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REGISTO COMERCIAL
TÍTULO
INVALIDADE
LEGITIMIDADE
Sumário
(elaborado pela relatora e da sua inteira responsabilidade)
1 - O interesse em demandar ou em contradizer, tal como previsto no n.º 2 do art. 30º do Código de Processo Civil afere-se pelos critérios da utilidade ou prejuízo para o demandado, apreciado em termos objectivos (supondo-se que o pedido seja procedente) e da titularidade (face à relação material ou situação jurídica invocada em juízo).
2 – O autor tem o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum formulando o pedido (o efeito jurídico) emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica o tipo de acção proposta.
3 - Sustentando a autora que a versão dos seus Estatutos contida no documento que serviu de base à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, contém factos que na realidade se não verificaram, ou seja, uma redacção dada ao artigo 17.º dos Estatutos da Autora que não foi a aprovada pela sua accionista única, vertida numa página do documento não rubricada e que não corresponde à que consta do documento efectivamente aprovado, concluindo assim que o acto de registo se baseou num documento falso e pretendendo obter a declaração de nulidade desse acto registal, o objecto do litígio centra-se, precisamente, na apreciação da validade desse acto de registo, surgindo o pedido de declaração de falsidade como pressuposto daquela declaração de nulidade registal.
4 - O sistema registal português está a cargo de serviços públicos – as conservatórias do Registo – dependentes de um serviço central – Instituto dos Registos e do Notariado, IP – integrado na orgânica do Ministério da Justiça, sendo assim um sistema público, tendo por fim a tutela dos interesses de terceiros indeterminados e do público e reflexamente o interesse privado daquele que aproveita do facto registado.
5 – No registo inscrevem-se factos jurídicos de que resultam situações jurídicas e a sua publicidade assume duas vertentes: ser um sistema organizado pelo Estado, ou sob a responsabilidade do Estado, que lhe confere determinada força probatória e poder o seu conteúdo ser conhecido por qualquer interessado.
6 - A responsabilidade pelos registos compete ao conservador dos registos cuja função primordial é a qualificação, ou seja, a verificação da viabilidade do pedido de registo, da legitimidade dos requerentes e do cumprimento das disposições legais aplicáveis, nos termos do art. 47º do Código do Registo Comercial.
7 - O princípio da presunção da verdade registal consiste na presunção de que a situação jurídica resultante do registo por transcrição definitivo existe e existe nos precisos termos nele definida (cf. art. 11º do Código do Registo Comercial), presunção que pode ser impugnada mediante a acção de declaração de nulidade do registo.
8 - O registo pode ser nulo em virtude de uma invalidade intrínseca (ou seja, por força de aspectos estritamente registais) ou em consequência de um vício substantivo. Um registo é extrinsecamente nulo, nomeadamente, quando tiver sido lavrado com base num título nulo ou que venha a ser anulado ou quando tiver sido lavrado com base num título falso.
9 - A invalidade registal extrínseca é distinta da invalidade que afecta o facto jurídico inscrito, sendo uma consequência desta (ou seja, é uma nulidade consequencial decorrente de um vício substantivo).
10 - Se a nulidade ou falsidade do título não for manifesta e, por isso, o registo tiver sido devidamente lavrado, só poderá ser cancelado após a declaração de nulidade do título, pois só nessa altura passará a ser incontroversa a sua nulidade consequencial.
11 – Visando a autora obter nesta acção a declaração de nulidade do acto de registo identificado, os serviços da conservatória, na pessoa do conservador, são parte legítima para ocupar o lado passivo da acção, posto que aquilo que é colocado em crise é um acto da sua lavra, estando em causa, além de interesses privados, interesses públicos, da fé pública dos actos de registo.
Texto Integral
Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
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I – RELATÓRIO A. intentou contra DIRECTOR-GERAL DOS REGISTOS E DO NOTARIADO/CONSERVATÓRIA DO REGISTO COMERCIAL DE LISBOA acção declarativa de condenação, sob a forma comum formulando os seguintes pedidos:
a) Seja declarada a falsidade do documento correspondente à versão dos Estatutos constante do Documento 1 e que serviu de base ao registo correspondente à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, lavrado pela Ré;
b) Seja declarada a nulidade e consequentemente cancelado o registo correspondente à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, lavrado pela Ré;
c) Seja anotada ao registo correspondente à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, lavrado pela Ré, a propositura da presente acção, bem como a decisão que sobre a mesma recaia;
d) Seja a propositura da presente acção comunicada ao Ministério Público para os devidos efeitos.
Fundamentou a sua pretensão nos seguintes termos:
² Em 14 de Novembro de 2016, foi apresentado um pedido de registo por transcrição de “Alteração Integral dos Estatutos” da autora, a que correspondeu a AP. 196/20161114, e deu origem à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, instruído com uma fotocópia certificada da “Deliberação de Accionista Única/Unanimous Written Resolution” da autora e uma alegada versão integral dos Estatutos da Autora;
² No âmbito do procedimento cautelar intentado por S. contra a autora, que corre termos no Juízo de Comércio de Sintra – J1, sob o número 14653/17.7T8SNT-A, aquele juntou um Documento n.º 3, correspondendo a uma cópia certificada datada de 2 de Março de 2017 dos Estatutos da Autora, invocando que essa versão corresponde à que supostamente foi aprovada pela accionista única da autora em 7 de Novembro de 2016;
² Foi essa versão que foi apresentada aquando da conclusão do registo correspondente à AP. 196/20161114., mas não corresponde à versão original e verdadeira, a única que foi aprovada e assinada presencialmente pela totalidade dos 4 administradores da accionista única da Autora em 7 de Novembro de 2016, e que está anexa à acta avulsa “Deliberação de Accionista Única/Sole Shareholder Resolution”;
² A página 14 do documento junto como Documento 1, respeitante à “Secção II – Do Conselho de Administração”, não se encontra rubricada por nenhum dos administradores da accionista única da Autora, contrariamente ao que sucede, não só com as restantes páginas do mesmo documento, mas também com a versão efectivamente aprovada pela accionista única da autora;
² A diferença entre as duas versões consiste na redacção do respectivo artigo 17º, relativo à composição do órgão de administração da Autora, o Conselho de Administração, figurando na versão (falsa) que este é composto por um “mínimo de três administradores e um máximo de quatro administradores”, sendo que na versão efectivamente aprovada pela accionista única da autora, o Conselho de Administração é composto por um “máximo de quatro administradores”;
² A versão dos Estatutos da autora contida no documento que serviu de base à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, contém factos que na realidade se não verificaram, ou seja, uma redacção dada ao artigo 17.º dos Estatutos da Autora que não foi a aprovada pela sua accionista única;
² O registo é nulo porque foi efectuado com base em documento falso, nulidade que deve ser declarada judicialmente.
