para a realização da escritura;
- A Ré perdeu o interesse que tinha no contrato prometido.
No mais, impugnou os factos articulados pela Autora.
1.4. A Autora apresentou réplica, pedindo a improcedência das excepções invocadas
1.5. Proferiu-se despacho saneador (ref.ª Citius 358783156, de fls. 154 a 157), que julgou improcedentes as excepções dilatórias de falta de capacidade judiciária da Autora, de ilegitimidade da 2ª Ré e de falta de personalidade jurídica, bem como despacho de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova.
1.6. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, nomeadamente com registo das declarações orais nela prestadas.
1.7. Na sequência, em 04/07/2017 foi proferida sentença (ref.ª Citius 367048636), cuja parte dispositiva tem o seguinte teor:
«Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, declara-se que esta sentença produz os efeitos da declaração negocial da 1ª ré, suprindo a sua manifestação de vontade de vender o prédio urbano em regime de propriedade total, composto por rés-do-chão, 2 andares e sótão, situado (…) Lisboa, pelo preço acordado de € 160.000,00, mediante o pagamento pela autora do remanescente do preço acordado no montante de € 130.000,00, que deverá depositar nos presentes autos, no prazo de 10 (dez) dias.
Absolvem-se todos os réus dos demais pedidos formulados pela autora.
Custas pela autora e pela 1ª ré, na proporção de, respetivamente, 4/10 e 6/10».

1.8. Inconformada com o decidido, a Autora Cup …, S.A. apelou para esta Relação e rematou as motivações do recurso com as seguintes Conclusões:
«a) A autora/recorrente, propôs a presente ação declarativa com processo comum contra Albertina …, peticionando que, seja proferida sentença que substitua a declaração negocial da 1ª ré, ou seja, que transmita a favor da autora a propriedade do prédio urbano e em regime de propriedade total, composto por rés-do-chão, 2 andares e sótão, situado (…) Lisboa (…), nos termos do art.º 830º, nº 1, do Cód. Civil;
b) Nos mesmos autos, pediu ainda a condenação dos segundos réus, Alessandro … e Stefania …, designadamente que estes sejam solidariamente condenados a pagar à autora, a título de indemnização no âmbito da responsabilidade pré-contratual, os prejuízos derivantes da sua conduta, causados pela sua violação do dever de conclusão do acordo e pela recusa na concretização do negócio, que se computam em € 127.970,00;
c) Alegou em síntese que, celebrou um contrato promessa de compra e venda de um imóvel que é propriedade da primeira ré, que, apesar das três datas que esta agendou para a celebração da escritura, a mesma comunicou ao notário a desmarcação das mesmas;
d) Que, no âmbito do negócio que a autora celebrou com os segundos réus, apesar de estes terem demonstrado interesse na aquisição do mesmo, terem acordado com a autora o preço e as demais condições negociais e terem discutido as cláusulas contratuais para a celebração do contrato promessa, os segundos réus não compareceram na escritura pública onde seria celebrada a cessão da posição contratual acordada;
e) Alegou que, os segundos réus criaram na autora a convicção na realização do negócio e a rutura injustificada do negócio por parte dos réus determina que os mesmos sejam condenados a pagar à autora a quantia de € 127.970,00 correspondente à diferença entre o preço de aquisição do prédio prometido comprar pela autora no valor de € 160.000,00 e o valor do negócio que a autora deixou de auferir por força da conduta de todos os réus no valor de € 300.000,00, descontado o montante de € 350.000 relativo às despesas com escritura e registo.
f) A conduta dos segundos réus é manifestamente desleal e contrária às regras da boa-fé, pois estes aproveitando-se da informação que lhes foi prestada pela autora, foram à sua revelia negociar a aquisição do imóvel directamente com a primeira ré.
g) Operada a produção de prova, a discussão e o julgamento da acção, o tribunal a quo, tendo em atenção a questão que importava solucionar, isto é, apurar se os réus incorreram em responsabilidade pré contratual para com a autora, sustenta em suma, que: “Considerando o que se deixa exposto e a matéria de facto considerada como provada teremos que concluir que se encontravam verificados os requisitos determinantes da responsabilidade pré contratual dos réus, nomeadamente a ilicitude da conduta dos réus e a culpa, pois os 2ºs réus deixaram de subscrever o contrato promessa já negociado para contratar diretamente com a 1ª ré que, não cumpre o contrato promessa celebrado com a autora”.
h) Porém, negou o pedido formulado pela autora contra os segundos réus, sustentando que:
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, a pretensão da autora não poderá proceder, porquanto também pediu, e logrou obter vencimento de causa, a prolação de sentença que substituísse a declaração negocial da ré constante no contrato promessa celebrado entre autora e 1ª ré. Assim, a autora não poderá pedir a concretização do negócio celebrado com a 1ª ré e, simultaneamente, a condenação solidária dos réus no pagamento de um montante que iria auferir por o negócio com a 1ª ré não se ter realizado”.
i) Vertendo ainda sobre a sua fundamentação que, “Assim, e sem necessidade de outros considerandos, porque o negócio com a 1ª ré irá concretizar-se nos termos que peticionou, a autora não sofreu o dano que invoca, pelo que o pedido ora em análise, terá necessariamente que improceder”.
j) Com o devido respeito, a recorrente, não concorda com a douta sentença recorrida no que diz respeito à interpretação e aplicação do Direito efetuada aos factos assentes e provados.
k) O pedido formulado pela autora, respeitante aos segundos réus, foram concretizados no âmbito da responsabilidade pré-contratual, pelo negócio autónomo que foi celebrado entre esta e estes, que não se confunde com a sua promessa de aquisição do imóvel celebrado com a primeira ré.
l) O facto de a autora ter obtido vencimento no pedido formulado contra a primeira ré, em nada colide, nem obsta a que, verificados os requisitos da responsabilidade pré-contratual (como foram verificados) não fossem os segundos réus condenados no pedido que lhes foi dirigido.
m) Os pedidos formulados pela autora foram concretizados contra réus diversos, por factos distintos, tendo por base negócios diferenciados, o facto de a autora ter logrado a execução especifica do contrato celebrado com a primeira ré, não afasta a ilicitude e culpa dos réus o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, no âmbito do negócio por estes incumprido de forma ilícita e culposa.
n) Relativamente ao dano, que o Tribunal a quo entende não existir, tal tese não encontra acolhimento no disposto nos artigos 562º e seguintes do Código Civil, devendo a autora ser colocada, na situação em que estaria se não tivesse sido violado o dever pré-contratual ou não tivesse sido criada (e/ou frustrada) a sua confiança, segundo as regras gerais e consoante o curso hipotético dos acontecimentos, que a indemnização se refira quer ao interesse negativo quer ao interesse positivo.
o) O tribunal a quo procedeu a um incorrecta aplicação do direito à matéria de facto provada.
p) Atento o que ficou exposto, deve o tribunal superior interferir de forma a repor a legalidade, designadamente decidindo que o crime não compensa, pois a autora fez prova do seu direito, isto é, que os segundos réus violaram ao terem celebrado directamente um contrato com a primeira ré, não actuaram de uma forma correcta, leal, demonstrando uma conduta censurável, não pautando a sua atuação de acordo com as regras da boa-fé, devendo dessa forma responder pelos danos causados à autora.
Está certa a recorrente que, decidindo V. Exas. dessa forma, farão a costumada JUSTIÇA!».

1.9. Igualmente irresignada com a decisão proferida, a Ré Albertina … (1.ª Ré) interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
«1. A Recorrente não se conforma com a douta decisão dos autos por entender que a M.ma Juiz do Tribunal a quo errou ao dar como provados factos essenciais, e consequentemente, o Direito foi mal aplicado aos factos aduzidos.
2. Assim, foram dados com provados os factos n.ºs 9 e 27 e, como não provado, o facto descrito em C “A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do cartório notarial toda a documentação”.
3. Ao dar como provado o facto n.º 27) - “Autora e 1ª ré acordaram que o contrato promessa não necessitaria de reconhecimento de assinaturas” - o Tribunal a quo não teve em conta a cláusula décima primeira do contrato-promessa junto a fls. 19 dos autos e que estipula que qualquer aditamento ou modificação ao contrato em questão - para ser válido - teria de ser efectuado por “documento escrito e assinado por ambas as partes”.
4. A M.ma Juiz entendeu dar como provado o facto n.º 27, não obstante nos autos, não haver qualquer documento escrito e subscrito pelas partes.
5. Como mencionam Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 212 e se cita: “Pode acontecer que as partes tenham concluído o negócio e só depois, ou no momento da sua conclusão, deliberem reduzir o contrato a escrito. O negócio já está validamente celebrado. Deve, pois, presumir-se, neste caso, que as partes apenas quiseram, com a forma escrita, consolidar o acto, facilitar a sua prova, tornar mais precisas as suas cláusulas ou qualquer outro efeito análogo, e não substituí-lo por outro. É esta a doutrina do n.º 2” do art.º 223º do Código Civil.
6. Violou, assim, o Tribunal a quo, o princípio da forma convencional previsto in fine no n.º 2, do art.º 223º, do Código Civil.
7. Não tendo ocorrido o indispensável reconhecimento de assinaturas - e não havendo nenhum documento escrito junto aos autos que consubstancie qualquer modificação do sobredito contrato - o facto n.º 3 dado como provado, in fine, mantém plena validade, pelo que, nos termos do disposto no art.º 220º do Código Civil, o contrato em questão é nulo.
8. A M.ma Juiz ao não ajuizar os docs. n.ºs 2, 3 e 4 juntos pela Ré com a sua Contestação a fls. 77 e segs. dos autos, acabou por interpretar e qualificar erradamente os factos aduzidos.
9. A questão primordial para o Tribunal a quo consistia em saber se a execução específica do contrato-promessa de compra e venda subscrito pela Autora e pela 1.ª Ré devia ou não operar.
10. A M.ma Juiz ao dar como provado o facto n.º 9: “A 1.ª R. agendou três datas mas não compareceu às mesmas” errou, por não ter tomado em consideração e ponderado analiticamente o que consta expressamente desses documentos.
11. Quanto à primeira das datas agendadas para realização da escritura pública - em 16 de Junho de 2015 - foi a Autora que enviou o doc. n.º 3 (junto aos autos a fls. 77v) a informar a ora Apelante da alteração da data da escritura, visto o representante legal da sociedade da Autora se encontrar no estrangeiro nesse dia e, por essa razão, a escritura teria de ficar sem efeito, adiando-se para o dia 22 de Junho de 2015, às 15 horas.
12. Perante tal impedimento - a que a 1.ª Ré era totalmente alheia - teve de ser a Alegante a telefonar para o Cartório Notarial para desconvocar a referida escritura.
13. Quanto às datas da segunda e terceira escrituras, agendadas para os dias 9 e 13 de Julho de 2015, importa salientar que o ajudante de Notário, tal como consta do 5.º facto dado como provado, refere: “Que a parte compradora levantou esse documento no intuito de o corrigir não mais o apresentando junto do Cartório. (…)”.
