TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Sumário

I - O 9.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 1 de setembro de 1993, é também aplicável aos contratos celebrados após o início de vigência daquele diploma, não tendo sido revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aprovou o novo Código de Processo Civil.
II - O contrato de abertura de crédito em conta corrente (celebrado pela C... em 2009) é um dos contratos subsumíveis na previsão desse normativo, constituindo título executivo suficiente desde que complementado pelo extrato de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respetivo montante, tratando-se, assim, de título executivo complexo.
III - Tendo o documento que consubstancia o referido contrato sido junto com o requerimento executivo e mostrando-se aí alegada a factualidade atinente à utilização da verba correspondente à quantia exequenda, faltando apenas o documento complementar, não se justifica o indeferimento liminar sem que previamente, ao abrigo do dever de gestão processual (artigos 6.º e 726.º, n.º 4, do CPC), o juiz tenha convidado a exequente a juntar aos autos o documento em falta.
IV - Constatando-se, em sede de recurso, ter sido entretanto efetuada essa junção pela Exequente, torna-se mesmo desnecessário um tal convite, pelo que os autos devem prosseguir os trâmites processuais próprios da ação executiva.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

C..., S.A. interpõe recurso de apelação da decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo proferida na ação executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, que instaurou contra R..., Lda., S... e E....

No requerimento executivo, apresentado em 20-09-2017, a Exequente alegou o seguinte:
1. Como é do conhecimento da generalidade das pessoas, a Exequente exerce a actividade bancária.
2. No exercício da sua actividade e a pedido da Mutuária R..., Lda., no dia 12.05.2009, a Exequente celebrou com ela um Contrato de Abertura de Crédito em Conta-Corrente (de utilização simples) - cfr. doc. 1 que se junta e que se dá, como os demais, por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
3. Através de tal Contrato, a Exequente concedeu-lhe um empréstimo no montante de € 100.000,00 (cfr. cláusula 5.ª do contrato), destinado a apoiar a cliente nas suas necessidades tempoprárias de tesouraria, bem descrito na cláusula 3.ª do Contrato.
4. De acordo com o Contrato junto, e nos temos do art. 724.º, n.º 1, alínea e) do C.P.C., foram convencionadas, além do mais, as Cláusulas (que aqui se dão como reproduzidas) acerca:
a) Do número de prestações mensais, através das quais o mútuo, bem como os respectivos juros, haveriam de ser pagos;
b) Da taxa de juro aplicável ao empréstimo;
c) Dos juros moratórios em caso de incumprimento ou atraso no pagamento, calculados de acordo com a respectiva Cláusula do Contrato.
5. Ora, as prestações convencionadas deixaram de ser pagas em 12.05.2014 (inclusive), o que implicou a resolução do Contrato, sendo devido o pagamento da totalidade do empréstimo, o que deriva do art. 781.º do C.C. (e do teor do Contrato).
6. Ficou, assim, em dívida, de capital, a quantia de € 100.000,00, sobre a qual incidem os juros remuneratórios e moratórios constantes do item "Liquidação da Obrigação".
7. A legitimidade passiva dos executados E... e S..., advém do facto de os mesmos se terem constituído avalistas, garantia essa decorrente da subscrição de uma livrança em branco pela mutuária e avalizada pelos mesmos, para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo (cfr. cláusulas 21.ª e 24.ª do Contrato).
8. O presente Contrato reveste a forma de título executivo, de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 (Processo n.º 340/2015), relativamente ao pedido de declaração de inconstitucionalidade sobre a aplicação do artigo 703.º do Código de Processo Civil (CPC), aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, que são agora exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, resultante da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC, com o disposto no artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
Para além do capital em dívida de € 100.000,00, as verbas calculadas são as seguintes:
- Juros remuneratórios e moratórios, calculados desde 12.05.2014 até 06.09.2017, à taxa de 12,727%, no valor de € 39.027,39, nestes já incluídos os juros de mora à taxa de 3% ao ano;
- Despesas no valor de € 26,49;
- Comissões no valor de € 9.839,87.
Ao capital em dívida supra referido, haverá ainda que acrescentar os juros vencidos e vincendos calculados à taxa supra referidas até ao efectivo e integral pagamento, conta a elaborar, a final, pela Agente de Execução, nos termos do artigo 716.º, n.º 2 do C.P.C.
Juntou um documento: o referido contrato de abertura de crédito assinado pelos Executados, datado de 4 de maio de 2009.

De seguida, foi proferido despacho de indeferimento liminar (decisão recorrida), do qual consta designadamente o seguinte:
No caso presente, a exequente procedeu à junção do contrato e abertura de Crédito em conta corrente, de utilização simples, desacompanhado de qualquer documento complementar para este tipo de contrato, uma vez que apenas com este documento se fixa a prestação e a sua exigibilidade.
Do exposto resulta que o crédito da exequente não se encontra perfeitamente definido e, como tal, exequível.
Em suma, pelos motivos expostos e da análise do documento dado à execução, verifica-se que não existe qualquer composição efectiva, definitiva e, consequentemente, vinculativa, relativamente à prestação e obrigação que a exequente invoca, não revestindo, assim, tal documento, título executivo.
O título dado à execução não reúne, assim, todos os requisitos para que possa constituir verdadeiro título executivo.
