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ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PARTE COMUM
USO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1. A assembleia de condóminos pode deliberar o uso exclusivo de uma parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal por uma das fracções, traduzindo tal deliberação a atribuição de um direito pessoal de gozo a um dos condóminos, não importando aquela deliberação qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. 2. Não se provando que numa assembleia de condóminos alguns dos presentes tenha invocado a representação de condóminos ausentes, em cujas fracções residiam, não se pode concluir pela verificação, quer da representação tolerada, quer da representação aparente dos respectivos proprietários. 3. O abuso de direito não pode conduzir a uma mudança do direito de que se abusou (no caso, uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal), pois que, em face do direito português (art. 1419º do C.C.), o título constitutivo só pode ser modificado por acordo de todos os condóminos e não por sentença judicial.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. PE…, MS… e mulher ML…, JA… e mulher MM… e RD… intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra JA… e mulher CC…, pedindo a condenação destes na entrega do uso do quintal que constitui parte comum do prédio sito na Rua …, nºs …, …-A, … e …, em Lisboa, aos respectivos comproprietários, os aqui autores, e na remoção de toda e qualquer construção e/ou edificação que tenham erguido no mesmo, num prazo nunca superior a 15 dias.
Alegaram, para tanto e em síntese, que são os proprietários de fracções autónomas no prédio sito na Rua …, nºs …, …-A, … e …, em Lisboa; que o réu é também proprietário da fracção designada pela letra "D", referente ao 1° andar, sendo os réus comproprietários da fracção "B", referente ao rés-do-chão do mesmo prédio; que os réus detêm ilegitimamente o quintal que constitui parte comum do prédio e que se situa nas traseiras do mesmo, ocupando a área total de 210m2, designado nas actas de assembleia de condomínio como "jardim", não tendo direito ao uso exclusivo do mesmo; que os autores MS… e ML…, condóminos das fracções "A" e "I" não assinaram a acta da 4ª sessão da assembleia de condóminos, que teve lugar em 13.10.2004, pois em assembleia encontrava-se NS…, que nunca juntou procuração de representação dos identificados condóminos, nem tal votação foi alguma vez ratificada por aqueles, que nem nunca o fariam pois sempre discordaram de tal decisão; que pode ser afecto o uso exclusivo a um condómino de uma parte comum, mas tal tem que constar do título constitutivo da propriedade horizontal; que a alteração do título constitutivo tem que ser por escritura pública, com o acordo de todos os condóminos; que em actas posteriores da assembleia de condóminos a autora PE…, condómina da fracção "E", revogou a autorização concedida na referida acta n° 5, na sua 4a sessão; que não existe qualquer título válido que legitime o réu, condómino da fracção "D", a registar o uso exclusivo do quintal.
Os réus contestaram, defendendo-se por excepção (ineptidão da p.i., caducidade, ilegitimidade passiva e activa e abuso de direito) e por impugnação, pedindo a final a sua absolvição da instância ou do pedido, por procedência das excepções invocadas e, caso assim não se entenda, a sua absolvição do pedido por improcedência da acção ou, caso assim não se entenda, por procedência da excepção de abuso de direito ou, caso assim não se entenda, a condenação dos autores ao pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos réus em virtude da entrega do jardim que possa vir a ser ordenada e que se fixa em 30% do valor da aquisição da fracção "D", ou seja, € 158.617,80, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal de 4% ao ano.
Mais pedem a condenação dos autores como litigantes de má fé em multa e em indemnização não inferior a € 158.617,80.
Os réus deduziram ainda reconvenção, pedindo que seja declarado que o uso do jardim do prédio sito na Rua …, n° … a …, em Lisboa, está afecto exclusivamente à fracção "D", 1° andar do mesmo prédio, com as legais consequências, designadamente a respectiva inscrição no registo predial.
Alegaram, para tanto e em síntese, que o pedido de entrega do jardim é ininteligível pois os réus são também comproprietários das partes comuns do prédio, entre elas, o jardim; que a petição inicial é ainda inepta porque os autores não alegam que a deliberação em apreço tenha sido anulada, nem foi impugnada judicialmente tal deliberação; que não tendo sido peticionada a declaração de invalidade da deliberação, por anulabilidade, caducou o direito de anular o acto; que os autores são partes ilegítimas porquanto todos, sem excepção, votaram a favor do uso exclusivo do jardim do prédio pela fracção "D"; que ainda que se entenda pela invalidade da deliberação vertida na 4a sessão da acta n° 5, por falta de quórum, a consequência será a manutenção em vigor da deliberação anterior que versou exactamente sobre a mesma matéria e cujo uso exclusivo do jardim pela fracção "D" foi aprovada por unanimidade dos condóminos, incluindo os autores MS… e ML…; que a legitimidade passiva é de todos os condóminos que votaram a deliberação, pois estes têm interesse em contradizer, atento o prejuízo que lhes pode advir da eventual procedência da presente acção; que ao jardim em apreço apenas se tem acesso directo e originário pela fracção "D", através de duas divisões da fracção em causa, cada uma delas com porta e janela, respectivamente; que com excepção da fracção "D", apenas se acede ao jardim através de um portão de entrada sito na via pública após o que se percorre um corredor lateral ao prédio até chegar ao jardim; que as chaves do portão sempre estiveram exclusivamente com o proprietário da fracção "D", desde 2004 com o aqui réu, e, antes dessa data, com os anteriores proprietários da fracção "D"; que apenas após os réus terem aceitado que o corredor de acesso ao jardim fosse utilizado por todos os condóminos de forma a aí colocarem estendal e caixotes do lixo, é que foi entregue uma cópia da chave aos restantes condóminos; que desde, pelo menos, o ano de 1979, que o jardim em causa é usado exclusivamente pela fracção "D", independentemente de quem é o seu proprietário, sendo os proprietários da fracção "D" que sempre cuidaram e repararam o jardim e os únicos que dele usufruíram e que suportaram os seus custos, nomeadamente os de electricidade e água; que os réus não construíram qualquer muro, tendo apenas colocado um portão que divide a passagem lateral direito do prédio do jardim e fizeram-no de acordo com a deliberação exarada na acta n° 5, sessão 4; que o réu esteve presente na assembleia exarada na acta n° 5, ainda como promitente comprador da fracção "D", tendo à data deixado expresso que era condição de aquisição da fracção o uso exclusivo do jardim, o qual já havia ficado consignado em deliberação anterior exarada na acta n° 4; que após a deliberação tomada na assembleia exarada na acta n° 5, sessão 4, o aqui réu veio a adquirir por compra a fracção "D" convicto que a mesma lhe permitia o uso exclusivo do jardim, pois isso mesmo lhe foi garantido por todos os condóminos do prédio; que decorreram anos em que o réu insistentemente solicitou a procuração relativa aos condóminos das fracções "A" e "I", não tendo estes invocado que a mesma não existia ou que existiu abuso de representação; que NS…, à data administrador do prédio, mas também conhecido e reconhecido como representante dos seus pais, proprietários das fracções "A" e "I" nas assembleias realizadas por todos os condóminos, jamais esclareceu os condóminos, em especial os aqui réus, de que não tinha a procuração ou que a mesma não incluía os poderes para votar nos termos em que o fez; que não era expectável que os autores intentassem a presente acção quando, ao longo destes nove anos, jamais questionaram (pelo menos de forma válida e em sede própria) a deliberação tomada em 2004; que o direito ao uso do jardim está afecto exclusivamente à fracção "D", da qual o réu é o único proprietário; que a afectação é material pelos actos praticados, mas também formal conforme plasmado nas deliberações tomadas nas assembleias de condomínio exaradas nas atas n° 4 e 5; que o réu adquiriu a fracção "D" no pressuposto de que o uso exclusivo do jardim havia sido atribuído à fracção "D" e foi também nesse pressuposto que foi fixado o valor de compra; que a depreciação ou diferença no valor da fracção consoante tenha ou não o uso exclusivo do jardim é no mínimo de 30% do referido valor.
Os réus requereram ainda a intervenção acessória de NS…, filho dos autores MS… e ML….
A fls. 200/236 dos autos, os autores replicaram e pediram a improcedência das excepções invocadas na contestação, a improcedência do pedido reconvencional e do incidente de litigância de má fé. Mais pediram a condenação dos réus como litigantes de má fé em multa e em indemnização a fixar pelo Tribunal.
Alegaram, para tanto e em síntese, que o pedido formulado pelos autores é bem explícito e não padece do vício que lhe é apontado; que a autora PM… não assinou a referida acta, encontrando-se a mesma assinada por MJ… e não se encontra junta à acta qualquer procuração outorgando-lhe poderes para o efeito; que não existe qualquer caducidade do direito dos autores, porquanto a aludida acta nunca preencheu os requisitos legais exigíveis; que a acta n° 4 encontra-se revogada pela acta n° 5, sessão 4 e esta é válida, mas não na parte que exige unanimidade de todos os condóminos, por falta de assinatura dos condóminos das fracções "A", "E" e "I"; que o acesso da fracção dos réus foi facilitado com a construção do alpendre e de uma escada de 5 degraus, sendo a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim aproximadamente de 1,5 metros; que a construção do referido alpendre foi feita sem a autorização do condomínio; que o réu adquiriu a fracção "D" em 13.09.2004, data anterior à realização da assembleia exarada na ata n° 5 que teve início em 15.09.2004, razão pela qual não pode invocar o abuso de direito por parte dos autores.
Após convite formulado pelo tribunal, vieram os réus requerer a intervenção principal provocada, ao lado dos autores, de HF…, MH… e marido CA…, MG… e MF…, condóminos do prédio dos autos, tendo pelo despacho de fls. 414 dos autos sido admitida essa intervenção e ordenada a citação dos intervenientes.
A fls. 442 dos autos MF…, proprietária da fracção com a letra "G", e HF…, proprietário da fracção com a letra "H", apresentaram a sua contestação fazendo seus os articulados apresentados pelos autores.
Mais pedem, caso o pedido reconvencional venha a proceder, a condenação dos réus a pagar uma indemnização a cada um dos autores em valor nunca inferior a € 30.000,00.
A fls. 471/474 dos autos, os réus vieram responder ao articulado apresentado pelos identificados intervenientes, alegando, para tanto e em síntese, que que os identificados intervenientes adquiriram as fracções do prédio em data posterior às deliberações em discussão nos presentes autos.
Por despacho proferido a fls. 480/481 dos autos foi considerado não escrito tudo quanto no articulado apresentado pelos intervenientes MF… e HF… extravasa o âmbito de resposta à reconvenção apresentada pelos réus.
Após convite, os autores aperfeiçoaram a p.i.