14. Também aqui, o Tribunal a quo errou, pois, se a procuração apresentava irregularidades formais - e, como se viu, por exclusão da data de 22 de Junho de 2015 - a procuração só poderia ter sido exibida nas outras duas datas, ou seja, no dia 9 de Julho ou no dia 13 de Julho de 2015.
15. É facto público e notório que qualquer procuração de uma sociedade sediada no estrangeiro a operar no nosso país, como era a procuração conferida à Autora, carece de legalização, ou, pelos Serviços Consulares Portugueses no país onde o instrumento é lavrado, ou, mediante aposição da Apostila prevista na Convenção da Haia, de 5 de Junho de 1961, de que a República de São Tomé e Príncipe é também signatária.
16. Mesmo que a escritura pública se efectuasse em 9 de Julho de 2015, as manifestas irregularidades formais da procuração não poderiam ser sanadas no país de origem deste instrumento - São Tomé e Príncipe - entre 9 e 13 de Julho de 2015, ou seja, em apenas três dias!
17. Por essa razão, o Senhor funcionário notarial refere in fine na matéria dada como provada (facto n.º 9): “Que a parte compradora (a Autora) levantou esse documento no intuito de o corrigir não mais o apresentando junto do cartório”.
18. A Ré enviou à Autora, em 6 de Julho de 2015, uma carta registada, com aviso de recepção, a comunicar o agendamento da escritura pública para o dia 13 de Julho de 2015, às 15 horas (doc. n.º 4 junto a fls. 78); na data da expedição da carta, ou seja, em 6 de Julho de 2015 já as partes tinham conhecimento recíproco de que a procuração não chegaria até ao dia 9 de Julho de 2015, razão pela qual a escritura foi agendada para o dia 13 de Julho de 2015.
19. A carta remetida pela 1.ª Ré - endereçada para a sede da Autora, ter-se-á de considerar validamente efectuada - conforme decorre do n.º 2 da cláusula sexta do referido contrato-promessa; carta essa que veio devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”, o que revela bem que a Autora não tinha intenção de comparecer na escritura de 13 de Julho de 2015.
20. A Recorrente, no dia 13 de Julho de 2015, logo às 9:28 horas, enviou um e-mail para o Cartório Notarial onde se iria realizar a escritura, mais tarde, às 15 horas (doc. n.º 2, junto a fls. 77), a perguntar se a procuração que estavam à espera que viesse do estrangeiro para a escritura já tinha chegado. Mas, não obteve qualquer resposta.
21. Na motivação da decisão de facto, a M.ma Juiz refere que o Colaborador do Notário não se lembrava do que tinha acontecido em relação às três datas agendadas para efectivação da escritura, mas, por força dos documentos juntos - e não ajuizados - é inequívoco que:
- a primeira das datas (16 de Junho de 2015) foi desmarcada pela 1.ª Ré, mas, por impedimento da Autora de comparecer;
- a segunda e a terceira das datas (9 de Julho e 13 de Julho de 2015), apenas, porque, a Autora não apresentou no Cartório Notarial a procuração devidamente regularizada para se realizar a escritura pública.
22. A fundamentação expendida pela M.ma Juiz do Tribunal a quo, como se demonstra, está em manifesta contradição com a matéria dada com provada, in fine, no 5.º facto, i. e., que a Autora levantou a procuração - que apresentava irregularidades formais - no intuito de a corrigir “não mais a apresentando junto do cartório”.
23. Assim, pelas razões alegadas, o facto descrito em C - “A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do cartório notarial toda a documentação”, deveria ter sido dado como provado!
24. Na fundamentação de Direito da douta sentença recorrida, a M.ma Juiz é de entendimento que a execução específica (art.º 830º do Código Civil) é aplicável.
Com o devido respeito, nada mais errado!
25. Com efeito, o Tribunal a quo não pode ordenar a execução especifica do contrato-promessa celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.os Réus - com eficácia meramente obrigacional - pois, encontrava-se já registada, em 7 de Agosto de 2015, a promessa de alienação, na respectiva Conservatória do Registo Predial, do contrato-promessa com eficácia real (erga omnes) - V. documento junto pela Autora a fls. 32-34 dos autos.
O art.º 6º (Prioridade do registo) do Código do Registo Predial é bem elucidativo, ao estabelecer no seu n.º 1: “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes”.
26. Tanto a Doutrina, como a Jurisprudência, tem sido unânimes, naturalmente,
neste sentido:
Como refere certeiramente Almeida Costa, in ”Contrato-Promessa”, 7.ª ed.,  Almedina, pág. 64: “Nunca seria eficaz uma sentença porventura procedente a favor da (…) promitente compradora, por força do princípio da retroactividade do registo da sentença prescrita no n.º 3 do ar.º. 6º do CRP”.
No que respeita à Jurisprudência, vide, entre muitos outros, v. g., o Acórdão da Relação de Coimbra, de 14.09.2010, publicado in www.dgsi.pt.
27. Também, os pressupostos fácticos elencados no n.º 1 do art.º 830º do Código Civil, não colhem, in casu, pois, para proceder a execução específica tem de haver incumprimento do demandado na obrigação de celebrar o contrato prometido. A não verificação deste requisito impede, desde logo, o recurso à execução específica, pelo que o Tribunal a quo violou o referido normativo.
28. Não é a Recorrente, tal como sustenta a M.ma Juiz do Tribunal a quo, que se encontra em mora (art.º 804º, n.º 2 do Código Civil): quem incumpriu foi a Autora! Se a execução específica eventualmente procedesse, a Autora, a promitente-faltosa, seria premiada pelos seus constantes incumprimentos.
29. Atento o desrespeito da Autora pelo que se encontra estipulado no contrato-promessa, a consequência desse incumprimento é que a 1.ª Ré perdeu o interesse na celebração do contrato prometido, tal como se mencionou nos art.ºs 61º a 68º da sua Contestação, a fls. 69 - 75 dos autos.
30. A cláusula quarta do citado contrato-promessa (Escritura Pública. Prazo) dado como facto provado n.º 3, estipula: “1. A respectiva escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo de 60 dias a contar da assinatura do presente contrato”, ou seja, a escritura deveria ter sido celebrada até ao dia 12 de Julho de 2015, mas, culposamente, a Autora não compareceu a nenhuma das escrituras previamente agendadas.
31. A cláusula décima segunda (Incumprimento) dispõe: “2. O incumprimento definitivo do presente contrato-promessa pela Segunda Contratante (a Autora) confere à Primeira (a 1.ª Ré) a faculdade de resolver o presente contrato-promessa, fazendo seus, os valores recebidos a título de sinal”.
32. No mesmo sentido, o art.º 442º do Código Civil, estatui no seu n.º 2: “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue (…),” ou seja, “sendo a falta imputável a quem constitui o sinal, a sanção aplicável consiste na perda da coisa” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., pág. 395).
33. A Recorrente cumpriu sempre e até à última hora, as cláusulas do contrato-promessa que subscreveu com a contraparte, tendo enviado para a sede da Autora, em 6 de Julho de 2015, carta registada com aviso de recepção (doc. n.º 3 junto a fls. 77) para a realização da escritura pública agendada para 13 de Julho de 2015, a qual não foi levantada pela Contraparte, o que prova, inequivocamente, a sua boa-fé e a má-fé da Autora ao longo de todo este processo negocial.
34. O incumprimento sucessivo da Autora, sem qualquer justificação ou satisfação para a não comparência à última escritura marcada (13 de Julho de 2015), fez com que a ora Alegante perdesse o interesse no negócio.
35. Com a instauração da Providência Cautelar pela Autora contra a Recorrente, em 4 de Agosto de 2015, rompeu-se irremediavelmente a confiança e o interesse que tinha n contrato-prometido (procedimento cautelar especificado de arresto apensado aos presentes autos).
36. Pelo que, atento todo o circunstancialismo alegado e o manifesto incumprimento definitivo e culposo por parte da Autora, a Apelante, considera o contrato-promessa resolvido nos termos do disposto no art.º 808.º do Código Civil.
Nestes termos,
E nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deverá ser revogada a Sentença recorrida, substituindo-a por uma outra em que declare resolvido definitivamente o contrato-promessa, com a consequente perda do sinal da Autora, em benefício da Recorrente, como é de Direito e assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

1.10. Reagindo às alegações de recurso da Autora, contra-alegaram os 2.ºs Réus, oferecendo a seguinte síntese conclusiva:
«1 - A Autora, ora Recorrente e a 1ª Ré não chegaram a concluir o negócio prometido;
2 - A Recorrente não chegou a ter registada a seu favor a aquisição do prédio sito (…) em Lisboa;
3 - Os 2ºs Réus nada tiveram que ver com a não celebração da escritura de compra e venda entre a ora Recorrente e a 1ª Ré;
4 - Os 2ºs Réus apenas tiveram conhecimento que o prazo previsto no contrato-promessa para realização da escritura já tinha sido ultrapassado;
5 - Não tinham os 2ºs Réus a obrigação legal de aguardar que o negócio entre a Recorrente e a Ré Albertina fosse concretizado;
6 - Os 2ºs Réus nunca assinaram nenhum documento em que prometiam comprar à Autora o imóvel;
7 - A Recorrente para além de ficar com o prédio registado em seu nome podendo obviamente vendê-lo a um terceiro pretende uma indemnização correspondente ao valor que iria auferir com a celebração do negócio com os 2ºs Réus, o que configura uma situação de enriquecimento sem causa;
8 - Ainda que se viesse a considerar que a Recorrente tinha direito a receber uma indemnização fundada na responsabilidade pré-contratual importa não esquecer que a jurisprudência maioritária entende que os danos indemnizáveis correspondem ao chamado interesse contratual negativo ou da confiança, ou seja, os danos que a Recorrente não teria sofrido se porventura não tivesse confiado na conclusão no negócio;
9 - A Recorrente não alegou nem provou quaisquer despesas ou custos em que tenha incorrido durante as negociações;
10 - Pelo que a este título nenhuma indemnização deve ser concedida;
11 - Deve por isso, a aliás douta sentença ser mantida na parte objecto do recurso».
1.11. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) Objecto dos recursos - Questões a decidir:
De acordo com o disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. ([2])
Face ao teor das conclusões formuladas, são as seguintes as questões a decidir:
A) Recurso da 1.ª Ré, Albertina …:
1.ª Alteração da decisão sobre a matéria de facto;
2.ª Verificação dos pressupostos para o decretamento da execução específica;
3.ª Do pedido de revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que declare definitivamente resolvido o contrato-promessa, com a consequente perda do sinal da Autora, em benefício da Recorrente (promitente-vendedora).
B) Recurso da Autora Cup …, S.A.:
Questão única - Da responsabilidade civil pré-contratual.