É certo que o título dado à execução é de 12/5/2009, conforme se extrai da cláusula n° 27.4. do referido contrato. Assim, o título dado à execução foi emitido em data anterior à vigência do novo CPC, mais precisamente na vigência do CPC na redacção dada pelo Dec. Lei 226/2008, de 22/11, pelo que não podemos deixar de analisar o referido título à luz da lei vigente à data da sua formação.
O Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.° do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.° 41/2013 de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.° n.° 1 alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.° da Constituição) - cfr. acórdão n.°408/2015.
Consequentemente, a reflexão acerca da exequibilidade do título deverá ser feita à luz do artigo 46° n.°1 c) do CPC, na redacção anterior às alterações provocadas pela Lei 41/2013 de 26 de Junho.
Tomando como premissa o quadro jurídico traçado e a exegese do documento junto pela exequente, entendemos inexistir título válido para a execução pelos mesmos fundamentos já acima expostos.
Com efeito, a possibilidade de efectuar prova complementar do título, nos termos a que se referem os artigo 804° do VCPC (na redacção anterior) e 715° n.° 1 do NCPC, está vedada nos casos em que o título é um mero documento particular simples, uma vez que tal disposição deve ser conjugada com o artigo 50° do VCPC (correspondente ao actual artigo 707°), o qual apenas prevê essa possibilidade para os documentos autênticos ou autenticados.
Assim se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/01/2010 (in www.dgsi.pt): Para se poder afirmar a exequibilidade dos documentos particulares mencionados na alínea c) do artigo 46.° do Código de Processo Civil, os mesmos têm de formalizar "a constituição de uma obrigação", ou seja, serem 'fonte de um direito de crédito" ou, deles se poder reconhecer a "existência de uma obrigação já anteriormente constituída". No caso de se convencionarem prestações futuras, impõem-se ainda uma obrigação suplementar, a apresentação de prova complementar do título executivo, nos termos consignados no artigo 50. ° do Código de Processo Civil, cuja aplicação é circunscrita aos "documentos exarados ou autenticados por notário", não sendo, pois, de aplicação aos casos em que tais obrigações futuras se contenham em documentos particulares".
Neste sentido, pronunciou-se o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão de 01/07/2010 (in www.dgsi.pt): "Sendo convencionada ou prevista a constituição de prestações futuras, terá de ser anexado documento emitido na sua conformidade, demonstrativo da efectiva realização de alguma prestação ou da constituição de obrigação, no seguimento do previsto pelas partes (art. 50° do CPC). E isto, porque é necessário que o título permita certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, pois só assim representa um facto jurídico constitutivo do crédito e que deve emergir do próprio título (cfr. Alberto dos Reis, processo de Execução, I, pág. 125). Se não for junto tal documento complementar, que deve obedecer às condições estabelecidas no documento que constitui o título-base, não há prova da existência de obrigação dotada de força executiva (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., pág.73, Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 49 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 80).
Em suma, também à luz do artigo 46° n.°1 c) do CPC (na anterior redacção), o título dado à execução não reúne as condições necessárias para que possa constituir um verdadeiro título executivo, pelo que se conclui pela inexequibilidade do título dado à execução.
Face ao exposto, indefere-se liminarmente o requerimento executivo, por falta de título executivo.

É contra esta decisão que a Exequente se insurge, no presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1) O presente recurso foi interposto da douta Sentença proferida pelo Mmo. Juiza quo com a referência 44968905, a qual indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
2) Ora, decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo não fez nem a correta nem a adequada aplicação do Direito.
3) Está a Apelante convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
4) Com efeito, em 20/09/2017, a ora Recorrente C..., S.A. (doravante designada por C...) instaurou a presente ação executiva, apresentando como título executivo um contrato de abertura de crédito em conta corrente devidamente assinado pelos Executados.
5) Contudo, o douto Tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento executivo por entender que a Exequente, ora Recorrente, não dispõe de título executivo.
6) No entanto, como se demonstrará, o documento que a Exequente (ora Recorrente) deu à execução constitui, na verdade, título executivo, senão vejamos.
7) Determina o n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC), que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
8) Nesse seguimento, o contrato de abertura de crédito de abertura de crédito em conta corrente que titula os autos de execução subjudice reveste a forma de título executivo, de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015 (processo n.º 340/2015), relativamente ao pedido de declaração de inconstitucionalidade sobre a aplicação do artigo 703.º do CPC, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, que são agora exequíveis por força do artigo 46.º n.º 1 alínea c), do CPC de 1961, resultante da conjugação do disposto no artigo 703.º do CPC, com o consignado no artigo 6.º, n.º 3, da supracitada Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
9) Analisado o requerimento executivo, verifica-se que, apesar de o mesmo ter dado entrada nos autos após a vigência do novo Código de Processo Civil, da análise do título dado à execução verifica-se que o contrato de abertura de crédito em conta corrente foi celebrado em 12/05/2009.
10) Por conseguinte, em face do decidido no douto Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (n.º 408/2015), a apreciação da existência de título executivo deverá ser realizada em conformidade com o disposto no artigo 46.º do anterior Código de Processo Civil.
11) Assim, determina o referido artigo 46.º alínea c) do anterior CPC que constituem título executivo: "os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigações de entrega de coisa ou de prestação de facto."
12) Do exposto resulta que a aqui Recorrente dispõe de título executivo bastante e suficiente para a instauração da presente ação executiva.
