PROTEÇÃO JURÍDICA
SEGURANÇA SOCIAL
ACTO TÁCITO DE DEFERIMENTO
ANULAÇÃO
Sumário

I - Se a Segurança Social podia ou não anular o acto tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica e nesse contexto emitir acto expresso de indeferimento do requerimento de protecção jurídica, é questão que só poderia ser dirimida em sede de impugnação judicial do segundo acto nos termos dos art. 27º e 28º da Lei 34/2004 de 29/07 na redacção dada pela Lei 47/2007 de 28/08.
II - Não tendo a apelante impugnado judicialmente, em harmonia com o preceituado nesses normativos, o acto administrativo expresso emitido em 15 de Fevereiro de 2018 de anulação do acto tácito e de indeferimento do pedido de apoio judiciário, não pode prevalecer-se do acto tácito.

Texto Integral

Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Na acção declarativa comum instaurada por … - Sistemas de Manutenção e Material Eléctrico Lda contra AR…, foi pela ré oferecida contestação com a qual juntou comprovativo do pedido de protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo que apresentou no Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital de Lisboa em 17 de Agosto de 2017.
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Em 08 de Novembro de 2017 foi apresentado pela ré requerimento nos autos nestes termos:
«a) A R,, em 17 de Agosto de 2017, requereu junto da Segurança Social, a protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nos termos do Art. 25nºs 1 e 2 da Lei 34/2004 de 29/7, o prazo para a conclusão do procedimento administrativo sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias;
c) Decorrido o prazo referido sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica (nº 2 do Art. 25);
d) Ora, decorreram perto de 90 dias sem que tenha sido proferida uma decisão.
Termos em que se requer a V. Exa se digne considerar tacitamente concedido a protecção jurídica da R. nos termos requeridos».
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Em 12 de Dezembro de 2017 foi proferido o seguinte despacho na 1ª instância:
«Solicite à SSocial informação sobre a decisão que recaiu sobre o pedido e A. judiciário da parte da R. Alda.».
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Em 13 de Dezembro a secretaria judicial oficiou à Segurança Social nestes termos:
«Assunto: Protecção Jurídica - nº 4 do art. 25º da Lei 3472004 de 29 de Julho
Solicita-se a V. Exa se digne informar este tribunal sobre a decisão que recaiu sobre o pedido de protecção jurídica ou a confirmação da formação do acto tácito de deferimento de protecção jurídica requerido por:
Réu: AR… (…)».
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Em 19 de Março de 2018 foi apresentado requerimento pela ré nestes termos:
«(…) notificada do indeferimento pela Segurança Social do seu pedido de protecção jurídica, vem dizer e requerer a V. Exa o seguinte:
a) Nos termos do Art. 28 da Lei 47/2007, de 28/08, compete a este Tribunal conhecer e decidir a impugnação apresentada pela R., em 07.02.2018, no Instituto da Segurança Social, IP.
b) Para tanto, nos termos do nº 3 do Art. 27º, nº 3 daquele mesmo diploma legal deverá o Instituto da Segurança Social (ISS) enviar a esse Tribunal cópia autenticada do processo administrativo.
Assim, cumpre-nos dizer e requerer a V. Exa o seguinte:
c) O Instituto da Segurança Social, nos ternos do Art. 25º nº 1 da Lei 47/2007, tinha 30 dias, contínuos, para a conclusão do procedimento administrativo. Todavia,
d) Tal prazo não foi cumprido pelo ISS pois, ao pedido formulado pela R., em 17.08.2017, foi dada resposta apenas em 16.01.2018.
e) Mais: face ao indeferimento, a R., atempadamente, impugnou tal decisão em 07.02.2018. Todavia,
f) Mais uma vez, o ISS incumpriu o prazo legal e apenas em 22.03.2018 se pronunciou, mantendo o indeferimento. Ora,
g) Nos termos do Art. 25º nº 1 da Lei 34/2004, de 29/07, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28/08, o ISS tinha 30 dias (contínuos) para se pronunciar sobre o pedido de apoio judiciário formulado pela R. - o que não cumpriu.
h) E, uma vez impugnada pela R. a decisão de indeferimento, o ISS tinha 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar a este tribunal cópia do processo administrativo - prazo que também não foi cumprido.
Face ao exposto, requer-se a V. Exa se digne decretar o deferimento tácito do pedido de protecção jurídica da R.».
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Em 09 de Abril de 2018 entrou na secretaria judicial da 1ª instância ofício do Instituto da Segurança Social com cópia do despacho proferido por Técnica Superior com data de «15-02-2018».
Nesse ofício lê-se:
«Assunto: Requerimento de Protecção Jurídica
Na sequência do requerimento de protecção jurídica formulado em 17-08-2017 por AR…, (…) nos termos do disposto no artigo 26º da Lei 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, vem notificar-se V. Exa que o pedido foi indeferido, nos termos e com os fundamentos do despacho que se junta cópia.
Esta decisão foi notificada ao requerente na mesma data.
Junta-se: cópia do despacho de indeferimento.».
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No referido como «despacho de indeferimento» lê-se, além do mais:
«O requerente apresentou requerimento de protecção jurídica no dia 17/08/2017.
Em conformidade com o disposto nos artigos 121º e segs do Decreto - Lei 34/2015 de 7 de Janeiro - Código do Procedimento Administrativo e no artigo 23º da Lei 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, foi notificado, em sede de audiência prévia, da intenção de indeferimento do pedido nas modalidades requeridas, dado que face aos normativos legais aplicáveis, e tendo em conta o rendimento apurado, apenas tinha direito a apoio judiciário na modalidade de Pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo no valor mensal de € 80,00.   
Uma vez que a situação factual comprovada é a seguinte:
(…)
Mais foi a requerente informada que caso concordasse com a modalidade proposta deveria pronunciar-se por escrito no prazo de 10 dias úteis. Declarando expressamente que aceitava a modalidade de pagamento faseado nos termos propostos, declaração que poderia enviar para a morada indicada no ofício ou ser entregue nos Serviços Informativos Locais da Segurança Social ou nas Lojas do Cidadão.                
Foi ainda informada, que se dentro do prazo legal não se pronunciasse, aceitando a proposta de decisão de indeferimento, esta se converteria em decisão definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
Informou-se também que a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é susceptível de impugnação judicial, que deve ser enviada ao serviço da segurança social que apreciou o mesmo, no prazo de 15 dias, de acordo com os artigos 26º e 27º da Lei 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007 de 28 de Agosto.
A 09/02/2018 deu entrada nestes serviços impugnação judicial enviada pela requerente, uma vez que está ainda dentro do prazo para a resposta à audiência prévia e ainda não foi emitida a decisão final, a impugnação é considerada como resposta ao nosso ofício de audiência prévia, e não seguirá para o tribunal, pelo que se mantiver a intenção de impugnar deverá remeter nova impugnação judicial.
Na sua resposta não contestou os elementos apurados, nomeadamente não comprova que o rendimento seja inferior ao que foi considerado e comunicado através do nosso ofício de audiência prévia supra indicado.
Alega ainda a requerente que não foi notificada da decisão do pedido no prazo previsto de 30 dias, alegando a formação de acto tácito de indeferimento.
Ora, concluída a instrução do pedido e tendo-se formado uma intenção de decisão, esta foi comunicada à requerente, para que esta se pronunciasse sobre a mesma, obedecendo-se assim ao estipulado no Art. 121º do Código do Procedimento Administrativo, que obriga à audiência prévia dos interessados.
Ainda que se admita a formação de acto tácito de deferimento, este é um acto administrativo, logo pode sofrer todas as vicissitudes expressas na Lei, nomeadamente a anulação administrativa prevista no artigo 165º do Código do Procedimento Administrativo, dado que não se encontra mencionado no elenco dos actos insusceptíveis de revogação enunciados taxativamente no Art. 166º do Código do Procedimento Administrativo.
Salvo melhor entendimento, e no seguimento do que se disse no parágrafo anterior, o acto de deferimento tácito apenas produzirá efeitos até à emissão do acto de anulação administrativa, neste caso o acto de indeferimento.
A partir do momento em que há um decisão expressa de sentido contrário à que resultaria do acto tácito, já não faz-sentido invocar esse acto que se baseia numa vontade presumida, uma vez que a decisão contrária está assente numa vontade expressa. A vontade expressa funciona como acto revogatório da vontade presumida.
No caso concreto, o deferimento da pretensão na modalidade de dispensa total de custos será sempre um acto ilegal, dado que o requerente, nos termos da legislação aplicável, e de acordo com a situação financeira apurada, não está em condições de beneficiar dessa modalidade.
Logo, sendo um acto ilegal está expressamente prevista a possibilidade de anulação administrativa, nos termos do art. 165º n.º 2 do Códigos do Procedimento Administrativo.
De acordo com a factualidade descrita o(a) Requerente não se encontra em condições de beneficiar de protecção jurídica na(s) modalidade(s) requerida(s) nos termos dos artigos 7º e 8º da Lei n.? 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, por aplicação dos critérios estabelecidos e publicados em Anexo à citada Lei, conjugados com a Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto.
Assim, no uso da competência prevista no artº 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho com as alterações introduzidas pela Lei 47/2007, de 28 de Agosto, INDEFIRO o presente requerimento de Apoio Judiciário.».
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Em 03 de Maio de 2018 a 1ª instância proferiu o seguinte despacho:
«O teor integral da decisão sobre o indeferimento do A. judiciário - fls 255 e seguintes, já notificado à ora R. em Fevereiro do ano corrente, identifica os seus fundamentos e relata todo o processo de instrução do mesmo, que concluiu pelo indeferimento.
Face ao exposto, indefere-se ao requerido a fls. 253 e 254.
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Com a legal advertência, cumpra-se o disposto no art. 570º nº 3 do CPC.».
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Inconformada, apelou a ré, terminando a alegação com estas conclusões:
1. Em 17.08.2017 a Apelante requereu à Segurança Social (SS) a protecção jurídica.
2. Nos termos do Art. 25 nºs 1 e 2 da Lei 34/2004, de 29/7, o prazo para conclusão do procedimento administrativo é de 30 dias contínuos.
3. Em 08.11.2017 (sem que a SS se tenha ainda pronunciado), a Apelante requereu ao Tribunal “a quo” fosse accionado aquele Art. 25 e lhe fosse concedida tacitamente a protecção jurídica.
4. Em 13.12.2017, o Tribunal intimou a SS (nos termos do nº 4 do Art. 25 da Lei 34/2004 de 29/7) para informar o Tribunal da decisão.
5. Ou seja, nos termos daquela disposição legal, a SS tinha dois dias úteis para se pronunciar mas, mais uma vez, infringiu a lei e só respondeu mais de um mês depois. Ou seja,
6. Salvo o devido respeito, não se afigura aplicável à Apelante o Art. 570 do CPC pois aquando do seu requerimento referido em c), em 08.11.2017, já tinha caducado o prazo legalmente concedido à SS para se pronunciar.
7. Pelo que a Apelante já estava isenta de qualquer pagamento e beneficiar tacitamente do pedido de protecção jurídica.
Nestes termos e nos demais de Direito do douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o despacho recorrido ser revogado substituindo-se por um outro concedendo à Apelante a dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo por lhe dever ser concedido o pedido de protecção jurídica, assim se fazendo a habitual e tão necessária justiça.
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Não há contra-alegação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelante, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se está deferido tacitamente o requerimento de protecção jurídica
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III - Fundamentação
A factualidade e dinâmica processual a considerar é a que consta no relatório.
O artigo 20.º da Lei 34/2004 de 29/07, com a redacção dada pela Lei 47/2007 de 28/08, prescreve:
«1 - A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.
2 - No caso de o requerente não residir ou não ter a sua sede em território nacional, a decisão referida no número anterior compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social onde tiver sido entregue o requerimento.
3 - A competência referida nos números anteriores é susceptível de delegação e de subdelegação.
4 - A decisão quanto ao pedido referido nos n.ºs 6 e 7 do artigo 8.º-A compete igualmente ao dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica, sendo susceptível de delegação e de subdelegação.».
O art. 24º preceitua:
«1 - O procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta, com excepção do previsto nos números seguintes.
2 - Nos casos previstos no n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil e, bem assim, naqueles em que, independentemente das circunstâncias aí referidas, esteja pendente impugnação da decisão relativa à concessão de apoio judiciário, o autor que pretenda beneficiar deste para dispensa ou pagamento faseado da taxa de justiça deve juntar à petição inicial documento comprovativo da apresentação do respectivo pedido.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça ou da primeira prestação, quando lhe seja concedido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão que indefira, em definitivo, o seu pedido, sob a cominação prevista no n.º 5 do artigo 467.º do Código de Processo Civil.
4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo. 5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:
a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;
b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.».
Por sua vez, o art. 25º dispõe:
«1 - O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
2 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica.
3 - No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito e, quando estiver em causa um pedido de nomeação de patrono, a tramitação subsequente à formação do acto tácito obedecerá às seguintes regras:
a) Quando o pedido tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, o tribunal em que a causa está pendente solicita à Ordem dos Advogados que proceda à nomeação do patrono, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º;
b) Quando o pedido não tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, incumbe ao interessado solicitar a nomeação do patrono, nos termos da portaria referida no n.º 2 do artigo 45.º
4 - O tribunal ou, no caso referido na alínea b) do número anterior, a Ordem dos Advogados deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do acto tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis.
5 - Enquanto não for possível disponibilizar a informação de forma desmaterializada e em tempo real, os serviços da segurança social enviam mensalmente a informação relativa aos pedidos de protecção jurídica tacitamente deferidos ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, à Ordem dos Advogados, se o pedido envolver a nomeação de patrono, e ao tribunal em que a acção se encontra, se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial.».
E o art. 26º determina:
«1 - A decisão final sobre o pedido de protecção jurídica é notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de patrono, também à Ordem dos Advogados.
2 - A decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º
3 - (Revogado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.)
4 - Se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a acção se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária.
5 - A parte contrária na acção judicial para que tenha sido concedido apoio judiciário tem legitimidade para impugnar a decisão nos termos do n.º 2.».
O art. 27º prevê:
«1 - A impugnação judicial pode ser intentada directamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
2 - O pedido de impugnação deve ser escrito, mas não carece de ser articulado, sendo apenas admissível prova documental, cuja obtenção pode ser requerida através do tribunal.
3 - Recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de protecção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.».
E o 28º:
«1 - É competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.
2 - No caso de existirem tribunais de competência especializada ou de competência específica, a impugnação deve respeitar as respectivas regras de competência.
3 - Se o tribunal se considerar incompetente, remete para aquele que deva conhecer da impugnação e notifica o interessado.
4 - Recebida a impugnação, esta é distribuída, quando for caso disso, e imediatamente conclusa ao juiz que, por meio de despacho concisamente fundamentado, decide, concedendo ou recusando o provimento, por extemporaneidade ou manifesta inviabilidade.
5 - A decisão proferida nos termos do número anterior é irrecorrível.».
Apreciemos então o que sucedeu no caso concreto.
A ora apelante requereu a concessão de protecção jurídica no competente serviço da Segurança Social em 17 de Agosto de 2017.
Em 12 de Dezembro desse ano, portanto cerca de 4 meses depois, aquele serviço ainda não tinha comunicado a decisão ao tribunal.
No despacho daquele serviço, com data de «15-02-2018», está escrito que a requerente foi notificada, em sede de audiência prévia, da intenção de indeferimento do pedido.
Nesse despacho não se diz em que data foi a requerente notificada em sede de audiência prévia.
Mas refere-se que em 09 de Fevereiro de 2018 deu entrada impugnação judicial enviada pela requerente, a qual a Segurança Social considerou resposta ao ofício da audiência prévia com a explicação: «uma vez que está dentro do prazo para a resposta à audiência prévia e ainda não foi emitida a decisão final».
Portanto, como nesse despacho é dito que a requerente foi informada de que tinha 10 dias para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento, é óbvio que a notificação alegadamente em sede de «audiência prévia» ocorreu vários meses depois de ter sido requerida a protecção jurídica.
O art. 13º do CPA (Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo DL 4/2015 de 07/01) estabelece:
«1- Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam directamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.
2 - Não existe dever de decisão quando, há menos de dois anos, contados da data da apresentação do requerimento, o órgão competente tenha praticado um ato administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular com os mesmos fundamentos.
(…)».
O art. 121º dispõe:
«1 - Sem prejuízo do disposto no art. 124º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 - (…)
3 - A realização da audiência suspende a contagem em todos os procedimentos administrativos.».
Por sua vez, o art. 130º prescreve:
«1 - Existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre a pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
2 - Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão.
3 - O prazo legal de produção do deferimento tácito suspende-se se o procedimento estiver parado por motivo imputável ao interessado e só se interrompe com a notificação de decisão expressa.
(…)».
Assim, face ao disposto nestes normativos e no art. 25º da Lei 34/2004 tem de se considerar que foi tacitamente deferido o requerimento de protecção jurídica muito antes da data em que ocorreu a notificação para a alegada «audiência prévia».
Sucede que veio a técnica daquele serviço da Segurança Social dizer que sempre teria de se entender que o acto administrativo de deferimento tácito é ilegal e que por isso pode ser anulado e que o despacho de indeferimento corresponde à anulação.
Vejamos.
Para efeitos do disposto CPA consideram-se actos administrativos as decisões que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (art. 148º).
De harmonia com o disposto no art. 163º, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção, podendo ser destruídos com eficácia retroactiva se os actos vierem a ser anulados por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria administração.
Na apontada decisão da Segurança Social refere indistintamente, sem qualquer rigor jurídico, revogação e anulação.
Na verdade, o art. 165º dá os conceitos de revogação e de anulação nestes termos:
«1 - A revogação é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.
2 - A anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade.».
E diz o art. 167º:
«1 - Os atos administrativos não podem ser revogados quando a sua irrevogabilidade resulte de vinculação legal ou quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.
2 - Os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados:
a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários;
b) Quando os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis;
c) (…)
3 - Para efeitos do disposto na presente secção, consideram-se constitutivos de direitos os atos administrativos que atribuam ou reconheçam situações jurídicas de vantagens ou eliminem ou limitem deveres, ónus ou sujeições, salvo quando a sua precariedade decorra da lei ou da natureza do ato.
(…)».
Mas afigura-se que aquela decisão de indeferimento configura anulação administrativa (neste sentido, v. Ac do TCA Sul de 07/05/2017 - P. 10240/13.7BCLSB-A).
Diz o art. 168º:
«1 - Os actos administrativos podem ser objecto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa da invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro de agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respectiva emissão.
2 - Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respectiva emissão.
(…)».
Se a Segurança Social podia ou não anular o acto tácito e nesse contexto emitir acto expresso de indeferimento do requerimento de protecção jurídica é questão que só poderia ser dirimida em sede de impugnação judicial do segundo acto nos termos dos art. 27º e 28º da Lei 34/2004 (sobre esta questão v. também o Ac da RP de 08/01/2018 - P. 332/15.3T8ETR-B.P1).
Ora, decorre do processado que a apelante não impugnou judicialmente, em harmonia com o preceituado nesses normativos, o acto administrativo expresso emitido em 15 de Fevereiro de 2018 de anulação do acto tácito e de indeferimento do pedido de protecção jurídica.
Em consequência, não pode proceder a apelação.
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Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 11 de Outubro de 2018

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos       

Eduardo Petersen