III) Fundamentação
A) Motivação de facto
Na 1ª instância julgaram-se provados e não provados os seguintes factos:
A.1. Factos provados:
«1) A autora tem registada a sua matrícula junto do Cartório Notarial Privado do Centro de Negócios Offshore na Sociedade de Desenvolvimento de São Tomé, constando que a mesma tem por objeto a compra e venda de imóveis e revenda, gestão e coordenação de projetos imobiliários, bem como a prestação de serviços na área da imobiliária, conforme consta a fls. 92vº/94 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2) No final do mês de janeiro de 2015, foi apresentado à autora, por intermédio de um mediador imobiliário, Luís …, um prédio em Lisboa, pertença da 1ª ré, que se encontrava devoluto (…).
3) Com data de 12.05.2015, a 1ª ré, na qualidade de 1ª contratante, e a autora, na qualidade de 2º contratante, foi subscrito o instrumento particular denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cuja cópia consta a fls. 11vº/14 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(...). É livremente e dentro dos princípios de boa fé ajustado e reciprocamente aceite o presente contrato promessa de compra e venda que se regerá pelas cláusulas seguintes: (…). Cláusula 2ª (Objeto): 1. Pelo presente contrato promessa, a 1ª contratante promete vender à 2ª contratante e esta promete comprar, o imóvel identificado na cláusula anterior, no estado em que o mesmo ora se encontra, pelo preço total de € 160.000,00. 2. As partes declaram que acederam e analisaram toda a documentação referente ao imóvel objeto do presente contrato, assim como ao próprio imóvel. 3. A 2ª contratante poderá ceder a sua posição no presente contrato de promessa a terceiros. Cláusula 3ª (Preço): O preço acordado na cláusula anterior será pago da seguinte forma: A) Na data da assinatura do presente contrato, a 1ª outorgante recebe da 2ª outorgante, como sinal e princípio pagamento do preço do imóvel, a quantia de € 30.000,00 em cheque bancário, do qual dá a respetiva quitação com a assinatura do presente contrato e após boa cobrança do meio de pagamento; B) O remanescente do preço no valor de € 130.000,00 será pago no ato da escritura com cheque bancário da seguinte forma: (…).Cláusula 4ª (Escritura Pública. Prazo): 1. A respetiva escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo de 60 dias a contar da assinatura do presente contrato. Cláusula 5ª (Escritura Pública. Notificação): A 2ª contratante notificará a 1ª contratante, por carta registada com aviso de receção, para a respetiva morada (acima indicada), com pelo menos 15 dias de antecedência, da data, hora e local onde a escritura será celebrada, comprometendo-se a 1ª contratante a entregar toda a documentação necessária para outorga da referida escritura e a prestar as competentes declarações para os registos provisórios de aquisição, se os mesmos se vierem a efetuar. (…). Cláusula 12ª (Incumprimento): 1. O incumprimento definitivo do presente contrato promessa pela 1ª contratante, confere à 2ª contratante o direito de resolver o presente contrato promessa e exigir à 1ª contratante a restituição, em dobro, do sinal entregue. 2. O incumprimento definitivo do presente contrato promessa pela 2ª contratante confere à 1ª contratante a faculdade de resolver o presente contrato promessa, fazendo seus, os valores recebidos a título de sinal. Cláusula 13ª (Execução Específica): Independentemente do estipulado na cláusula anterior, em caso de incumprimento definitivo do presente contrato, o contraente não faltoso, poderá optar entre o condicionalismo estabelecido no artigo 442º e a execução específica no artigo 830º, ambos do Código Civil. Cláusula 15ª (Reconhecimento de Assinaturas): As assinaturas das partes apostas no presente contrato promessa vão ser reconhecidas, para efeitos do disposto no nº 3 do art.º 410º, do Código Civil. (…)”.
4) O colaborador notarial Luís … apôs a sua assinatura no instrumento constante a fls. 15 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, datado de 15.07.2015, onde consta, para além do mais, “Para os devidos efeitos se declara que esteve agendada para os dias 16 de junho de 2015, 09 de Julho de 2015 e 13 de Julho de 2015, todas pelas 15.00 horas, escritura pública de compra e venda em que a CUP …, S.A. interviria como parte compradora, escritura esta agendada pela parte vendedora, Albertina …, e que, devido a comunicação desta, foram sucessivamente desmarcadas.” 5) O colaborador notarial Luís … apôs a sua assinatura no instrumento constante a fls. 84 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, datado de 14.01.2016, onde consta, para além do mais, “Para os devidos efeitos se declara que esteve agendada para os dias 16 de junho de 2015, 09 de Julho de 2015 e 13 de Julho de 2015, todas pelas 15.00 horas, escritura pública de compra e venda em que a CUP …, S.A. interviria como parte compradora, escritura esta agendada pela parte vendedora, Albertina …, nunca se tendo a mesma realizado. Que a parte compradora apresentou procuração em representação da referida sociedade, documento este que no entanto apresentava irregularidades formais. Que a parte compradora levantou esse documento no intuito de o corrigir não mais o apresentando junto do Cartório. (…).”.
6) Com data de 07.08.2015, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial sobre o imóvel identificado em 3) uma promessa de alienação tendo como sujeito ativo Alessandro …e como sujeito passivo Albertina ….
7) Posteriormente à subscrição descrita em 3), a autora e 1ª ré acordaram, a pedido desta última, que seria esta a agendar a escritura e a informar a data e local da mesma.
8) Posteriormente à subscrição descrito em 3), autora e ré acordaram que seria a 1ª ré a organizar junto do banco credor hipotecário para que este providenciasse pela emissão do distrate aquando da outorga da escritura.
9) A 1ª ré agendou três datas para a celebração da escritura, mas não compareceu às mesmas.
10) Desde 13.07.2015, data da última data agendada para a realização da escritura, a 1ª ré não mais atendeu o telefone nem respondeu a mensagens eletrónicas enviadas pela autora.
11) A autora, após o referido em 3), entregou a comercialização do identificado prédio a Lurdes …, mediadora imobiliária.
12) No final do mês de abril de 2015 e perante a informação prestada por Lurdes … sobre a comercialização de um prédio (…), em Lisboa, os 2ºs réus mostraram imediato interesse em saber o estado de conservação do imóvel, se o mesmo se encontrava devoluto, o seu preço e a data de uma visita.
13) Por os 2ºs réus terem mostrado interesse em adquirir o identificado imóvel, Filipe …, a pedido de Lurdes …, prestou as informações solicitadas pelos 2ºs réus e informou que a autora era uma empresa que prometera adquirir o imóvel para a sua posterior revenda, sendo sua intenção realizar um projeto de remodelação, tendo contactado um gabinete de arquitetura para o efeito.
14) Na data referida em 12) e 13), os 2ºs réus mostraram grande interesse na aquisição do referido imóvel, sublinhando a importância da proximidade deste com a Embaixada de Itália.
15) Na data referida em 12) e 13), os 2ºs réus, face ao interesse que mostraram no imóvel, ficaram de agendar uma visita com Lurdes …, o que veio a ocorrer no princípio de maio de 2015.
16) Na visita efetuada em maio de 2015, o 2º réu marido afirmou que pretendia adquirir o imóvel, solicitando, no entanto, uma nova visita com o seu sócio.
17) Alguns dias após o referido em 16), o 2º réu marido, acompanhado do seu sócio, visitou o imóvel, tendo apreciado o seu estado de conservação interior e exterior, características do mesmo, reiterando o preço e condições de pagamento.
18) Após a visita referida em 16) autora e 2ºs réus acordaram no negócio quanto ao preço e condições de pagamento, tendo o 2º réu marido solicitado o contacto do gabinete de arquitetos por pretenderem também realizar projeto de remodelação.
19) Foram entregues ao 2º réu marido os documentos do prédio, nomeadamente cópia da certidão do registo predial e caderneta predial, onde constava a identificação da 1ª ré, a sua morada e número fiscal de contribuinte.
20) Após as visitas realizadas pelo 2º réu marido e seu sócio e na sequência da conclusão das negociações, foi endereçada em 22.05.2015, pela autora ao ilustre mandatário do 2º réu marido um correio eletrónico em que se anexou a minuta do contrato promessa de compra e venda do imóvel sito (…) em Lisboa, conforme consta a fls. 19 dos autos.
21) No dia 27.05.2015 o mandatário do 2º réu marido comunicou à autora que nada havia a opor à minuta do contrato promessa, propondo apenas algumas alterações, conforme consta a fls. 15vº dos autos.
22) No dia 27.05.2015, após a redação definitiva do contrato promessa de compra e venda do imóvel, o mandatário dos réus endereçou à autora a minuta do mesmo, conforme consta a fls. 25/28 dos autos.
23) Após a conclusão da redação do texto do contrato promessa a autora solicitou ao 2º réu marido um encontro para a assinatura do mesmo.
24) Após o referido em 23), o 2º réu marido informou a autora que teria que deslocar-se a Itália e que assinariam o contrato quando regressasse.
25) Durante o mês de julho de 2015 os 2ºs réus procederam a visitas ao imóvel acompanhados do arquiteto Pedro …que faria o projeto de remodelação do prédio e com o mesmo mantiveram contactos.
26) A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada.
27) Autora e 1ª ré acordaram que o contrato promessa não necessitaria de reconhecimento de assinaturas».
A.2) Factos não provados
«A) A 1ª ré alegou urgência na realização da escritura para ser ela a agendar a escritura e a informar a data e local da mesma.
B) No início de julho de 2015, a autora contactou o 2º réu marido para a subscrição do contrato promessa de compra e venda, e este alegando dificuldades financeiras solicitou a cedência de posição do contrato promessa a concretizar na escritura.
C) A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do Cartório toda a documentação.
D) A autora comunicou aos réus que aceitava a cedência da posição contratual e comunicou a celebração da escritura no dia 13.07.2016, às 15 horas, no Cartório Notarial Rosa Correia».
B) Motivação de Direito
1. Do recurso da 1.ª Ré, Albertina …:
Primeira questão – Alteração de matéria de facto
Pretende a Recorrente (1.ª Ré) a reapreciação da prova e consequente alteração da decisão sobre a matéria de facto no que respeita aos factos dados como provados sob os pontos 9 e 27 e ao facto descrito como não provado em C.
Vejamos, então, se o Tribunal “a quo” incorreu ou não em erro na apreciação da prova, no segmento da matéria de facto impugnado pela Recorrente.
Nos termos exarados no artigo 607º do CPC vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido.
Além deste princípio, que só cede perante situações de prova legal - prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais -, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, ampliados pela reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, e mantidos pela reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados
Perante o disposto no artigo 662º do CPC (que apresenta uma formulação mais alargada que o anterior art.º 712.º, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-8, configurando a reapreciação da decisão de facto como um novo julgamento nas situações aí previstas), a divergência quanto ao decidido pelo Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a verificação de um erro de apreciação do seu valor probatório, sendo necessário, qua tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26-06-2003, acessível em www.dgsi.pt).
Não se trata de possibilitar um novo e integral julgamento, mas a atribuição de uma competência residual ao Tribunal da Relação para poder proceder a uma reapreciação da matéria de facto, verificados os pressupostos do art.º 662.º do CPC.