13) A este propósito, o Tribunal da Relação de Coimbra define no seu Acórdão de 19/12/2012 o contrato de abertura de crédito como "aquele pelo qual o banco - creditante - se obriga a colocar à disposição do cliente - creditado - uma determinada quantia pecuniária - acreditamento ou linha de crédito -por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respetivos juros e comissões." (disponível em …)
14) Na verdade, o contrato de abertura de crédito em conta corrente é um contrato com uma relevante função prática na medida em que para o creditado, ele assegura antecipadamente a disponibilização dos fundos considerados necessários para que o Creditado possa realizar um determinado negócio em condições financeiras e operacionais mais vantajosas do que no caso de um empréstimo bancário (já que este implicaria o pagamento imediato de juros, além de permitir mobilizar o montante disponibilizado na estrita medida das duas necessidade)
15) Através do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessita, numa conta-corrente com o banqueiro.
16) Neste sentido, concluem os autores José Lebre de Freitas, João Rendinha e Rui Pinto que "no âmbito do artigo 50.º cabe o contrato de abertura de crédito tipificado, entre outras operações bancárias, no artigo 362.º do Código Comercial" (cfr. o Código de Processo Civil anotado, volume 1, 1999).
17) Portanto, através do contrato de abertura de crédito em conta corrente, o Banco obriga-se a disponibilizar ao cliente a utilização de determinada quantia em dinheiro durante certo período de tempo.
18) Por outro lado, o cliente obriga-se a reembolsar ao Banco não só os montantes colocados à sua disposição, mas também as comissões e os respetivos juros convencionados.
19) Sendo certo que a obrigação de reembolso surge após a disponibilização efetiva do crédito, pelo que para efeitos de exequibilidade, deverá ser junto ao contrato um documento complementar que faça a prova dessa disponibilização de dinheiro ao cliente o que, na verdade, foi efetuado pela Exequente, aqui Recorrente.
20) Nesta lógica de raciocínio, o Banco vinculou-se a entregar aos seus clientes, se e quando estes o solicitassem, a importância do crédito, e os clientes que não eram ainda titulares efetivos de qualquer soma, apenas tendo uma disponibilidade (que podia ou não vir a utilizar) por sua vez, obrigaram-se a restituir as somas que viessem a utilizar, com os acréscimos clausulados.
21) Na verdade, a disposição efetiva dos fundos a favor do creditado constitui a segunda fase do contrato.
22) Posto isto, por um lado, é pacífica a inexigibilidade de o contrato de abertura de crédito se revestir de autenticidade ou, ao menos, de autenticação.
23) Aliás, não decorre do artigo 50.º do CPC (correspondente ao atual art. 707. do CPC) a obrigação de tais contratos serem exarados ou autenticados por notário.
24) Além disso, a revisão de 1997 veio alargar a letra do artigo 50.º do CPC (atual artigo 707.º do CPC) aos documentos autenticados, tendo subsistido o entendimento amplo nos termos do qual a doutrina deste artigo continua a dever ser estendida aos documentos particulares, como defende José Lebre de Freitas (in, "Acção Executiva (depois da reforma da reforma)", 5.ª edição).
25) Neste seguimento, se no quadro legal se puder reconhecer a exequibilidade a um documento particular (simples) nos termos do artigo 46.º n.º 1 alínea c), afigura-se sensato que, face a um documento particular com reconhecimento presencial de assinaturas (apoiado por um instrumento de prova, elaborado de acordo com o convencionado naquele, a indicar os créditos efetivamente dados), não se imponha ao credor o recurso a uma ação declarativa destinada à recognição desses créditos (neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/12/2012 disponível em (…)
26) Com efeito, considera-se que a natureza indiciadora do título executivo não tem de resultar de um atomístico e único documento, podendo igualmente resultar de uma ajustada combinação de documentos probatórios.
27) Conforme posição sufragada no supracitado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/12/2012) "Do exposto se pode concluir que, por um lado, em matéria de documento particular simples, é primordial para o exame da sua exequibilidade, o ajustamento à previsão normativa do artigo 46.º n.º 1 alínea c). Por outro lado, a disposição do artigo 50.º do CPC pode também ajustar-se àqueles outros documentos em que se não detetam razões de substância para a sua exclusão, sendo certo que esta disposição não comporta uma norma estrita e fechada, mas, ao invés, é ela um indício de um princípio mais geral."
28) Assim, atendendo novamente ao artigo 46.º, alínea c) do CPC, aqui aplicável, temos que o contrato de abertura de crédito é um documento particular assinado pelos Executados, que importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair de futuro - e que a aqui Exequente alegou na execução terem já sido assumidas - determináveis por simples cálculo aritmético.
29) Sendo de realçar que o Legislador, ao referir-se na alínea c) do artigo 46.º a montante determinável nos termos do artigo 805.º do CPC (art. 715.º do atual CPC), terá pretendido abranger a dívida de futuro, passível de determinação aritmética.
30) Ora, conforme determinava o artigo 804.º do anterior CPC (correspondente ao atual artigo 715.º do CPC), se a obrigação estiver dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte de credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar que se verificou a condição ou que se efetuou ou ofereceu a prestação, ín casu, que a quantia peticionada no requerimento executivo foi disponibilizada aos Executados, a pedido destes, prova esta feita pela Exequente.