A ré contestou suscitando a sua falta de personalidade e capacidade judiciárias, a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo e a sua ilegitimidade passiva sustentando, quanto a esta excepção, que os serviços da Conservatória se limitaram a efectuar o registo solicitado por interessado com legitimidade para o efeito, que procedeu à junção de documentos e após qualificação o registo foi efectuado; porque o pedido consiste na declaração de nulidade do acto de registo, com fundamento na falsificação do documento apresentado por quem requereu o registo, a Conservatória é alheia a tais factos, não existindo qualquer litígio entre a autora e esta, não tendo qualquer interesse em contradizer. No mais, impugnou os factos articulados na petição inicial.
Foi realizada audiência prévia, concedendo-se à autora a oportunidade para se pronunciar sobre as excepções deduzidas.
Em 3-05-2018 (Ref. Elect. 376032304) foi proferida decisão que apreciou as excepções de ineptidão da petição inicial, erro na forma de processo e falta de personalidade judiciária da ré julgando-as improcedentes e julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré, absolvendo-a da instância.
É desta decisão que a autora recorre, concluindo assim as respectivas alegações:
1º. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Recorrida e, consequentemente, a absolveu da instância.
2º. A Sentença recorrida fez má interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice, uma vez que estamos perante uma ação de nulidade registal que incide sobre um ato de registo, e não para declaração de qualquer outro tipo de nulidade, designadamente substantiva, do negócio jurídico subjacente.
3º. A nulidade do registo, por sua natureza, afeta os atos praticados no âmbito da função do Conservador, a qual tem por fundamento os poderes e a fé pública que lhe são conferidos, tendo paralelismo como caso prático com o caso da impugnação judicial de atos de registo, que é proposta contra o serviço de registo.
4º. Para aferir da legitimidade passiva, torna-se igualmente necessário distinguir - onde o Tribunal a quo parece confundir - legitimidade processual de interesse substantivo, existindo aliás no nosso ordenamento jurídico diversos exemplos em que a efectiva legitimidade processual não exige o interesse em contradizer, ou até casos em que, da decisão proferida não advém qualquer prejuízo para o sujeito processual a quem a lei, apesar disso, não deixa de reconhecer legitimidade processual.
5º. Na esteira do que sustenta a doutrina e jurisprudências dominantes sobre o tema: “o facto jurídico inscrito padece do vício substantivo; o registo, por seu turno, é extrinsecamente nulo, porque lavrado com base num título falso ou com base num título insuficiente para a prova legal do facto registado (cfr. a parte final da al. a) e a al. b) do Cód. Reg. Pred.) e, portanto, padece de uma nulidade (extrínseca) consequencial. Ora, parece-nos evidente que cada um destes vícios tem o seu respectivo regime. Assim, em nossa opinião, não obstante um registo poder ser intrínseca ou extrinsecamente nulo, nos termos do art. 16.º do Cód. Reg. Pred. e o n.º 2 do art. 17.º do Cód. Reg. Pred. conceder tutela a um terceiro – adquirente de boa fé e a título oneroso – perante qualquer registo nulo que haja suportado a feitura do seu e, portanto, também perante um assento extrinsecamente inválido, a verdade é que, se em causa estiver um vício registal extrínseco, não há necessidade de compatibilizar ou harmonizar o art. 17.º do Cód. Reg. Pred. com o art. 291.º do Código Civil, porquanto aquele preceito legal se aplica à nulidade registal, nunca à invalidade substantiva que lhe tenha dado causa.
6º. Acresce que, contrariamente ao que consta da Sentença recorrida, existe em tais casos uma verdadeira relação controvertida, emergente da relação registal estabelecida entre o requerente e a conservatória competente.
7º. Na presente ação, a Recorrida tem verdadeiro interesse em contradizer a demanda, podendo intervir processualmente em defesa da eventual validade ou regularidade do ato de registo de realizou e do seu acerto ou desacerto.
8º. O que, aliás, fez em sede de contestação, defendendo a alegada regularidade do registo que lavrou.
9º. Por outro lado, a eventual procedência da ação sempre culminaria num efetivo prejuízo para a Recorrida, a qual seria condenada a promover o cancelamento do registo que lavrou indevidamente, comportamento esse que vai em sentido inverso daquele que por si praticado e que constitui objeto de sindicância judicial.
10º. Mesmo que assim não fosse, sempre se dirá que a Recorrida tem efetivo interesse (material) em contradizer - mesmo que não tivesse interesse em defender a validade ou legalidade do ato de registo por si praticado –, quanto mais não seja pelo facto de, da procedência da presente ação, resultar para a Recorrida a obrigação de cancelar o registo em apreço, a suas próprias expensas, o registo cujo cancelamento é peticionado.
11º. Acresce que inexistem outros sujeitos contra quem a presente ação pudesse ser intentada: certamente nunca contra a própria Recorrente ou os seus legais representantes, não havendo, aliás, quaisquer titulares inscritos pelo ato sujeito a registo.
12º. Pelo que deve revogar-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, ordenando-se a sua reforma no sentido da improcedência da exceção da ilegitimidade passiva, com o consequente prosseguimento dos autos.
Termos em que […] deverá proceder-se à revogação da sentença proferida em 03.05.2018, julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva da recorrida e, consequentemente, ordenando o prosseguimento dos autos até final.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões da alegação do autor/recorrente há que apreciar as seguintes questões:
a) Legitimidade passiva para a causa da ré Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (enquanto serviço integrado no Instituto dos Registos e Notariado, I.P.).