Proferiu-se despacho saneador, tal como consta a fls. 513/516 dos autos, onde se julgou improcedente a excepção dilatória de nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial e a excepção dilatória da ilegitimidade activa e passiva, onde se relegou o conhecimento da excepção da caducidade para sede de sentença final e se procedeu à fixação do objecto do litígio e à enunciação dos temas de prova.
Por decisão proferida a fls. 661 dos autos foram julgados habilitados MH…, HM… e MA… como sucessoras do falecido interveniente CA… para, no lugar deste, prosseguirem com a demanda.
Por despacho proferido a fls. 671 dos autos foi indeferido o incidente de intervenção acessória provocada de NS… suscitado pelos réus.
Por decisão proferida a fls. 20 dos autos apensos foi declarada a habilitação do adquirente SP… para, no lugar dos autores MS… e ML…, prosseguir os termos da demanda em sua substituição relativamente à fracção autónoma designada pela letra "I" referente ao 4° andar direito do identificado prédio urbano.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu: - julgar improcedente a presente acção e, em consequência, absolver os réus dos pedidos formulados pelos autores e intervenientes. - Julgar procedente o pedido reconvencional formulado pelos réus e, em consequência, declara-se que o uso do jardim/quintal do prédio sito na Rua …, nºs … a …, em Lisboa, está afecto exclusivamente à fracção "D", correspondente ao 1º andar do identificado prédio, e que tal afectação exclusiva seja inscrita no registo predial. - julgar improcedentes os incidentes de litigância de má fé e, em consequência, absolver autores e réus dos pedidos formulados. - Custas da acção e do pedido reconvencional pelos autores e intervenientes. - Custas dos incidentes de litigância de má fé pelos autores e intervenientes e pelos réus, fixando-se em 1 (uma) Uc a taxa de justiça a cada um dos incidentes.
Inconformado, vieram os autores interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões:
I) A Douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que existe por parte dos Apelantes abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium" uma vez que em momento algum se pode qualificar a sua conduta como consubstanciadora de assumpção de posição contrária a factos por eles próprios praticados.
II) Os Réus, ora Recorridos, bem sabiam que detinham, ilegitimamente, o jardim/quintal que constitui parte comum do prédio referido nos autos e que se situa nas traseiras do mesmo prédio, ocupando a área total de 210 m2, razão pela qual foi posto à consideração de todos os condóminos no ano de 2004 e em Assembleias Gerais de Condóminos, o uso exclusivo do dito jardim/quintal pelos proprietários da Fracção "D".
III) De facto, por Assembleia Extraordinária, a que corresponde a acta n° 4, de 01107/2004, no seu ponto três, foi debatido o uso exclusivo do quintal, pelos antigos proprietários da fracção "D", PA… e HM…, por bem saberem que não detinham tal uso exclusivo.
IV) A referida acta n.º 4, não se encontra assinada por todos os condóminos.
V) Os ora Apelantes MS… e ML…, condóminos das Fracções "A" e "I" nos termos do 1419º n° 1 do Código Civil, não assinaram a dita acta, pois em Assembleia encontrava-se NS…, que nunca juntou procuração de representação dos condóminos das ditas fracções "A" e "I", porque a mesma nunca existiu, nem tal votação foi alguma fez rectificada por aqueles, que nem nunca o fariam pois sempre discordaram de tal decisão, não lhes podendo ser assacada posição contrária a factos por eles próprios praticados.
VI) Não foi essencial aos Réus, aqui Recorridos, a aquisição da fracção "D" com o uso exclusivo do jardim, pois o Réu JA… adquiriu a dita fracção "D" em data anterior à Assembleia de Condóminos exarada na acta n. ° 5, bem sabendo que a mesma não detinha tal uso exclusivo.
VII) Na perspectiva dos Apelantes, a M. a Juiz a quo incorreu em erro de julgamento: i) decidindo de forma deficiente e infundamentada determinados pontos da matéria de facto; ii) fazendo uma incorrecta subsunção dos factos julgados provados às normas jurídicas aplicáveis.
VIII) Considerando a prova disponível nos autos e a produzida em sede de julgamento (designadamente testemunhal) há pontos da matéria de facto-fundamento último da decisão de direito-que se mostram incorrectamente julgados, razão pela qual, especificadamente, se impugnam nos termos e para os efeitos do art.º 640.º do C.P.C.
IX) Na perspectiva do Recorrente, a prova testemunhal produzida e reproduzida no corpo das presentes alegações, designadamente, os depoimentos das partes ML…, PE… e JA… e das testemunhas NA… e MJ… apontava num sentido oposto ao da conclusão constante da douta sentença de fls ...
X) Entendem, os ora Recorrentes que quer as declarações das partes quer os depoimentos das testemunhas, supra transcritos, são manifestamente suficientes para que se possa concluir, sem mais, que nunca foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA…, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, resultando claro e evidente do depoimento desta testemunha que a única procuração que lhe foi passada foi para efeitos da Assembleia que deu origem à Acta n° 8, realizada no dia 08.07.2009, conforme facto provado em 22).
Xl) É bem diversa a questão não juntou procuração, que pressupõe a existência da mesma da actuação como se a mesma existisse quando na verdade nunca foi passada por quem detêm o Direito.
XII) Para existir abuso de direito é necessário antes de mais que esse direito exista.
XIII) Nunca tendo existido uma procuração nunca existiu um direito susceptível de abuso nos termos do artigo 334.º e 342° do Código Civil.
XIV) Isto é, não só a prova testemunhal foi sobrevalorizada de forma inadmissível na medida em que da mesma era possível extrair que nunca foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n° 4, de 01/07/2004, e a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07/10/2004 e a quarta sessão em 13/10/2004, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07/10/2004 e a quarta sessão em 13/10/2004.
XV) Resultou, provado que: 15) Na Conservatória do Registo Predial encontra-se registada a favor de JA… a propriedade da fracção autónoma designada pela letra "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, com data de 13.09.2004, conforme consta a fls. 35/36 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
XVI) Foi registada a aquisição da Fracção "D" a favor do Recorrido JA…, em 13/09/204, em data anterior à Assembleia a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13110/2004, não podendo ser considerada que o ora Recorrido tivesse qualquer expectativa na aquisição de ter o uso exclusivo do quintal/jardim.
XVII) Contrariamente ao decidido - resultou provada que em momento algum foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n.º 4, de 01107/2004 e a que corresponde a acta n.º 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07/10/2004 e a quarta sessão em 13110/2004, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13/10/2004.
XVIII) A prova de que não foi junta procuração e a conclusão de que "nomeadamente os condóminos, à data, das fracções "A ", "P' e "E", e que agora se negam a juntar as respectivas procurações" foi, no entender do Recorrente, gravemente prejudicado nos seus direitos de propriedade pelo teor de tal decisão, minimalista, insuficiente e muito pouco exigente para dar como provado os facto 21) e 29) dos factos provados.
XIX) Deve, pois, ser revogada e alterada a decisão da matéria de facto eliminando-se do elenco dos factos assentes a factualidade julgada provada sob os n.ºs 21 e 29 dos Fundamentos de Facto revogando-se, nesta parte, a douta sentença recorrida.
XX) Mais deve ser aditado como facto provado o que a seguir se elenca sobre letra A): A - Não foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n° 4, de 01/07/2004 e a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13110/2004, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13/10/2004.
XXI) Ao julgar verificado que a fracção "D' é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim, que o acesso da fracção "D" ao quintal/jardim é efectuado através de um patamar com uma escada de 5 degraus, sendo que a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim será aproximadamente 1,5 metros, o anterior proprietário da fracção "D" construiu um alpendre no jardim/quintal e por outro lado que o mesmo tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo o Tribunal a quo decidiu em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos; a ambiguidade/obscuridade da prova e não prova, simultânea, dos factos supra identificados sempre determinaria a nulidade da douta sentença recorrida por ininteligibilidade (e contraditoriedade) vício que desde já se invoca para os legais e devidos efeitos - cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C.
XXII) Efectivamente, não se alcança como pode ter resultado simultaneamente provado facto n.º 13 dos factos provados e ter sido dado como provado o facto n.º 25, 38 e 39.
XXIII) Ao julgar verificado o uso do jardim e a utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos (cf. facto n° 35), o Tribunal a quo decidiu, uma vez mais em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos; donde resulta, por sua vez, a errada subsunção dos factos ao direito e a nulidade parcial da douta decisão recorrida nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C.
XXIV) Os Apelantes não agem em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium atento que nunca praticaram qualquer acto ou exerceram uma posição jurídica contraditória com o comportamento assumido anteriormente em manifesto prejuízo de outrem, nem tão pouco resulta que decorreu longo tempo sem os Apelantes exercerem o seu direito, tendo em conta que o tema foi sempre objecto de discussão até à entrada da presente acção.
XXV) Pelo exposto deve ser a presente acção julgado procedente por provada e julgado o pedido reconvencional deduzido pelos Recorridos improcedente por não provado.
Terminam pedindo seja julgado procedente o recurso e, em consequência, seja revogada a sentença recorrida, nos termos acima expostos, com todas as consequências legais.
Nas contra-alegações os réus propugnam pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. As questões a decidir resumem-se a saber:
- Se a sentença enferma de nulidade;
- Se é caso de alterar a matéria de facto considerada em 1ª instância;
- Se os autores actuaram com abuso de direito;
- Se o tribunal pode ordenar a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e determinar a inscrição no registo predial de que o uso do jardim do prédio em causa nos autos fica afecto exclusivamente à fracção D, pertença dos réus.
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III. Factos considerados provados em 1ª instância:
1) A autora PE… é a proprietária da fracção autónoma designada pela letra "E", referente ao segundo andar direito, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
2) Os autores MS… e ML… são os proprietários da fracção autónoma designada pela letra "A", referente ao rés-do-chão, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
3) O autor habilitado SP… é o proprietário da fracção autónoma designada pela letra "I", referente ao 4° andar direito, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
4) Os autores JA… e MM… são os proprietários da fracção autónoma designada pela letra "J", referente ao quarto andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
5) A autora RD… e o interveniente HF… eram, à data da propositura da acção, os proprietários da fracção autónoma designada pela letra "H", referente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
6) A interveniente e as intervenientes habilitadas MH…, HM… e MA…, são proprietárias da fracção autónoma designada pela letra "C", do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
7) A interveniente MF… é proprietária da fracção autónoma designada pela letra "G", do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
8) A interveniente MG… é proprietária da fracção autónoma designada pela letra "F", do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
9) O réu JA… é proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras "D", referente ao primeiro andar e "B", em compropriedade com a ré CC…, referente ao rés do chão, do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
10) Na escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, cuja cópia consta a fls. 238/242 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "( .. .). Que as partes não individualizadas do mesmo prédio são comuns a cada um dos condóminos, nos termos da lei. ( .. .) ".