31) Desta feita, os extratos e a nota de débito (cfr. doc. 1 e doc. 2, respetivamente), cuja junção se requer nos termos da parte final do artigo 651.º do CPC e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, suportam e comprovam que os montantes peticionados nestes autos foram disponibilizados aos Executados, constando não só de tais documentos os concretos movimentos bancários efetuados, mas também os montantes em dívida.
32) O que comprova que a quantia exequenda peticionada nos autos de execução é efetivamente devida por ter sido disponibilizada nos termos convencionados e utilizados pelos Executados.
33) Pelo que, não podem subsistir quaisquer dúvidas de que de que a nota de débito (da qual resulta a expressa menção ao número do contrato que titula os autos de execução) e o extrato de conta são legítimos e dizem respeito ao crédito efetivamente disponibilizado no âmbito do contrato de abertura em conta corrente ora em crise.
34) Ademais, sempre se dirá que tais documentos foram emitidos em conformidade com as operações bancárias determinadas no contrato e, por isso, obedecem às condições estabelecidas no documento que constitui título base.
35) Realça-se, além disso que a aqui Recorrente, enquanto entidade bancária, é regulada e fiscalizada por entidades externas, o que, mais uma vez, atesta a veracidade do extrato junto.
36) Ademais, a Exequente sempre pautou a sua atitude negocial (de financiamento, única e exclusivamente) com ética, transparência, correção e seriedade, tendo exercido a sua atividade no estrito cumprimento da boa-fé e da lei, bem como em conformidade com as diretivas e instruções das entidades reguladoras do sector, diretivas estas que nortearam a emissão do extrato junto.
37) Assim, mais uma vez, não pode subsistir qualquer dúvida de que o contrato de abertura de crédito aqui em causa constitui, na verdade, título executivo, sendo que da combinação dos elementos juntos (contrato, nota de débito e extratos bancários), conclui-se tanto pela existência da obrigação, mas também pela concretização do seu montante e a dispensa do reconhecimento da obrigação por via de ação declarativa.
38) No seguimento do que se acaba de referir, releva ainda mencionar que tal contrato foi celebrado no âmbito da liberdade contratual e no pleno exercício da autonomia privada.
39) Sendo certo que, conforme determina o artigo 405.º do Código Civil, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver.
40) Por conseguinte, aquando da celebração de um contrato de abertura de crédito, o Banco analisa a condição económica do Cliente e aí poderá entender ser necessária a constituição de determinadas garantias reais ou pessoais que melhor garantam os seus legítimos interesses no caso de incumprimento.
41) Ou seja, a livrança entregue ao Banco Exequente surge-nos como uma garantia adicional e não um afastamento da exequibilidade do contrato. Mais, ainda que o quisessem - que não queriam in casu -, as partes em nenhuma circunstância poderiam afastar a exequibilidade de um título executivo.
42) Assim, se qualquer dos intervenientes não estiver de acordo com a proposta de contratualização que lhe é apresentada, poderá sempre recusar outorgar o contrato, propor novas cláusulas, ou então, propor outra garantia para satisfação do crédito em caso de incumprimento.
43) Compulsado o contrato ora em crise, verifica-se que as partes (ou seja, também os Executados) declararam aceitar as cláusulas insertas no contrato, pelo que, ao tendo-o assinado, os Executados ficaram cientes das responsabilidades por si assumidas.
44) O contrato assinado constitui, na verdade, o resultado das negociações encetadas e traduz a vontade de todas as partes nele envolvidas, pelo que se os Executados o assinaram, é porque aceitaram as cláusulas nele apostas por estarem de acordo com os seus propósitos.
45) O contrato em causa foi celebrado, note-se, a pedido dos próprios Executados, estando as respetivas assinaturas reconhecidas notarialmente o que, em bom rigor, constitui um reconhecimento de uma obrigação pecuniária cujo montante é determinável por simples cálculo aritmético.
46) Do exposto resulta que o contrato em causa acarreta direitos, deveres e responsabilidades para todos os intervenientes.
47) Aliás, conforme posição sufragada no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 04.06.2013, "Para que um documento particular possa valer como título executivo relativamente a quem nele figura como devedor -em conformidade com o art. 46º, nº 1, alínea c), do C.P.C. - basta que o mesmo esteia assinado pelo referido devedor, sendo irrelevante para a exequibilidade do título a circunstância de o nome do devedor e demais elementos de identificação não constarem do texto do documento". Por conseguinte, também não se poderá restringir as obrigações que se pretendiam fazer recair sobre um dos contratantes, por se atribuir a designação de avalista. Aliás, conforme posição já sufragada, em nenhuma das cláusulas se refere que os segundos contraentes apenas assinaram na qualidade de avalistas (cfr. o Acórdão referente ao Proc. n.º 5366/09.4T2AGD-A.C 1, disponível em (…)
48) Razão pela qual, não importa a nomenclatura utilizada no contrato, relevando, apenas o alcance das respetivas cláusulas.
49) Aliás, in casu, a responsabilidade solidária dos Executados decorre do próprio contrato dado à execução, sendo que, conforme resulta dos autos, os mesmos foram demandados não como avalistas do contrato mas como devedores.
50) Por conseguinte, ao responsabilizarem-se solidariamente - por vontade própria -, renunciaram tacitamente ao benefício da excussão prévia, passando a responder, desta forma, pela prestação integral e cumprimento da dívida.