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra.
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
A decisão recorrida apreciou a suscitada ilegitimidade passiva para a causa da ré Conservatória do Registo Comercial de Lisboa nos seguintes termos:
“Da ilegitimidade passiva da ré.
A matéria da legitimidade das partes encontra regulação essencialmente no artigo 30º do Código de Processo Civil. Aí se refere, sob a epígrafe “Conceito de legitimidade”: “1 - O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Segundo os ensinamentos de João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, II vol., pág. 156 e segs, a parte é legítima quando o interesse, moral ou material, que se agita no processo, é, em relação a ela, directo, pessoal e legítimo. O interesse é directo quando incide sobre o próprio bem que forma o objecto do processo e não sobre outro embora conexo a ele. É pessoal quando é invocado como pertencente especificamente à pessoa que o invoca, à pessoa contra a qual a acção é proposta. É jurídico ou legítimo quando é invocado como tutelado pelo direito.
O legislador consagrou, com a reforma do Código de Processo Civil de 1995, uma formulação da legitimidade parecida com a adoptada no Decreto-lei número 224/1982 e assente na titularidade da relação material controvertida tal como a configura o autor. É uma solução que se aproxima da posição defendida por Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis.
Na interpretação deste artigo, tornou-se corrente dominante, na doutrina e jurisprudência, a de que a legitimidade teria que ser apreciada, e aferida, pelo prejuízo que da improcedência da acção pudesse advir para a parte, face aos termos em que o autor configurava o direito invocado a posição que a mesma parte, perante o pedido formulado e a causa de pedir, tinha na relação jurídica material controvertida tal como a apresentasse o autor (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, “A Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, in BMJ, 292, 53).
Nesta senda, é de entender que a legitimidade processual deve ser aferida pela descrição da lide feita na petição inicial (cfr., a este propósito, acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Junho de 96, CJ, XXI, 3, pag. 124.).
No caso vertente, há pois que determinar, considerando o conteúdo da petição inicial, os termos em que a autora configura o direito invocado e a posição que a ré Conservatória do Registo Comercial (enquanto serviço integrado no Instituto dos Registos e Notariado, I.P.), tem na relação material controvertida por ela apresentada perante o pedido formulado e a causa de pedir.
Em suma, é seguro que desde que o autor se identifique a ele próprio como o titular do direito que invoca e que designe de forma correcta o sujeito passivo sobre quem recai o dever de cumprimento desse direito, assegura a legitimidade das partes na acção.
Ora é de concluir que, no elenco factual descrito na petição inicial, a ré Conservatória do Registo Comercial não é efectivamente sujeito passivo da relação material controvertida apresentada pela autora. Efectivamente, não tem qualquer interesse na acção, sendo-lhe absolutamente indiferente (pese embora tenha contestado) a procedência ou improcedência dos pedidos.
Com efeito, o Instituto dos Registos e Notariado, no qual se encontra integrada a ré Conservatória, é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, que “tem por missão executar e acompanhar as políticas relativas aos serviços de registo, tendo em vista assegurar a prestação de serviços aos cidadãos e às empresas no âmbito da identificação civil e do registo civil, de nacionalidade, predial, comercial, de bens móveis e de pessoas coletivas, bem como assegurar a regulação, controlo e fiscalização da atividade notarial” – artigo 3º, número 1, do Decreto Lei número 148/2012, de 12 de Julho.
Não é o facto de ter sido realizado um registo de um acto, que confere legitimidade passiva ao Instituto dos Registos e Notariado ou a qualquer dos seus serviços para ser demandado em sede de acção de nulidade de registo, pois não tem interesse em contradizer, já que da procedência ou improcedência da causa não lhe advém qualquer prejuízo ou benefício.
Como é consabido, “a legitimidade deve ser aferida e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa derivar para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, considerando o pedido e a causa de pedir, assumem na relação jurídica controvertida, tal como a apresenta o autor ” - Ac. do TRC de 21.2.2006, P. 3927/05.
É manifesto que em face da própria alegação da autora, o Instituto dos Registos e Notariado enquanto organismo em que está inserida a Conservatória do Registo Comercial não é parte na relação material controvertida.
A Conservatória do Registo Comercial (enquanto serviço integrado no Instituto dos Registos e Notariado, I.P.) é assim, face à causa de pedir alegada, parte ilegítima.
E quais as consequências?
No caso estamos perante uma ilegitimidade singular e insuprível.
A legitimidade processual constituiu um pressuposto processual relativo às partes, cuja falta determina a verificação da correspondente excepção dilatória insuprível, dando lugar ao indeferimento liminar ou absolvição da instância, consoante o momento do conhecimento, nos termos conjugados dos artigos 278, número 1 al. d), 576º número 2, 577º al. e) e 590º número 1, ambos do Código de Processo Civil.
Neste sentido veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2004, Proc. número 6921/2004-4, in www.dgsi.pt, onde pode ler-se “É certo que a generalidade das excepções dilatórias são supríveis, quer por iniciativa do autor quer por determinação oficiosa do juiz (arts. 265º, n.º 2, 269º, n.º 1 e 288º, n.º 3 do CPC). É o que sucede com o pressuposto processual da personalidade, nos termos do art. 8º, com a preterição de litisconsórcio necessário activo ou passivo, coligação ilegal, capacidade judiciária, em sentido lato e patrocínio judiciário. Mas continuam insupríveis a incompetência absoluta, a falta de personalidade judiciária, fora do caso regulado pelo art. 8º e a ilegitimidade singular activa e passiva. Ao contrário do que sucede com a legitimidade plural (casos de litisconsórcio necessário activo ou passivo) em que a excepção é sempre suprível, e em que, a ter havido indeferimento liminar, o autor ou requerente pode beneficiar do regime previsto no art. 476º do CPC, no caso da ilegitimidade singular, como sucede no caso em apreço, a excepção é insuprível.”
No mesmo sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6.12.2011, P. 1223/10.0TBTMR.C1, in www.dgsi.pt, que claramente explica “1 - O mecanismo de sanação previsto no n.º 2 in fine do artigo 265.º do CPC, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular.”»