11) Os réus têm vindo a fazer uso exclusivo do quintal/jardim do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
12) Na "Acta n° 4" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 01.07.2004, cuja cópia consta a fls. 290/294 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "( .. .). 3. Ficou decidido e aprovado por unanimidade o uso exclusivo do quintal pelo 1º andar. "
13) A fracção "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.os …, …-A, … e …, em Lisboa, é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim existente em todo o alçado traseiro, através de duas divisões da fracção em causa, cada uma delas com porta e janela, respectivamente.
14) Por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca outorgada em 25.11.2004, cuja cópia consta a fls. 260/272 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, HD… e PA… venderam a JA… a fracção autónoma destinada exclusivamente a habitação, designada pela letra "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa.
15) Na Conservatória do Registo Predial encontra-se registada a favor de JA… a propriedade da fracção autónoma designada pela letra "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, com data de 13.09.2004, conforme consta a fls. 35/36 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
16) Na "Acta n° 5" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 15.09.2004, cuja cópia consta a fls. 297/319 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "( .. .). 3. Áreas Comuns: a) Utilização das mesmas pelos condóminos; b) Revisão de decisões anteriores; c) Limpeza das caleiras; d) Revisão das condições do telhado; e) Regras e escalas de lixos. ( .. .). Estando presentes todos os condóminos, à excepção do condómino correspondente à fracção "C ", tendo-se feito representar as fracções "B" pela fracção "A" e a fracção "D" pelo Sr. MC…, respectivamente. Iniciou-se a discussão pelo ponto 3, a pedido da fracção "D ", uma vez que era o ponto que requeria interesse e a presença do Sr. MC…. Foi apresentada pelas fracções "A" e "I" a intenção de rever e alterar a posição tomada na última assembleia que dava o uso exclusivo do quintal à fracção "D ", argumentando que não foram salvaguardados principios básicos de utilização do mesmo, nomeadamente do corredor de acesso que ladeia o prédio pelo alçado nascente, nem foram impostas regras para a sua utilização. ( .. .). Os restantes presentes mostraram também vontade de clarificar o processo de uso exclusivo e as regras de utilização do mesmo, tendo sido referido que houve outros pontos não escritos mas também discutidos, nomeadamente que a utilização exclusiva contemplava apenas e só os condóminos proprietários à altura da decisão e não contemplava a transferência de direitos para um novo condómino. Apelando-se ao bom senso e devido ao adiantado da hora, pois todos fizeram ver os seus argumentos e pretensões, até o da divisão física do quintal entre jardim e corredor para uso repartido da fracção "D" e dos restantes condóminos, respectivamente, propôs-se adiar e retomar a discussão e resolução deste ponto, bem como de todos os outros descritos na Ordem de Trabalhos, para uma Z" sessão, a realizar em 23.09.204 pelas 19.00 horas no átrio do prédio (. . .). Por acordo unanime assim se decidiu e encerrou a lª sessão. (. . .) ".
17) Na "Acta n° 5 – 2ª sessão" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 23.09.2004, cuja cópia consta a fls. 300/304 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "(, . .) se reuniu em 2ª sessão a assembleia de condóminos do prédio (. . .), e com a mesma convocatória, estando presentes todas as fracções, à excepção da fracção "F" (2º esq.). Solicitada previamente a presença na assembleia do promitente comprador, Sr. JF… por parte da fracção "D" à administração do condomínio, esta por sua vez o propôs à assembleia, tendo sido aceite a presença, participação e intervenção sem quaisquer restrições, pela unanimidade dos presentes. (. . .). Passou-se à discussão da localização do estendal, já com a assembleia concentrada no corredor lateral nascente, para uso das fracções do r/c, sendo que para além dos argumentos de posicionamento e altura, foi apresentada pela fracção "D" o argumento que não seria dissociado destas questões, que passava pelo uso exclusivo ou não do quintal que assim ficaria de responsabilidade exclusiva de decisão da fracção "D ", a ser reconfirmada a utilização exclusiva do quintal pela fracção "D", da instalação e posicionamento do estendal. Foi ainda nesse local que se discutiu a eventual linha divisória entre jardim e corredor chegando-se facilmente à conclusão de que seria essa linha de divisória que divide o empedrado, deste área plana ajardinada e relvada em declive até ao portão que confina com o passeio e a estrada pública. (. . .). As fracções "A" e "I" reafirmaram a intenção de rever a posição do uso exclusivo caso não fosse encontrada uma solução de compromisso, de pelo menos o uso geral do corredor por todos os condóminos, tendo-se manifestado a maioria dos condóminos a favor desta solução bem como a de regrar quer a utilização desta área que a utilização ainda que exclusiva do jardim. Uma vez mais foram apresentados e esgrimidos argumentos entre as várias fracções, sendo que a fracção "D" defendia a posição escrita e assumida do uso exclusivo do quintal, posição foi apoiada pelas fracções "C" e "E", incutindo ainda a assembleia na vontade de, caso fosse a posição de assembleia motivo de rescisão do contrato com o presente promitente comprador, a mesma indiciaria legalmente as fracções causadoras do ressarcimento de eventuais prejuízos e danos, pois assentou o contrato de compra e venda também na premissa do uso exclusivo. Posição fortemente contestada pelas fracções "A" e "I", mostrando-se as restantes fracções presentes inclinadas e sugestionadas para uma solução consensual, que passaria pela descrita divisão de áreas entre jardim e corredor. A fracção "B" remetia-se à posição desde sempre assumida, a de não ter qualquer pretensão em relação ao quintal no todo ou em parte, mantendo-se assim à margem de qualquer discussão e declarando-se desde logo excluído de qualquer acção judicial ou indemnizatória. Foi referido pelas fracções "A" e "I" que não levaria ao extremo a sua pretensão, nem se oporia à maioria se entretanto se encontrasse uma solução de cedência mútua e consensual, que poderia muito bem passar pela referida divisão de áreas, salvaguardando regras de uso das mesmas. Foi solicitada pela fracção "D" um prazo não muito extenso para que entre si, promitentes vendedor e comprador, puderem tentar convencionar e acordar uma solução que permitirá ultrapassar ou não o diferendo entretanto criado, a fim se de evitarem posições extremas que possam levar a processos judiciais, eventualmente morosos e custosos. Por unanimidade foi aceite a solicitação e a continuação da reunião em data de 07.10.2004 (. . .).
18) Na "Acta n° 5 – 3ª sessão" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 07.10.2004, cuja cópia consta a fls. 304/30308 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "(, . .) com a presença de todos os condóminos, à excepção dos condóminos correspondentes às frações"C ", "B" e "E ", tendo sido representada a fracção "D" pelo Sr. JF…. Iniciou-se a reunião pelo ponto 3 da ordem de trabalhos de acordo com o estabelecido e em seguimento da anterior reunião. Foi apresentada uma posição intermédia à discutida na última reunião, no que dizia respeito à divisão do uso das áreas comuns do quintal, tendo as fracções "A ", "F", "H" e "I" apresentado a vontade de repartir a utilização de todo o quintal e não só a de aceitar a divisão como tinha sido discutida anteriormente do jardim e corredor. Os restantes condóminos mostraram alguma renitência sobre a abertura, de novo, da discussão deste ponto, uma vez que achavam a alternativa discutida na última reunião mais viável e como solução para o problema e porque a situação já havia sido exaustivamente discutida nas duas anteriores sessões, aguardando-se só a posição da fracção em causa, para outras eventuais deliberações. Foi apresentada de qualquer maneira pela fracção "D" um texto proposta de vedação para fins de acta, a fim de resolver a regrar quer a utilização exclusiva do jardim quer a utilização comum do corredor. Foi agradecido por todos os presentes tal redacção, tendo sido ainda dito que a mesma representava e expressava ao pormenor a questão debatida e a sua solução, sendo que a ser aceite servirá o mesmo para ser transcrito ou anexo como parte integrante da acta. Após pausa, foi ressalvada a sua aceitação, por parte das fracções "A ", "F", "H" e "I", para data da continuação da reunião a decorrer na próxima 4a feira, 13.10, (. . .) ".
19) Na "Acta n° 5 – 4ª sessão" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 13.10.2004, cuja cópia consta a fls. 308/319 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "(, . .). Estando presentes todos os condóminos sendo a fracção "C", representada pela fracção "D ", e estando de novo presente o futuro condómino o Sr. JF…, reconhecendo-lhe a assembleia direito próprio de presença. Iniciou-se a sessão com a explicação da continuidade, já em 4ª sessão, da reunião com ordem de trabalhos desde 15.09.2004 ao condómino da fracção "B ". Foi também dado conhecimento escrito da proposta de texto de deliberação apresentado pela fracção "D" na última sessão. Dando continuidade ao solicitado na última sessão a fracção "F" apresentou uma proposta, depois de ter explicado razões de cedência, por parte do condomínio, de áreas comuns sem qualquer compensação para o condomínio, de que fosse incluída no texto apresentado a aprovar acerca das áreas comuns de jardim e corredor, uma cláusula compensatória para utilização do condomínio. Explicada e discutida a proposta, a mesma foi a votação tendo recolhido os votos a favor das fracções "A ", "F", "H" e "I" totalizando 347/1000, a abstenção da fracção "B" com 92/1000 e os votos contra das frações "C", "D", "E", "G" e "J" totalizando 561/1000, tendo assim sido recusada. (. . .). Assim, a assembleia deliberou: 1: Resolver a questão respeitante a acesso e uso das áreas comuns condominiais correspondentes ao logradouro e que se encontravam, por deliberação de reunião anterior, condicionadas ao uso exclusivo da fracção "D ". 2. Considerar que a área correspondente ao logradouro se encontra constituída por 2 áreas de características diversas: a) o jardim, correspondente a uma área de dimensões aproximadas de 10x20m, de forma aproximadamente rectangular e que contacta com as extremas de vizinhança com os lotes contíguos a norte, este e oeste, e com a frcação correspondente ao 1º andar do lado sul; b) o corredor de acesso ao jardim atrás descrito, com área de dimensões aproximadas de 2x20m e que se encontra limitado pelo edifício em condomínio a que esta assembleia diz respeito, a oeste, pelo lote vizinho, a este, pela rua …, a sul, pelo jardim atrás descrito, a norte, considerando-se a linha de divisão correspondente ao prolongamento de alçado norte do edifício a que respeita esta assembleia, até tocar o muro de confrontação este. 3. Decidiu-se que a separação entre estas duas áreas seria materializada por uma separação física, muro de alvenaria ou portão, localizada na projecção do plano do alçado norte do edifício. (. . .), esta separação será custeada pela fracção "D", 1º andar, que escolherá a sua forma material. 4. A estas duas áreas condominiais deliberou-se fazer corresponder dois estatutos de usos diversos: a) o jardim, correspondente ao atrás descrito, e mantendo-se a propriedade condominial, adstrito ao uso da fracção "D ", correspondente ao 1º andar; b) o corredor, a que passaremos a chamar pátio, e mantendo-se a propriedade condominial, fica adstrito ao uso coletivo do condomínio. 5. Do portão de ligação entre o pátio e a rua será entregue uma chave a cada condómino. (. . .). 6. (. . .). 7. Da mesma forma se deliberam regras de utilização do jardim uma vez que, embora consagrado ao uso da fracção "D ", 1º andar, a propriedade é condominial e deve resultar do uso ou usufruto visual e ambiental de elevada qualidade para os outros condóminos e a inexistência de danos ou incómodos para os condóminos não utilizadores directos deste espaço. (. . .). A fracção do 1º andar "D ", decorrendo do seu estatuto de utilizador do espaço do jardim, recebe também o ónus da sua manutenção resultando responsáveis pelo bom estado de conservação e higiene deste espaço. (. . .). 8. O não cumprimento de todos os ónus acima referidos e bem assim como o uso abusivo do supra referido espaço por parte do condómino da fracção "D ", confere o direito de em assembleia de condóminos fazer-se reverter o uso do jardim à posição inicial, ou seja, parte comum de utilização geral do condomínio, com obrigação de indemnização dos condóminos, nos termos gerais do direito. Mais deliberou a assembleia de dar inscrição definitiva do deliberado a nível do concurso de constituição de condomínio e propriedade horizontal. A tal inscrição se dará procedimento em prazo não superior a 180 dias, deliberando-se desde já sobre o procedimento a despoletar, atribuindo-se tarefas e expensas. (. . .). Foi também aprovado por unanimidade ser, por proposta do próprio, o Sr. JA…, desde já mandatado pela administração do condomínio para o efeito, custear todas as despesas inerentes à inscrição do uso na propriedade horizontal bem como o de representar e dar seguimento ao processo administrativo perante as autoridades competentes da respectiva inscrição na propriedade horizontal. A proposta também do próprio em pagar uma quota compensatória ainda relativa ao uso exclusivo do jardim, a mesma foi recusada por unanimidade. Mais deliberou a assembleia, no mesmo acto de inscrição acima deliberado a nível de uso, ou em acto posterior, proceder à correcção das permilagens ainda a levantar mas que constarão de deliberação inscrita em acta de assembleia, (. . .)".
20) Os autores MS… e ML…, que eram à data proprietários das fracções "A" e "I", não assinaram a acta, sendo que relativamente às identificadas fracções a acta foi assinada por NS…, filho de MS… e ML….
21) NS… não juntou procuração outorgando-lhe poderes de representação dos condóminos das frações "A" e "I".
22) Na "Acta n° 8" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 08.07.2009, cuja cópia consta a fls. 322/323 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "(, . .). A reunião foi dominada pelo facto de surgirem dúvidas sobre a validade de assinaturas de actas anteriores: JF… (condómino do 1º andar) colocou o problema e ficou de o esclarecer com o seu advogado da importância das mesmas. (. . .). A fracção do 1º andar lembrou a necessidade de formalizar o decidido sobre a utilização do jardim. Este condómino colocou a questão da necessidade imperiosa de formalizar o compromisso decidido e registado em anteriores atas, acção que não lhe tem sido possível levar a cabo por ainda não ter as procurações necessárias para o efeito e por ter que ser clarificada a legitimidade da representação das fracções "A" e "I" por NS…, por se ter verificado não ser condómino embora tenha agido como tal em todas as assembleias. MP…, em representação da fracção do 2º dto, transmitiu a posição desta neste ponto da ordem de trabalhos e posteriormente pela própria, que foi ouvida através de telemóvel. A sua decisão foi adicionalmente apresentada por escrito através de um documento apresentado na reunião e solicitado à administração o anexo deste a esta acta. Os pontos questionados pela fracção do 2º dto referem que sendo o jardim propriedade comum deste prédio, vem, nesta reunião, revogar a sua concessão de uso do jardim feita para o 1º andar. Apresenta como motivo principal a possível perda de titulo de propriedade através da lei de usucapião. Dado que não concorda que seja atribuído o uso exclusivo do jardim ao 1º andar, a fracção requer nova deliberação para que seja atribuído novamente o uso comum ao espaço em questão. Mais refere que não aprova qualquer registo notarial da acta referente à concessão de uso do jardim feita para o 1º andar. (. . .)".
23) Na "Ata n° 9" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 10.08.2009, cuja cópia consta a fls. 326/327 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "(, . .). Colocou-se novamente a questão da legitimização do decidido e registado em anteriores actas dado não ser clara a legitimidade do representante das fracções "A" e "I" nessas reuniões. Foi dito que seriam enviadas procurações dos legítimos proprietários (pais). PM…, fracção E-2º dto, voltou a reforçar a sua posição e pedido ao condomínio para que seja atribuído novamente o uso comum ao jardim pelas razões já anteriormente apresentadas: futura perda de propriedade, perda imediata de valor comercial e falta de validade no processo de atribuição anterior (ata n° 5: 4a sessão). Novamente referiu que não aprova qualquer registo notarial ou alteração do titulo constitutivo no registo predial referente à concessão de uso do jardim feita para o 1º andar. (. . .)".
24) Na "Acta n° l0" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 03.09.2009, cuja cópia consta a fls. 330/333 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "( .. .). Colocou-se novamente a questão da validação de atas anteriores dado não ter sido expressa a condição de representação das fracções "A" e "I" em todas as reuniões. A fracção D-1° andar referiu que nas reuniões anteriores de condomínio, NS… compareceu sempre sem declarar a sua condição de representante das fracções "A" e "I" e agiu como condómino com direito próprio a estar presente e votar nas assembleias. ( .. .)".
25) O quintal pertencente ao prédio sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo.
26) No final de tal passagem os réus colocaram um portão.
27) Por reunião do Condóminos realizada no dia 05.03.2012, foi eleita como Administrador do prédio sito Rua … n° …, … e …, Lisboa, a empresa "R…, Ld.'", com sede na Rua …, n.º …, …, …- … Lisboa.
28) A autora RD… e o interveniente HF… subscreveram o instrumento particular denominado "Declaração", datada de 10.05.2011, cuja cópia consta a fls. 196 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta "RD… e HF… residentes na Rua … n. º …, …º esq., futuros proprietários da fracção H, 3º andar esquerdo do prédio sito na Rua … n.º …/…, …-… Lisboa, com conhecimento da decisão tomada pela antiga proprietária MN… relativa ao uso exclusivo do jardim por parte do proprietário da fracção D, 1º andar, registada e assinada na Ata n.º5, IV sessão de dia 13 de Outubro de 2004 declaram aceitar e concordar com essa decisão e comprometem-se a não por em causa no futuro as decisões tomadas e consagradas pela Acta n.º 5, IV sessão de dia 13 de Outubro de 2004, assumindo que o jardim permanecerá espaço comum com uso exclusivo por parte da fracção D/1º andar. (. . .)".
29) Não foi possível a celebração da escritura para alteração do título constitutivo de propriedade horizontal porque NS… não juntou a procuração à acta n° 5.
30) À data da realização da assembleia de condóminos descrita em 16) a 19) desempenhavam as funções de administradores do identificado condomínio NS… e JB….
31) As chaves do portão de acesso à rua pela passagem lateral do prédio sempre estiveram exclusivamente com o proprietário da fracção "D", desde 2004 com o aqui réu e, antes dessa data, com os anteriores proprietários da fracção "D".
32) Após o referido em acta descrita em 19), foi entregue cópia da chave referida em 31) aos restantes condóminos.
33) Desde a data em que foi constituída a propriedade horizontal, no ano de 1979, o jardim/quintal é usado exclusivamente pela fracção "D", tendo sido os sucessivos proprietários da fracção "D" que sempre cuidaram do jardim, limpando-o, aparando a relva, fazendo as reparações necessárias, bem como foram sempre os únicos que dele usufruíram, nele colocando mesas e cadeiras e um pequeno alpendre, utilizando-o como espaço de lazer nomeadamente tomando refeições, fazendo jardinagem, à vista de todos os condóminos.
34) Foram os sucessivos proprietários da fracção "D" os únicos que sempre suportaram o custo da electricidade e da água que, aliás, têm ligação directa à fracção "D".
35) A utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos.
36) O réu pretendia adquirir uma fracção com jardim.
37) O valor para a aquisição da fracção "D" pelo réu foi fixado atendendo ao uso exclusivo do jardim/quintal pela fracção "D".
38) O acesso da fracção "D" ao quintal/jardim é efectuado através de um patamar com uma escada de 5 degraus, sendo que a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim será aproximadamente 1,5 metros.
39) O anterior proprietário da fracção "D" construiu um alpendre no jardim/quintal.
Factos considerados não provados em 1ª instância:
A) No final da passagem existente na lateral direita do prédio os réus construíram um muro, que impede os restantes condóminos de acederem ao quintal/jardim.
B) A autora PC… apenas em 2009 teve conhecimento da intenção dos réus em alterar o título constitutivo, na assembleia extraordinária a que corresponde a acta n° 8, realizada em 08.07.2009.
C) A autora RD… apenas assinou a declaração descrita em 28) com desconhecimento total da realidade dos factos, do teor das actas anteriores e com base no que lhes tinha sido contado pela ré CC….
D) O jardim encontra-se desarrumado e cheio de lixo.
E) Os réus sempre impediram a colocação do contador comum.
F) O valor para a aquisição da fracção "D" pelo réu foi no montante de € 528.726,00.
*
IV. Do mérito da apelação: Da nulidade da sentença:
Dizem os apelantes que a sentença enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., por: Conclusão XXI) Ao julgar verificado que a fracção "D' é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim, que o acesso da fracção "D" ao quintal/jardim é efectuado através de um patamar com uma escada de 5 degraus, sendo que a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim será aproximadamente 1,5 metros, o anterior proprietário da fracção "D" construiu um alpendre no jardim/quintal e por outro lado que o mesmo tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo o Tribunal a quo decidiu em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos; a ambiguidade/obscuridade da prova e não prova, simultânea, dos factos supra identificados sempre determinaria a nulidade da douta sentença recorrida por ininteligibilidade (e contraditoriedade) vício que desde já se invoca para os legais e devidos efeitos; Conclusão XXII) Efectivamente, não se alcança como pode ter resultado simultaneamente provado facto n.º 13 dos factos provados e ter sido dado como provado o facto n.º 25, 38 e 39. Conclusão XXIII) Ao julgar verificado o uso do jardim e a utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos (cf. facto n° 35), o Tribunal a quo decidiu, uma vez mais em manifesta contradição com os elementos constantes dos autos; donde resulta, por sua vez, a errada subsunção dos factos ao direito e a nulidade parcial da douta decisão recorrida.
A nulidade a que se reporta o art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC apenas ocorre quando os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Na óptica dos apelantes existe contradição entre o facto provados sob o n.º 13 e os factos provados sob os n.ºs 25, 38 e 39.
Estes factos têm o seguinte teor: 13) A fracção "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim existente em todo o alçado traseiro, através de duas divisões da fracção em causa, cada uma delas com porta e janela, respectivamente. 25) O quintal pertencente ao prédio sito na Rua …, n.ºs …, …-A,… e…, em Lisboa, tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo. 38) O acesso da fracção "D" ao quintal/jardim é efectuado através de um patamar com uma escada de 5 degraus, sendo que a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim será aproximadamente 1,5 metros. 39) O anterior proprietário da fracção "D" construiu um alpendre no jardim/quintal.
Não assiste razão aos apelantes.
Com efeito, o tribunal a quo limitou-se a considerar provado que a fracção D, é a única fracção que tem uma ligação para o quintal/jardim, através de uma porta que dá para o mesmo, acedendo a este através de um patamar com uma escada de cinco degraus; e que, para além deste acesso, existe um outro pelo exterior do edifício.
Não se vislumbra, pois, que a factualidade acima descrita seja contraditória entre si.
De resto, os próprios apelantes apesar de terem alegado na p.i. que ao jardim apenas se tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo (art. 41º), reconheceram na mesma que a fracção D, tem acesso directo ao jardim em todo o alçado traseiro (art. 9º).
Refira-se ainda que os apelantes não impugnaram no recurso esta factualidade, sendo, de resto, claro de toda a prova produzida a existência daqueles acessos ao jardim.
Por outro lado, na conclusão XXIII, dizem os apelantes que o tribunal ao considerar provados os factos n.ºs 33º, 34º e 35º julgou em contradição com os elementos constantes dos autos.
E acrescentam no corpo alegatório que resulta das actas n.ºs 8, 9 e 10, realizadas a 8/07/2009, 10/08/2009 e 3/09/2009 que volvidos 5 anos o uso exclusivo do jardim estava longe de ser pacífico e aceite por todos os condóminos.
Os factos n.ºs 33º, 34º e 35º têm o seguinte teor: 33) Desde a data em que foi constituída a propriedade horizontal, no ano de 1979, o jardim/quintal é usado exclusivamente pela fracção "D", tendo sido os sucessivos proprietários da fracção "D" que sempre cuidaram do jardim, limpando-o, aparando a relva, fazendo as reparações necessárias, bem como foram sempre os únicos que dele usufruíram, nele colocando mesas e cadeiras e um pequeno alpendre, utilizando-o como espaço de lazer nomeadamente tomando refeições, fazendo jardinagem, à vista de todos os condóminos. 34) Foram os sucessivos proprietários da fracção "D" os únicos que sempre suportaram o custo da electricidade e da água que, aliás, têm ligação directa à fracção "D". 35) A utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos.
Ora, na apelação, os recorrentes não impugnaram, nos moldes definidos no art. 640º do CPC, esta decisão fáctica do tribunal.
Por outro lado, os factos descritos sob os n.ºs 33 a 35 não colidem com os factos constantes dos n.ºs 22, 23 e 24, ou melhor, com a declaração de revogação da concessão do uso exclusivo do jardim pelo 1º andar efectuada pela condómina da fracção E nas assembleias de condóminos realizadas na 2ª metade do ano de 2009, a que se reportam as actas n.ºs 8, 9 e 10, na medida em que esta antes da propositura da presente acção nada fez para por cobro àquele uso exclusivo.
Deste modo, a sentença recorrida não enferma das nulidades que lhe são apontadas na apelação, as quais se desatendem.
Da impugnação da matéria de facto:
Propugnam os apelantes que:
a. Se eliminem os factos elencados sob os n.ºs 21 e 29 da factualidade julgada provada sob os n.ºs 21 e 29, com o seguinte teor: 21) NS… não juntou procuração outorgando-lhe poderes de representação dos condóminos das fracções "A" e "I". 29) Não foi possível a celebração da escritura para alteração do título constitutivo de propriedade horizontal porque NS… não juntou a procuração à acta n° 5.
b. Se adite um novo facto provado, que elenca sobre letra A): A - Não foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n° 4, de 01/07/2004 e a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13110/2004, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13/10/2004.
Funda a sua impugnação na diferente valoração dos depoimentos das partes ML…, PE… e JA… e das testemunhas NA… e MJ….
Ouvida toda a prova gravada, cumpre decidir.
Na sua fundamentação o Sr. Juiz exarou, além do mais, que: “O Tribunal considerou provado o facto n° 21 acima descrito, com fundamento no acordo das partes e no depoimento da testemunha NS… que confirmou não ter procedido à junção da referida procuração. (…) O Tribunal considerou provado o facto n° 29 acima descrito, com fundamento nas declarações de parte do réu, no teor das actas nºs 8, 9 e l0 do identificado prédio urbano e acima mencionadas e no depoimento da testemunha NS… que confirmou que não procedeu à entrega da procuração outorgando-lhe poderes para o efeito pelos seus pais”.
Em causa na impugnação deduzida está fundamentalmente a questão de saber se os proprietários das fracções A e I, MS… e ML…, outorgaram ou não procurações a favor do seu filho, NS…, para os representar nas assembleias de condóminos a que se reportam as actas n.ºs 4 e 5, bem como se foi ou não passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5.
E, se bem que nos articulados não tenha sido expressamente alegado que as procurações não tivessem sido emitidas, mas apenas que as mesmas não foram juntas, aquela questão foi discutida nos autos, tendo as testemunhas e as partes nas suas declarações de parte sido questionadas sobre tal.
Trata-se assim de um facto complementar, de que o tribunal pode conhecer, nos termos do art. 5º, n.º 2, al. b), do CPC.
Para a apreciação desta factualidade, importa, desde logo, ter em atenção o alegado nos autos pelos autores.
Assim:
Na p.i os autores, ora apelantes (nestes não se inclui autora RD…), alegaram que:
- na assembleia extraordinária que corresponde a acta n.º 4, de 1/07/2004, no seu ponto três, foi debatido o uso exclusivo do jardim pelos antigos proprietários da fracção D, PA… e HM…, atento que têm acesso directo ao mesmo em todo o alçado traseiro (art. 9º);
- No ponto três da referida acta foi decidido e aprovado por unanimidade o uso exclusivo do jardim pelos então proprietários da fracção D, fracção essa que veio a ser adquirida pelo réu JA… (arts. 10º e 11º);
- Na assembleia extraordinária de condóminos, a que corresponde a acta 5, de 15/09/2004, consta como ponto 3 da ordem de trabalhos a questão da utilização pelos condóminos das partes comuns, e a revisão das decisões anteriores (art. 12º),
- Essa assembleia teve 4 sessões, realizadas a 15/09/2004, 23/09/2004, 7/10/2004 e 13/10/2004, tendo na última sessão sido decidido o uso exclusivo do jardim pelo réu JA…, nos moldes e com as condições que da mesma constam (arts. 12º a 19º);
- A referida acta n.º 5, na 4ª sessão, não se encontra assinada por todos os condóminos (art. 20º);
- Os ora autores, MS… e ML…, condóminos das fracções A e I, não assinaram a dita acta, pois em Assembleia encontrava-se NS…, que nunca juntou procuração de representação dos condóminos das ditas fracções, nem tal votação foi alguma vez rectificada por aqueles, que nunca o fariam pois sempre discordaram de tal decisão (arts. 21º e 38º);
- Na assembleia de condóminos realizada dia 8/07/2009, acta n.º8, veio a autora PE…, condómina da fracção E, revogar a autorização concedida na referida acta n.º 5, 4ª sessão, o que reafirmou em assembleias de condóminos posteriormente realizadas (arts. 30º a 34º);
- Ao jardim apenas se tem acesso pela via pública, tendo que se percorrer uma passagem na lateral direita do prédio para se chegar ao mesmo (art. 41º).
Na réplica alegaram que:
- A autora PE… também não assinou a acta n.º 5, sessão 4ª, mas sim MJ…, e não foi junta procuração de representação, não tendo tal votação sido ratificada pela mesma, pois que quando teve conhecimento da mesma, em actas posteriores, revogou a autorização concedida por quem actuou em seu nome, sem sua expressa autorização (art. 26º);
- Apenas em 2009 a autora P… teve conhecimento da intenção de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal (art. 27º).
Desta transcrição decorre que os ora apelantes não impugnaram o teor da acta n.º 4, apesar dos condóminos das fracções A e I não se encontrarem presentes na assembleia, na qual foi “decidido e aprovado por unanimidade o uso exclusivo do quintal pelo 1º andar”, constando daquela acta terem sido representados por NS…, filho daqueles. Não foi, pois, alegado na p.i. a inexistência de procuração relativamente à representação invocada na assembleia de condóminos a que se reporta a acta n.º 4, nem derivou com clareza da prova produzida a sua inexistência, como adiante melhor explicitaremos, pois que apenas o autor JA…, nas suas declarações de parte, referiu não ter sido apresentada tal procuração, sendo este depoimento, por proveniente de uma parte, insuficiente para a demonstração daquele facto.
Ademais, em face do alegado naquele articulado, aqueles condóminos, ora autores, denotam ter aceite o deliberado naquela assembleia, pelo que o alegado sempre consubstanciaria uma ratificação da conduta daquele.
Posto isto, apreciemos o facto elencado sob o n.º21.
No seu depoimento, a testemunha NS… (filho dos autores MS… e ML…; exerceu funções na administração do condomínio no ano de 2004; habitava então na fracção A) declarou que não era normal ter procuração de seus pais, agindo nas assembleias de condóminos na defesa da propriedade destes, se bem que em algumas assembleias tenha junto procuração porque lhe foi solicitado. Em consonância com este depoimento, a autora ML…, nas declarações de parte, referiu não terem emitido procuração a favor do seu filho para a representar na assembleia a que corresponde a acta n.º 5, mas o filho que fizesse o melhor.
Diversamente, as testemunhas MN… (foi proprietária da fracção H, que vendeu à autora RP… no ano de 2011) e HM… (foi proprietária da fracção D que vendeu no ano de 2004 ao réu) declararam que o NS… representava os pais nas assembleias de condóminos, os quais viviam no Algarve.
Já a testemunha LM… (foi proprietário da fracção B, que vendeu em 2009 ao réu e a CC…), referiu não se recordar de ver as procurações emitidas pelos condóminos que se faziam representar nas assembleias. E a testemunha MA… (co-vendedor da fracção H adquirida pela autora RP…) declarou que sempre entendeu o NS… como proprietário.
Por último, o autor JA… (proprietário da fracção J; em 2004, ele e o NS… foram eleitos para a administração do condomínio), nas suas declarações de parte referiu que o NS… assinou nas actas n.ºs 4 e 5 pelos pais, sem que existisse procuração; e que aquele assinava de boa fé no pressuposto de que ninguém ia por em causa.
Importa ainda realçar nesta matéria que a acta n.º 5, sessão 4ª, foi redigida pelo referido NS…, como este reconheceu em audiência.
Nesta acta consta que “estavam presentes todos os condóminos sendo a fracção C representada pela fracção D, e estando de novo presente o futuro condómino o Sr. JF…, reconhecendo-lhe a assembleia direito próprio de presença”.
Ora, é indubitável, sendo a prova testemunhal produzida concordante sobre esta questão fáctica, que se não encontravam presentes os proprietários das fracções A e I.
Acontece que essa acta foi assinada pelo NS…, no local destinado à assinatura dos condóminos das fracções A e I.
Todavia, tendo aquele redigido a acta e constando desta apenas que a fracção C se encontrava representada pela fracção D (apesar da acta se mostrar assinada pela proprietária da fracção C, o que inculca a ideia de que a mesma foi assinada em momento posterior à realização da assembleia, como, de resto, era prática no condomínio, como salientaram as testemunhas inquiridas), tudo parece apontar no sentido de que nessa assembleia geral o NS… se não intitulou como representante de seus pais.
Em consonância com esta ilação, na acta n.º 10, relativa à assembleia de condóminos realizada dia 3/09/2009 (fls. 330/333), consta que o condómino da fracção D, ora réu, “referiu que nas reuniões anteriores de condomínio, NS…, compareceu sempre sem declarar a sua condição de representante das fracções A e I e agiu como condómino com direito próprio a estar presente e a votar nas assembleias”.
Certo é que na acta n.º 9 da assembleia de condóminos realizada dia 10/08/2009 (fls. 326 e 327), na qual as fracções A e I se fizeram representar por NS…, que exibiu procuração, consta ter sido colocada novamente a questão da legitimação do decidido e registado em anteriores actas, dado não ser clara a legitimidade do representante das fracções A e I nessas reuniões, tendo sido dito “que seriam enviadas procurações dos legítimos proprietários (pais)”, o que, todavia, não veio a suceder.
Da prova assim produzida, é indubitável que o NS... não juntou procuração de seus pais nas assembleias de condóminos a que se reporta a acta n.º 5, como se mostra provado sob o facto n.º21.
No que toca à questão de saber se não foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n° 5, é de considerar este facto como provado, em face do depoimento deste último, conjugado com o teor da referida acta nas suas 4 sessões, da qual não consta qualquer referência à sua emissão.
Quanto à questão de saber se nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a acta n° 5 (facto alegado na réplica, em sede de resposta à reconvenção), em face do teor da acta n.º 5, da qual não consta ter sido emitida procuração pela condómina da fracção E, a favor do referido MJ… (irmão daquela; esta instaurou contra este uma acção em tribunal relativa a uma outra questão, diversa da discutida nos autos), do declarado por este e pela própria autora PE…, nas suas declarações de parte, considera-se provado o facto em referência.
Relativamente ao facto n.º29, decorre com clareza das declarações prestadas pelo réu JN…, conjugadas com o teor da acta n.º 5 – da qual não resulta terem os condóminos das fracções A e I se feito representar na assembleia em apreço pelo NS… – , bem como das actas n.ºs 8, 9 e 10 (fls. 322 a 334 dos autos) – destas infere-se ter sido abordada a questão da formalização da representação daqueles na assembleia a que se reporta a acta n.º 5, por tal se afigurar necessário para o efeito -, a inviabilidade da celebração da escritura de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por falta da prestação do consentimento por parte daqueles. Assim, decide-se:
- Desatender a impugnação deduzida pelos apelantes quanto ao facto provado sob o n.º 21;
- Alterar a redacção dada ao facto n.º 29, considerando-se provado que: A omissão da junção de uma procuração a conceder poderes a NS… de representação dos condóminos das fracções A e I na assembleia a que se reporta a acta n.º 5, obsta à celebração da escritura de alteração do título constitutivo de propriedade horizontal.
- Aditar como provado o seguinte facto: Não foram passadas procurações por MS… e ML… a favor de NA… com poderes de representação nas Assembleias a que corresponde a acta n° 5, que teve a sua primeira sessão em 15/09/2004, a segunda sessão em 23/09/2004, terceira sessão em 07110/2004 e a quarta sessão em 13110/2004, bem como nunca foi passada procuração por PE… a favor de MJ…, na Assembleia a que corresponde a referida acta n° 5.
*
Aspectos normativos:
Na sentença recorrida decidiu-se: - julgar improcedente a presente acção e, em consequência, absolvem-se os réus dos pedidos formulados pelos autores e intervenientes. - julgar procedente o pedido reconvencional formulado pelos réus e, em consequência, declara-se que o uso do jardim/quintal do prédio sito na Rua …, nºs … a …, em Lisboa, está afecto exclusivamente à fracção "D", correspondente ao 1º andar do identificado prédio, e que tal afectação exclusiva seja inscrita no registo predial. - julgar improcedentes os incidentes de litigância de má fé e, em consequência, absolver autores e réus dos pedidos formulados.
Nessa sentença entendeu-se que “a excepção da caducidade invocada pelos réus terá que improceder, pois com a presente acção não se pretende impugnar qualquer deliberação tomada em assembleia de condóminos, razão pela qual não é aplicável o disposto no art.º 1433°, do Cód. Civil. O mesmo acontece relativamente ao disposto no art.º 1432°, n° 6, do Cód. Civil”.
Considerou-se também que na "acta n° 4" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 01.07.2004, ficou decidido e aprovado por unanimidade o uso exclusivo do quintal pelo 1° andar (cf. facto n° 12), o que permite concluir que foi deliberado conceder o uso exclusivo à fracção "D" do identificado quintal/jardim, pelo que não usufruem o réus aquele local abusivamente.
E quemesmo que se suscitassem dúvidas sobre se tal deliberação concedia aos réus que esse uso exclusivo fosse levado a escritura pública que determinaria a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, a verdade é que resultou também provado que na "Acta n° 5 – 4ª sessão" da assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, realizada no dia 13.10.2004, cuja cópia consta a fls. 308/319 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, "( .. .). Assim, a assembleia deliberou, além do mais, que a área correspondente ao jardim, cujos limites estabeleceu, ficava adstrita ao uso da fracção "D ", correspondente ao 1º andar; Mais deliberou a assembleia dar inscrição definitiva do deliberado a nível do concurso de constituição de condomínio e propriedade horizontal.
Considerou-se ainda na sentença que resulta da respectiva acta n° 5 que a mesma está assinada, pela fracção "A" e "I" por NS…, filhos dos proprietários, e pela fracção "E" por MM…, irmão da proprietária, sem que, todavia, tenha sido apresentada procuração por quem assinou a acta a conferir poderes para poderem deliberar em representação dos proprietários (cf. facto n° 21), pelo que não se verifica a unanimidade exigida por lei para alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Por último entendeu-se na sentença, em sede de abuso de direito, que:
“No caso em análise, consta expressamente da acta n° 5 que se encontram presentes todos os condóminos. Mais resultou provado qual a ordem de trabalhos e as questões que estavam em discussão. Acresce que também resultou provado que, por diversas vezes, a assembleia foi suspensa para que os condóminos pudessem encontrar uma solução consensual sobre a atribuição do uso exclusivo do quintal/jardim à fracção "D" do identificado prédio. Acresce que também resulta da referida acta que foi apresentada por escrito uma proposta para a resolução da questão em discussão e que a assembleia foi novamente suspensa para que os condóminos pudessem ponderar sobre a mesma. Também resulta da referida acta n° 5 que a deliberação que veio a ser tomada consagrava não só a atribuição do uso exclusivo do quintal/jardim à fracção "D" do identificado prédio, como também o direito de tal afectação exclusiva vir a ser vertida em escritura pública para poder ser alterado o título constitutivo da propriedade horizontal e posterior inscrição no competente registo predial. Também resultou provado que quem assinou a acta foi o filho dos condóminos das fracções "A" e "1", que residia à data na fracção "A", e o irmão da condómina da fracção "E", que à data residia na dita fracção, sendo que aquele primeiro exercia também o cargo, à data do acto, de administrador do condomínio (cf. facto n° 30). Ora, todas as circunstâncias descritas demonstram que os autores, nomeadamente os condóminos, à data, das fracções "A", "I" e "E", e que agora se negam a juntar as respectivas procurações, tinham conferido poderes de representação a quem assinou as actas e, como isso, criaram a convicção aos autores, por atitudes sucessivas que iriam conceder não só o uso exclusivo do quintal/jardim à fracção "D" como também o direito de inscrição daquela afectação exclusiva no registo, tendo aqueles, os réus, confiado que teriam tal direito ao uso exclusivo e à sua inscrição no registo. Assim, e salvo o devido respeito por opinião em contrário foi "consolidada a confiança e a expectativa - a fé - e a brusca inflexão de atitude é contrária à boa fé ". Considerando tudo o que se deixa exposto, é manifesto que, no caso concreto, improcede a pretensão dos autores de considerarem inválida, ou revogada, a deliberação tomada em assembleia de condóminos por falta de poderes de representação de quem, por eles, assinou a referida ata n° 5 e, como tal de verem reconhecido o direito invocado de uso do quintal/jardim a todos os condóminos, que não apenas aos réus, e de condenação dos réus à remoção das construções ou edificações nele efectuadas, nomeadamente do portão colocado pelos réus de acesso ao jardim/quintal através da passagem/corredor existente na lateral do prédio (cf. facto n° 26) e do patamar e escadas existentes da porta da fracção "D" para o quintal/jardim (cf. facto n° 38). Considerando tudo quanto se deixa exposto e atendendo a que resultou provado que a fracção "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim existente em todo o alçado traseiro, através de duas divisões da fracção em causa, cada uma delas com porta e janela, respectivamente (cf. n° 13), que desde a data em que foi constituída a propriedade horizontal, no ano de 1979, o jardim/quintal é usado exclusivamente pela fracção "D", tendo sido os sucessivos proprietários da fracção "D" que sempre cuidaram do jardim, limpando-o, aparando a relva, fazendo as reparações necessárias, bem como foram sempre os únicos que dele usufruíram, nele colocando mesas e cadeiras e um pequeno alpendre, utilizando-o como espaço de lazer nomeadamente tomando refeições, fazendo jardinagem, à vista de todos os condóminos (cf. facto n° 33), que foram os sucessivos proprietários da fracção "D" os únicos que sempre suportaram o custo da electricidade e da água que, aliás, têm ligação directa à fracção "D" (cf. facto n° 34) e a utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos (cf. facto n° 35), o pedido reconvencional dos réus terá que proceder, declarando-se, em conformidade que o uso do jardim do prédio sito na Rua …, nºs … a …, em Lisboa, está afecto exclusivamente à fracção "D", correspondente ao 1 ° andar do identificado prédio, e que tal afectação exclusiva seja inscrita no registo predial. Sempre se consigna que procedendo o pedido reconvencional formulado pelos réus encontra-se prejudicado o conhecimento do pedido formulado pelos mesmos, a título subsidiário e condicionalmente, de condenação dos autores no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais”.
Na apelação, os autores recorrentes peticionam que seja julgada procedente a acção e improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Recorridos.
Fundamenta a sua discordância, essencialmente, na seguinte argumentação:
- Não existe por parte dos Apelantes abuso de direito na modalidade de "venire contra factum proprium" uma vez que em momento algum se pode qualificar a sua conduta como consubstanciadora de assunção de posição contrária a factos por eles próprios praticados.
- Os réus, ora recorridos, bem sabiam que detinham, ilegitimamente, o jardim/quintal que constitui parte comum do prédio referido nos autos e que se situa nas traseiras do mesmo prédio, ocupando a área total de 210 m2, razão pela qual foi posto à consideração de todos os condóminos no ano de 2004 e em Assembleias Gerais de Condóminos, o uso exclusivo do dito jardim/quintal pelos proprietários da Fracção "D".
- De facto, por Assembleia Extraordinária, a que corresponde a acta n° 4, de 01107/2004, no seu ponto três, foi debatido o uso exclusivo do quintal, pelos antigos proprietários da fracção "D", PA… e HM…, por bem saberem que não detinham tal uso exclusivo. A referida acta n" 4, não se encontra assinada pelos apelantes MS… e ML…, condóminos das Fracções "A" e "I", e o NS… nunca juntou procuração de representação dos condóminos das ditas fracções "A" e "I", porque a mesma nunca existiu, nem tal votação foi alguma vez ratificada por aqueles, que nem nunca o fariam pois sempre discordaram de tal decisão, não lhes podendo ser assacada posição contrária a factos por eles próprios praticados.
- No que toca à acta n.º 5, nunca tendo existido uma procuração nunca existiu um direito susceptível de abuso nos termos do artigo 334.º e 342° do Código Civil.
Vejamos.
Em cada prédio urbano constituído em propriedade horizontal há partes comuns, pertencentes em compropriedade a todos os condóminos (arts. 1420º, nº 1 e 1421º C. Civil) e partes pertencentes em exclusivo a cada um deles (as fracções autónomas).
As fracções são individualizadas no respectivo título de constituição da propriedade horizontal, aí se especificando as partes do edifício pertencentes a cada uma delas – art. 1418º C. Civil. E o que aí não esteja especificado como pertencente a cada fracção, será, em princípio, havida como parte comum – art. 1421º.
No caso em análise está em causa um quintal, composto por um pátio e jardim anexo ao edifício da Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa.
Na escritura de constituição da propriedade horizontal o quintal não integra qualquer das fracções nela individualizadas (vide escritura de fls. 238 a 242), constando da mesma que “as partes não individualizadas do mesmo prédio são comuns a cada um dos condóminos, nos termos da lei”.
A lei presume, de resto, como comuns “Os pátios e jardins anexos ao edifício” - art. 1421º, n.º 2, al. a) do C. Civil.
Deste modo, o quintal do prédio em causa nos autos constitui uma parte comum do edifício, o que qualquer das partes não questiona.
A questão prende-se com o uso dessa parte comum.
Nesta matéria provou-se que
33) Desde a data em que foi constituída a propriedade horizontal, no ano de 1979, o jardim/quintal é usado exclusivamente pela fracção "D", tendo sido os sucessivos proprietários da fracção "D" que sempre cuidaram do jardim, limpando-o, aparando a relva, fazendo as reparações necessárias, bem como foram sempre os únicos que dele usufruíram, nele colocando mesas e cadeiras e um pequeno alpendre, utilizando-o como espaço de lazer nomeadamente tomando refeições, fazendo jardinagem, à vista de todos os condóminos.
34) Foram os sucessivos proprietários da fracção "D" os únicos que sempre suportaram o custo da electricidade e da água que, aliás, têm ligação directa à fracção "D".
35) A utilização descrita em 33) e 34) sempre foi conhecida e admitida pelos restantes condóminos.
38) O acesso da fracção "D" ao quintal/jardim é efectuado através de um patamar com uma escada de 5 degraus, sendo que a diferença de cota entre a soleira da porta e o jardim será aproximadamente 1,5 metros.
39) O anterior proprietário da fracção "D" construiu um alpendre no jardim/quintal.
11) Os réus têm vindo a fazer uso exclusivo do quintal/jardim do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, inscrito na matriz predial urbana com o n° … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n° …, da Freguesia de Santa Isabel.
13) A fracção "D" do prédio urbano sito na Rua …, n.º s …, …-A, … e …, em Lisboa, é a única que tem acesso directo ao quintal/jardim existente em todo o alçado traseiro, através de duas divisões da fracção em causa, cada uma delas com porta e janela, respectivamente.
Era esta a situação de facto que vigorava quando no dia 1/07/2004 foi realizada a assembleia de condóminos do prédio urbano sito na Rua …, n.ºs …, …-A, … e …, em Lisboa, a que corresponde a acta n.º 4.
Nessa assembleia foi deliberado por unanimidade o uso exclusivo do quintal pelo 1º andar.
O deliberado traduz a atribuição de um direito pessoal de gozo do quintal ao condómino do 1º andar do prédio, que se situa no campo das relações obrigacionais, que não reais, não importando aquela deliberação qualquer alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Assim, refere-se no Ac. STJ de 19/10/2006 (relatado pelo Cons. Alberto Sobrinho, e acessível em www.dgsi.pt), citado pelos apelantes:
“Como afirma o Prof. Henrique Mesquita no âmbito da propriedade horizontal podem ainda ser concedidos direitos pessoais de gozo. Trata-se de um direito de crédito referente a uma coisa e não um direito real sobre uma coisa, que se constitui validamente por simples acordo verbal, não necessitando, para tanto, de escritura pública. Para depois acrescentar que este direito tem de específico a circunstância de possibilitar ao titular, com vista à satisfação do seu interesse, o gozo directo e autónomo de determinada coisa – gozo que ele poderá defender, enquanto não se provar que é ilegítimo, contra todas as agressões que o impeçam ou perturbem, quer sejam cometidos por terceiros, quer pelo sujeito do direito (proprietário) que se vinculou a consenti-lo. Foi possibilitado ao respectivo titular o gozo directo e autónomo de certa coisa. O gozo deste direito, traduzido no poder do condómino de usufruir exclusivamente uma parte comum, tem o seu fundamento na autorização que todos os restantes condóminos lhe concederam, ou seja, tem por base uma relação obrigacional. Os condóminos, como se afirma no acórdão recorrido, apenas prescindiram da faculdade de utilização desta parte comum, sem que a quisessem alienar. O que se surpreende nesta autorização dos condóminos é, portanto, um direito pessoal de gozo referente a uma parte comum do edifício e não um direito real sobre essa mesma parte comum”.
A deliberação tomada na assembleia geral de 1/07/2004, como supra deixámos expresso, não foi aprovada pelos condóminos das fracções A e I, pois que quem aprovou a deliberação foi o filho destes, NS…, mas fê-lo, segundo consta da acta e não foi impugnado, em representação daqueles, pelo que os efeitos dessa aprovação produzem-se na esfera jurídica dos representados – art- 258º do CC.
Ainda que assim não fosse, em face do alegado na p.i., aqueles condóminos, ora autores, manifestam aceitação do deliberado naquela assembleia, pelo que, a não terem subscrito procuração a favor do seu filho, o alegado sempre consubstanciaria uma ratificação da conduta daquele.
Ademais, aquela deliberação não exige a unanimidade dos condóminos, e a maioria alcançada sem os votos dos condóminos das fracções A e I é de 857/1000,ou seja, é superior a 85%.
A acrescer a tudo isto, a deliberação em referência não foi impugnada por qualquer dos condóminos.
A validade da mesma é, pois, indiscutível.
E as deliberações da assembleia, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in C. Civil, Anotado, III, pág. 446), são vinculativas para todos os condóminos – mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para os que ingressem no condomínio após a sua aprovação.
Sendo o direito de uso exclusivo do pátio um direito pessoal de gozo conferido nas apontadas condições, vincula não só os que então já tinham a qualidade de condóminos, como aqueles que posteriormente assumiram tal qualidade ao adquirirem fracções autónomas do edifício.
Acontece que, com o acordo do condómino à data proprietária da fracção D (1º andar), que se fez representar pelo então promitente-comprador dessa fracção (o ora réu JA… – este só celebrou a escritura pública de aquisição da mesma dia 25-11-2004), veio a ser aprovada uma deliberação posterior incidindo sobre o mesmo pátio: a deliberação tomada na assembleia de condóminos iniciada em 15/09/2004 e concluída em 13/10/2004 (acta n.º 5).
Foi então de liberado e aprovado: 1: Resolver a questão respeitante a acesso e uso das áreas comuns condominiais correspondentes ao logradouro e que se encontravam, por deliberação de reunião anterior, condicionadas ao uso exclusivo da fracção “D “. 2. Considerar que a área correspondente ao logradouro se encontra constituída por 2 áreas de características diversas: a) o jardim, correspondente a uma área de dimensões aproximadas de 10x20m, de forma aproximadamente rectangular e que contacta com as extremas de vizinhança com os lotes contíguos a norte, este e oeste, e com a fracção correspondente ao 1º andar do lado sul; b) o corredor de acesso ao jardim atrás descrito, com área de dimensões aproximadas de 2x20m e que se encontra limitado pelo edifício em condomínio a que esta assembleia diz respeito, a oeste, pelo lote vizinho, a este, pela rua …, a sul, pelo jardim atrás descrito, a norte, considerando-se a linha de divisão correspondente ao prolongamento de alçado norte do edifício a que respeita esta assembleia, até tocar o muro de confrontação este. 3. Decidiu-se que a separação entre estas duas áreas seria materializada por uma separação física, muro de alvenaria ou portão, localizada na projecção do plano do alçado norte do edifício. (. . .), esta separação será custeada pela fracção “D”, 1º andar, que escolherá a sua forma material. 4. A estas duas áreas condominiais deliberou-se fazer corresponder dois estatutos de usos diversos: a) o jardim, correspondente ao atrás descrito, e mantendo-se a propriedade condominial, adstrito ao uso da fracção “D “, correspondente ao 1º andar; b) o corredor, a que passaremos a chamar pátio, e mantendo-se a propriedade condominial, fica adstrito ao uso colectivo do condomínio. 5. Do portão de ligação entre o pátio e a rua será entregue uma chave a cada condómino. (. . .). 6. (. . .). 7. Da mesma forma se deliberam regras de utilização do jardim uma vez que, embora consagrado ao uso da fracção “D “, 1º andar, a propriedade é condominial e deve resultar do uso ou usufruto visual e ambiental de elevada qualidade para os outros condóminos e a inexistência de danos ou incómodos para os condóminos não utilizadores directos deste espaço. (. . .). A fracção do 1º andar “D “, decorrendo do seu estatuto de utilizador do espaço do jardim, recebe também o ónus da sua manutenção resultando responsáveis pelo bom estado de conservação e higiene deste espaço. (. . .). 8. O não cumprimento de todos os ónus acima referidos e bem assim como o uso abusivo do supra referido espaço por parte do condómino da fracção “D “, confere o direito de em assembleia de condóminos fazer-se reverter o uso do jardim à posição inicial, ou seja, parte comum de utilização geral do condomínio, com obrigação de indemnização dos condóminos, nos termos gerais do direito. Mais deliberou a assembleia de dar inscrição definitiva do deliberado a nível do concurso de constituição de condomínio e propriedade horizontal. A tal inscrição se dará procedimento em prazo não superior a 180 dias, deliberando-se desde já sobre o procedimento a despoletar, atribuindo-se tarefas e expensas. (. . .). Foi também aprovado por unanimidade ser, por proposta do próprio, o Sr. JA…, desde já mandatado pela administração do condomínio para o efeito, custear todas as despesas inerentes à inscrição do uso na propriedade horizontal bem como o de representar e dar seguimento ao processo administrativo perante as autoridades competentes da respectiva inscrição na propriedade horizontal. (…)”
Como supra se deixou expresso, essa acta mostra-se assinada pelos respectivos condóminos, excepto pelos proprietários das fracções A e I - tendo no lugar destes assinado
NS… (à data residente na fracção A) -, bem como pela proprietária da fracção E, tendo no luar desta assinado o seu irmão, MJ… (à data residente nesta fracção), sem que tivessem sido juntas as procurações respectivas, os quais não chegaram sequer a ser emitidas.
Por outro lado, não se provaram factos de onde decorra encontrarmo-nos perante uma situação que a doutrina chama de “procuração tolerada” ou de “procuração aparente”.
A procuração tolerada ocorre quando alguém invoca poderes de representação de outrem que, embora não lhos tenha expressamente concedido, tem conhecimento e tolera essa actuação, permitindo assim que seja criada uma situação de aparência de representação e de confiança, por parte de terceiros, na efectiva vigência dos invocados poderes de representação.
A procuração aparente ocorre quando alguém invoca poderes de representação de outrem e afirma actuar em seu nome, sem que o suposto representado lhe tenha conferido esses poderes e sem que tenha conhecimento de que assim sucede, embora pudesse e devesse saber que assim sucedia, se tivesse agido com a diligência devida – cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2008, 5ª edição, pag. 344.
Como refere Menezes Cordeiro, citando autores alemães (in Da Boa Fé no Direito Civil, Volume II, pag. 1245), a procuração consentida tem lugar quando o “representado” tolera o comportamento do “representante”, com conhecimento, e essa tolerância possa, de acordo com a boa fé, ser entendida pelo terceiro como exprimindo uma procuração efectiva, que tivesse sido concedida.
A procuração consentida distingue-se da procuração tácita, por naquela faltar a vontade de conferir poderes representativos, enquanto nesta existe essa vontade, a qual é, porém, tacitamente manifestada.
De sua vez, a procuração aparente distingue-se da procuração consentida em que, nela, o “representado” não tem conhecimento das actividades do “representante”, mas devia ter, em nome da boa fé e do cuidado requerido do tráfego, de modo a evitar o engano de terceiros.
Ora, no caso em análise, não resulta da acta n.º 5, ter o NS… e o MJ…, se intitulado representantes dos proprietários das respectivas fracções. E também não se provou que os putativos “representantes” tivessem dado conhecimento do teor integral das deliberações tomadas, máxime do deliberado em sede de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
Desta forma, tornando-se necessário que houvesse a representação, o que não se demonstrou ter sido invocada, não se pode concluir pela verificação, quer da representação tolerada quer da representação aparente.
Assim, na parte em que o deliberado importa a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e consequente inscrição no registo predial da afectação à fracção D do uso exclusivo do jardim, a deliberação é inválida, pois que a lei exige a unanimidade dos condóminos para o efeito.
Efectivamente, dispõe o art. 1419º do C. Civil: 1- Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos. 2- O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos. 3- A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º Tratando-se de uma norma imperativa, a sua violação torna nula a deliberação tomada na parte atinente à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por força do disposto no artigo 294º do Código Civil, não produzindo, por isso, o efeito a que tendia.
Da questão do abuso de direito:
Na sentença recorrida, não obstante se ter reconhecido não se verificar a unanimidade exigida por lei para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, por falta de apresentação da procuração pelos proprietários das fracções A, I e E, entendeu-se que os autores com a instauração da presente acção incorreram em abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium.
Apreciemos esta vertente da questão.
Estipula o art. 334º, do C. Civil, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
A figura do abuso do direito surge, assim, como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social, em determinado momento histórico, ou obstando a que, observada a estrutura formal do poder conferido por lei, se excedam manifestamente os limites que devem ser observados, tendo em conta a boa fé e o sentimento de justiça em si mesmo – cfr. Ac. STJ de 12/06/2012, in www.dgsi.pt.
Uma das manifestações do abuso de direito é a proibição do venire contra factum proprium.
Na modalidade de “venire contra factum proprium”, o abuso de direito caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como considera o Prof. Meneses Cordeiro (in ROA 1998, vol II, pag. 964), “podem apontar-se quatro pressupostos da protecção da confiança através do venire:
1.º uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.º uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.º um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara (sublinhados nossos);
4.º uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”.
Deste modo, para que se possa dar por criada uma situação objectiva de confiança torna-se necessário que alguém pratique um facto – o factum proprium – que, em abstracto, seja apto a determinar em outrem uma expectativa da adopção, no futuro, de um comportamento coerente ou consequente com o primeiro e que, em concreto, gere efectivamente uma tal convicção.
No caso em apreciação, considerou-se na sentença recorrida, além do mais, que as circunstâncias conhecidas (nomeadamente do facto de se ter provado que, por diversas vezes, a assembleia de condóminos foi suspensa para que os condóminos pudessem encontrar uma solução consensual sobre a atribuição do uso exclusivo do quintal/jardim à fracção "D" do identificado prédio, tendo inclusivamente sido apresentada por escrito uma proposta para a resolução da questão em discussão; que quem assinou a acta foi o filho dos condóminos das fracções "A" e "I", que residia à data na fracção "A", e o irmão da condómina da fracção "E", que à data residia na dita fracção, sendo que aquele primeiro exercia também o cargo, à data do acto, de administrador do condomínio), demonstram que os condóminos, à data, das fracções "A", "I" e "E", e que agora se negam a juntar as respectivas procurações, tinham conferido poderes de representação a quem assinou as actas e, como isso, criaram a convicção aos réus, por atitudes sucessivas que iriam conceder não só o uso exclusivo do quintal/jardim à fracção "D" como também o direito de inscrição daquela afectação exclusiva no registo, tendo aqueles, os réus, confiado que teriam tal direito ao uso exclusivo e à sua inscrição no registo, pelo que foi "consolidada a confiança e a expectativa - a fé - e a brusca inflexão de atitude é contrária à boa fé ".
Porém, ao contrário da ilação extraída dos factos provados pelo tribunal a quo (existência das procurações), esta Relação considerou provada a inexistência das mesmas à data das deliberações da assembleia geral de condóminos.
De resto, como supra se frisou, não consta sequer da acta n.º 5 terem os referidos NS… e MC… invocado a representação dos condóminos ausentes, pelo que não se pode dar por verificada ser fundada a confiança dos réus em que aqueles representassem os condóminos das fracções A, I e E.
Consequentemente, não se pode afirmar terem os autores actuado com abuso de direito.
Acresce que o abuso de direito foi invocada pelos réus como excepção peremptória inominada, como forma de obstar à procedência do pedido formulado pelos autores e não como causa de pedir da pretensão deduzida por estes em via reconvencional, no sentido de ser determinada a inscrição no registo predial da afectação do uso exclusivo do jardim do prédio sito na Rua …, n° … a …, em Lisboa, à fracção "D", 1° andar do mesmo prédio, pretensão essa julgada procedente em 1ª instância, sendo que esta determinação da efectivação desse registo tem como pressuposto uma alteração do título constitutivo da propriedade horizontal por decisão judicial.
Ora, o abuso de direito invocado, a proceder, apenas poderia paralisar/obstar ao exercício de um direito (no caso do alegado direito dos autores ao uso do jardim) ou fundar um pedido indemnizatório, mas não conduzir a uma mudança do direito de que se abusou (no caso a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal), pois que, em face do direito português (art. 1419º do CC), o título constitutivo só pode ser modificado por acordo de todos os condóminos e não por sentença judicial, ao contrário do que parecem defender os apelados (cfr neste sentido os acórdãos do STJ de 14/02/2008, p. 08B29 e de 3/10/2006, p. 06A2497, e desta Relação de 2018-06-28, relatado pela Des. Maria Teresa Pardal, todos em www.dgsi.pt e A. Varela e P. Lima, CC anotado, vol. III, 2ª ed. páginas 412 e 413).
Concluindo:
Na parte em que o deliberado e plasmado na acta n.º 5, sessão 4ª, importa a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal e consequente inscrição no registo predial da afectação à fracção D do uso exclusivo do jardim, a deliberação é nula.
Impõe-se, por isso, revogar a sentença recorrida nessa parte.
No demais, confirma-se a sentença recorrida, reconhecendo-se que o uso do jardim/quintal do prédio sito na Rua …, nºs … a …, em Lisboa, está afecto exclusivamente à fracção "D", correspondente ao 1º andar desse prédio, em face da deliberação unânime dos condóminos plasmada na acta n.º 4 e da deliberação, aprovada por 76,5% dos votos dos condóminos, plasmada na acta n.º 5, sessão 4ª, que alterou parcialmente aquela.
Procede, assim, em parte a sentença recorrida.
***
V. Decisão:
Pelo acima exposto, decide-se:
1. Julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida na parte em que na mesma se determinou que seja inscrita no registo predial a afectação exclusiva do uso do jardim/quintal à fracção “D”, correspondente ao 1º andar do prédio sito na Rua …, nºs … a …, em Lisboa;
2. No demais, confirma-se a aludida sentença;
3. Custas da acção pelos autores e intervenientes, sendo as da reconvenção pelos autores/intervenientes e pelos réus, na proporção de metade cada parte;
4. Custas da apelação pelos apelantes e apelados, na proporção de metade cada;
5. Notifique.