51) Em bom rigor, o facto de se convencionar a entrega de uma livrança não se pode retirar que com essa mesma entrega da garantia se pretendeu retirar a força executiva do contrato que então se celebrou e que titula os autos principais de execução.
52) Com efeito, resulta da cláusula 21.º do contrato dado à execução que, "Todas e quaisquer quantias que sejam ou venham a ser devidas à Caixa pela Cliente no âmbito do presente contrato, quer a título de capital, quer de juros, remuneratórias ou moratórios, comissões, despesas ou quaisquer outros encargos ficam garantidas pelo aval prestado na livrança prestada no n.º 24, caso a Caixa decida proceder ao seu preenchimento de acordo com o pacto de preenchimento", não retirando, assim, a exequibilidade do contrato.
53) Estipula, igualmente, a cláusula 24.º do contrato que, "Para titular e assegurar o pagamento de todas as responsabilidades decorrentes do empréstimo, a Cliente e os Avalistas atrás identificados para o efeito entregam à caixa, neste acto, uma livrança com montante e vencimento em branco, devidamente datada, subscrita pela primeira e avalizada pelos segundos, e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa".
54) Por sua vez, resulta do ponto 13 do contrato ora em crise que o pagamento seria, à partida, efetuado através da conta à ordem associada ao contrato de abertura de crédito que a sociedade executada deveria manter devidamente provisionada. Porém, caso tal conta não se mostrasse devidamente provisionada, estipulou-se no ponto 13.º a possibilidade de o Banco utilizar quaisquer valores existentes em outras contas em nome quer da referida sociedade, quer dos segundos contratantes.
55) Desta forma, os Avalistas respondem simultaneamente com a devedora, sendo igualmente responsáveis pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato.
56) Aliás, resulta inequivocamente da cláusula 13. do contrato dado à execução que os Executados respondem em simultâneo e solidariamente com a devedora, responsabilizando-os, desta forma, pelo cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, pelo que os mesmos assumem aí a posição de devedores.
57) Acresce ainda referir que a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade das partes teriam se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, nos termos do artigo 239.º do Código Civil. Sendo inequívoco que, do contrato dado à execução, resulta que os Executados pretendiam responsabilizar-se solidariamente com a devedora.
58) Por conseguinte, resulta claro dos autos que todos os Executados se responsabilizaram solidariamente e como principais pagadores. Pelo que, ao assinar o contrato, tinham pleno conhecimento do alcance das cláusulas contratadas por traduzir a vontade negocial dos mesmos.
59) De referir que o n.º 1 do artigo 53.º do CPC enuncia a regra geral da legitimidade para a ação executiva - diferente da que rege para a ação declarativa (artigo 30.º do CPC) -, conferindo-a a quem figura no título como credor (legitimidade ativa) ou como devedor da obrigação exequenda (legitimidade passiva).
60) Sem prejuízo, caso não seja esse o entendimento, e por mero dever de patrocínio, sempre se referirá que o contrato dado à execução constitui título executivo à luz do n.º 4 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto.
61) É consabido que o Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto - o qual transformou a C..., S.A., Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente público - determina no n.º 4 do artigo 9.º do seu Diploma preambular que "os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades." (sublinhado nosso).
62) Ora, o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil consagra que "a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador."
63) Quer tal significar que, "a lei geral não derroga lei especial que já exista, a não ser que o faça expressamente", conforme defende, a título de exemplo, o Acórdão de 09/07/2009 do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo n.º 3596/09.4TCLSB.L 1-8.
64) Conforme é entendimento do Autor Abílio Neto, "a lei que altera um regime geral não se presume que altere normas especiais que, para casos particulares, dispõem de modo diferente" (in Código Civil Anotado, Ediforum, Edições Jurídicas, Lda., 1996, pág. 18).
65) A existência de intenção inequívoca do Legislador deve assentar em referência expressa na própria lei ou, pelo menos, em um conjunto de vetores incisivos que a ela equivalham, pelo que, quando se pretenda, através duma lei geral, revogar leis especiais, designadamente quando se vise firmar um regime genérico e homogêneo, há que dizê-lo, recorrendo à revogação expressa ou, no mínimo, a uma menção revogatória clara, do gênero, são revogadas todas as leis em contrário, mesmo as especiais. (cfr. Menezes Cordeiro, "Da aplicação da lei no tempo e das disposições transitórias", em Cadernos de Ciência da Legislação, INA, n.º 7, 1993, págs. 17 e ss, apud Abílio Neto, Código Civil Anotado, 13.ª edição atualizada, 2001, pág. 20).
66) Com efeito, o supracitado n.º 4 do artigo 9.º do diploma preambular do Decreto-lei n.º 287/93 continua, claramente em vigor, não tendo sido expressamente revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo Código.
67) Por outro lado, sempre se dirá que o novo Código também não revoga tacitamente as leis em contrário, ainda que especiais.
68) O supracitado n.º 4 do artigo 9.º faz, desta forma, parte de um diploma (Decreto-Lei n.º 287/93) que constitui uma lei especial, a qual, não tendo sido expressamente revogada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, mantém as regras de atribuição de força executiva aos contratos celebrados com a C....
69) Pelo que, não corresponde à verdade o fundamento constante na sentença proferido pelo douto Tribunal a quo, quando refere que "à luz do artigo 46.º n.º 1 c) do CPC (na anterior redação), o título dado à execução não reúne as condições necessárias para que possa constitui um verdadeiro título executivo".