Em face do exposto, outra decisão não é possível que a absolvição da ré da instância em face da verificação da excepção dilatória insuprível de ilegitimidade passiva.
O que vai decidido.
Custas pela autora.
Fixo o valor da acção em € 30 000,01 – artigos 303º, número 1 e 306, números 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
Pugna a recorrente pela revogação da decisão recorrida entendendo que assiste legitimidade à ré pela seguinte ordem de razões:
o esta é uma acção de registo que se destina à declaração de uma nulidade de actos de registo (nulidade registal), tal como a configurou na sua petição inicial (artigos 29º, 30º, 31º e 33º e pedido final) e não uma acção em que vise a declaração de qualquer outro tipo de nulidade, designadamente de natureza substantiva (nulidade do negócio);
o como acção de registo o seu objecto é a sindicância da actuação das entidades e serviços de registo, em virtude da função que desempenham e da fé pública de que se investem os actos por eles praticados;
o contrariamente ao sustentado na decisão recorrida, a relação controvertida deriva da inicial relação registal estabelecida entre o requerente ou o sujeito do registo e a conservatória competente;
o o prejuízo da ré consiste na sua condenação à prática de um facto de sentido oposto ao que seria a sua pretensão, ou seja, o cancelamento do registo por si lavrado.
Colocando-se a questão da legitimidade da parte para a causa há que ter presente que esta configura um pressuposto processual que deve ser apreciado e decidido à luz do que dispõe o artigo 30.º do Código de Processo Civil (CPC), que determina que a aferição da legitimidade do réu decorre do interesse directo em contradizer (n.º 1), o qual se expressa pelo prejuízo derivado da procedência da acção (n.º 2).
Nesta sede, esclarece ainda o n.º 3 do referido art.º 30.º do Código de Processo Civil, que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Assim, o legislador consagrou claramente o critério da determinação da legitimidade em função da titularidade da relação material controvertida com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial, importando como tal aferir qual é a posição relativa das partes face a tal relação.
A legitimidade processual exige que as partes tenham uma certa posição em relação ao concreto objecto processual, isto é, uma posição que lhes atribua a faculdade de dispor em processo da situação jurídica material que constitui o seu objecto – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2018, pág. 111.
Na densificação do interesse em demandar ou em contradizer, tal como previsto no n.º 2 do art. 30º, recorre-se ao critério da utilidade ou prejuízo. “A utilidade afere-se em face da petição e segundo um juízo de prognose: supondo-se que o pedido seja procedente. Se em face da petição se percebe que a esfera jurídica da parte é indiferente à procedência, pois não ganha nem perde na procedência, então não tem legitimidade, sendo terceira.” – cf. Rui Pinto, op. cit., pág. 114.
A vantagem ou desvantagem há-de ser jurídica e como tal uma vantagem objectiva e não apenas de acordo com a percepção de quem a requer.
Atende-se também ao critério formal da titularidade (n.º 3), existindo coincidência entre a afirmação da titularidade sobre a situação individualizada e a legitimidade processual, pelo que é pela análise da relação material ou situação jurídica invocada em juízo que se deve aferir a legitimidade directa para a causa.
Diversa da legitimidade processual directa é a legitimidade processual indirecta que ocorre quando os não titulares da situação jurídica podem ter legitimidade processual actuando em substituição do legitimado material, caso em que o sujeito com legitimidade processual não é o sujeito com legitimidade material (substituído), mas o seu substituto, ainda que os efeitos materiais da decisão se repercutam na esfera do substituído.
No entanto, tal só ocorrerá quando resultar expressamente da lei, ou seja, quando esta previr situações em que o sujeito não titular da relação controvertida goza de legitimidade (como sucede, nos casos de legitimidade atribuída ao cabeça-de-casal e ao administrador do condomínio urbano – cf. art.ºs 2088º, 2089º e 1437º do Código Civil; “A legitimidade indirecta é aquela que é atribuída, pela lei ou pelas partes, a um substituto processual, isto é, a alguém que age em juízo como parte com base num direito alheio; a substituição processual legal é expressamente admitida pelo estabelecido no início do art. 30.º, n.º 3, CPC ("Na falta de indicação de lei em contrário [...]) e a substituição processual voluntária tem expressão, por exemplo, no art. 34.º, n.º 1 ("[...] ou por um deles com consentimento do outro [...]").” – Miguel Teixeira de Sousa, Jurisprudência (805) 6-03-2018 – Condomínio; administrador; legitimidade; substituição processual, Comentário ao acórdão da RP 27/11/2017 (822/17.3T8VFR.P1), acessível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=legitimidade+processual
A apreciação da pretensão recursória importa, assim, que se identifique a relação jurídica controvertida invocada pela autora.
É sabido que a identificação da acção ou a determinação do objecto do pedido é efectuada em função da identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (cf. art. 581º, n.º 1 do CPC).
O art. 552º do CPC, nas alíneas d) e e) do respectivo n.º 2, impõe ao autor o ónus de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e o de formular o pedido.
Ora, “[] o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, relator Lopes do Rego, processo n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1 disponível na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.
O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção e, como tal, circunscreve o âmbito da decisão final pois que desenha “o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” (cf. art. 609º, n.º 1 do CPC) – cf. A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 201.
O pedido abrange dois elementos: uma pretensão material (afirmação de um interesse juridicamente tutelado, ou seja, de um direito subjectivo) e uma pretensão processual (solicitação de uma actuação judicial determinada) – cf. J. Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº vol., 1987, pág. 358.
O pedido corresponde ao objecto da acção e o autor deve enunciá-lo na conclusão da sua petição inicial, peticionando ao Tribunal uma concreta providência, na qual verterá o efeito jurídico que pretende obter. A pretensão tem de ser concreta e determinada e o autor deve indicar o tipo de tutela que visa alcançar (cf. J. Castro Mendes, ob. cit., Iº vol., pág. 67).
Mas aquele que dirige uma pretensão ao Tribunal terá ainda de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado. É a causa de pedir, entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo – cf. art. 581º, n.º 4 do CPC.
A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessários à procedência da acção ou apenas aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo. Por isso, há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido – cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, 1981, pág. 351.