A utilização da gravação dos depoimentos em audiência não modela o princípio da prova livre ínsito no direito adjectivo, nem dispensa operações de carácter racional ou psicológico que gerem a convicção do julgador, nem substituem esta convicção por uma fita gravada.
O que há que apurar é da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau de jurisdição face aos elementos agora apresentados, ou seja, a modificação da matéria de facto só se justifica quando haja um erro evidente na sua apreciação.
Porém, uma coisa é a compreensão da fundamentação e outra diferente a concordância ou não com a mesma, já que, há que fazer a destrinça entre a convicção objectiva do julgador e, outra muito diferente, a vontade subjectiva da parte que pretende alcançar a sua própria verdade, sem uso de um espírito crítico.
A este propósito refere-se lapidarmente no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25.Nov.2005 (proc. 1046/02), disponível in www.dgsi.pt., que “a possibilidade de alteração da matéria de facto deverá ser usada com muita moderação e equilíbrio, ainda que toda a prova esteja gravada em áudio ou vídeo, devendo tao só o erro grosseiro ou clamoroso na apreciação da prova ser sindicado pela Relação com base na gravação dos depoimentos”.
Por erro notório deve entender-se “aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; em que o homem médio facilmente dá conta de que um facto, pela sua natureza ou pelas circunstâncias em que pode ocorrer, em determinado caso, não pode ser dado como provado ou não é dado como provado e devia sê-lo – por erro na apreciação da prova” ([3]).
Ou, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.Jul.1997 (proc. 97P612), disponível in www.dgsi.pt., “o erro notório na apreciação da prova é um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial”.
Sem embargo, como afirma Abrantes Geraldes [[4]], “se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão”.
Recapitulemos a factualidade provada posta em crise pela Recorrente (pontos 9 e 27):
“9. A 1.ª Ré agendou três datas para a celebração da escritura, mas não compareceu às mesmas.
27. Autora e 1.ª Ré acordaram que o contrato promessa não necessitaria de reconhecimento de assinaturas
Ao expressar a sua motivação acerca da decisão sobre estes concretos pontos da matéria de facto, referiu a Exma. Senhora Juíza a quo:
“(…) O Tribunal considerou provados os factos nºs 7, 8, 10 e 27 acima descritos e respondeu negativamente ao facto descrito sob a alínea A), com fundamento na ponderação crítica dos seguintes elementos: depoimento das testemunhas Luís …, consultor imobiliário e Joaquim …s, consultor imobiliário, que estiveram presentes no momento da subscrição do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e 1ª ré, que identificaram o local da celebração do contrato promessa e as pessoas presentes e referiram os pedidos da autora para marcação de escritura por já conhecer o cartório, por este se situar em Lisboa, o que era do seu interesse, e por ter que tratar da documentação para o cancelamento das penhoras e hipotecas que oneravam o prédio, bem como descreveram o acordo das partes sob a desnecessidade de reconhecimento das assinaturas (…).
O Tribunal considerou provado os factos n.ºs 9 e 26 acima descritos com fundamento no teor das declarações de fls. 15 e fls. 84 dos autos, em conjugação com o depoimento da testemunha Luís …, colaborador de notário que elaborou as declarações constantes a fls. 15 e a fls. 84 dos autos, tendo explicado a razão da elaboração das mesmas e a pedido de quem as elaborou. A testemunha explicou ainda que, apesar de não saber ou se recordar da razão pela qual a escritura não se realizou em cada uma das datas, recordava-se que as referidas datas foram todas marcadas pela 1ª ré e também todas desmarcadas pela mesma por comunicação antes das designadas datas (...)
- O Tribunal não considerou provado o facto descrito sob a alínea C) por não ter sido apresentada prova sobre o facto, nomeadamente por a testemunha Luís …, colaborador de notário que elaborou as declarações constantes a fls. 15 e a fls. 84 dos autos, ter referido que, apesar de não saber ou se recordar da razão pela qual a escritura não se realizou em cada uma das datas, recordava-se que as referidas datas foram todas marcadas pela 1ª ré e também todas desmarcadas pela mesma por comunicação antes das designadas datas. Mais disse recordar-se de um problema formal que a procuração que a autora apresentou teria, dado que o Cartório pede a gentileza às partes contratantes de entrega da documentação com antecipação, mas não se recordava de terem procedido a qualquer retirada de qualquer outra documentação” (Fim de citação).
- Quanto ao ponto 27 dos factos provados:
Desde logo se constata que o ponto 27 dos factos provados está em clara contradição com o ponto 3 dos factos provados, na parte em que reproduz ou dá por integralmente reproduzido o clausulado do contrato-promessa de compra e venda (doravante CPCV) celebrado por escrito particular entre a Autora e a 1.ª Ré, ora Recorrente, cuja cópia consta de fls. 11 verso a fls. 14, designadamente as Cláusulas 11.ª (Alterações ao Contrato) e 15.ª (Reconhecimento de Assinaturas).
Na Cláusula 11.ª, as partes estipularam: “O presente contrato-promessa traduz e constitui o integral acordo celebrado entre as partes, só podendo ser aditado, modificado, ou corrigido por documento escrito e assinado por ambas as partes nos termos deste contrato e da lei”.
Por sua vez, na Cláusula 15.ª, Autora e 1.ª Ré acordaram: “As assinaturas das partes apostas no presente contrato promessa vão ser reconhecidas, para efeitos do disposto no nº 3 do art.º 410º, do Código Civil. (…)”.
Sustenta a Recorrente, e bem, que se as partes subscreveram o CPCV ajuizado, vinculando-se reciprocamente às cláusulas ínsitas nesse acordo, não podia o Tribunal a quo dar como provado - sem a prova do respectivo documento escrito e assinado por ambas as partes, o facto em questão, vertido no ponto 27, isto é, que “Autora e 1.ª Ré acordaram que o contrato-promessa não necessitaria de reconhecimento de assinaturas”.
A consignação deste facto como provado suscita dois problemas diferentes: a validade de cláusulas acessórias verbais de contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliários, a que se refere o artigo 221.º do Cód. Civil, e a possibilidade de sobre elas poder incidir ou não prova testemunhal, de que tratam os artigos 393.º e 394.º do mesmo diploma legal.
Nos termos do n.º 2 do artigo 221.º do CC, as estipulações verbais acessórias posteriores ao documento (no caso o CPCV), nos casos como o dos autos em que a lei prescreve uma determinada forma (assinatura dos promitentes e reconhecimento presencial destas – n.º 3 do artigo 410.º do CC), apenas são válidas desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) tratar-se de cláusulas acessórias; b) não lhes ser aplicável a razão determinante da forma; c) corresponderem essas estipulações à vontade das partes. Além disso, deve tratar-se de estipulações adicionais ou complementares que estejam para além do conteúdo do documento (CPCV) e não de estipulações que o contradigam, que estejam em contradição com o que nele se estipula (cfr., neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/06/1977, BMJ, 270.º, pá. 225; e do Tribunal da Relação de Évora, de 16/10/1974, BMJ, 241.º, pág. 355).
Sobre o problema de saber se é admissível prova testemunhal em matéria de factos ou estipulações acessórias e a questão da sua validade, vide Vaz Serra, in Prova testemunhal e validade de cláusulas acessórias verbas do contrato-promessa de compra e venda de bens imobiliários, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 99.º, pág. 257, e anotações na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103.º, págs. 26 e segs., ano 108.º, pág. 291 e ano 113.º, págs. 145 e segs.
Por imposição expressa do n.º 1 do artigo 394.º do CC, “É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.
O CPCV ajuizado insere-se entre os documentos particulares mencionados nos artigos 373.º e 374.º do CC.
Assim, da conjugação dos preceitos legais supra citados impunha-se concluir pela invalidade da estipulação verbal que consta do ponto 27 dos factos provados e bem assim pela inadmissibilidade de sobre ela incidir, como incidiu, prova testemunhal.
Em suma, não é admissível produção de prova testemunhal para demonstrar um alegado acordo verbal contrário a cláusula escrita de um contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel.
Pelas razões invocadas, também não era admissível a produção de prova testemunhal para demonstração do ponto 7 dos factos provados “Posteriormente à subscrição descrita em 3., a autora e ré acordaram que seria a 1.ª ré a agendar a escritura e a informar a data e local da mesma”, facto que está em clara contradição com a Cláusula 5.ª do CPCV ajuizado e que foi impugnado pela 1.ª Ré nos artigos 38.º a 41.º da contestação.
Destarte, e tendo em conta o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, a decisão sobre a matéria de facto terá de ser alterada, eliminando-se os pontos 7 e 27 dos factos provados e passando tal factualidade para os factos não provados, por manifesta violação de regras de direito probatório estabelecidas nos artigos 221.º, n.º 2 e 394.º, n.º 1, do CC.
- Quanto ao ponto 9 dos factos provados e ao facto não provado descrito sob a alínea C):
Insurge-se a 1.ª Ré, ora Recorrente, ainda contra o ponto 9 dos factos provados, alegando que a Senhora Juiz errou ao nele dar como provado que “A 1.ª Ré agendou três datas mas não compareceu às mesmas”.
E pugna para que seja considerado provado o facto descrito como não provado em C): “A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do cartório notarial toda a documentação”.
Ora, a análise da prova produzida, designadamente das declarações prestadas pelo colaborador do cartório notarial, Luís …, conjugadas com os instrumentos, por si elaborados e assinados, constantes a fls. 15 e 84 dos autos, com o conteúdo das mensagens de correio electrónico, datadas de 13/07/2015, e com o conteúdo a carta registada, com aviso de recepção, de 06/07/2015 (Docs. 2, 3 e 4 da contestação, cujo teor não foi impugnado) conduz à conclusão que a 1.ª Ré, efectivamente, não compareceu no cartório notarial em nenhuma das datas por si agendadas para a outorga do contrato definitivo e que foi ela mesmo quem providenciou pela sua desmarcação, mas que tal sucede, apenas, por culpa exclusiva da Autora.
Em relação à primeira data marcada - 16 de Junho de 2015-, ressalta do Doc. 3 supra referido, no caso, uma mensagem de correio electrónico, remetida ás 10:45 horas por um colaborador da Autora - e, testemunha ouvida nestes autos Joaquim … – com o seguinte teor:
Alteração data de escritura
Boa tarde Sra. Piedade,
Na sequência da nossa conversa, vimos por este meio informar da alteração da data da escritura.
A razão deve-se ao João … (representante legal da empresa) encontrar-se no estrangeiro e só regressa no próximo Sábado (dia 20).
Fica então para Segunda-feira dia 22.06.2015, pelas 15.00.
Ficamos a aguardar confirmação.
Cumprimentos.
Filipe …”.
Resulta, assim à saciedade que sem a presença do legal representante da sociedade Autora, não poderia haver escritura pública, não se justificando, por isso, a deslocação da 1.ª Ré ao cartório notarial, antes se justificando que desse o acto sem efeito.