70) Não podendo subsistir qualquer dúvida, em face do que atrás se acabou de expor, de que o Decreto-Lei n.º 278/93, de 20 de Agosto, não tendo sido revogado contínua em vigor e que o contrato dado à execução é título executivo por ter sido assinado pelos Executados.
71) Deste modo, "O documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela C..., e assinado pelo devedor, constitui título executivo; este título atípico não falseia a concorrência entre instituições financeiras." (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/06/2015, proferido no âmbito
do processo n.º 133/14.6T8ENT.E 1, disponível em (…)
72) Ou seja, "o documento que titula um contrato de mútuo, concedido pela C... e assinado pelo devedor, constitui título executivo nos termos do art.º 9.º n.º 4 do DL n.9 287/93, de 20 de Agosto e do artigo 703.º n.º 1, al. d) do CPC." (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26/01/2015, referente ao processo n.º 1162/14.5T8PRT.P 1, disponível em (…)
73) Não será excessivo referir ainda a posição sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a este propósito, no douto Acórdão proferido em 10/03/2016, no âmbito do processo 22/14T8AGH-2.L 1-2 (disponível em …)
74) Assim, atendendo a que o supracitado preceito legal (artigo 9.º n.º4, do Decreto-Lei 287/93, de 20 de Agosto) não foi objeto de revogação expressa pela já referida Lei n.º 41/2013, de 26/6, é entendimento da Recorrente de que o contrato de abertura de crédito em conta corrente, efetivamente, conserva a sua força executiva.
75) Sendo a obrigação peticionada nos autos de execução, certa, líquida e exigível, tendo a Recorrente, no estrito cumprimento e respeito pelos princípios legais, movido contra os executados a ação executiva em apreço, não subsistindo qualquer dúvida de que o contrato dado à execução é título executivo, podendo a ação executiva prosseguir os seus normais termos até final e integral pagamento da quantia peticionada.
76) Sendo que, ao assim não ter considerado, a decisão proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo fez, como já se referiu, uma incorreta interpretação e desadequada aplicação do Direito, devendo, por isso, ser tal decisão revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da ação executiva até ao efetivo e integral pagamento.
Juntou ainda 2 documentos: Nota de débito n.º 10.../20.., da qual consta o montante em dívida de 148.893,75 € (com indicação do capital de 100.000 € e juros de 12-05-2014 a 06-09-2017); e Extrato de movimentos de conta.

Citados os Executados, não foi apresentada alegação de resposta.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Face ao teor das conclusões da alegação de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se a Exequente deu à execução título executivo suficiente.
Os factos que relevam para a decisão da causa são os que já descrevemos no relatório supra.
Vejamos.
Considerando a data em que a ação executiva teve início e a data em que foi elaborado o documento dado à execução (que consubstancia o contrato de abertura de crédito em conta corrente assinado pelos Executados), importa decidir se, atento o disposto no art. 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que aplicou o atual Código de Processo Civil, é este o diploma (mormente o seu art. 703.º) aplicável à resolução da questão que nos ocupa, ou se, ao invés, é aplicável o anterior Código de Processo Civil (aprovado pelo DL n.º 44129, de 28 de dezembro de 1961), tendo em atenção que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 408/2015, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. – publicado no Diário da República n.º 201/2015, Série I de 14-10-2015.
O referido art. 703.º do novo CPC estabelece que:
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.
Sublinhámos a alínea d), que aqui merece especial atenção. Aliás, no anterior CPC vigorava a alínea d) do n.º 1 do art. 46.º, que tinha exatamente a mesma redação.
Importa saber se tal normativo é aplicável em conjugação com o disposto no n.º 4 do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto (que transforma a C..., Crédito e Previdência em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), nos termos do qual (O)s documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades.
Será que este normativo legal cessou a sua vigência? Terá sido tacitamente revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho que aprovou o novo CPC?
Em sentido afirmativo pronunciam-se Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Vol. II, Almedina 2014, págs. 192, e a Relação de Lisboa no acórdão de 03-05-2016, proferido no processo n.º 427/13.8TBPTS-B.L1-1, defendendo que a previsão constante do citado n.º 4 do artigo 9.º do DL n.º 287/93 teve unicamente em vista os documentos criados antes da entrada em vigor deste diploma, avançando-se neste acórdão com a seguinte explicação:
A disposição contida no cit. nº 4 do art. 9º do Decreto-Lei nº 287/93 (…) tem, manifestamente, o alcance duma norma de direito transitório: a sua ratio foi a necessidade de resolver problemas inerentes à transitoriedade de relações jurídicas já constituídas. O objectivo que se teve em vista, com esta disposição, foi evitar a desprotecção da C... resultante da revogação do art. 61º do DL. nº 48953, de 5 de Abril de 1969, porquanto esta instituição bancária, contando com a força executiva dos documentos elaborados nos termos da legislação até então vigente, não teria, porventura, criado documentos com outras formalidades: isso mesmo decorre da própria Exposição de Motivos do cit. DL. nº 287/93[14].
A esta luz, o que presidiu ao cit. nº 4 do art. 9º do Decreto-Lei nº 287/93 não foi a intenção de privilegiar a C... (relativamente, nomeadamente, a outros bancos), mas tão-só assegurar uma transição adequada para uma nova fase da vida da Caixa, em que esta instituição passou a estar submetida a um regime de direito privado, ficando sujeita a regras idênticas às que regem as empresas privadas do sector financeiro.