Vejamos, então, qual é, in casu, o objecto do processo, tal como a autora o configurou na petição inicial com que introduziu em juízo a presente acção.
A autora conclui o seu articulado com a formulação de um primeiro pedido que é o da declaração de falsidade do documento correspondente à versão dos seus Estatutos junto com a Ap. N.º 196 de 14-11-2016 em que foi requerida, relativamente à sociedade A. a inscrição do facto consistente na alteração integral dos estatutos da sociedade.
No entanto, com base nessa falsidade, pretende a autora a declaração de nulidade do registo correspondente à Inscr. 6 Ap. 196/20161114 e seu cancelamento.
Para tanto, a autor alegou que foi apresentado um pedido de registo por transcrição dos seus estatutos instruído com uma fotocópia certificada da “Deliberação de Accionista Única/Unanimous Written Resolution” da autora e uma alegada versão integral dos Estatutos da Autora; no contexto de um procedimento cautelar, a autora tomou conhecimento que a versão dos Estatutos que foi apresentada com o pedido de registo não corresponde à versão original e verdadeira, a única que foi aprovada e assinada presencialmente pela totalidade dos 4 administradores da accionista única da Autora em 7 de Novembro de 2016, e que está anexa à acta avulsa “Deliberação de Accionista Única/Sole Shareholder Resolution”, sendo a página 14 daquela versão não se encontra rubricada por nenhum dos administradores da accionista única, contrariamente ao que sucede, não só com as restantes páginas do mesmo documento, mas também com a versão efectivamente aprovada, existindo uma diferença na redacção do artigo 17º, relativo à composição do órgão de administração da Autora, o Conselho de Administração.
Sustentando que a versão dos Estatutos da autora contida no documento que serviu de base à “Insc. 6 AP. 196/20161114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade”, contém factos que na realidade se não verificaram, ou seja, uma redacção dada ao artigo 17.º dos Estatutos da Autora que não foi a aprovada pela sua accionista única, a autora conclui que aquele registo é nulo porque foi efectuado com base em documento falso, nulidade que deve ser declarada judicialmente.
A apelante limitou-se a invocar o facto de existir uma desconformidade entre o documento apresentado com o pedido de registo por dele constar uma página que não contém a assinatura de todos os administradores da accionista única e conter uma redacção do artigo 17º distinta da que constava dos estatutos efectivamente aprovados na deliberação da accionista de 7 de Novembro de 2016, que, além do mais, na sua versão efectivamente aprovada se mostra rubricada, em todas as páginas, pelos administradores.
Não foi imputada, seja à ré, seja a terceiro a responsabilidade pela desconformidade apontada, nem foram descritas ou alegadas as circunstâncias em que tal desconformidade ocorreu, limitando-se a demandante a afirmar que o documento apresentado junto da Conservatória não corresponde, na íntegra, ao documento efectivamente aprovado em assembleia geral da autora.
Assim, parece claro que a pretensão da autora consiste, fundamentalmente, em obter a declaração de nulidade de um acto de registo, nulidade que, contudo, decorre da falsidade do documento (título) em que aquele registo se baseou, surgindo o pedido de declaração de falsidade como pressuposto daquela declaração de nulidade registal, que é aquilo que visa alcançar.
A ré invocou a sua ilegitimidade para a causa alegando que o registo comercial se destina a dar publicidade à situação jurídica, designadamente, das sociedades comerciais, sendo o interesse de qualquer Conservatória pela verdade material um interesse mediato, no sentido de que o interesse público subjacente procura a verdade material da situação jurídica filtrada pela prova documental apresentada; mais referiu que a verdade documental não se confunde com a verdade material, sendo que a iniciativa de pedir um qualquer registo assenta em interesses privados subjacentes aos factos e negócios jurídicos que ingressam no registo, como privados são os interesses que levam a desencadear uma acção de declaração de nulidade de um título falso e a contestar ou contradizer tal pretensão; as declarações para registo responsabilizam quem as presta; os serviços da Conservatória limitaram-se a efectuar o registo solicitado pelo interessado com legitimidade para o efeito, que juntou documentos e, após qualificação, o registo foi executado. Concluiu ser absolutamente alheia aos factos invocados (adulteração do documento), sendo-lhe absolutamente indiferente o resultado da acção, cujo resultado não lhe causa qualquer prejuízo.
Conforme se retira da parte da decisão supra transcrita, o Tribunal a quo aderiu à posição da ré considerando que o facto de ter realizado o registo de um acto não confere legitimidade aos serviços do Instituto dos Registos e Notariado para serem demandados em acção de nulidade de registo, por não terem interesse em contradizer, já que a procedência ou improcedência da causa não lhe determina qualquer prejuízo ou benefício, não sendo parte na relação material controvertida, considerando-a parte ilegítima.
Adianta-se desde já que não se pode acompanhar a decisão recorrida.
O direito registal corresponde ao conjunto de normas que regulam os processos e os efeitos decorrentes da publicidade de determinados direitos, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.
É essencial à estabilidade económica e social a existência de mecanismos que assegurem a possibilidade de conhecimento das situações jurídicas, conhecimento qualificado viabilizando uma certeza jurídica, posto que assente num sistema dotado de credibilidade e acessível a quaisquer interessados na obtenção da informação disponibilizada.
Os registos públicos inscrevem factos jurídicos de que resultam situações jurídicas e são públicos em dois sentidos: porque organizados pelo Estado, ou sob a responsabilidade do Estado, que lhes confere determinada força probatória; porque o seu conteúdo pode ser conhecido por qualquer interessado – cf. Joaquim de Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, 2016, 8ª edição, pág. 10.
O sistema registal português está a cargo de serviços públicos – as conservatórias do Registo – dependentes de um serviço central – Instituto dos Registos e do Notariado, IP – integrado na orgânica do Ministério da Justiça, sendo assim um sistema público (cf. art. 8º da Lei n.º 148/2012, de 12-07).
No que concerne à organização administrativa dos serviços de registo, existe uma vinculação hierárquica do responsável pela feitura do registo perante o presidente do Instituto dos Registos e Notariado, e embora este responsável seja organicamente funcionário da administração, substancialmente está encarregado de funções de valoração jurídica próprias de um árbitro imparcial.
Com efeito, a responsabilidade pelos registos compete ao conservador dos registos cuja função primordial é a qualificação, ou seja, a verificação da viabilidade do pedido de registo, da legitimidade dos requerentes e do cumprimento das disposições legais aplicáveis (cf. art.º 55º-A do C. Registo Comercial).
A actividade das conservatórias do registo não corresponde, pois, a uma actividade tipicamente administrativa, prosseguindo interesses públicos e interesses privados.
Mas o registo tem por fim, em termos primordiais, a tutela dos interesses de terceiros indeterminados, do público, e só reflexamente protege o interesse privado daquele que aproveita do facto registado. Assim, a actividade registal situa-se na área da gestão pública do Estado – cf. neste sentido, José Alberto González, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário, 4ª ed., págs. 171 e 172 apud acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2-03-2010, relatora Cecília Agante, processo n.º 593/09.7TBAVR.C1 disponível na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt.
O registo consiste “na memorização de factos jurídicos tipificados na lei, por via da sua inscrição em suporte próprio, efectuada sob a responsabilidade do Estado, com controlo da sua verdade e legalidade”. – cf. cf. Joaquim de Seabra Lopes, op. cit., pág. 14.
Os registos são documentos autênticos, fazendo prova plena dos factos neles atestados pelo conservador (cf. art.ºs 363º e 369º e seguintes do C. Civil), sem prejuízo de a sua força probatória poder ser ilidida contenciosamente, nos termos previstos na lei.
O registo comercial é, sobretudo, um registo de factos atinentes a pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica mercantil (ainda que abranja também factos relativos a estabelecimento individual de responsabilidade limitada).
Tal como decorre do art. 1º do Código do Registo Comercial (C. R. Comercial) (aprovado pelo DL 403/86, de 3-12), o objecto do registo comercial é dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico.
Esta publicidade visa tornar público o facto registado mas também acrescenta-lhe a produção dos efeitos legalmente previstos sendo, assim, uma publicidade registal. “O registo comercial é, pois, o meio legal e técnico através do qual o Estado prossegue o fim específico de dar publicidade registral à situação jurídica das pessoas singulares ou colectivas ligadas à vida mercantil” – cf. J. A. Mouteira Guerreiro, Noções de Direito Registral (Predial e Comercial), 2ª edição, pág. 327.
Os art.ºs 2º a 10º do C. R. Comercial enunciam os factos que estão sujeitos a registo, figurando no art. 3º os factos referentes às sociedades comerciais, entre os quais, na alínea r) do n.º 1, qualquer alteração ao contrato de sociedade.
O contrato de sociedade constitui o seu estatuto, a sua lei interna, que pode ser alterado desde que cumpra o formalismo e o quorum deliberativo legalmente exigidos (cf. art.ºs 56º e 85º do Código das Sociedades Comerciais).
A alteração do contrato de sociedade pressupõe uma deliberação social válida, pelo que na qualificação do pedido de registo importa atender às normas que a regem, sendo necessário que o requerente do pedido de registo apresente, para arquivo, versão actualizada e completa do texto do contrato alterado e da lista dos sócios, com os respectivos dados de identificação, nos termos do art. 59º, n.º 2 do C. R. Comercial.
Os princípios orientadores do registo comercial são o princípio da instância, da tipicidade, da presunção da verdade registal, da publicidade, da especialidade, da legalidade, da prioridade e o princípio do trato sucessivo – cf. Joaquim de Seabra Lopes, op. cit., pág. 159.
O princípio da instância, vertido no art. 28º do C. R. Comercial, determina que o registo se efectua a pedido dos interessados, salvo os casos de oficiosidade, considerando como legitimados os representantes da pessoa colectiva e os demais interessados no acto.
O princípio da legalidade, também denominado da qualificação, determina que o conservador aprecie a viabilidade do pedido de registo a efectuar por transcrição, em face das disposições legais aplicáveis, dos documentos apresentados e dos registos anteriores, verificando especialmente a legitimidade dos interessados, a regularidade formal dos títulos e a validade dos actos neles contidos – cf. art. 47º do C. R. Comercial.
O art. 32º do referido diploma legal determina que só podem ser objecto de registo os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem, pelo que a verificação da validade dos actos contidos nos títulos é preponderante, não podendo ser registados actos nulos (cf. art. 48º, n.º 1 d) do C. R. Comercial).
Na verdade, o título – facto jurídico de que resulta a atribuição a alguém da pertença de um direito – é pressuposto necessário do registo, pois que será através dele que se testemunha de forma qualificada a ocorrência dos factos ou das declarações de vontade objecto do registo.
O princípio da presunção da verdade registal consiste na presunção de que a situação jurídica resultante do registo por transcrição definitivo existe e existe nos precisos termos nele definida – cf. art. 11º do C. R. Comercial (a presunção legal incide apenas quanto ao registo por transcrição; os registos por depósito e por transcrição provisório dela não beneficiam).
Em regra, o registo comercial tem efeito declarativo, pelo que a presunção legal que dele emana é meramente iuris tantum, podendo ser ilidida mediante prova em contrário (o registo tem efeito constitutivo apenas em certos casos, como o da constituição das sociedades comerciais – cf. art. 5º do CSC).
A presunção legal da verdade do registo implica a inversão do ónus da prova (cf. art. 350º, n.º 2 do C. Civil).
Essa presunção de verdade da situação jurídica resultante dos factos registados pode ser impugnada mediante a acção de declaração de nulidade do registo. “Particularmente nos casos de registo falso ou de registo efectuado com base em títulos falsos ou insuficientes, a situação jurídica não existia e a presunção legal pode ser afastada. Estamos assim, em princípio e segundo o art. 11º, perante uma presunção apenas iuris tantum relativamente à situação jurídica resultante do facto registado.” – cf. J. Seabra Lopes, op. cit., pág. 178.
Ainda que de presunção ilidível se trate (e a doutrina não se apresenta consonante quanto a tal entendimento), “enquanto o registo não for cancelado, caducar, ou os seus efeitos transferidos, publica erga omnes o que contém e esse conteúdo é tido – deve ser tido pelo próprio Ordenamento – como demonstrativo da situação jurídica concreta da sociedade ou de qualquer dos outros entes em causa.” – cf. Mouteira Guerreiro, op. cit., pág. 391.
Significa isto que ao ingressar no registo um facto jurídico inválido ou um facto jurídico inexistente a realidade tabular passa a reflectir uma “realidade” distinta da extratabular. Ainda que o registo definitivo não seja condição suficiente para a aquisição a favor do sujeito activo do facto jurídico inscrito, atenta a presunção de que a situação jurídica inscrita existe nos termos em que é definida pelo assento registal (com excepção do registo comercial por depósito), enquanto a inscrição permanecer em vigor continuará a sustentar tal presunção. Quem a pretender afastar terá de impugnar os factos e pedir o cancelamento.
Os registos caducam, ou seja, deixam de produzir efeitos, por força da lei ou pelo decurso do prazo de duração do negócio – cf. art.º 18º, n.º1 do C. Registo Comercial (os registos provisórios caducam se não forem convertidos em definitivos, no prazo de seis meses).
Os registos são cancelados, isto é, declarados sem efeito, com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão judicial transitada em julgado, sendo o cancelamento efectuado a pedido dos interessados ou oficiosamente – cf. art.º 20º do C. Registo Comercial.
Dispõe o art.º 22º, n.º1 do C. Registo Comercial:
“O registo por transcrição é nulo: a) Quando for falso ou tiver sido feito com base em títulos falsos; b) Quando tiver sido feito com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado; c) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere; d) Quando tiver sido assinado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil, e não possa ser confirmado; e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia.”
Por sua vez, o registo é inexacto “quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade” – cf. art. 23º do C. Registo Comercial.
Nos termos do art.º 48º do C. Registo Comercial: “1 - O registo por transcrição deve ser recusado nos seguintes casos: a) (Revogada) b) Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados; c) Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está sujeito a registo; d) Quando for manifesta a nulidade do facto; e) Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem removidas; f) (Revogada) g) (Revogada) h) Quando a entidade se encontrar em incumprimento quanto à obrigação do registo da prestação de contas, sem prejuízo das exceções previstas no n.º 3 do artigo 17.º, e não proceder ao referido registo durante o prazo fixado para o suprimento de deficiências. 2 - Além dos casos previstos no número anterior, o registo só pode ser recusado se, por falta de elementos ou pela natureza do acto, não puder ser feito como provisório por dúvidas.”
O regime do registo comercial foi construído sobre o regime do registo predial contendo normas muito próximas da deste. Não obstante, o art.º 115º do C. Registo Comercial determina a aplicabilidade ao registo comercial, com as necessárias adaptações, na medida indispensável ao preenchimento das lacunas da regulamentação própria, as disposições relativas ao registo predial que não sejam contrárias aos princípios informadores daquele.
Conforme decorre das normas supra transcritas (similares às previstas nos art.ºs 16º a 18º do Código do Registo Predial), o registo pode ser nulo em virtude de uma invalidade intrínseca (ou seja, por força de aspectos estritamente registais) ou em consequência de um vício substantivo.
“Um registo é extrinsecamente nulo, nomeadamente, quando tiver sido lavrado com base num título nulo ou que venha a ser anulado, porquanto, tendo em conta a eficácia retroactiva da nulidade e da anulabilidade, ter-se-á de afirmar que o registo, afinal, foi lavrado com base em título insuficiente para a prova do facto inscrito (cfr. al. b) do art. 16º do Código do Registo Predial); e, por maioria de razão, um registo é extrinsecamente nulo quando tiver sido lavrado com base num título falso que seja o continente de um negócio materialmente inexistente (cfr. al. a) do art. 16ºdo do Código do Registo Predial)” – cf. Mónica Jardim, Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, 2015, pág. 256; de notar que as normas mencionadas encontram correspondência nos art.ºs 22º, n.º 1, a) e b) do C. Registo Comercial.
Esta invalidade registal extrínseca é algo distinto da “invalidade” que afecta o facto jurídico inscrito, sendo uma consequência desta. Assim, quando um facto jurídico aceda ao registo e padeça de inexistência, nulidade ou venha a ser anulado, detectam-se dois actos viciados: o facto jurídico inscrito (vício substantivo) e o assento registal (nulidade extrínseca, ou seja, uma nulidade consequencial decorrente de um vício substantivo), cada um com o seu respectivo regime.
Ora, atento o estatuído no art. 82º do C. Registo Comercial, certos registos indevidamente efectuados, porque nulos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 22º deste diploma legal, podem ser cancelados em execução de decisão tomada pelo conservador no processo de rectificação, independentemente de qualquer decisão judicial acerca da existência do vício.
Tal, porém, já não sucederá no caso de um registo indevidamente efectuado porque extrinsecamente nulo, ou seja, porque lavrado com base num título inválido.
Estando em causa um registo lavrado com base num título falso (ou nulo), o registo será extrinsecamente nulo. Mas se a nulidade ou falsidade do título não for manifesta e, por isso, o registo tiver sido devidamente lavrado, só poderá ser cancelado após a declaração de nulidade do título, pois só nessa altura passará a ser incontroversa a sua nulidade consequencial – cf. art. 22º, n.º 3 do C. Registo Comercial; neste sentido, Mónica Jardim, op. cit., pág. 259.
Deste modo, sempre que o vício registal seja consequência de uma nulidade manifesta do título com base no qual foi lavrado, o conservador, porque não pode declarar a nulidade do título, não pode suprimir a invalidade registal através do cancelamento do registo, no âmbito de um processo de rectificação.
No caso sub judice, está em causa precisamente uma alegada situação de registo extrinsecamente nulo, isto é, a Insc. 6 Ap. 196/2016114 – Alteração parcial com remodelação total do contrato de sociedade, porque se terá baseado num documento (título) adulterado e que não corresponde à versão dos Estatutos aprovada em assembleia geral, constitui um acto de registo consequencialmente nulo porque baseado num título falso (a falsidade “pode ser ideológica ou material, consoante, no momento da formação de documento autêntico, o seu autor nele ateste, como verificados na sua presença ou por ele praticados, factos que não se verificaram, ou em documento autêntico ou particular já formado, se verifique, feita pelo seu autor ou por outrem, uma alteração do respectivo conteúdo, ainda que por supressão ou acrescentamento” – cf. J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 269; é considerado falso “o documento produzido com o propósito de desfigurar a realidade que se destina a reproduzir, ou porque supõe a efectivação de uma ocorrência que se não deu, ou porque, referindo-se a um facto sucedido, ocorreu a alteração da sua realidade por via da modificação consciente de algum dos seus elementos.” – cf. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2ª edição, pág. 263).