Relativamente à segunda e terceira datas agendadas para a feitura da escritura (9 e 13 de Julho de 2015), no ponto 5 dos factos provados consta: “O colaborador notarial Luís …Que a parte compradora levantou esse documento no intuito de o corrigir não mais o apresentando junto do Cartório”.
Ora, também, neste caso, houve erro na apreciação da prova, pois, a procuração apresentada em representação da sociedade revelava irregularidades formais e, consequentemente, como bem alega a 1.ª Ré, ora Recorrente, por exclusão da primeira data aprazada, como se referiu anteriormente, só poderia eventualmente ter sido exibida na escritura pública a realizar ou em 9 de Julho ou em 13 de Julho.
É sabido e isso mesmo já foi consignado em despacho lavrado nos autos pelo Juiz do processo, em 17/05/2016 (ref.ª Citius 347278250), e reiterado em despacho posterior, que uma procuração com poderes de representação de uma sociedade sediada no estrangeiro e a operar em Portugal - como é o caso da sociedade Autora - carece de legalização, ou, pelos Serviços Consulares Portugueses no país onde o instrumento é lavrado, ou, mediante aposição da Apostila prevista na Convenção da Haia, de 5 de Junho de 1961, de que a República de São Tomé e Príncipe é também signatária.
Desta feita, ainda que a escritura pública tivesse ocorrido no dia 9 de Julho - o que não poderia ter acontecido - ainda assim, as manifestas irregularidades formais não eram passíveis de sanação num país estrangeiro em tão curto espaço de tempo - apenas em três dias!
Por esse motivo, o colaborador do Cartório Notarial refere na parte final do instrumento de fls. 84 (ponto 5 dos factos provados) “Que a parte compradora (a Autora) apresentou procuração em representação da referida sociedade, documento este que no entanto apresentava irregularidades formais. Que a parte compradora levantou esse levantou esse documento no intuito de o corrigir não mais o apresentando junto do Cartório”.
A tudo acresce que a 1.ª Ré endereçou à Autora, em 6 de Julho de 2015, em correio registado, com aviso de recepção, uma carta a informá-la de que a escritura pública se encontrava agendada para o dia 13 de Julho de 2015, às 15:00 horas (doc. n.º 4, junto com a Contestação - a fls. 69 e seg.s dos autos).
Em 6 de Julho de 2015 já era expectável que a escritura inicialmente agendada para o dia 9 de Julho de 2015 iria ficar sem efeito, pois, a procuração que vinha do estrangeiro não iria chegar a tempo. Donde, ter-se justificado o reagendamento  da escritura para o dia 13 de Julho de 2015.
De acordo com a Cláusula Sexta do CPCV ajuizado, para que nos remete o ponto 3 dos factos provados, uma vez que aquela carta foi endereçada para a sede da Autora constante do contrato - ter-se-á de considerar validamente efectuada, conforme se estipula no n.º 2 da referida Cláusula.
A circunstância de essa carta ter sido devolvida com a indicação “objecto não reclamado”, é indiciador de que a Autora não tinha intenção de comparecer à escritura aprazada.
Não obstante, como resulta da análise do Doc. 2 (fls. 77), junto com a contestação, no próprio dia 13 de Julho de 2015, logo pelas 9:28 horas, a ora a 1.ª Ré, ora Recorrente remeteu uma mensagem de correio electrónico para o Cartório Notarial onde se iria realizar a escritura às 15:00 horas, a perguntar se já tinha chegado a procuração que estavam à espera que viesse do estrangeiro para o acto.
Na motivação da decisão de facto, a Exma. Senhora Juiz, ao sintetizar as declarações prestadas pelo colaborador do Notário, Luís …, referiu que o mesmo não sabia ou recordava da razão pela qual a escritura não se realizou em cada uma das datas agendadas.
Seguro é, no entanto, que em relação à primeira das datas, esta foi desmarcada pela Ré, como se disse, mas, por impossibilidade de o representante legal da Autora estar presente no Cartório Notarial nesse dia.
As outras duas, não se realizaram porque a Autora não apresentou no Cartório Notarial a procuração com poderes para o acto, impondo-se, pois, a alteração da redacção dada ao ponto 9 dos factos provados, para melhor reflectir a realidade dos factos (art.º 662.º, n.º 1, do CPC).
Assim, tal como sustenta a 1.ª Ré, aqui Recorrente, resulta suficientemente claro que a fundamentação expendida pela Exma. Juiz está em manifesta contradição com a matéria dada como provada na parte final do ponto 5 dos factos provados, ou seja, que a Autora levantou a procuração - que apresentava irregularidades formais - no intuito de a corrigir “não mais a apresentando junto do cartório”, colidindo, ainda, com o acervo documental supra referido (Docs. 2, 3 e 4 da contestação da 1.ª Ré e instrumentos de fls. 15 e 84).
Deveria, pois, pelos fundamentos expostos, ter sido dado como provado o facto descrito como não provado na alínea C) “A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do cartório notarial toda a documentação”.
Finalmente, por se tratar de facto relevante para a boa decisão da causa e resultar demonstrado por certidão, com valor probatório pleno (artigo 371.º do CC), que foi junta pela própria Autora com a sua petição inicial, a fls. 32-34 dos autos, entende esta Relação que deve igualmente ser aditada à matéria de facto provada que já em 7 de Agosto de 2015 se encontrava registada promessa de alienação, na respectiva Conservatória do Registo Predial de Lisboa, emergente de contrato-promessa com eficácia real (erga omnes), celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus, relativo ao imóvel ajuizado, conforme certidão junta pela própria Autora com a sua petição inicial a fls. 32-34 dos autos.
1.1. Por tudo o exposto e tendo em conta o n.º 1 do art.º 662.º do CPC, julga-se procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e em consequência:
(i) Elimina-se o ponto 7 dos factos provados, passando a factualidade nele descrita para os factos não provados, sob a alínea E), com a seguinte redacção:
“E) Posteriormente à subscrição descrita em 3., a autora e ré acordaram que seria a 1.ª ré a agendar a escritura e a informar a data e local da mesma
(ii) Elimina-se o ponto 27 dos dados como factos provados pela 1.ª instância, passando a factualidade nele descrita para os factos não provados, sob a alínea F), com o seguinte teor:
“F) Autora e 1ª ré acordaram que o contrato promessa não necessitaria de reconhecimento de assinaturas”.
(iii) Adita-se aos factos provados um novo ponto 27 com a seguinte redacção:
“27. Pela Apresentação 1208, de 2015/08/07, averbada à descrição n.º …/… (Freguesia Anjos), mostra-se inscrita, a favor dos 2.ºs Réus, na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, a promessa de alienação do imóvel identificado em 2., emergente de contrato-promessa de compra e venda, com eficácia real, celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus.”
(iv) Elimina-se a alínea C) dos factos não provados, passando tal factualidade para os factos provados, sob o n.º 9-A), com a seguinte redacção:
“9-A) A escritura cuja realização esteve designada para o dia 13.07.2015 não foi celebrada por a autora ter retirado do cartório notarial toda a documentação”.
(v) Altera-se a redacção do ponto 9 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:
“9. A 1.ª Ré agendou as três datas indicadas em 5., para a realização da escritura de compra e venda prometida, mas não compareceu no Cartório Notarial nas datas agendadas, em face da impossibilidade de realização da referida escritura, por motivos exclusivamente imputáveis à Autora”.
2. Segunda questão – verificação dos pressupostos para o decretamento da execução específica
A 1.ª Ré, ora Recorrente, insurge-se contra tal decisão com o seguinte argumentário:
a) A execução específica do CPCV ajuizado - com eficácia meramente obrigacional – não pode operar no caso vertente, uma vez que se encontrava já registada, em 7 de Agosto de 2015, a promessa de alienação, na respectiva CRP, do contrato real (erga omnes), celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus, conforme documento junto pela própria Autora com a sua petição inicial, a fls. 32-34 dos autos;
b) O incumprimento da Autora (promitente-compradora) inviabiliza, irremediavelmente, o recurso à execução específica;
c) Como corolário desse incumprimento, da não realização da escritura no prazo acordado de 60 dias contado da celebração do CPCV, dos incumprimentos sucessivos da Autora, sem qualquer justificação para a não comparência à escritura, a 1.ª Ré, ora Recorrente, perdeu o interesse que tinha na celebração do contrato prometido;
d) A 1.ª Ré, ora Recorrente, cumpriu escrupulosamente as cláusulas do contrato-promessa que subscreveu com a contraparte.
Desde já, e lapidarmente se antecipa, que os factos apurados não permitem concluir por uma situação de incumprimento definitivo da Autora, mas que a mesma se encontrava em situação de simples mora após 13 de Julho de 2015, que, careceria, para ser convertida em incumprimento definitivo, de uma interpelação admonitória com vista ao cumprimento do CPCV, a efectuar pela 1.ª Ré.
E também não se verifica minimamente a falta de um interesse objectivo da 1.ª Ré que permitisse a declaração de resolução, ao abrigo da norma geral do art.º 808º do CC.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações:
1ª - inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
2ª - ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
3ª - ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;
4ª - encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.
As duas últimas situações enunciadas correspondem a outros tantos casos que a lei expressamente equipara ao não cumprimento definitivo em consequência da mora – art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.
A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art.º 808º-2 (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes – o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 532 e ss.). De notar que uma tal interpretação pressupõe ainda a manutenção do interesse no cumprimento.
Quanto à primeira, que não é a dos autos, há-de estar-se perante as chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto – “negócios fixos absolutos” ou de “prazo fatal” – em que o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, por oposição às de prazo fixo relativo, simples ou usual em que o decurso do prazo poderá fundamentar o direito à resolução quando concorram os requisitos gerais (artigos 808º, 801 e 802º do CC).
Nos autos está em causa a execução específica da obrigação de contratar, que o art.º 830.º, n.º 1, do CC, faz depender, entre outros requisitos que não vêm ao caso, do não cumprimento da promessa por parte de quem se obrigou a realizar o contrato prometido.