De resto, as regras gerais da concorrência, nacionais e comunitárias, impedem que a C..., SA disponha duma situação de privilégio, que lhe permitiria criar títulos executivos e, assim, desenvolver a sua actividade de concessão de crédito em condições diversas (mais favoráveis) das permitidas às restantes instituições de crédito (cfr. o art. 107º, nº 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia).
O que tudo nos conduz à conclusão de que a norma contida no cit. nº 4 do art. 9º do Decreto-Lei nº 287/93 já cessou a sua vigência.
Todavia, estamos em crer que a jurisprudência maioritária é no sentido oposto, de que subsiste em vigor o citado normativo, sendo aplicável aos contratos celebrados pela C..., mesmo aos celebrados a partir da entrada em vigor do referido Decreto-Lei n.º 287/93, de 1 de setembro de 1993 (cf. art. 10.º).
Assim, pesquisámos a jurisprudência do STJ a este respeito, verificando ter sido essa a posição sufragada em três acórdãos:
- no acórdão de 18-11-1999, proferido no processo n.º 99A859: (…) IV - Não existe qualquer desconformidade entre o artigo 9, n. 4 do DL 287/93, de 20 de Agosto e o texto da Constituição e que porventura ultrapasse o disposto no artigo 3, n. 3 da CRP pois o preceito não representa mais do que a aplicação do já consignado no artigo 46, alínea d) do C.P.Civil, diploma esse construído e exarado dentro dos princípios e norma constitucionais. V - Se os embargantes por via do DL 287/83, não forem discriminados em relação a todos os que porventura venham a ter tratos negociais com entidades que beneficiem da força executiva em causa, não existe violação do princípio da igualdade. - disponível em www.dgsi.pt.
- no acórdão de 05-07-2001, no Agravo n.º 1527/01 - 1.ª Secção: I - No contrato de financiamento à importação de matérias primas na forma de abertura de crédito em conta corrente, o banqueiro coloca, por certo tempo, à disposição do cliente, uma determinada importância, que este poderá movimentar através de levantamentos e reembolsos, operando-se os pagamentos ao terceiro exportador a pedido do devedor e através de transferências bancárias, sendo as quantias debitadas na conta do devedor nas datas dos respectivos vencimentos. II - Trata-se de um contrato em que se convencionam prestações futuras, determinadas ou determináveis pelos pedidos de financiamento, nos termos do art.º 805 do CPC. III - Tal contrato, celebrado pela C..., constitui título executivo, tanto nos termos da al. c), como da al. d) do art.º 46 do CPC, por força do disposto no art.º 9, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20-08, que é de aplicação imediata. IV - Os pedidos de concretos financiamentos são títulos executivos - al. c) do citado art.º 46. - sumário disponível em www.stj.pt.
- no acórdão de 09-05-2002, na Revista n.º 811/02 - 7.ª Secção: Nos termos do art.º 9, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20-08, constitui título executivo a proposta de empréstimo sob a forma de abertura de crédito em conta corrente aceite pelo devedor, acompanhada das notas de débito - sumário disponível em www.stj.pt.
Nos Tribunais da Relação, a título exemplificativo, destacamos os seguintes acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação do Porto, de 26-01-2015, no proc. n.º 1162/14.5T8PRT.P1 (refere-se a um contrato celebrado em 02-12-2009);
- o acórdão da Relação de Coimbra, de 28-04-2015, no proc. n.º 2186/14.8TJCBR.C1 (reporta-se a um contrato celebrado em 13-10-2006);
- o acórdão da Relação de Lisboa (2.ª Secção) de 25-06-2015, no proc. n.º 729/14.6T8LRS.L1-2 (estava em causa um contrato datado de 25-07-2003);
- o acórdão da Relação de Coimbra de 04-04-2017, no processo n.º 8478/16.4T8CBR.C1;
-o acórdão da Relação de Coimbra de 08-05-2018, no processo n.º 772/14.5TBCBR-A.C1 (na fundamentação de direito).
Na doutrina, destacamos Lebre de Freitas, que indica precisamente como exemplos de documentos particulares que podem constituir título executivo por disposição especial de lei, o documento de contrato de mútuo concedido pela C..., nos termos do art. 9.º, n.º 4, do DL 287/93, de 20 de agosto - in “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª edição, Coimbra Editora, páginas 79-80.
Assim, tendo em linha de conta esta jurisprudência e o teor do referido normativo legal, parece-nos que:
1.º) O citado 9.º, n.º 4, é também aplicável aos contratos celebrados após o início de vigência daquele diploma legal; com efeito, não vemos, em face dos elementos literal, histórico e teleológico, que se justifique a interpretação restritiva deste normativo, limitando a sua aplicação aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor; ao invés, importa comparar o que aí se dispõe com a redação do art. 46.º do CPC então em vigor, em cuja alínea c), se previa que podiam servir de base à execução (A)s letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis; ora, tendo em linha de conta os propósitos enunciados no referido Decreto-Lei, mormente o objetivo de aproximação da Caixa às restantes empresas privadas do sector bancário, não cremos que o estatuído no n.º 4 do art. 9.º constituísse um regime de privilégio;
2.º) O referido art. 9.º, n.º 4, continua em vigor, não tendo sido revogado pela Lei n.º 41/2013, que aprovou o novo CPC, uma vez que se trata de lei especial, subsistindo a sua aplicação por via da citada alínea d) do n.º 1 do art. 703.º – cf. art. 7.º, n.º 3, do CC; muito embora o legislador do CPC de 2013 tenha querido efetivamente limitar o elenco dos títulos executivos, afirmando-se, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII (PL n.º 521/2012, de 22-11-2012) que os créditos suportados em meros documentos particulares deviam passar pelo crivo da injunção, não deixou de prever que continuariam a valer como título executivo os documentos a que, por disposição especial, fosse atribuída força executiva.