Contudo, esta nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado (cf. art. 22º, n.º 3 do C. Registo Comercial), sem prejuízo de ser invocável a todo o tempo e de poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do C. Civil)
É esta decisão que a autora visa alcançar com a presente acção, sendo esta uma acção de “registo”, no sentido de visar a declaração de uma nulidade de um acto de registo.
Tendo presente este que é o objecto do litígio não se vê como sustentar que a ré não possua legitimidade – mais propriamente, o respectivo Conservador, pessoa responsável pela realização do registo – para ocupar o lado passivo da acção, posto que aquilo que é colocado em crise é um acto da sua lavra.
Além disso, não se olvide que estão em causa, para além de interesses privados, interesses públicos, da fé pública dos actos de registo.
Apresenta-se cristalina a sustentação da legitimidade da intervenção na acção do conservador na seguinte passagem do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2-03-2010 acima já mencionado:
“O registo predial, na veste de registo público, atesta a verificação de factos jurídicos e permite que o público em geral se possa fiar nos efeitos que típica e normalmente se produzem associados a tal facto. Vale dizer que é plural o objecto da publicidade registal: os factos que se registaram e que se provam pelo registo e as situações jurídicas que desse registo se retiram por ilação. Pluralidade que envolve um feixe alargado de interesses centrados no interesse público do conhecimento do facto registado como requisito de eficácia, mas também os interesses privatísticos dos sujeitos beneficiários do facto registado. E, por isso, está legitimada a intervenção alargada dos titulares dos diversos interesses em jogo na prossecução dos fins prosseguidos pelo recurso de apelação: a validade jurídica do acto do conservador do registo predial. Dizer que, nesta multiplicidade de interesses, há lugar para a tutela do interesse prosseguido pelo conservador na defesa da tese que sustenta o acto por si praticado, a corroborar a sua legitimação para alegar ou responder às alegações do apelante na contraposição de razões, argumentos, justificativos do entendimento por si sufragado.
Aliás, a relação processual registal estabelece-se entre o apresentante e a conservatória, o que funda, desde logo, a intervenção do conservador na instância judicial, quer na primeira instância quer na fase recursiva.”
A validade do acto praticado pelo conservador está directamente colocada em causa na presente acção e com esta visa-se obter o seu cancelamento.
O vício invocado é susceptível de afectar a fé pública do acto de registo e, mais do que isso, a própria actuação do conservador naquela que é a sua intervenção mais importante, a da qualificação do registo (não sendo manifesto o vício do título, o registo foi devidamente lavrado, mas sendo-o, já o foi indevidamente), pelo que se afigura essencial reconhecer-lhe um interesse legítimo e directo em contestar a presente acção (ainda que reportado a uma acção para declaração de nulidade de um documento autêntico com intervenção de notário e a propósito da legitimidade processual deste, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-09-2008, relator Paulo Reis, processo n.º 6145/17.0T8GMR-A.G1 disponível em www.dgsi.pt).
Assim, estando em causa um processo de registo, a relação registal (diversa da relação que se estabelece entre sujeito activo e sujeito passivo que precede o acto de registo e que lhe é subjacente), estabelece-se, por um lado, entre o apresentante (pessoa que participou no procedimento registal como apresentante ou como representada deste – cf. art.ºs 28º e 29º do C. Registo Comercial) e por outro, o conservador, que vai avaliar da viabilidade da entrada no registo do facto jurídico a inscrever. É a decisão registal do conservador que está em causa nos autos (cf., ainda que a propósito da legitimidade de quem não interveio no processo de registo, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8-02-2018, relatora Elisabete Valente, processo n.º 715/17.4T8STR.E1 disponível em www.dgsi.pt).
Em reforço da legitimidade processual do conservador (não estando aqui em causa a decisão que incidiu sobre a personalidade jurídica da ré, tendo-se considerado que a ré está integrada no Instituto de Registos e Notariado, IP - este sim com personalidade jurídica -, note-se, contudo, que a procuração junta aos autos foi emitida, precisamente, pelo conservador responsável pela Conservatória – cf. fls. 50) importa ter presente que a sua intervenção processual encontra-se expressamente prevista no contexto da impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de rectificação de registo e no recurso da decisão judicial sobre a recusa da prática de acto de registo, sendo-lhe conferida legitimidade para recorrer da decisão do tribunal de 1ª instância (cf. art.ºs 92º, n.ºs 1 e 3, 93º-A, n.º 1, 101º, 104º, n.º 1 e 106º, n.º 1 do C. Registo Comercial) – cf. no sentido de que as acções a propor para efeitos de reconhecimento da nulidade ou inexistência do registo devem ser propostas contra os conservadores respectivos, invocando, no caso, o disposto no art. 147º do C. Registo Predial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-11-1991, relator Cura Mariano, processo n.º 080696, disponível em www.dgsi.pt.
Em consonância, sendo colocado em crise o acto de registo acima identificado e, por via disso, sendo afectada a fé pública que enforma os actos de registo e que visa a salvaguarda da segurança jurídica, afirma-se positivamente a legitimidade passiva de quem interveio na execução desse acto, no caso, a aqui ré/recorrida.
Em conformidade, impõe-se revogar a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, devendo os autos prosseguir os seus trâmites subsequentes.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Uma vez que a apelação procede as custas processuais ficam a cargo da ré/recorrida, ainda que não tenha contra-alegado (cf. neste sentido, Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 7ª edição, pág. 8).
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a) julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, considerando a ré/apelada, parte legítima para a causa, pelo lado passivo, devendo os autos prosseguir os trâmites processuais subsequentes.
As custas ficam a cargo da ré/apelada (cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).