Como observa o Prof. Menezes Leitão [[5]], a referência legal a não cumprimento deve ser entendida em sentido amplo; isto porque para efeitos de execução específica é suficiente a simples mora, já que o credor mantém então o interesse na prestação; se não mantivesse, naturalmente que não exerceria o seu direito a ela. Aliás, a execução específica deixa de ser possível, acrescenta este autor, a partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento, como sucede no caso de o bem prometido vender já ter sido alienado a um terceiro. Nessa hipótese, com efeito, a sentença judicial não poderia produzir os efeitos de um contrato definitivo válido, mas antes os de uma venda de bens alheios nula (art.ºs 892º e segs), o que não é admissível [[6]]. O Prof. Almeida Costa é também claro ao defender que a via da execução específica corresponde a uma situação de simples mora, enquanto que a da exigência do sinal (singelo ou dobrado), bem como a da indemnização actualizada do valor da coisa ou do direito corresponde a uma situação de incumprimento definitivo [[7]]. Esta mesma doutrina é ainda vigorosamente defendida pelo Prof. Calvão da Silva, que escreveu o seguinte: “A fim de “por ordem” onde parece reinar alguma confusão, importa reter que o pressu­posto da chamada execução específica do contrato promessa é a mora e não o incumprimento definitivo”, acrescentando mais adiante que “...pressuposto da execução específica é a mora ou atraso no cumprimento da obri­gação de contratar, ainda que não imputável ao devedor faltoso[[8]]. Ana Prata defende idêntica posição: “Em qualquer caso – escreve – como decorre dos princípios gerais e já foi sobejamente salientado, ainda que se considere que o não cumprimento é pressuposto de recurso ao instrumento da exe­cução específica, sempre esse não cumprimento é apenas aquele que for temporário, pois que, se já existir definitivo inadimplemento – qualificado ou não por impossibilidade – a execução específica encontra-se então precludida”[[9]]. De igual modo, a jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se pronunciado dominantemente neste sentido, insistindo com frequência, por um lado, na doutrina de que a norma do art.º 442º, n.º 2, na parte em que refere que “se quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou”, deve ser interpretada no sentido de que estes efeitos só se produzem em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa[[10]], e, por outro, na tese de que a execução específica tem lugar quando não há incumprimento definitivo.
O direito à execução específica encontra-se regulado no artigo 830º do CC.
São pressupostos fácticos elencados no n.º 1 do art.º 830º do CC:
a) que a natureza da obrigação assumida pela promessa não seja incompatível com a substituição da declaração negocial;
b) que não exista convenção em contrário;
c) que haja incumprimento do demandado na obrigação de celebrar o contrato prometido.
Podemos dizer que o direito à execução específica tem um regime supletivo, pois refere o artigo 830º, n.º 1, do CC que “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso”, podendo, assim, os contraentes acordar em afastar, no momento da celebração do contrato-promessa, o eventual recurso a este direito (este acordo será considerado como tacitamente como convencionado pelas partes se existir convenção de sinal ou se tiver sido fixada uma cláusula penal- artigo 830º, n.º 2, do CC). Apenas assim não sucederá nos casos das promessas previstas no artigo 410º, n.º 2, do CC, casos em que qualquer cláusula que afaste a possibilidade de recorrer à execução específica, será nula [[11]].
Importa, desde já, distinguir os casos em que se confere eficácia real ao contrato-promessa e aqueles em que tal não sucede (contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional). É possível aos contraentes atribuir eficácia real ao contrato-promessa que seja fonte ou transmita direitos reais sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo (artigo 413º, n.º 1, do CC). Para tal, terão as partes que expressamente declarar tal intenção, respeitar os requisitos formais para o contrato prometido e proceder à inscrição da promessa no registo [[12]]. Aqui o direito de crédito normal que nasce de um contrato-promessa – o direito à celebração do contrato prometido[[13]] – será eficaz erga omnes, por efeito atribuído pelo registo. Assim, o direito à execução específica nunca se verá precludido por uma alienação ou oneração (penhora, hipoteca, etc.) ocorridas posteriormente.
Nesta hipótese, a penhora, que incide sobre o objecto da promessa, posteriormente registada será ineficaz perante o promitente-adquirente (terceiro face ao processo executivo em que se realizou essa penhora).
Assim não sucederá nas situações como a dos autos, em que está em causa com contrato-promessa de compra e venda com eficácia meramente obrigacional e em que se mostrava já registada, em 7 de Agosto de 2015, a promessa de alienação, na respectiva Conservatória do Registo Predial, do contrato-promessa com eficácia real (erga omnes), celebrado entre a 1.ª Ré e os 2.ºs Réus, conforme certidão junta pela própria Autora com a sua petição inicial a fls. 32-34 dos autos.
Como salienta Almeida Costa, [Contrato-Promessa, 7.ª ed., Almedina, pág. 64], citado bem a propósito pela Recorrente: “Nunca seria eficaz uma sentença porventura procedente a favor da (…) promitente compradora, por força do princípio da retroactividade do registo da sentença prescrita no n.º 3 do art.º 6.º do CRP”.
Ou, como refere Mónica Jardim[[14]], a propósito do direito do promissário, em CPCV registado, com eficácia real (2.ºs Réus) à aquisição da coisa  “(…) o direito real que venha a ser adquirido com a celebração do contrato prometido e aceda a registo prevalece em face de direitos reais incompatíveis constituídos, mas apenas publicitados após o registo do contrato promessa dotado de eficácia real, em virtude da eficácia anterior de tais direitos perante a pretensão creditória que o antecedeu. Ineficácia que foi gerada pelo registo definitivo do contrato-promessa dotado de eficácia real”.
Donde ser de concluir que, se outros obstáculos não houvesse, a execução específica não pode operar neste caso.
Na verdade, a execução específica do CPCV ajuizado é realmente impraticável.
→ À razão apontada para que a execução específica não possa operar no caso em apreço, acresce uma outra: o incumprimento definitivo do CPCV ajuizado pela demandada, a 1.ª Ré, ora Recorrida.
O incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações:
1ª - inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;
2ª - ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;
3ª - ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;
4ª - encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.
As duas últimas situações enunciadas correspondem a outros tantos casos que a lei expressamente equipara ao não cumprimento definitivo em consequência da mora – art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.
A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art.º 808º-2 (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).
Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes – o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 532 e ss.). De notar que uma tal interpretação pressupõe ainda a manutenção do interesse no cumprimento.
Às restantes situações aludidas não se refere expressamente a lei.
Apesar desse vazio legal, ninguém põe em dúvida a equiparação da segunda situação (comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato) à inexecução da prestação dentro de prazo razoável, sendo que essa causa “tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato. Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido”, tanto mais que, perante um tal posicionamento do devedor, qualquer interpelação cominatória seria um acto inútil e destituído de justificação (Galvão Telles, ob. cit., 189; Antunes Varela, cit., I, 6ª ed., 91; Brandão Proença, ob. cit. 90; Acórdãos STJ, 26/01/99, CJ VII- Tomo I, p. 61 e de 06/02/07, proc. 07A749).
Quanto à primeira, há-de estar-se perante as chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto – “negócios fixos absolutos” ou de “prazo fatal” – em que o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, por oposição às de prazo fixo relativo, simples ou usual em que o decurso do prazo poderá fundamentar o direito à resolução quando concorram os requisitos gerais (artigos 808º, 801 e 802º do CC).
Revertendo ao caso concreto, e tendo presente que a partir de 13 de Julho de 2015 a 1.ª Ré recusou qualquer contacto com a Autora, deixando de atender o telefone e de responder às mensagens electrónicas que lhe eram enviadas pela Autora, como até aí fizera [ponto 10 dos factos provados], existindo nos autos evidencias disso mesmo, e que logo em Agosto de 2015 outorgou CPCV com os 2.ºs Réus, relativo ao imóvel prometido vender à Autora, promessa essa à qual foi atribuída eficácia real (erga omnes) e que foi sujeita a registo na CRP [ponto 27 dos factos provados], só podemos concluir que este comportamento da 1.ª Ré é categoricamente concludente de que esta devedora, que até aí se encontrava em situação de mora, ou seja, de retardamento no cumprimento da sua obrigação, não quis cumprir com a sua prestação [outorgar o contrato-prometido] debitória para com a Autora.
Face à conduta assumida pela 1.ª Ré, ora Recorrida, reafirmada nestes autos, dúvidas não subsistem sobre a sua vontade (e firme propósito) de não outorgar o contrato prometido. Perante tal posicionamento desta devedora, qualquer interpelação cominatória seria um acto inútil e destituído de justificação, pelo que tem de se considerar que a conduta da 1.ª Ré foi idónea a converter a mora em incumprimento definitivo.
Salvo o devido respeito, não colhe o argumento aduzido pela 1.ª Ré, ora Recorrida, de que foram os “sucessivos incumprimentos”, traduzidos nas faltas de comparência, aliás justificadas, no Cartório Notarial nas três datas agendadas para a realização da escritura de compra e venda que deu azo a esse incumprimento definitivo, motivado pela perda de interesse na realização da prestação.
Na verdade, se atentarmos à cronologia de acontecimentos que levou ao adiamento das escrituras agendadas e à circunstância de o último dos agendamentos (13/07/2015) ter sido feito por iniciativa da 1.ª Ré e quando eram decorridos apenas três dias sobre o termo do prazo (não peremptório) de 60 dias fixado no CPCV para a outorga do contrato definitivo e ainda que foi por esta altura que a mesma deixou de estar contactável para a Autora e passou a negociar directamente com os 2.ºs Réus, com quem a Autora, através da mediadora imobiliária “P…, Lda.” e da sua angariadora Lurdes …, se encontrava já em adiantada fase de negociações com vista à concretização da venda do imóvel prometido vender [pontos 11 a 25 dos factos provados] a conclusão que se impõe retirar é a de que a 1.ª Ré assumiu uma conduta clara de incumprimento total, definitivo, irreversível e culposo do CPCV ajuizado.
Esta situação de incumprimento definitivo da demandada é, por si só, impeditiva que a execução específica opere no caso concreto, pois a mesma, como se referiu supra, só poderá ter lugar em situações de mora.
→ A 1.ª Ré aduziu um outro argumento que não procede, como a suposta nulidade do CPCV ajuizado, por inobservância da forma legal (artigos 410.º, n.º e 280.º, do CC), nulidade que é a todo o tempo invocável por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art.º 286.º do CC).
No tocante aos contratos - promessa relativos à celebração de contratos onerosos de transmissão ou de constituição de direitos reais sobre edifícios, ou suas fracções autónomas, construídos, em fase de construção ou apenas projectados, exige-se documento escrito com reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes. Além disso, deve constar dele a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da licença de utilização do edifício (caso se encontre já concluído) ou da respectiva construção (se esta ainda não terminou ou nem mesmo se iniciou). O contraente que promete transmitir ou constituir o direito não pode invocar a omissão de tais requisitos, salvo se a contraparte a causou culposamente (art.º 410º, n. os 2 e 3, na redacção do Dec.-Lei n.º 116/2008, de 4 de Julho).
Do ponto de vista da determinação do sentido da letra da lei, o problema reside em determinar a amplitude das expressões “omissão destes requisitos”, por um lado e “documento referido no número anterior”, por outro. A solução mais próxima da letra da lei não pode deixar de ser a de punir a falta de documento escrito com a nulidade do n.º 2 do art.º 410º e equiparar a falta de assinaturas à falta do seu reconhecimento, ou à falta das licenças de construção ou de utilização. É que o “documento referido no número anterior” tem de existir para lhe serem acrescidas as exigências do n.º 3, mas as assinaturas das partes, por força da sua própria letra não podem constar dele, uma vez que têm de ser apostas na presença do notário. Assim não se pode dizer que a aplicação do n.º 3 do mesmo normativo suponha a aplicação prévia do n.º 2, justamente porque em boa lógica isso conduziria a suporem-se necessárias duas assinaturas por cada parte: uma para consubstanciar o “documento referido no número anterior” e outra para ser presencialmente reconhecida pelo notário.
O legislador manifestou clara intenção de proteger o promitente adquirente do direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, através do reforço de forma do contrato promessa e através do regime especial de invalidade que sanciona a falta dessa forma[[15]].
Ora a falta de assinatura do promitente-comprador e das formalidades referidas no n.º 3, do art.º 410º, não se enquadra na nulidade típica porque não pode ser invocada pelo promitente-vendedor, salvo no caso de ter sido o promitente-comprador que directamente lhe deu causa. A não ser assim, isto é, se o promitente-vendedor pudesse arguir sempre a nulidade da falta da assinatura do promitente-comprador, estaria aberta a possibilidade de montagem de situações de nulidade por parte dos promitentes-vendedores (que normalmente assinam o documento), bastando, para tanto, “esquecerem-se” de cobrar a assinatura do promitente - comprador, para depois virem invocar a nulidade, atribuindo-a à outra parte, para, assim, restituírem o sinal em singelo, e não em dobro, depois de o terem utilizado sem remuneração e fruído da sua desvalorização[[16]].
Trata-se, pois, de nulidade atípica e desviante do regime geral das nulidades (art.º 220º e 286º) estabelecida apenas no interesse do promitente-comprador, só este, em princípio, podendo prevalecer-se dela, com exclusão da outra parte ou de terceiros e impossibilidade do seu conhecimento oficioso (Assentos do Supremo Tribunal de Justiça, n.ºs 15/94, de 28-6-94 e 3/95, de 1-2-95, D.R, respectivamente, de 12-10-94 e 22-04-95, citados no acórdão da Relação de Lisboa, de 22-02-2077, proc. 858/2007-6, acessível em www.dgsi.pt, que seguimos de perto).
A lei delimita, portanto, a única situação de abuso de direito que o promitente-comprador pode levar a cabo no âmbito deste regime especial de invocação de nulidade: aquela que se caracteriza por ser o responsável exclusivo pela omissão de requisitos formais.
Ora, os factos provados não permitem concluir que a omissão de tais requisitos é imputável exclusivamente à Autora, sendo certo tal não coibiu que a 1.ª Ré de agendar datas para a feitura da escritura e de se interessar pelo negócio até ao último agendamento (13/07/2015), a tudo acrescendo que tais omissões poderiam ser sanadas com a realização da escritura definitiva.
Improcede, portanto a arguição de nulidade do CPCV, por banda da 1.ª Ré, aqui Recorrida.
→ Sem embargo, aos motivos já apontados, acrescentaremos um outro motivo da nossa discordância, relativamente ao decido pela Exma. Senhora Juiz a quo, que por si só é impeditivo de que a execução específica opere neste caso, qual seja o de que a sentença recorrida, em nosso entender e salvo melhor opinião, também viola princípio da proibição de sentença condicionais.
Vejamos.
É conhecida a dissidência quanto a esta matéria[[17]]:
No entanto, quanto a nós, acompanhamos o entendimento sufragado por uma maioria expressiva da doutrina e jurisprudência, segundo o qual a correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 830.º, n.º 5, do Código Civil, ponderados todos os valores e interesses primordiais em causa, implica que o juiz a quo proceda à notificação do requerente, a que alude aquele normativo ante das prolação da sentença e nunca após o trânsito em julgado da sentença, como se entendeu na sentença recorrida.
O nosso ordenamento jurídico não admite as denominadas sentenças condicionais, por serem fonte de insegurança e incerteza na aplicação do Direito [[18]].
Destarte, também por este motivo entendemos que não deveria ter sido decretada a execução específica do CPCV ajuizado.
2.1. Termos em que procede a apelação da 1.ª Ré, ainda que por fundamentos diferentes dos por si alegados.
3. Terceira questão - Do pedido de revogação da sentença recorrida e sua substituição por acórdão que declare definitivamente resolvido o contrato-promessa, com a consequente perda do sinal da Autora, em benefício da Recorrente (promitente-vendedora).
Ora, esta questão não pode ser apreciada uma vez que os recursos se destinam apenas a apreciar decisões proferidas e não a resolver questões novas, que não foram suscitadas, nem debatidas nos articulados.
Certo é que a 1.ª Ré não formulou qualquer pedido reconvencional a pedir que fosse “resolvido definitivamente o contrato-promessa, com a consequente perda do sinal da Autora, em seu benefício”.
Por isso, não pode esta Relação conhecer desta questão suscitada apenas em sede recursória.
Por outro lado, sempre se dirá, em jeito de comentário, que face ao entendimento jurídico que se deixou expresso de que o incumprimento definitivo do CPCV é imputável à 1.ª Ré, sempre será esta quem está obrigada a restituir à Autora, em dobro, o sinal prestado (artigo 442.º, n.º 2, do CC.)
*
4. Recurso da Autora Cup …, S.A. - Da responsabilidade civil pré-contratual.
A Autora, ora Recorrente, não se conforma com a sentença recorrida na parte em que absolveu os 2.ºs Réus, Alessandro …e Stefania …, do pedido indemnizatório contra os mesmos formulados.
Alega, para tanto, que o pedido foi concretizado no âmbito da responsabilidade pré-contratual, pelo negócio que foi celebrado entre Autora e 2.ºs Réus, que não se confunde com a sua promessa de aquisição do imóvel celebrado com a primeira Ré.
E que tal pedido visava tanto ao interesse contratual negativo, como, abrangia ainda, o interesse contratual positivo, nomeadamente, porque já havia um acordo, faltando apenas a formalização do negócio.
Argumenta, ainda, que o facto de a Autora ter obtido vencimento no pedido formulado contra a 1.ª Ré, em nada colide, nem obsta a que, verificados os requisitos da responsabilidade pré-contratual (como foram verificados) não fossem os 2.ºs Réus condenados no pedido que lhes foi dirigido.
Na sentença recorrida, escreveu-se a propósito:
“(…) o pedido formulado pela autora fundamenta-se na responsabilidade civil pré-contratual devidamente prevista no Código Civil, no seu art.º 227º, que prevê que “Quem negociar com outrem para a conclusão de um contrato deve tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar á outra parte”.
Nos presentes autos alega a autora que os 2º réus, apesar de já terem negociado com a autora o preço e condições de pagamento e demais condições vertidas no contrato promessa de compra e venda, não subscreveram o contrato promessa com a autora e foram celebrá-lo diretamente com a 1ª ré que, apesar de ter subscrito um contrato de promessa com a autora não celebrou a escritura a concretizar o contrato prometido.
Alega a autora que estaremos perante situações de responsabilidade pré-contratual, porquanto a atitude dos réus levou a que a autora não tivesse podido adquirir o prédio objeto do contrato promessa à 1ª ré e a vendê-lo aos 2ºs réus, perdendo com isso a diferença de valores que iria auferir descontando o valor das despesas nos registos e na escritura pública.
A responsabilidade pré-contratual e os deveres post contratuais decorrem do dever de agir de boa-fé e de forma diligente, por forma a proteger a confiança de cada um dos contraentes nas legítimas expetativas que o outro lhe criou.
O disposto no art.º 227º, do Cód. Civil, representa a receção no Direito português do instituto chamado de culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-contratual que se traduz num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na proteção da confiança das partes durante a fase das negociações, e pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito (cf. Ac. Do STJ de 09.02.1999, in CJSTJ, 1999, Tomo I, p. 84).
O instituto da responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial ou da culpa in contrahendo fundamenta-se na tutela da confiança do sujeito na correção, na honestidade, na lisura e na lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporta a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar-lhe danos” (cf. Ac. Do STJ, de 22.05.1996, in BMJ, 457º, 308).
Como escreve Menezes Cordeiro, a conceção da culpa in contrahendo acolhida no art.º 227.º do Cód. Civil encerra os deveres de proteção, de informação e de lealdade. Os deveres de informação adstringem as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato. Tanto podem ser violados por ação, portanto com indicações inexatas, como por omissão, ou seja, pelo silêncio face a elementos que a contraparte tinha interesse objetivo em conhecer. Os deveres de lealdade vinculam os negociadores a não assumir comportamentos que se desviem de uma negociação correta e honesta.
Segundo Almeida Costa, o princípio da boa fé, enquanto critério formador da vontade das partes na negociação impõe-lhes um dever de verdade, de seriedade, e de lealdade.
Esta responsabilidade assente na boa fé abrange tanto os preliminares, a fase de negociações como a fase da formação do contrato. Com efeito, o facto de as partes estabelecerem contactos com vista a determinado negócio, obriga-as a comportarem-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética. A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de proteção, aos deveres de informação, e aos deveres de lealdade.
Considerando o que se deixa exposto e a matéria de facto considerada como provada teremos que concluir que se encontravam verificados os requisitos determinantes responsabilidade pré-contratual dos réus, nomeadamente a ilicitude da conduta dos réus e a culpa, pois os 2ºs réus deixaram de subscrever o contrato promessa já negociado para contratar diretamente com a 1ª ré que, não cumpre o contrato promessa celebrado com a autora.
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, a pretensão da autora não poderá proceder, porquanto também pediu, e logrou obter vencimento de causa, a prolação de sentença que substituísse a declaração negocial da ré constante no contrato promessa celebrado entre autora e 1ª ré. Assim, a autora não poderá pedir a concretização do negócio celebrado com a 1ª ré e, simultaneamente, a condenação solidária dos réus no pagamento de um montante que iria auferir por o negócio com a 1ª ré não se ter realizado.
Assim, e sem necessidade de outros considerandos, porque o negócio com a 1ª ré irá concretizar-se nos termos que peticionou, a autora não sofreu o dano que invoca, pelo que o pedido ora em análise, terá necessariamente que improceder.” (Fim de citação).

Antecipando a nossa decisão, dizemos que sufragamos o sentido decisório alcançado e a parte do discurso jurídico sobre a responsabilidade pré-contratual a que acrescentaremos algumas achegas que, em nosso modesto entender, melhor justificam a negação da pretensão da Autora.
A propósito desta temática escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31-03-2011, Proc.3682/05.3TVSLSB, acessível em www.dgsi.pt, que a razão de ser do citado art.º 227º do CC “está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual de um negócio, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé.
Esta obrigação de actuação de boa-fé tanto nos preliminares como na formação do contrato, inculca, sem margem para dúvidas, que a responsabilidade pré-contratual abrange a fase negociatória que decorre desde o início dos contactos e das negociações até à obtenção de acordo sobre todas as condições e termos tidos como relevantes (incluindo, portanto, a aceitação da proposta contratual) e a fase da perfeição e execução do acordo conseguido que inclui a formalização (se não bastar o mero consenso das partes) e cumprimento do contrato.
Isto porque o mero facto de se entrar em negociações é susceptível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato.
Com efeito, pelo facto de se relacionarem e de entrarem em contactos com vista a determinado negócio, as partes assumem certos deveres, ficando reciprocamente obrigadas a comportar-se nas negociações com boa-fé e lealdade ética.
A ilicitude nessa fase resultará, pois, da violação das regras da boa-fé subjacentes aos deveres de protecção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de actuações susceptíveis de causar danos à outra parte) aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a ruptura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio).
Na verdade, a relação – que podemos designar como jurídica… – pré-contratual estabelecida com os contactos e negociações entre as partes e os deveres (integrados nessa relação) de elas se comportarem com lealdade e boa-fé implicam que, se no decurso das negociações uma das partes faz surgir na outra confiança razoável de que o contrato que se negoceia será concluído e, posteriormente, interrompe as negociações ou recusa a conclusão do contrato sem justo motivo, fica obrigada a reparar os danos sofridos pela outra parte com a dita ruptura.
Os pressupostos de facto desta obrigação de reparação (responsabilidade) são, portanto:
- a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato;
- o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações;
- a produção de um dano no património de uma das partes;
- a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada (cfr. Diez-Picazo, Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, I, 1996, Madrid, p. 278).
Por conseguinte, desde que as negociações hajam induzido numa das partes a confiança e expectativa razoável da sua conclusão e celebração do contrato, a sua ruptura e a recusa deste, sem justificação plausível, faz incorrer o respectivo autor em responsabilidade civil com a consequente obrigação de indemnizar os danos causados à contraparte.
(…) a solução desta questão de saber quais os danos que devem ser indemnizados na responsabilidade pré-contratual, parece decorrer, segundo os termos em que se encontra redigido o art.º 227º nº1 do CC, da violação das regras da boa-fé: só responderá pelos danos se não proceder segundo as regras da boa-fé.
A boa-fé é entendida, aqui, em sentido objectivo, como regra de conduta, visando, não só impedir lesões na esfera jurídica da contraparte, mas também a satisfação das respectivas expectativas; daí os apontados deveres de protecção, de informação e de lealdade cujo cumprimento cria a confiança que está na base da celebração do negócio.
Com efeito, a relação pré-negocial cria obrigações e deveres entre as partes que decorrem da confiança recíproca que se criou e vai desenvolvendo entre as partes a partir da observância desses deveres e da consciência crescente de que as responsabilidades das partes aumentam à medida que as negociações avançam, a ponto de a violação de qualquer daqueles deveres e obrigações acarretar necessariamente a violação da confiança da outra parte no prosseguimento e na conclusão das negociações.
A boa-fé significa, portanto, uma actuação reflectida que visa não apenas as próprias vantagens mas também as da contraparte: uma e outra devem conduzir-se leal, honesta e correctamente, respeitando as expectativas recíprocas razoáveis, prevenindo lesões ou desvantagens recíprocas, em resumo, observando na relação aqueles deveres especiais de conduta em que se decompõe a (ou que subjazem à) boa-fé e da qual decorre, como inevitável corolário, que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar da confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas e do tráfico jurídico.
A boa-fé e a confiança entre as partes dependem assim de dois elementos:
1º) objectivo: adequação e idoneidade das actuações e comportamentos do declarante para gerarem confiança segundo um padrão médio;
2º) subjectivo: criação de confiança efectiva numa das partes pela actuação e comportamento da parte contrária.
Logo, encetadas as negociações com vista à conclusão do contrato (com propostas, contrapropostas, discussão, e aceitação recíproca dos termos e condições do negócio), a ulterior recusa de formalização deste, desde que arbitrária e injustificada, isto é, destituída de causa legítima, configura comportamento desleal que, desconsiderando totalmente os interesses da contraparte, viola objectivamente a confiança que nesta foi criada.
Este é o cerne da doutrina da responsabilidade civil por culpa in contrahendo, de que foi pioneiro Ihering, e segundo a qual, incorre em responsabilidade pré-negocial a parte que, tendo criado na outra a convicção, razoável, de que o contrato seria concluído (confiança), rompe intempestivamente as negociações ou recusa injustificadamente a conclusão do contrato, ferindo os legítimos interesses da contraparte” (Fim de citação).

Esta explicitação jurídica da razão de ser da responsabilidade pré-contratual e dos fundamentos de aplicabilidade do citado art.º 227º do CC, merece a nossa inteira adesão, sendo aliás, a que vem reflectida em boa parte dos arestos do Supremo Tribunal de Justiça (cfr., entre outros, Acórdãos do STJ, 3.7.2003, Proc.03B1589; de 11-09-2007, Proc.07A2402; de 13-02--2007, Proc. 07A402; de 21-04-2005, Proc.05B490).
Volvendo ao caso dos autos, e atendendo aos factos neles apurados, concretamente aos pontos 11 a 25, resulta claro que em Julho de 2015 os 2.ºs Réus estavam interessados em celebrar com a Autora (terceira não proprietária) contrato-promessa de compra e venda do imóvel dos autos, mediante determinadas condições que ajustaram com a Autora, através da mediadora “P…, Lda.” por esta encarregue da comercialização daquele bem, mas que posteriormente, em Agosto de 2015, depois de ajustarem as condições do negócio, ou melhor dizendo os termos em que seria redigido o respectivo contrato-promessa de compra e venda a celebrar com a Autora e de criarem nesta sérias e justificadas expectativas na celebração deste contrato, desistiram da perfeição (conclusão) do acordo e foram negociar e contratar directamente com a proprietária do imóvel, a 1.ª Ré, ora Recorrida.
Do conjunto de toda esta factualidade sobressai que os 2.ºs Réus adoptaram um comportamento desleal de ruptura das negociações na fase da conclusão do CPCV, comportamento que é ilícito e por isso mesmo gerador (com os demais requisitos) de responsabilidade civil pré-contratual.
No caso, a Autora podia ter uma razoável, uma fundada confiança na realização do negócio com os 2.ºs Réus, mas essa expectativa digna de protecção jurídica abrange apenas a expectativa de conclusão do CPCV e não do contrato prometido, pois a feitura deste estava dependente de outras circunstâncias que escapavam ao controlo quer da Autora, quer dos 2.ºs Réus, como a prévia aquisição do imóvel pela Autora, etc.
Desta sorte, a indemnização que à Autora pudesse assistir a título de responsabilidade pré-contratual pela frustração do negócio, isto é, pelos danos correspondentes ao interesse contratual negativo ou da confiança, que a Autora, aqui Recorrente não teria sofrido se porventura não tivesse confiado na conclusão do negócio, apenas poderia corresponder às despesas que a Autora eventualmente tenha incorrido com as negociações frustradas.
Sucede, porém, que, como bem contrapõem os 2.ºs Réus, de forma simples, rotunda e esclarecida, a Autora, ora Recorrente, não alegou e consequentemente não provou, como lhe competia (art.ºs 342.º, n.º 1 e 562.º e segs., do CC), que tenha incorrido em quaisquer despesas durante as negociações com os 2.ºs Réus.
Termos em que terá de improceder a apelação da Autora, sendo de confirmar a sentença recorrida nesta parte.
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IV - Decisão:                                                                             
Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em determinar a alteração da decisão da matéria de facto nos termos expostos a ainda no seguinte:
a) Em julgar improcedente o recurso de apelação da Autora CUP …, S.A.;
b) Em julgar procedente o recurso de apelação da 1.ª Ré Albertina … e revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a acção e decretou a excepção específica do contrato-promessa, confirmando a referida sentença quanto ao mais e absolvendo todos os Réus (1.ª e 2.ºs) dos pedidos contra eles formulados.
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- As custas da acção e de ambas as apelações ficarão a cargo da Autora - artigo 527º do CPC.
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Registe e notifique.
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Lisboa, 11 de Outubro de 2018

Manuel Rodrigues

Ana Paula A. A. Carvalho

Gabriela de Fátima Marques

[1] Com aproveitamento do relatório da sentença recorrida, com pequenas correcções de estilo e ortografia, por não se seguir o acordo ortográfico de 1990.
[2] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Almedina, 2017, 4ª edição revista, pág. 109.
[3] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3.Dez.1997, proc. 9710990, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Obra citada, pp. 287.288.
[5] Direito das Obrigações, Volume I, 2ª edição, pág. 214
[6] O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/98, de 5 de Dezembro, baseou-se num entendimento das coisas idêntico ao que se expressa no texto.
[7] Cfr. Almeida Costa, in Contrato Promessa, Uma Síntese do seu Regime, 7ª edição, pág. 73-75, e Calvão da Silva, in Sinal e Contrato Promessa, 12ª edição, pág. 153.
[8] Sinal e Contrato Promessa, 12ª edição, pág. 153 e 155.
[9] O Contrato Promessa e o Seu Regime Civil, pág. 920.
[10] Neste sentido, entre vários outros, o Acórdão, de 5-05-2005, na Revª 05B724, e de 21-11-2006, na Revª 3251/06.
[11] Calvão da Silva, obra citada, págs. 155 a 159
[12]  Calvão da Silva, obra citada, págs. 20 a 22
[13] Sobre a natureza deste direito: Henrique Mesquita, in Contrato-promessa com «eficácia real»: modo de exercício e natureza jurídica do direito do promissário, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor A. Ferrer Correia, II, 1989 (impr. 1990), p. 773-806.
[14] Efeitos Substantivos do Registo Predial, 2015, Reimpressão, p. 886.
[15] Calvão da Silva, Sinal e Contrato - Promessa, págs. 54 a 56.
[16] Victor Calvete, A forma do contrato promessa e as consequências da sua inobservância, 48 e seguintes.

[17] N sentido de que a notificação em apreço terá que ter lugar antes de proferida a sentença pronunciaram-se, entre outros: Inocêncio Galvão Telles in “Direito das Obrigações “, pag. 120; Calvão da Silva in “ Sinal e Contrato Promessa “, pags. 171 a 173 ; Menezes Cordeiro in “ Tratado de Direito Civil Português “ Tomo II – Direito das Obrigações, pag. 433; Ana Prata in “O Contrato Promessa e o seu Regime Legal“ pag. 976; Luís Menezes Leitão, in Direito das Obrigações“, Volume I, pag. 236 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 2009 (Azevedo Ramos ), publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 2003 (relator Luís Fonseca), publicado in Colectânea de Jurisprudência/STJ, Ano XI, tomo II, pags. 146 a 147 ; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1992 (relator Amâncio Ferreira) sumariado in www.dgsi.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Fevereiro de 2004 (relator José Vieira e Cunha ), publicitado in www.jusnet.pt ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Maio de 2002 (relator Olindo Geraldes), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, tomo III, pags. 72 a 73 ; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 1 de Junho de 1999 (relator Mário Manuel Pereira ), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIV, tomo III, pags. 268 a 270 ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de Outubro de 1992 (relator Almeida Valadas), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVII, tomo IV, pags. 168 a 169 ; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Novembro de 1991 (relator Silva Salazar), publicado in Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, tomo V, pags. 121 a 125.
[18] Ou seja, aquelas decisões em que é o próprio direito a reconhecer que é sujeito à verificação de determinada condição. Sobre esta matéria, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009 (relator Sousa Peixoto), publicado in www.dgsi.pt.