Não nos parece, pois, que seja necessário lançar mão do preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 46.º do anterior CPC, nos termos da qual podiam também servir de base à execução (O)s documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Assim, é aplicável ao caso o disposto no art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC, conjugado com o n.º 4 do art. 9.º do referido DL n.º 287/93.
Dir-se-á ainda não valerem aqui objeções de inconstitucionalidade desta interpretação normativa, por violação do princípio da igualdade. Efetivamente, atenta a data do contrato em apreço (12-05-2009), anterior à Lei n.º 41/2013, inconstitucional seria, pelas razões explanadas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 408/2015, recusar a aplicação do referido diploma, por o considerarmos tacitamente revogado.

Resta então saber se o documento dado à execução é suficiente para que se possa subsumir na previsão do art. 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93 conjugado com o art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC. Sempre se dirá que, a defender-se a inaplicabilidade destes preceitos legais, caberia aplicar a referida alínea c) do n.º 1 do art. 46.º do anterior CPC, não nos parecendo que daí resultasse solução diferente para o caso.
Na decisão recorrida, não se equacionou a aplicação daquele art. 9.º, n.º 4, mas citando-se um acórdão desta 2.ª Secção da Relação de Lisboa de 14-03-2013, reconheceu-se que pode servir de suporte à ação executiva o contrato de abertura de crédito. A única objeção que parece ter sido colocada na decisão recorrida resulta da circunstância de a Exequente ter procedido à junção do contrato e abertura de Crédito em conta corrente, de utilização simples, desacompanhado de qualquer documento complementar para este tipo de contrato, uma vez que apenas com este documento se fixa a prestação e a sua exigibilidade.
Consideramos que deve ser também essa a interpretação a fazer do referido art. 9.º, n.º 4, ou seja, a de que o contrato de abertura de crédito em conta corrente (celebrado pela C...) é um dos contratos subsumíveis na previsão desse normativo, constituindo título executivo suficiente desde que complementado pelo extrato de conta de depósitos à ordem revelador da utilização do respetivo montante, na esteira da jurisprudência supra citada.

Todavia, não podemos confirmar a decisão recorrida quando, sem previamente ter dado à Exequente oportunidade para juntar aos autos o aludido documento complementar, concluiu pela falta de título executivo. Na verdade, estamos perante um título executivo complexo, em que o documento principal, já constava dos autos, tendo sido junto com o requerimento executivo, e a factualidade atinente à utilização da verba correspondente à quantia exequenda tinha aí sido alegada.
Assim, consideramos que se tratava de situação em que, ao abrigo do dever de gestão processual (artigos 6.º e 726.º, n.º 4, do CPC), o juiz deveria ter convidado a Exequente a juntar aos autos o documento em falta. A situação não é, bem vistas as coisas, distinta da que ocorre quando o título executivo é um documento exarado ou autenticado por notário ou advogado, complementado por anexo ou documento complementar, cuja junção se mostra necessária mas não foi efetuada, não deixando certamente o tribunal de convidar o exequente a proceder à mesma, fixando prazo para o efeito.
A este propósito e a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 10-04-2018, proferido no processo n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário se cita pelo seu interesse (sublinhado nosso):
I. Pode definir-se a abertura de crédito como o contrato pelo qual um banco se obriga a ter à disposição da outra parte uma quantia pecuniária, que esta tem direito a utilizar nos termos aí definidos, por certo período de tempo ou por tempo indeterminado.
II. O banco não se constitui, desde logo, credor de uma prestação pecuniária, pois isso só vem a verificar-se com a posterior mobilização pelo creditado das importâncias disponibilizadas pelo banco.
III. No caso, o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.
IV. Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.
V. Não sendo apresentada documentação complementar suficiente, deve ser formulado convite para aperfeiçoamento do requerimento executivo; só no caso de a exequente não aceder a tal convite e não suprir o vício é que deverá ser decretada a extinção da execução.
Conforme referimos no relatório supra, a Exequente juntou entretanto a documentação complementar em falta, pelo que já nem é sequer necessário (seria ato inútil – art. 130.º do CPC) o convite para o efeito, mais não restando do que determinar o prosseguimento dos autos.
Assim, procedem as conclusões da alegação de recurso.

Considerando que os Executados não apresentaram alegação de resposta, as custas do recurso ficam a cargo da parte vencida a final, sem prejuízo do disposto no art. 541.º do CPC.

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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, determinando o prosseguimento dos autos, dê cumprimento aos trâmites processuais próprios da ação executiva.
Custas pela parte vencida a final, sem prejuízo do disposto no art. 541.º do CPC.
D.N.

Lisboa, 06-12-2018

Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua